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SESSÃO DE 29 DE JULHO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de requerimentos, projectos de lei e representações. — Ordem do dia: eleição de commissões — Discussão e approvação do parecer n.º 2, da commissão de verificação de poderes, sobre a eleição do circulo n.º 14 (Porto) — Discussão, que ficou interrompida, do parecer da mesma commissão, sobre o processo eleitoral do circulo n.º 7 (Villa Verde).

Chamada — 52 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Albino Geraldes, Alfredo da Rocha Peixoto, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, Barros e Sá, Antonio Julio, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Carlos Bento, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Correia de Mendonça, Camello Lampreia, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Guilherme de Abreu, Gomes da Palma, Perdigão, Jayme Moniz, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Vasco Leão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Klerck, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Costa e Silva, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Camara Leme, Affonseca, Pires de Lima, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Placido de Abreu, Ricardo Gouveia, Thomás de Carvalho, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Teixeira de Vasconcellos, Boavida, A. J. Teixeira, Barão do Rio Zezere, Carlos Ribeiro, Claudio Nunes, Conde de Villa Real, Fortunato Vieira das Neves, Silveira Vianna, Van-Zeller, Silveira da Mota, Melicio, Pinto de Magalhães, J. A. Maia, Dias Ferreira, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Sá Vargas, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Cunha Monteiro, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Arrobas, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Eduardo Tavares, Francisco Costa, Lobo d'Avila, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Lourenço de Carvalho, Thomás Bastos.

Abertura — À uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo 120 exemplares das contas de gerencia e exercicio d'aquelle ministerio, no ultimo anno economico.

Mandaram-se distribuir.

2.º Do mesmo ministerio, remettendo as relações dos individuos habeis para serem eleitos deputados.

Para a secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, accusando a recepção do officio, em que se participava a constituição definitiva da camara.

Para a secretaria.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam com urgencia remettidos a esta camara todos os documentos ácerca da ordem dada em 3 de julho de 1871, pelo administrador do bairro oriental da cidade do Porto, para enterramentos no cemiterio de Paranhos.

Sala das sessões da camara, 28 de julho de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado pelo circulo n.º 13.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja mandado publicar o relatorio do general commandante da 4.º divisão militar, que inspeccionou o regimento de cavallaria n.º 3.

Sala das sessões da camara, 28 de julho de 1871. = O deputado pelo circulo n.º 55, Alberto Osorio de Vasconcellos.

3.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettida com urgencia a esta camara copia dos pareceres dados pelo conselheiro procurador geral da corôa e fazenda, relativos á portaria que prohibiu a continuação das conferencias que tinham logar no casino lisbonense.

Sala das sessões da camara, 28 de julho de 1871. = Conde de Villa Real = Luiz de Almeida Coelho de Campos = Alberto Osorio de Vasconcellos.

4.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara com urgencia os seguintes documentos:

I. Copia da representação feita no principio do corrente anno por alguns eleitores da freguezia de S. Martinho de Pindo, na qual pediam a sua annexação ao concelho de Mangualde;

II Copia da contra representação da maioria dos eleitores da mesma freguezia, na qual protestavam contra a annexação requerida, a fim de continuar a fazer parte do concelho de Penalva do Castello, onde hoje pertence;

III. Copia da acta da sessão da camara de 5 de abril do corrente anno, e do officio do administrador do concelho de Penalva do Castello de 8 do mesmo mez e anno, que informam aquellas pretensões;

IV. Copia de todos os mais documentos e informações do governador civil ácerca d'este assumpto.

Sala das sessões da camara, 28 de julho de 1871. = O deputado pelo circulo de Mangualde, Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque.

5.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja com urgencia enviada a esta camara uma nota designando:

I. Quantos dias empregaram os dois engenheiros districtaes no estudo da estrada districtal de Penalva do Castello a Mangualde, o qual teve começo no dia 3 do corrente mez de julho;

II. Quantos kilometros de estrada foram estudados, e qual o estado d'este trabalho;

III. Qual a importancia da despeza com estes estudos, se já foi satisfeita, e qual a verba auctorisada devidamente para lhe fazer face;

IV. Copia do ultimo orçamento districtal approvado.

Sala das sessões da camara, 28 de julho de 1871. = O deputado pelo circulo n.º 47, Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque.

6.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos com urgencia a esta camara os seguintes documentos:

I. Copia da portaria expedida, com data de 26 de junho do corrente anno, ao governador civil de Vizeu, mandando proceder á eleição de deputados no concelho de S. Pedro do Sul, pelo recenseamento de 1870;

II. Copia do officio d'aquelle governador civil, datado de 12 do mesmo mez, e dos documentos juntos ao mesmo officio, a que se refere a citada portaria;

III. Copia da consulta do conselheiro procurador geral da corôa, citada na mesma portaria.

Sala das sessões, 28 de julho de 1871. = O deputado pelo circulo n.º 50, José Bandeira Coelho de Mello.

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7.° Requeiro pelo ministerio do reino:

I. Que seja remettida a esta camara a copia de toda a correspondencia do governador civil do districto de Vizeu, ácerca da eleição de S. Pedro do Sul até ao acto de apuramento;

II. Copia de quaesquer documentos que habilitem a camara a fazer juizo seguro sobre as providencias que a mesma auctoridade tomou ácerca dos desacatos praticados na assembléa de Vouzella, e bem assim dos que se refiram a qualquer auto de noticia ou processo administrativo sobre os crimes commettidos contra cidadãos eleitores do circulo de S. Pedro do Sul.

Requeiro pelo ministerio da justiça:

I. Copia de todos os documentos ou officios que por parte do poder judicial d'aquella camara tenham sido dirigidos á secretaria da justiça sobre o mesmo assumpto;

II. Esclarecimentos sobre as informações a que o governo procedeu em relação á conducta do juiz de direito accusado perante o paiz na imprensa, que ainda não chamou aos tribunaes, de connivente ou consentidor dos mesmos desacatos.

Requeiro pelo ministerio da guerra:

Certidão do numero de soldados promptos para serviço, que existiam na cidade de Vizeu nos dias 7 e 8 de julho corrente.

Sala das sessões, 28 de julho de 1871. = Luiz de Almeida Coelho de Campos.

Foram remettidos ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Declaro que desejo interpellar o sr. ministro do reino ácerca da ordem dada em 3 de julho de 1871, pelo administrador do bairro oriental da cidade do Porto, para enterramentos no cemiterio de Paranhos.

Sala das sessões, 28 de julho de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado pelo circulo n.º 13.

2.ª Requeremos que seja prevenido o ex.mo ministro do reino, de que desejâmos interpella-lo sobre os factos de ter sido tirado pelo administrador do concelho de Arganil, das mãos de um official de diligencias do juizo de Arganil, um preso que este conduzia á cadeia em virtude de um mandado judicial, sendo encarcerado o mesmo official de justiça; e de ter sido preso sem culpa formada o cidadão Antonio Ferreira de Abreu Pinto, sendo solto cinco dias depois sem ser entregue ao poder judicial.

