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Discurso que devia ser transcripto a pag. 987, col. 1.ª, lin. 28.ª do Diario de Lisboa, na sessão de 1 de abril

O sr. Mártens Ferrão: — Tendo pedido a palavra na generalidade do orçamento, farei algumas reflexões sobre a maneira por que elle se acha organisado, e sobre o estado da fazenda publica, que d'elle resulta.

Desde muito tempo que me tenho abstido de tomar parte nas questões de fazenda, deixando-as a cavalheiros muito mais habilitados do que eu n'este ramo, como em todos os outros, e que têem com grande distincção dirigido a pasta da fazenda. Esses cavalheiros e meus amigos de certo não precisam do auxilio da minha voz, nem eu podia esclarecer como s. ex.ª as questões de fazenda. Entretanto tendo tomado a palavra na sessão de hontem para fazer algumas reflexões sobre a generalidade do orçamento, não posso deixar hoje de usar d'ella, não para fazer um discurso, mas para apresentar algumas reflexões sobre alguns dos pontos que reputo importantes neste assumpto.

Ouvi dizer ao illustre deputado que acabou de fallar, que só hoje apparecia n'este paiz a verdade sobre finanças; o orçamento passava a ter de hoje em diante o que sempre devêra ter sido, a expressão da verdade. É aquella a indução que se póde tirar do seu discurso! (Apoiados.) Começa hoje a verdade do orçamento, porque o governo não occulta nem uma só verba quer da receita quer da despeza!...

Não era de esperar do illustre deputado uma similhante asseveração, porque tendo s. ex.ª apoiado com o auxilio da sua voz e da sua opinião, situações anteriores á actual, não podia vir hoje por um excesso de ministerialismo desconsiderar assim as situações que apoiou (apoiados). A verdade é, sr. presidente, que a asserção do illustre deputado não é exacta. Desde muito tempo que todos os governos se têem, exforçado para que o orçamento do estado se approxime o mais possivel da verdade (apoiados). Este tem sido o empenho, desde muito, dos ministros que têem estado á frente dos negocios publicos e que têem comprehendido o seu dever de dizer a verdade ao paiz (apoiados).

Não creia v. ex.ª nem á camara, que a questão de methodo nas differentes organizações do orçamento, e aquelle que elle tem hoje, possa ser acreditada como o unico criterio da verdade orçamental.

Disse o nobre deputado: «O orçamento passou a ser a expressão da verdade». O que era elle até agora? Pois não estão ahi as contas do diversos ministerios? Não se póde por ellas ver se os orçamentos anteriores, foram approximados da verdade? E não se prova que o foram? (Apoiados.) Todos, nós temos obrigação de dar um testemunho circumspecto da verdade, em honra da dignidade parlamentar e da justiça que devemos fazer a amigos e adversarios (apoiados). E isto ficava bem ao gabinete actual, que tendo decretado o regulamento geral da contabilidade e consignado n'elle as regras de calcular a receita, afastou se d'ellas porque assim calculada, não poderia saldar o deficit com os seus calculos esperançosos Ficava bem ao illustre relator da commissão que, se tivesse querido apresentar o orçamento como perfeito, deveria te-lo confrontado com aquelle regulamento que o governo apresentou como regulador n'este assumpto: mas quando isto se não fez, não se está auctorisado a vir perante o paiz dizer = agora começa a verdade do orçamento, até agora (é a inducção) não existia! (Apoiados.) Mas phrases analogas creio ter já ouvido ao illustre deputado em outras occasiões, antes da apresentação d'este orçamento.

Não devasso as intenções alheias, supponho em todos as melhores, creio por isso que o governo calculou as receitas publicas como se acham calculadas no orçamento, porque entendeu que assim as devia calcular; mas na minha opinião exagerou as, como logo mostrarei, e se assim é, a verdade do orçamento actual não será tão evidente como se suppõe.

Sr. presidente, eu não venho aqui levantar uma questão politica; deixo por isso de parte a pomposa exposição que o illustre deputado apresentou sem necessidade nem provocação n'esta discussão do orçamento, de todas as medidas apresentadas pela actual administração, e que se fosse esta a occasião, eu reduziria ás suas justas proporções, (apoiados). Porei pois de parte essas reflexões do illustre deputado, que não têem aqui seu logar, nem preciso soccorrer me a ellas para a ordem das idéas que me proponho seguir.

