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Discurso pronunciado nas sessões de 9, 10 e 11 de abril, pelo sr. deputado João de Andrade Corvo

(Sessão de 9 de abril)

Pedi a palavra, sr. presidente, por me parecer que havia utilidade em chamar a attenção da camara e do paiz sobre o assumpto grave a que diz respeito a parte do orçamento que actualmente se discute. Como professor, e como membro do conselho de instrucção publica, é dever meu dizer á camara e á nação algumas verdades, que talvez sirvam a disporão espirito publico para a vasta reforma, de que o ensino official urgentemente carece.

Receio que a camara não esteja disposta a ouvir a longa exposição que vou fazer-lhe. Temo cansa-la, e ser-lhe importuno. Da benevolencia da camara espero, porém, a attenção que eu, por mim não sei nem mereço alcançar, mas que pela importancia do assumpto, pelos elevados interesses que com elle se prendem, tenho desejo e esperança de obter.

Este assumpto da instrucção publica é, sem duvida, um dos mais graves, um dos que mais interessam á civilisação d'este paiz. E parece-me que todos nós, que estamos a cada instante, proclamando os nossos principios liberaes e progressistas, esquecemos de mais que esses principios não podem solidamente assentar senão sobre a instrucção popular largamente concebida, generosamente dotada, e perfeitamente organisada.

Só a liberdade que vem da consciencia do dever e do direito; essa liberdade não só politica, senão politica e social, é que representa o progresso na sua larga accepção; o progresso do povo. E não se póde ella obter n'uma nação, se o povo não tem os meios de se instruir pela leitura; se não tem a rasão esclarecida, para comprehender quaes são os principios moraes e politicos, quaes são as conveniencias economicas sobre que deve assentar a governação do estado.

Como um dos campos em que os dois systemas da centralisação e descentralisação administrativa travam luta mais pertinaz, é o da instrucção publica, e essencialmente o da instrucção popular, julgo opportuno dizer agora quaes são as minhas convicções sobre esses systemas; dizer em qual das duas escolas politico-administrativas me filio.

Ha muito que lá fóra se debate a questão, que só ha poucos annos vemos apparecer nas nossas assembléas politicas. Entre os partidarios da centralisação considerada como a base de um governo forte, de uma forte unidade nacional, e os partidarios da descentralisação, preconisada como constituição indispensavel da liberdade politica, e de uma vigorosa actividade e iniciativa popular, a dissidencia é profunda. Eu não pretendo conciliar as duas escolas; mas quero que meditemos no modo de transformar em realidade as aspirações da escola descentralisadora. Falla-se a cada instante aqui, falla-se de todos os lados da camara, em introduzir nas leis do paiz, em implantar na nossa organisação administrativa o principio da descentralisação, e á força de ouvir repetir tantas vezes esta opinião, estou já profundamente convencido de que, quando um dia esse principio, amadurecido pela discussão e recebido pela opinião publica, apparecer no parlamento, formulado em lei, não encontrará resistencias invenciveis. Mas é condição essencial de triumpho o ser prudente a sua applicação; o ser realisavel.

Não basta fazer aceitar uma idéa, é preciso estudar o meio de a realisar, e esse estudo é muitas vezes difficil.

Todos sabem, creio, o que se deve entender por descentralisação. Os espiritos liberaes não podem deixar de sympathisar com a descentralisação.

Eu acredito que é de grandissima conveniencia que a iniciativa individual tenha expansibilidade, possa actuar directamente sobre os interesses que lhe estão mais proximos, e, indirectamente, sobre os interesses do estado. Creio que é isto de grandissima conveniencia. Mas o que eu não creio é que a lei, só a lei possa crear a iniciativa individual e local. A iniciativa está nos habitos politicos da população; depende dos costumes publicos, da intelligencia e da educação nacional. Por consequencia pela instrucção popular é que ella se póde promover, desenvolver e activar.

Sem instrucção não contemos com iniciativa individual e por conseguinte, com proficua descentralisação. Vamos inscreve-la nas leis, a descentralisação, mas não a vamos de certo realisar, nos factos.

Mas acima dessa iniciativa individual ha a dos municipios; a dos districtos; e essa póde ser desde já chamada a actuar nos negocios publicos. Póde, é certo. Não tanto, porém, quanto seria para desejar.

A iniciativa dos municipios é opportuno que appareça, é necessario excita-la, promove-la. É preciso que os municipios percebam que têem interesses proprios, que só a elles pertence conhecer, discutir e resolver.

Mas isto obtem-se porventura, destruindo todas as influencias do governo central sobre os municipios? Não. É indispensavel que nos municipios haja a vida propria; e que n'elles se encontrem homens capazes de comprehender ao mesmo tempo os interesses locaes, e o modo por que esses interesses se ligam com o interesse geral da nação.