Sala das sessões, 28 de julho de 1871. = Francisco Wan-Zeller = José Dias Ferreira.

3.ª Requeremos que seja prevenido o ex.mo ministro da guerra, de que pretendemos interpella-lo sobre os factos de ter andado a força militar, estacionada em Arganil, em correrias aos eleitores nas vesperas da eleição, e de ter cercado no proprio dia da eleição a casa de um eleitor para obstar ao exercicio do direito de votar.

Sala da sessões, em 28 de julho de 1871. = Francisco Wan-Zeller = José Dias Ferreira.

4.ª Desejo interpellar o sr. ministro do reino, ácerca do facto consignado no diploma de deputado eleito que me foi conferido pela mesa da assembléa de apuramento do circulo n.° 55, facto que consiste em o administrador do concelho da Figueira de Castello Rodrigo não ter cumprido o § 2.° do artigo 80.º do decreto de 30 de setembro de 1852.

Sala das sessões, em 28 de julho de 1871. = O deputado pelo circulo n.º 55, Alberto Osorio de Vasconcellos.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

SEGUNDA LEITURA

Proposta

A camara, concedendo a lei de meios até 30 de setembro, quiz significar o desejo de que que sem interrupção se passe á discussão do orçamento.

Sala das sessões, em 28 de julho de 1871. = Pereira de Miranda.

Foi admittida, e sendo posta á votação, foi rejeitada.

Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Fortunato Vieira das Neves.

O sr. Camara Leme: — Participo a v. ex.ª e á camara que não tenho comparecido ás sessões por incommodo de saude.

E por esta occasião peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me concedo licença para eu continuar, no campo, o meu tratamento.

Consultada a camara, concedeu por unanimidade a licença pedida.

O sr. Pinheiro Borges: — Sinto bastante não estarem, presentes n'esta occasião os meus collegas, deputados pelo districto de Evora, porque lhes pediria para me acompanharem na recommendação implicita nas perguntas que vou dirigir a s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas.

O pedido d'elles, e a iniciativa da sua parte seria com certeza muito mais proficua do que a minha, por isso que são amigos do governo, e reunem todas as condições precisas para que sejam attendidos.

Segundo informações que tive vão ser interrompidos os trabalhos da construcção do caminho de ferro de Evora a Extremoz; isto depois de se ter construido um lanço de 25 kilometros, parte d'elles em terrenos ermos e estereis, e faltando para a conclusão d'este caminho a parte mais essencial para que a sua exploração, que já é muito favoravel para o estado que a administra, possa compensar os sacrificios que se tem feito com a construcção, não me parece conveniente interromper agora os trabalhos.

De Evora a Extremoz o traçado comprehende pouco mais ou menos 50 kilometros; estão construidos 25 e faltam outros 25. N'estes 25 que faltam ha trabalhos bastante adiantados que é conveniente aproveitar, e que se a construcção não continuar serão destruidos pelo tempo.

Ha principalmente um lanço desde Valle de Pereiro até á Venda do Duque, que é de facil traçado e tem de extensão 10 kilometros que muito conviria continuar e concluir a construcção antes da estação invernosa, porque levada a construcção até aquelle ponto, os productores dos importantes concelhos de Extremoz, Borba, Villa Viçosa, Aviz, Fronteira, e mesmo parte dos do concelho de Redondo mandariam ali sem incommodo em qualquer epocha do anno todos os productos da sua industria.

Posto que não seja da indole do partido reformista aconselhar despezas, comtudo ha despezas que sendo productivas é vantajoso faze-las; e a conclusão do caminho de ferro de Extremoz está n'este caso. Estão dependentes d'elle industrias nascentes, que, sem se concluir este caminho, não podem ter desenvolvimento, como é, por exemplo, a exploração dos marmores; e a industria dos vinhos, que já é importante, muito mais se desenvolverá logo que aquelle caminho de ferro se conclua.

Alem d'isto as condições da provincia do Alemtejo, com relação ás condições economicas da exploração d'este caminho de ferro, pedem que a elle concorra a producção das principaes povoações d'aquella provincia, e que os productos percorram a via na maior extensão possivel entre o logar da producção e o do consumo.

Tem-se commettido entre nós bastantes erros com relação ás condições economicas da exploração dos caminhos de ferro, desviando-lhe a receita, e no proprio caminho de ferro do sul ha um exemplo frisante, e que devia ter sido attendido ha quasi dez annos.

Refiro-me ao ramal de communicação da povoação de Montemor com a estação respectiva, cuja construcção só começou este anno, a instancias minhas, sendo ministro, das obras publicas o actual sr. presidente do conselho, ramal que muito convem concluir, para beneficio da exploração do caminho de ferro.

Como sou o unico deputado pelo districto de Evora que está hoje na camara, entendi que não podia deixar de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para este importante assumpto, e espero que s. ex.ª me dê algumas

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informações a respeito d'elle, e se é exacto que já se retirou de Valle de Pereiro o pessoal technico, e se foram despedidos os operarios praticos nas especialidades d'estas construcções, que é difficil de reunir depois de dispersos, e que convinha aproveitar continuando a construcção do caminho até á Venda do Duque; e desejo que s. ex.ª me dê explicações a respeito do que tenciona fazer, a fim de satisfazer a anciedade dos habitantes d'aquellas localidades, que muito anhelam por ver levado a effeito tão importante melhoramento.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Carlos Bento): — Não é favor da minha parte responder ao que disse o illustre deputado; é um dever rigoroso do cargo que exerço o responder ás observações que s. ex.ª acabou de fazer.

O governo não póde deixar de ter em vista a prolongação do caminho de ferro até ao ponto de que se trata, e parece-me que foi na administração de que tenho a honra de fazer parte que se tomaram as providencias para que os 25 kilometros de caminho de ferro de Evora a Extremoz se concluissem.

O complemento d'essa obra em termos muito rasoaveis faz muita honra ao individuo que dirigiu a construcção d'aquelle caminho.

As vantagens que resultam d'este caminho de ferro são muito maiores do que as que se suppunham.

Porém o ramal de que se trata, na extensão de 25 a 27 kilometros, offerece mais difficuldades na construcção do que offereceu o ramal que já está feito. A despeza está orçada proximamente em 250:000$000 réis pelo engenheiro a que já me referi, e, a dizer a verdade, o modo por que este individuo tem desempenhado as suas funcções, dá a garantia de que esse orçamento não poderá ser muito excedido quando as obras se realisem.