A discussão do orçamento é de uma grande importancia só por si, para que se queira ir envolver ainda com assumptos que lhe são estranhos. Em todos os paizes constitucionaes, é no orçamento que especialmente se procede ao rigoroso exame do modo porque os dinheiros publicos são applicados, e da fórma porque as receitas são calculadas; é aquelle documento que representa a parte mais importante da administração publica, qual é o emprego dos dinheiros do paiz em todos os differentes serviços da administração do estado. Ali podem igualmente ser tratadas as mais importantes questões da administração.

E n'este ponto, discrepo das opiniões que ouvi apresentar n'esta camara. Em toda a parte o orçamento do estado é considerado como um documento de grande importancia, e mal de nós e do systema representativo, se deixar de assim ser considerado (apoiados).

Quando em França o conde de Molé dizia que de tres em tres annos seria chamado o parlamento para votar a receita e despeza do estado, a liberdade caía n'aquelle dia (Apoiados.)

A discussão illustrada do orçamento, em que tem logar a preciação da receita e da despeza publica e a sua confrontação com os principios da boa administração e da boa organisação dessa mesma receita, é a discussão mais importante e mais util que póde ter logar no seio do parlamento.

Eu creio que nós conquistámos hoje definitivamente uma boa pratica e dêmos um passo importante n'esta materia. Por duas vezes se tentou fazer com que o orçamento fosse discutido por ministerios, discussão illusoria como a pratica o tem mostrado todas as vezes que similhante systema tem sido seguido; mas duas vezes esta tentativa tem caído, e creio que não tornará a apparecer no parlamento. É esta uma grande vantagem obtida em favor de principios que hoje lá fóra são axiomaticos.

Em França lança se mão da discussão do orçamento para todas as questões mais importantes da governação, e ainda não ha muito tempo que se apresentou uma vasta rede de propostas, tendentes a fazer apreciar devidamente as finanças publicas, cuja discussão será de certo de grande interesse. Ali que o systema parlamentar não é tão amplo como em outros paizes onde o systema representativo é plenamente reconhecido, ali a discussão do orçamento é uma discussão larga que illustra, e da qual os poderes publicos tiram vantagem, porque as discussões do parlamento são ou devem ser um grande concurso de opiniões illustradas, que os governos que comprehendem a sua alta missão constitucional devem acatar, porque os governos representativos são essencialmente governos de opinião.

Não venho disputar as verbas do orçamento; voto a sua generalidade, porque nunca neguei meios ao governo para governar, não lh'os negaria agora. Voto o orçamento, e vou apenas manifestar as minhas apprehensões sobre alguns pontos importantes relativamente á questão de fazenda, e provocar sobre elles explicações da parte do governo.

Começo pelas economias! Houve um tempo em que n'esta terra se ergueu uma parcialidade politica que se alimentou, durante o tempo que militou na opposição, da palavra economia! A economia era a palavra de ordem, representava a bandeira d'essa parcialidade. Subiu ao poder, creio que em nome das economias, e eu olho para o orçamento dos annos da sua gerencia, e vejo que em todos elles a despeza para o serviço ordinario tem augmentado successiva e consideravelmente (apoiados).

Não é sem espanto meu que vejo isto em todos os orçamentos, ao passo que não descubro ahi nem uma só economia! (Apoiados.) Eu encontro n'este orçamento extremamente augmentadas as despezas ordinarias, e quando isto vejo não poso deixar de admirar a complacencia da illustre commissão, por achar ahi uma economia no ministerio da guerra de 220$164 réis, diante da qual se extasiou e chamou sobre ella a attenção da camara! Quando n'isto se cifram as economias promettidas, a par de grandes augmentos de despeza nos outros serviços, parece-me que se deveria pôr de parte o systema de proclamar como bandeira do partido e principio das economias! (Muitos apoiados.) Eu quero d'estes factos, largamente comprovados já desde annos anteriores, concluir uma grande verdade pratica, e é que os partidos devem ser muito circumspectos quando annunciam uma ordem de idéas como seu programma, e se compromettem por ellas (apoiados); devem ver primeiro se as podem realisar e se tem força para isso.