Eu sou daquelles que lêem os documentos officiaes; e tenho lido os relatorios dos governadores civis. A cada passo acho n'esses documentos vivas queixas sobre a incompetencia dos membros que compõem as corporações municipaes para bem resolverem muitos dos negocios a que, pela lei actual, lhes cumpre dar solução.

Supponho que ha exageração n'estas queixas, porque os relatorios são feitos pelas auctoridades administrativas, e as auctoridades administrativas, digo-o sem offensa, são extremamente ciosas da sua influencia; não gostam de que alguem se intrometta nos negocios e lhes limite o poder.

Os governadores civis desejam sempre collocar-se em uma posição independente; e têem rasão, quando se mantêem nos limites justos das suas attribuições. Mas não têem rasão quando querem alargar a sua influencia á custa das camaras municipaes. D'estas circumstancias resulta talvez serem os governadores civis pessoas imparciaes, ás vezes, nas suas informações sobre as corporações municipaes.

Todos nós conhecemos, todos sabemos, que em parte das camaras municipaes, ha completo abandono dos proprios interesses; devemos contar com esse desleixo, e combatel-o; tratando de as interessar successivamente nos negocios até as transformar dando-lhe vida e actividade. Ora essa transformação é preciso fazel-a com muita cautela. O que nós não podemos é a cada instante e para tudo estar a invocar o principio da descentralisação, nem julgar que podemos trazer a descentralisação para Portugal tal qual ella é nos Estados Unidos.

Não contando eu muito com os resultados beneficos que possam porvir da applicação immediata da descentralisação em toda a sua plenitude, parece-me comtudo que ha muito que pensar, que meditar sobre o modo de a applicar ao nosso paiz.

Eis-aqui em largos traços quaes são as minhas idéas; provavelmente nem todos têem opiniões conformes com as minhas sobre este difficil assumpto; mas o dever de cada um de nós é dizer aquillo de que está convencido.

Sr. presidente, passo agora a tratar das questões especiaes sobre as quaes é necessario que eu chame a attenção da camara, esperando eu que ella quererá ter a condescendencia de me ouvir....

Nós temos n'este capitulo do orçamento que se discute, os tres ramos importantes de instrucção publica. Temos a instrucção primacia, a secundaria e a superior. A minha opinião, digo-o já, é que nem a instrucção primaria, nem a secundaria, nem a superior estão organisadas como o devem estar (apoiados). Em todas reina a confusão; n'uma pesa a miseria, n'outra domina a desordem, e n'outra ha sobejidões, ha excesso, ha nocivo luxo (apoiados). Eu me explicarei, e direi desassombradamente a minha opinião. Todos sabem que eu sou professor de uma escola superior, mas, sabem tambem, que não me move nunca a paixão, nem me cegam sympathias; sigo os dictames da minha rasão, que póde errar, que erra muitas vezes, mas que procura sempre a verdade e a justiça. Não ha de illudir-me, espero-o eu, rivalidades de escolas. A minha posição de professor não me ha de perturbar a serenidade de animo, indispensavel para discutir questões de tão alto interesse para o paiz.

Eu entendo que a instrucção primaria está na miseria; que a secundaria é um elemento de desordem na instrucção publica e muitas vezes de desmoralisação... Não me importa que alguem se irrite contra isto que affirmo (apoiados); digo emfim que a instrucção superior está mal organisada; por excesso, por superfluidade de ensino em alguns dos seus ramos, e sobretudo por n'ella haver outro defeito mais radical ainda, e muito mais importante, por haver entres as corporações ensinantes confusão nos methodos e na natureza de ensino. Não as distingue cabalmente a divisão do trabalho, e ainda cada uma d'ellas se não compenetrou da sua missão.

Tratarei das tres divisões da instrucção publica separadamente.

Terei de entrar em longos desenvolvimentos, de multiplicar exemplos e grupar dados estatisticos. A camara consentir-m'o-ha, em attenção á importancia social do assumpto. Parece-me que as questões d'esta ordem, se não podem tratar bem de outra maneira senão buscando a relação do numero de escolas ao dos habitantes, do numero de alumnos ao das escolas de ensino primario, comparando a do numero de individuos que sabem ler, com o numero dos que não sabem, indagando a proporção do orçamento da instrucção publica entre nós, relativamente ao dos outros serviços, e comparando-a com a dos orçamentos de outros paizes; buscando a verdade nos factos, e lição nos bons exemplos.

Foi mais por dar á camara uma collecção de informações que eu tive algum trabalho em colligir; do que para alcançar desde já um resultado importante qualquer em favor da instrucção publica, que eu tomei a palavra. A camara dará aos factos a importancia que elles merecem.

Ella julgará depois, e de certo julgará com rasão mais esclarecida do que a minha; julgará com justiça e illustração, como este julgamento deve assentar sobre factos, eu, apresentando estes factos, faço, parece-me, um bom serviço á instrucção publica (apoiados).