Estou plenamente de accordo com o illustre deputado na utilidade de se concluir esta obra, entretanto s. ex.ª sabe que incumbe ao governo a obrigação de obter as sommas necessarias para estas despezas extraordinarias, e isto pelo menor preço possivel. Uma das garantias mais efficazes de economia é o levantamento por pequeno preço de fundos para pagar qualquer despeza.

O governo já teve propostas para levantar fundos para occorrer ás despezas d'este ramal, mas devo dizer que as condições que se offereciam n'essas propostas não o satisfizeram, e é esse o motivo por que ainda não se effectuou uma transacção definitiva.

O illustre deputado deve estar certo de que o governo não tem em menos consideração, do que s. ex.ª, as vantagens que podem resultar d'este caminho de ferro, e portanto declaro que se hão de empregar todos os esforços a fim de que estas obras se concluam.

Entendo que estas obras não devem ser feitas á custa de recursos ordinarios, porque nós não podemos gastar todos os annos uma somma avultada sem que sáia de recursos extraordinarios.

É preciso que tratemos de melhorar as nossas circumstancias financeiras de maneira que habilitem o governo em pouco tempo a poder occorrer ás despezas que resultam d'estas obras, que não podem ser satisfeitas dentro dos limites do orçamento ordinario.

O custeamento da parte technica das obras era antigamente posto a cargo da somma que annualmente se votava como receita extraordinaria para fazer face ás despezas das estradas, mas hoje essa somma entra na despeza ordinaria do estado. Creio que isto foi um excellente passo dado na organisação das nossas finanças.

Entendo que as obras ordinarias devem ser custeadas com receita ordinaria, e que se devem empregar todos os esforços para que isso tenha logar no mais breve espaço de tempo possivel.

É necessario porém tambem que se estabeleçam recursos extraordinarios para as obras que não se comprehendem n'esta regra geral.

São estas as explicações que tenho a dar ao illustre deputado.

O sr. Francisco Mendes: — Com quanto não concorresse para a eleição de v. ex.ª, seja-me permittido cumprimentar o meu circulo por ter a honra de ver na presidencia d'esta camara um dos seus mais recentes e illustrados representantes.

Hontem, quando se discutia a lei de meios, pedi a palavra, mas tendo sido julgada a materia discutida e votado o parecer da commissão exactamente (me parece) na occasião em que na inscripção se seguia o meu nome ao do ultimo orador, senão immediata, pelo menos proximamente, ficou por consequencia prejudicado tudo que eu queria dizer.

Agora tenho simplesmente a fazer pequenas considerações, para deixar ficar bem conhecido o meu voto.

Estou convencido de que o governo pretende adiar a camara antes da discussão do orçamento.

Tenho visto que o nobre presidente de conselho tem procurado sempre evitar essa discussão, ora pedindo o adiamento da camara, ora dissolvendo-a.

Em 1868, sendo s. ex.ª interpellado n'esta camara pelo sr. Saraiva de Carvalho, sobre se se discutia o orçamento, s. ex.ª prometteu que não pediria o adiamento da camara sem ser discutido o orçamento; mas dias depois s. ex.ª pedia esse adiamento e saía do governo por lhe ser recusado.

Na ultima sessão, na legislatura passada, s. ex.ª para evitar a discussão de orçamento dissolveu a camara.

Estou convencido de que o nobre presidente do conselho foge a esta discussão pela sua demasiada bondade. S. ex.ª não quer ferir pessoa alguma; da discussão do orçamento hão de resultar córtes profundos na despeza publica, e esses córtes hão de ferir alguem, por consequencia o nobre ministro não quer arrastar com o descontentamento que esses córtes podem produzir.

Ora por todas estas rasões era convicção minha que á lei de meios se seguirá o adiamento, mas se o não fôra, convencer-me ía o ver que o governo não aceitou a restricção apresentada pelo meu illustre collega e amigo visconde de Moreira de Rey.

Por aquella restricção concedia-se a lei de meios com a condição de estar a camara aberta até se discutir o orçamento.

O meu illustre collega, o sr. Luciano de Castro, disse que, se isso se fizesse, teria o inconveniente de que a maior parte dos deputados provavelmente se retirariam por causa do calor, e por consequencia o governo ver-se ía obrigado a assumir a dictadura. Mas n'esse caso a responsabilidade não era do governo, a responsabilidade era da camara, e eu estou convencido de que nenhum dos meus collegas, que tanto se interessam pela organisação das nossas finanças, deixaria o seu posto por esse motivo. Portanto, a não aceitação d'essa restricção significa que effectivamente da parte do governo ha menos vontade de entrar na discussão do orçamento, e é este o motivo por que eu não votei hontem a lei de meios.

Dada esta explicação, eu desejo tambem ligeiramente responder ao que o nobre presidente do conselho hontem disse em resposta a algumas accusações que lhe foram feitas por parte dos meus collegas, relativamente a violencias praticadas nas eleições.

S. ex.ª assegurou que tinha havido a mais perfeita liberdade. Contra essa liberdade podem fallar muitos circulos do paiz, representados por cavalheiros (que estou convencido que são muito dignos e que hão de representa-los muito bem), mas que sendo desconhecidos n'esses circulos, era necessario que houvesse uma recommendação muito terminante da parte da auctoridade para poderem vencer o espirito de bairrismo. Contra essa liberdade respondem as violencias praticadas em alguns circulos, especialmente do meu districto, e das quaes me não occupo, porque os proprios interessados tratarão d'essa questão. Finalmente, contra essa liberdade falla a guerra feroz (permitta-se-me a

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expressão) mandada fazer pelo governo ao sr. Coelho do Amaral, um dos caracteres mais nobres, mais honrados que tem vindo a esta camara (apoiados), homem respeitado por todas as parcialidades politicas; e a este respeito appello para a opinião de muitos collegas meus que o têem acompanhado aqui em diversas legislaturas, e dirijo me a todas as parcialidades politicas — regeneradores, historicos e reformistas (apoiados).

Portanto, protesto contra tal liberdade.

Dadas estas explicações, sr. presidente, nada mais tenho a dizer.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Pereira de Miranda: — Pedi a palavra para em primeiro logar manifestar a minha surpreza pela votação que ha pouco teve logar, sobre uma proposta minha. Mas não sei o que seja mais para admirar—se a resolução da camara, se o silencio absoluto e talvez calculado da parte do governo em objecto de tanta importancia. Dito isto passo a ler um requerimento, que mandarei para a mesa (leu).

Visto estar presente o sr. presidente do conselho, vou dirigir a s. ex.ª uma pergunta sobre um objecto grave e importante.

Faz hoje justamente dois mezes que eu tive a honra de apresentar n'esta casa um projecto de lei sobre um assumpto de summa gravidade, e apresentei esse projecto de lei, não porque confiasse na minha iniciativa como deputado, mas unicamente para arredar de mim a responsabilidade de não ter cooperado tanto quanto podesse para a solução de um negocio de tanta importancia.