Se me perguntarem se é possivel fazer grandes economias na organisação dos serviços, digo que, para que elles sejam perfeitos, não é possivel; mas que nos serviços, como estão organisados entre nós, a despeza é superior ao que deveria ser, e superior em sommas muito avultadas. Eu creio que a maior parte dos nossos serviços carecem de reorganisados, muitos poderão ser melhorados e com bastante economia para o thesouro, outros carecem de maior despeza, porque devem ter maior desenvolvimento, é necessario dize-lo, mas com vantagem do serviço publico, porque nunca é caro o serviço que é bem feito (apoiadas.)

Mas para ter exercito sem uma organisação completa; para ter instrucção publica, em um estado de desorganisação em todos os seus ramos; para ter um systema de correição vergonhoso n'um paiz civilisado; para não haver segurança publica; para a administração estar em um cahos, creio que para isto são excessivas as verbas que vem do orçamento, para isto é excessiva a despeza que ahi se vota. Agora para ter estes serviços todos bem organisados não é sufficiente em muitos d'elles. Não serei eu quem receie de votar uma dotação conveniente para que esses serviços sejam organisado, de uma maneira que corresponda ao seu fim social. Para que o estado seja prospero é mister organisar bem a sua administração.

Eu não impugno a divisão que o sr. ministro da fazenda fez do orçamento em ordinario o extraordinario; mas esta divisão não tem mais, valor do que um valor de methodo; é verdadeiramente uma questão de methodo. E não succede assim nos paizes que s. ex.ª foi imitar; ahi não é simplesmente uma questão de methodo, é mais alguma cousa.

E eu digo porque entre nós como o orçamento está organisado, este systema é uma mera questão de methodo.

Por se passar para a despeza extraordinaria aquellas verbas que se entendem que são de despezas extraordinarias, e por se juntar n'esse orçamento algumas verbas que andavam dispersas por outras leis, não se segue por isso que essas verbas estivessem occultas. No systema representativo não ha nada occulto, porque as despezas são votadas pelo parlamento. E isto serve de resposta ao que disse o illustre relator da commissão. Não é porque certas verbas não estejam reunidas no orçamento de estado que deixam de ter publicidade, que deixam de ser conhecidas pelo paiz e pelos homens competentes. Votadas em leis avulsas ou reunidas no orçamento, são conhecidas. O reuni-las no orçamento é uma questão de methodo. A publicidade era a mesma, a verdade era a mesma antes de feita essa reunião.

Mas digo eu: organisado como está o orçamento em ordinario e extraordinario, quando para o orçamento extraordinario não se creou uma só receita, tendo por isso necessariamente de se recorrer ao credito para o supprir na sua totalidade; quando não se acha nesse orçamento extraordinario receita alguma extraordinaria e especial para fazer face ás despezas, essa organisação é uma simples questão de classificação e nada mais. Acho-a boa, nem disputo mesmo se uma ou outra verba deve pertencer a esse orçamento extraordinario ou ao ordinario, não entro nessa especialidade, supposto algumas devam manifestamente pertencer a este, mas o que isto não é nem póde ser é a expressão do mesmo principio que se adoptou em França, e que é seguido em Inglaterra.

V. ex.ª sabe e a camara que quando a actual ministro das finanças em França foi chamado ao governo, dividiu o orçamento em ordinario e extraordinario, e disse, e muito bem, no orçamento ordinario as despezas dos serviços publicos tendo um caracter obrigatorio e permanente, é necessario começar por as regular, buscando conciliar as suas necessidades e as conveniencias de uma sabia economia; é necessario depois crear os recursos sufficientes para lhe fazer face; mas no orçamento extraordinario não é assim, como as despezas não são restrictas e absolutamente indispensaveis para a ordem e marcha regular da administração, ahi a receita deve ser muito maduramente calculada, e conforme a receita possivel deve restringir-se e determinar-se a despeza;

Em consequencia o que se tem feito successivamente em França, e o que se faz em Inglaterra, onde ha igualmente um orçamento extraordinario? O que se tem feito é crear