Eu tinha sido por vezes convidado pelos nobres ministros da marinha e da fazenda para conversações sobre este assumpto, que é, a navegação a vapor para a costa de Africa occidental e oriental, e tive occasião de expor a esses cavalheiros a minha opinião. Mais tarde tive tambem a honra de ser convidado a uma conferencia com outro cavalheiro, em presença de todo o ministerio. N'essa conferencia manifestei eu com toda a clareza a opinião que tinha, expondo todos os alvitres de que se podia lançar mão com vantagem, e pareceu-me então que o governo ficava seriamente empenhado na resolução prompta d'este negocio.

Effectivamente o sr. presidente do conselho varias vezes me pediu que lhe fornecesse um documento onde eu indicasse todos os alvitres que lhe tinha exposto na conferencia; annui ao pedido de s. ex.ª, e vendo que se approximava o termo da sessão e que não se resolvia o negocio, tomei a resolução de apresentar á camara um projecto de lei. Hoje completam-se dois mezes depois que apresentei aquelle projecto, e ainda da parte do governo não ha nada resolvido sobre um assumpto de tal gravidade!

Dentro de deis mezes termina o praso do contrato com a empreza lusitana para a navegação a vapor para a Africa, e eu entendo que devemos olhar seriamente para esta questão. Se o governo continuar a arredar os olhos da grave questão colonial, estou certo de que ella ha de bater-nos á porta imperiosamente, porque são más as noticias que correm a respeito de todas as colonias. Ainda ha pouco vieram noticias graves da India, e mais graves ainda vieram de Macau; e se nós não tratarmos de olhar seriamente para as nossas colonias não sei qual será o seu futuro.

Não estando presente o sr. ministro da marinha a quem compete este negocio, e foi s. ex.ª com quem mais particularmente tratei este assumpto, dirijo-me ao sr. presidente do conselho, e pergunto a s. ex.ª o seguinte: Resolveu o governo alguma cousa com relação á navegação a vapor para as duas costas de Africa? Que tenciona o governo fazer n'este assumpto? Quaes os meios com que conta poder occorrer a este serviço logo que termine o contrato com a empreza actual?

Espero a resposta de s. ex.ª

O sr. Presidente: — Para manter a ordem no debate devo dizer, que se era interpellação que o sr. deputado queria dirigir ao governo devia ter sido annunciada...

O sr. Pereira de Miranda: — Era uma simples pergunta.

O sr. Presidente: — As perguntas fazem-se geralmente á presidencia; as interpellações annunciam-se, a fim de serem communicadas ao governo, e elle poder-se habilitar para responder; não obstante o governo já se inscreveu para fallar.

O sr. Pereira de Miranda: — Não estou pratico nas disposições do regimento; entretanto, querendo fazer uma simples pergunta ao governo, não a podia dirigir a v. ex.ª, porque julgava que v. ex.ª não estava habilitado para me responder.

O sr. Ministro da Fazenda e interino das Obras Publicas (Carlos Bento): — Pedi a palavra para responder ao illustre deputado, ainda que s. ex.ª não se dirigisse directamente a mim; mas o illustre deputado sabe perfeitamente que esta questão foi tratada na presença de todos os ministros, e que nunca me esquivei a ter uma opinião decidida sobre o assumpto e a aceitar completamente a responsabilidade inherente a essa opinião.

O governo não se descuidou de um assumpto tão importante, como aquelle de que se occupou o illustre deputado; e, na narração imparcial que s. ex.ª fez do que se tinha passado, deu a demonstração de que o governo tratou do assumpto, e que procurou ouvir a opinião esclarecida do illustre deputado.

O contrato de que se trata não acaba n'um praso tão proximo que, tendo se a certeza do prolongamento da camara, prolongamento que me parece que está ligado a uma lei que ainda hontem se votou, não haja muita occasião de se poder adoptar uma disposição que não comprometta a regularidade das communicações com as nossas colonias.

Mas quem reconhece a necessidade da regularidade e da rapidez das communicações com as nossas colonias, de certo não admitte todas as soluções que possam trazer maior despeza e ao mesmo tempo maiores inconvenientes economicos.

Eu sou partidario das economias; comtudo não quero comprometter de maneira nenhuma a urgencia, regularidade e necessidade d'este serviço com a questão das economias; mas por outro lado todas as vezes que a questão das economias se poder conciliar com a regularidade do serviço e vantagens do thesouro, parece-me que não póde ser nunca uma accusação que se deva dirigir ao governo o ter demorado a solução d'este negocio para conseguir a regularidade do serviço com vantagem do mesmo serviço e do thesouro.

Posso assegurar ao illustre deputado que o governo está em transacções a respeito d'esta importante questão. Estou persuadido de que o negocio ha de ser resolvido em condições vantajosas para o thesouro e uteis para o ultramar.

Estou tambem de accordo com o illustre deputado em que nós devemos tratar com muita attenção as nossas provincias ultramarinas, levando-lhes o desenvolvimento de que ellas são susceptiveis, e, sobretudo, em que a escolha das pessoas para as administrar recáia n'aquellas que dêem garantias de se poder realisar as vantagens que aquellas provincias devem e podem alcançar.

O sr. Soares de Lencastre: — Mando para a mesa os seguintes requerimentos (leu).

O sr. Presidente do Conselho (Marquez d'Avila e de Bolama): — Pedi a palavra, porque não queria que o illustre deputado, o sr. Pereira de Miranda, podesse julgar que, dirigindo-me algumas perguntas, eu as não tomava na consideração que o illustre deputado me merece. A observação que v. ex.ª fez é completamente regular, e se eu entendesse que o governo não estava habilitado para responder ao illustre deputado, eu talvez invocasse o beneficio do respectivo artigo do regimento, porque realmente a pergunta recáe sobre objecto tão importante que é uma verdadeira interpellação; e entretanto o governo está habilitado para responder desde já ao illustre deputado.

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O meu collega da fazenda parece-me que respondeu cabalmente ao illustre deputado, e póde s. ex.ª ter a certeza de que se não ha de fechar esta camara sem que o governo venha trazer ao parlamento as medidas de que o mesmo governo carece para poder assegurar a navegação para a Africa. Mas no que eu quero insistir é no que disse o sr. ministro da fazenda, de que a demora que tem havido na resolução d'este negocio tem provindo das difficuldades que o governo tem tido em aceitar propostas que o governo julga que não eram muito vantajosas para o thesouro; comtudo o governo espera que ha de assegurar a navegação para a Africa occidental, e talvez para a Africa oriental, em condições mais vantajosas do que as que lhe têem sido propostas até aqui; e toda a demora que tem havido a este respeito é unicamente porque o governo, respeitando como deve as circumstancias do thesouro, entendeu que devia prover a essa necessidade, que eu creio que o é, procurando comtudo obter que o subsidio concedido não fosse mais consideravel do que as nossas circumstancias financeiras com portavam (apoiados). O illustre deputado está perfeitamente n'estas idéas, e de certo toda a camara, e por consequencia espero que quando o governo vier pedir ás côrtes os meios precisos para resolver esta importante questão ha de encontrar ao seu lado o illustre deputado, que será o primeiro a applaudir a reserva e a prudencia com que o governo andou n'este negocio.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa diversos requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo:

O primeiro é o seguinte (leu).

O segundo é n'estes termos (leu).

Com relação a este segundo requerimento, preciso lembrar á camara a historia d'elle.

Em 3 de abril d'este anno, o quasi no principio das sessões parlamentares, remetti para a mesa, a fim de ser enviado ao governo, um requerimento n'estes mesmos termos, pedindo a urgencia d'elle, porque era absolutamente necessario para a discussão do orçamento; pois, apesar d'isso, estes documentos nunca vieram, instei muitas e repetidas vezes, nada consegui, e se nada conseguir agora, ver-me-hei obrigado a referir perante a camara quaes são os motivos pouco dignos de louvor que demoram a remessa d'estes documentos (apoiados).

Devo ainda acrescentar, para maior edificação da camara n'este assumpto, que era sessão da commissão de fazenda, tratando se de discutir o orçamento do ministerio da fazenda, o sr. ministro da repartição competente, o qual ainda actualmente exerce o mesmo cargo, prometteu levar aquella commissão os documentos de que estou tratando, e comtudo até agora ainda elles não appareceram.

Portanto reclamo-os hoje, e declaro que os hei de reclamar todos os dias, emquanto não se encerrar a sessão, até ao momento em que, esgotando se me de todo a paciencia, venha mostrar ao paiz como corre a sua administração, declarando-lhe quaes são os motivos por que esses documentos não vieram ainda.

Mando tambem outro requerimento, pedindo esclarecimentos, e finalmente renovo a iniciativa de diversos projectos de lei, nota que julgo desnecessario ler.

O sr. Presidente: — O sr. deputado póde estar certo de que os seus requerimentos hão de ser expedidos competentemente.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Eu tinha pedido a palavra, porque estava compromettido a isso desde que hontem fiz a declaração de que precisava explicar-me ácerca dos motivos que tive para votar contra a proposta do governo e contra o projecto da commissão de fazenda ácerca da lei de meios.

Esta discussão é um pouco extemporanea na presente occasião, e eu, para não repetir o que disse o meu illustre collega e prezado amigo, o sr. Francisco Mendes, faço minhas as declarações de s. ex.ª, acrescentando unicamente que lamento que uma intelligencia tão robusta, como é a do sr. José Luciano de Castro, que um homem tão competente para entrar na discussão de todos os assumptos que se tratam n'esta camara, viesse apresentar, para fundamentar o projecto da commissão, argumentos que só por si eram para mim sufficiente convencimento de que devia votar contra o mesmo projecto.

S. ex.ª chegou a dizer que era um ataque ao poder moderador, que era uma restricção posta ao livre exercicio da sua prerogativa, a apresentação do projecto do sr. visconde de Moreira de Rey, projecto que eu tambem assignei; e não se lembrou que o projecto da commissão, introduzindo restricções na lei de meios que o governo apresentou, estabelece igualmente uma restricção, como s. ex.ª lhe chama, ao livre exercicio da prerogativa do poder moderador.

Estou longe de compartilhar esta doutrina. Em minha opinião nem o projecto da commissão, nem o do sr. visconde de Moreira de Rey importam um ataque ou restricção á prerogativa regia, nem mesmo menos consideração por ella. Entendo que seria da maxima conveniencia que tratassemos de definir bem quaes são os limites dos diversos poderes do estado, para que conhecessemos facilmente quando algum d'elles sáe fóra da sua esphera legal de acção. Deus nos livre que o poder moderador não tivesse limites no seu exercicio.

O procedimento d'esta camara não póde jamais ser considerado como um ataque ao poder moderador desde o momento em que ella trata de exercer um direito que lhe é garantido pela carta constitucional.

Esta materia deve mais propriamente ser tratada em outra occasião; e eu, pela parte que me toca e com os parcos recursos de que disponho, hei de trata-la quando se discutir a resposta ao discurso da corôa ou em outra occasião, se a camara tiver a benevolencia de consentir que nós, opposição, fallemos. Trataremos então do poder moderador, dos seus limites, e da sua irresponsabilidade.

O sr. Francisco Mendes fallou tambem em outro assumpto, que eu não posso deixar de tocar.

Em homenagem á amisade que presto a um dos cidadãos mais respeitaveis que têem feito parte d'esta camara, o sr. Francisco Coelho do Amaral (apoiados), não posso deixar de levantar a minha voz para declarar que senti, e senti profundamente, que o sr. marquez d'Avila e de Bolama se lembrasse de fazer a guerra que fez a um cavalheiro que sempre tem sido respeitado, por todos os partidos, e que tem prestado relevantes serviços ao paiz (apoiados); um cavalheiro a quem nunca ninguem conheceu outros sentimentos que não fossem os sentimentos nobres do homem de bem, e cujo procedimento n'esta camara nunca foi determinado por outro qualquer guia que não fossem os dictames da sua consciencia (muitos apoiados).

Lamento que se lhe fizesse a guerra que se lhe fez, e por a fórma que lhe foi feita.

Sinto não ter á mão uma carta que recebi d'aquelle cavalheiro, para pedir licença para ler á camara alguns trechos tocantes.

Sr. presidente, nem a probidade pessoal escapou ao bando de chatins, que se serviram de toda a qualidade de calumnia para desacreditar seu honrado caracter!

Não houve protestos na eleição, mas isso não significa que não houvesse os maiores excessos, as maiores exorbitancias do poder, que significa o desprezo por tão vil abjecção!

Lamento que o governo de um paiz, que se diz liberal, fosse fazer uma guerra perfeitamente pessoal ao sr. Coelho do Amaral, e tanto pessoal que lhe apresentou candidato um individuo que igualmente o era sem opposição por outro circulo, só porque era elle que mais garantias dava de vencimento!

Viu-se que era unicamente uma guerra a um dos homens mais liberaes d'este paiz (apoiados); um homem (com vehemencia) que soffreu mais do que nenhum dos cavalheiros

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que se sentam n'aquellas cadeiras (apontando para as dos srs. ministros). V. ex.ª sabe muito bem que aquelle cavalheiro por espaço de cinco annos esteve debaixo de ferros! Para gosarmos da liberdade que estamos, gosando verteu até o proprio sangue (muitos apoiados). É a um homem d'estes que um governo, que por irrisão se diz liberal, fez uma guerra de exterminio!

Sr. presidente, entre outras calumnias que se propalaram contra o sr. Coelho do Amaral, fizeram levar ao convencimento dos eleitores que aquelle caracter honrado era deputado ha muitos annos, que lhe faltava um anno para a sua aposentação, e que se tornasse a ser eleito havia de ficar vencendo, uma libra por dia (riso).

Vozes: — É verdade.

O Orador: — O negocio era para rir se com estes e outros factos não chorasse o systema, que esse homem, olvidado por os ingratos, ajudou ahi a implantar!

Só este governo, que é unico, ousaria affrontar assim um homem, cuja politica era de todos os governos que estavam em harmonia com os interesses do seu paiz (apoiados).

A politica do sr. Coelho do Amaral nunca foi facciosa, nunca foi de corrilhos. Cante o governo a victoria que obteve por 50 votos, que eu rejeitaria sempre indignado os louros de tal triumpho.

V. ex.ª comprehende que o calor que tenho tomado é filho do meu temperamento, e vê bem que eu não podia deixar de levantar a minha voz desde o momento em que este assumpto fosse aqui tratado.

Devo tambem dizer a v. ex.ª, que tudo quanto disse não significa da minha parte a menor censura ao sr. deputado que foi eleito pelo circulo do Carregal. Foi meu antigo companheiro nas lides academicas;, conheço-o ha mais de quinze annos, não tenho por isso motivo algum pessoal contra s. ex.ª Unicamente em abono da verdade e homenagem aos sentimentos patrioticos que sempre animaram o sr. Coelho do Amaral, é que proferi essas desalinhadas phrases.

Votei contra o projecto da lei de meios. E declaro que votava contra todo e qualquer projecto que significasse confiança politica ao governo. Este projecto, por mais que os partidos queiram, por mais interpretações que se lhe dê, por mais sophismas que se inventem, significava confiança politica no gabinete, confiança que eu não tenho.

É porém notavel!

O sr. José Luciano, condemnando a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey, como uma proposta de desconfiança politica, não quiz declarar que encerrava confiança politica a proposta apresentada por s ex.ª como relator da commissão. Disse que não era politica esta questão, que era de mero expediente administrativo!

D'aqui concluo, que este governo está a viver, sem ter maioria n'esta casa, está vivendo contra todos os preceitos constitucionaes, contra todos os precedentes politicos; e se o governo quer ter uma prova, ou quer saber se tem maioria n'esta casa, peça a um dos seus amigos particulares, porque politicos parece-me que s. ex.ª não os tem...

O sr. Luiz de Campos: — Tem-os maus.

O Orador: — Sim, maus, ou pouco politicos; digo, peça a um dos seus amigos particulares que apresente n'esta casa uma moção de confiança; nós veremos se esses partidos fraccionados são amigos politicos do gabinete. Eu queria ver se o sr. marquez d'Avila e de Bolama, depois de uma moção votada quasi por unanimidade contra o gabinete, se conservava nos bancos do poder. Talvez; tanto é o amor aquellas pastas!!

É para estranhar que o sr. presidente do conselho de ministros viesse aqui dizer que a proposta da lei de meios que apresentou continha restricções!

Isto era irrisorio depois d'ella se ter lido. A restricção estava na propria lei, disse s. ex.ª!

Sem duvida quando taes palavras foram proferidas não attentou o sr. marquez d'Avila e de Bolama nas que pronunciou, ou então fallou menos seriamente.

Se o governo tinha um pensamento qualquer, que presidiu á confecção da sua proposta, não podia de fórma alguma consentir que ella fosse alterada profundamente, como foi; e desde o momento era que o foi, s. ex.ª devia fazer questão e apresentar se a pedir uma votação da camara para o seu projecto ou para o parecer da commissão. É notavel que ainda em junho s. ex.ª fizesse questão da approvação da lei de meios sem restricções! Então ainda lhe restava á dissolução impolitica e inconveniente; hoje resta-lhe ser camaleão politico para viver debaixo de todas as formas!

É minha opinião, e opinião do paiz, que o governo está passando debaixo das forcas caudinas dos partidos que estão n'esta casa (apoiados).

Deseja conservar-se no poder a todo o custo, a preço de todas as abjecções politicas. Os interesses do paiz, embora muito serios esses... desprezam-se, nada valem perante a conservação de ss. ex.ªs

E depois de tudo isto ainda ss. ex.ªs fazem ao paiz o favor e sacrificio de estarem sentados n'estas cadeiras (as ministeriaes) repletas de espinhos!

Tenho me talvez alongado em considerações politicas; antes porém de terminar, não posso deixar passar despercebida esta occasião para pedir ao sr. ministro das obras publicas, que está presente, que faça constar ao sr. ministro do reino o quanto é sentido no paiz, que por parte do governo se não fizesse a devida diligencia, e até talvez se impelisse que fosse convertido em lei o projecto para serem auctorisadas as camaras municipaes a poderem applicar á viação municipal ordinaria a contribuição da prestação do trabalho, sem prejuizo dos preceitos da lei de 6 de junho de 1864.

Eu quasi todos os dias levantava n'esta casa a minha voz, e em uma das occasiões s. ex.ª o sr. presidente do conselho me declarou que este negocio não havia de ficar no limbo da commissão da camara dos dignos pares. Infelizmente não aconteceu assim; ficou no limbo da commissão; e se não foi convertido em lei, foi culpa do governo.

Peço pois ao sr. ministro das obras publicas, que faça constar ao sr. ministro do reino o que acabo de dizer, e que chamo a sua attenção para este assumpto.

Desejo saber se ss. ex.ªs estão em harmonia com as idéas que por vezes aqui expendi, e que eram as idéas do governo na sessão passada, se formam tenção de apresentar alguma proposta a este respeito, dispensando-me de o fazer; sendo certo que se ss. ex.ªs não estiverem de accordo, infructifero será o meu trabalho, porque é sabido que a nossa iniciativa parlamentar é nenhuma desde o momento em que o governo a ella se oppõe. Só póde servir para que o paiz possa avaliar em particular os desejos de cada deputado.

Finalmente, sendo este negocio de tanta importancia, desejo saber a opinião de ss. ex.ªs para em vista d'ella eu proceder como julgar melhor para os interesses do paiz.

O sr. Dias Ferreira: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada, vamos entrar na ordem do dia. Se algum sr. deputado tem papeis a mandar para a mesa, póde faze-lo.

Tenho a communicar á camara, que a grande deputação que hontem foi nomeada para ir apresentar a felicitação a Sua Magestade pelo anniversario do juramento da carta constitucional, é ao mesmo tempo incumbida de dar parte a Sua Magestade da constituição da camara.

Passa-se á eleição dos suppletes á presidencia, e simultaneamente á eleição da commissão administrativa da casa.

Depois d'isto será eleito o membro que falta para a commissão de fazenda, e votar-se-ha tambem a commissão de resposta ao discurso da corôa. Em seguida serão discutidos os pareceres dados sobre as eleições, para que os nossos collegas que estão fóra da camara possam vir tomar os seus logares.

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Convido os srs. deputados a formarem as suas listas para a eleição simultanea dos supplentes á presidencia e commissão administrativa, a primeira com cinco nomes, e a segunda com tres.

ORDEM DO DIA

Eleições de commissões — Discussão de pareceres

Fez-se a chamada.

Corrido o escrutinio para a eleição de supplentes á presidencia, verificou-se haverem entrado na urna 52 listas, e saíram eleitos os srs.:

Visconde dos Olivaes, com............... 46 votos.

Visconde de Montariol................... 42 »

João Antonio dos Santos e Silva......... 41 »

Antonio José de Barros e Sá............. 41 »

Antonio Rodrigues Sampaio............... 40 »

Para a eleição da commissão administrativa entraram na urna 52 listas, sendo 2 brancas, e saíram eleitos os srs.:

Claudio José Nunes, com....... 49 votos.

Visconde dos Olivaes.......... 45 »

José Maria dos Santos......... 45 »

O sr. Presidente: — Convido os srs. deputados a formarem as suas listas para a eleição simultanea da commissão de resposta ao discurso da corôa, com seis nomes, e de um membro que falta para a commissão de fazenda.

Fez-se a chamada.

Corrido o escrutinio, verificou se haverem entrado na urna 65 listas, das quaes 18 brancas, e saíram eleitos os srs.:

Augusto Cesar Barjona de Freitas, com...... 43votos.

Antonio Maria Barreiros Arrobas............ 42 »

Antonio Rodrigues Sampaio.................. 42 »

Placido Antonio da Cunha e Abreu........... 42 »

Ignacio Francisco Silveira da Mota......... 40 »

João Gualberto de Barros e Cunha........... 40 »

Para a eleição de um membro da commissão de fazenda entraram na urna 68 listas, das quaes 2 brancas.

Foram mais votados os srs.:

Eduardo Tavares, com................... 30 votos.

João Gualberto de Barros e Cunha....... 30 »

Placido Antonio da Cunha e Abreu....... 29 »

Como nenhum dos mais votados tivesse maioria absoluta, procedeu se a nova eleição.

Entraram na urna 68 listas, das quaes 1 branca, saíu eleito o sr.:

Placido Antonio da Cunha e Abreu, com...... 38 votos.

Foi immediato em votos o sr.:

João Gualberto de Barros e Cunha, com...... 29 votos.

O sr. Presidente: — Passa se á discussão do parecer n.º 2.

Leu-se na mesa.

É o seguinte:

Parecer n.º 2

Senhores. — A vossa primeira commissão de verificação de poderes examinou com a devida attenção o processo eleitoral com referencia ao circulo n.º 14, Porto.

Divide-se este circulo em cinco assembléas: Cedofeita, Victoria, S. Nicolau, Massarellos e Foz.

Numero total dos votos................. 2:002

Listas inutilisadas..................... 12

Obtiveram os cidadãos:

Francisco Pinto Bessa................... 1:544 votos.

José Pereira da Costa Cardoso............ 438 »

Diversos.............................. 8 »

A eleição correu regularmente, e o cidadão Francisco Pinto Bessa foi proclamado deputado pela assembléa de apuramento, visto ter obtido maioria absoluta de votos.

Contra a validade d'esta eleição apparecem cinco protestos, assignados por differentes eleitores do circulo, e tendentes a provar que o cidadão Francisco Pinto Bessa é intelegivel, visto achar se pronunciado em processo criminal, e estar por conseguinte privado do exercicio de todos os direitos politicos

A vossa primeira commissão de poderes, attendendo a que a camara dos deputados em sessão de 5 de maio do corrente anno decidiu que não devia conceder licença para a continuação do referido processo;

Attendendo a que os tribunaes tem julgado constantemente que qualquer processo finda com a denegação da licença;

Attendendo a que o juiz da pronuncia em presença da deliberação da camara mandou dar baixa da culpa;

Attendendo a que o recurso interposto pelo ministerio publico não póde destruir nem suspender os effeitos do despacho proferido pelo juiz:

É de parecer que deve ser approvada esta eleição, e proclamado deputado da nação portugueza o cidadão Francisco Pinto Bessa, o qual apresentou o seu diploma em conformidade com a lei.

Sala da primeira commissão de verificação de poderes, em 27 de julho de 1871. = José Maria da Costa e Silva = Antonio Rodrigues Sampaio = Antonio Correia Caldeira = D. Miguel Pereira Coutinho = Antonio José de Barros e Sá = João Antonio dos Santos e Silva = Ignacio Francisco Silveira da Mota, relator.

O sr. Costa e Silva: — Tendo eu assignado este parecer sem declaração alguma, não venho impugnar, a validade d'esta eleição, mas unicamente dizer qual a rasão por que assim assignei.

No seio da commissão suscitou-se alguma discussão sobre a redacção dos primeiros considerandos, porém eu que por experiencia sei, que questões d'esta ordem servem mais para complicar o serviço do que para esclarecer as discussões, assignei, como disse, sem declaração. Entretanto na minha dupla qualidade de deputado e magistrado judicial, devo declarar aqui solemnemente que não me conformo com os primeiros considerandos. Sei que ha auctoridades muito respeitaveis, e tribunaes que têem sanccionado a jurisprudencia de que a denegação de licença d'esta camara para se processar um deputado que a ella pertença, importa a extincção da pena.

Eu não sou d'esta opinião; mas não trato de defender agora esta these, porque ninguem a impugna.

Voto pela validade da eleição, porque estou intimamente convencido de que no acto presente não ha pronuncia, e não a havendo o deputado eleito é um cidadão livre e no goso de seus direitos; por consequencia está bem eleito.

Dito isto tenho concluido.

O sr. Presidente: — Quando qualquer votação versa sobre pessoa certa, a não haver resolução da camara em contrario, deve fazer se por espheras, conforme o regimento ordena.

O sr. Barros e Sá: — Peço a v. ex.ª que proponha á camara se, dispensando o regimento, quer votar o parecer por levantados e sentados (apoiados).

O sr. Cardoso e Albuquerque: — Lembro a v. ex.ª que não houve discussão sobre o parecer, apenas o sr. Costa e Silva, approvando-o, declarou que não se conformava com os primeiros considerandos.

O sr. Presidente: — A camara resolverá como julgar conveniente sobre a proposta do sr. Barros e Sá, entretanto grande ou pequena discussão houve-a.

Foi approvado o requerimento do sr. Barros e Sá, e seguidamente approvado o parecer por levantados e sentados.

O sr. Presidente: — Passa-se á leitura do parecer sobre a eleição do circulo de Villa Verde.

Leu-se na mesa. É o seguinte:

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Parecer n.º 3 Circulo eleitoral n.º 7 — Villa Verde

Senhores. - Constituiram este circulo as assembléas eleitoraes de Villa Verde, Prado, Athães, Penella, Amares (primeira) e Amares (segunda) ou de Fiscal. Das actas d'estas assembléas consta que entraram na urna 2:802 listas, distribuidas pelas differentes assembléas do modo seguinte:

1.ª Assembléa — Villa Verde............ 669 listas

2.ª Assembléa — Prado.................. 503 »

3.ª Assembléa — Athães................. 453 »

4.ª Assembléa — Protella de Penella.... 321 »

5.ª Assembléa — Primeira de Amares..... 499 »

6.ª Assembléa — Segunda de Amares ou de Fiscal........ 357 »

Total........... 2:802 »

Foi disputada esta eleição entre os cidadãos Manuel Joaquim Alves Passos e Anselmo José Braamcamp, e a votação quanto a cada um foi a seguinte:

Manuel Joaquim Alves Passos obteve em:

Villa Verde......................... 477 votos

Prado............................... 174 »

Athães.............................. 122 »

Penella............................. 274 »

Amares (1.ª)........................ 410 »

Amares (2.ª)........................ 304 »

Total............................... 1:761 »

Anselmo José Braamcamp obteve em:

Villa Verde......................... 191 votos

Prado............................... 330 »

Athães.............................. 329 »

Penella............................. 47 »

Amares (1.ª)......................... 88 »

Amares (2.ª)......................... 53 »

Total............................... 1:038 »

Encontraram-se n'este processo as seguintes especialidades:

No fim da acta da assembléa de Prado menciona-se que o cidadão Francisco Dias Lima declarou que protestava contra a validade da eleição por causa do violencias e actos illegaes que, segundo o declarante, se commetteram contra a liberdade dos eleitores. Não especialisou porém o protestante n'este acto nenhum dos factos a que se referia a sua queixa, e que deviam constituir a prova d'ella, e disse que n'outro logar seriam mencionados. Abaixo se dirá como se satisfez a esta parte do protesto.

Na acta da assembléa de Amares (primeira) observa se que a letra com que foi escripta a acta parece dessimilhante da letra da assignatura do secretario. Este documento é todavia assignado e corroborado por mais oito assignaturas alem da do secretario.

Na acta da assembléa de Villa Verde o presidente e dois escrutinadores assignam a acta da eleição com um dos secretarios, mas os tres primeiros fazem preceder a sua assignatura da declaração que «assignam por homenagem á lei, mas que se não associam ás inexactidões de factos que ali se contêem!!»

Junto á acta da assembléa de apuramento vem os pareceres das commissões, em que esta se dividiu para proceder aos exames que a lei determina, e no parecer que se refere a Amares a commissão exprime a duvida pela qual se não pronuncia a respeito da genuidade dos documentos, por lhe faltarem para isso os elementos necessarios.

Não enuncia nem um dos motivos ou vicios em que assenta a sua duvida ou suspeita da genuidade dos documentos; diz que a tem!

Notam-se alem d'isto discordancias que houve em differentes assembléas entre as listas contadas e as descargas nos cadernos do recenseamento, sendo 7 descargas a mais em Villa Verde, 7 a menos em Prado, 1 a menos em Athães.

Até aqui o que consta das actas.

Addicionou-se porém mais ao processo:

1.° Um protesto datado em 16 do corrente, e que veiu junto á acta da assembléa de apuramento, embora n'esta se não faça referencia alguma a este papel, assignado por Luiz José de Sepulveda, do concelho de Amares, que o não escreveu, e declarou que o fazia seu pela assignatura;

2.° Outro protesto da mesma data, escripto do mesmo punho que o antecedente, assignado por Lourenço Soares Rodrigues, eleitor de Villa Verde;

3.º Outro protesto assignado na mesma data por seis cidadãos membros da mesa da assembléa da Portella de Athães.

Estes tres protestos accusam todos em termos vagos as violencias, as intimidações, as seducções, os actos por meio dos quaes, segundo os seus auctores ou subscriptores, a auctoridade local e a do districto tentaram exercer pressão sobre a liberdade de voto dos eleitores.

A vossa commissão, expondo assim minuciosamente quanto no processo encontrou digno de menção, observa que desde o que se lê escripto com o intuito de invalidar a eleição no protesto da assembléa de Prado, continuado pelas declarações que precedem as assignaturas dos tres membros da mesa da assembléa de Villa Verde, pelo parecer de uma das commissões da assembléa de apuramento quinto ás actas de Amares, e emfim por estes ultimos tres protestos não é especialisado um facto, não se produz uma prova, não se aponta um vicio que servisse de base sufficiente á queixa contra as violencias attribuidas ou imputadas á auctoridade, ou á suspeita da falsidade dos documentos.

Em vista pois do exposto, a vossa commissão, considerando que a presumpção legal da genuidade e authenticidade está da parte dos documentos officiaes em que se contém o processo da eleição, e assim igualmente a da verdade quanto aos factos que d'elles constam, em pranto se não provar cabalmente o contrario;

Considerando que, sendo a acta de uma assembléa eleitoral (pois que d'estas se trata) a exposição ou narração escripta e resumida dos actos substanciaes occorridos no decurso da eleição, é inadmissivel que cidadãos que fizeram parte da mesa eleitoral, isto é, do corpo gerente do acto, e principalmente o presidente, encarregado especialmente de fazer guardar e observar a lei, e armado por ella de meios poderosos para se fazer obedecer, assigne a acta como prestando testemunho ao que d'ella consta, e ao mesmo tempo pretenda invalida-la, accusando-a de inexacta, sem provar os meios que empregou para fazer triumphar a verdade ou a completa coacção em que foi posto;

Considerando que, se no processo e nas irregularidades que podem notar se em differentes documentos ha motivo sufficiente para censura, e fundamento para que se lamente que ainda hoje, e depois de uma já longa experiencia na execução da lei eleitoral, se proceda em acto tão solemne e importante de sorte que se dê azo a taes duvidas, nenhuma prova todavia se produziu da existencia das violencias, e outros actos attentatorios da liberdade dos eleitores, actos imputados principalmente á auctoridade;

Considerando que se taes violencias e intimidações se tivessem commettido, era direito e recurso natural dos assim violentados e vexados usar contra as auctoridades, auctoras de taes violencias, da accusação criminal, que a lei estabeleceu para estes casos na maior amplitude, sem dependencia de nenhuma licença ou auctorisação previa do governo;

Considerando que o documento ultimamente remettido á junta preparatoria, como prova das violencias allegadas contra a validade da eleição, se reduz a um auto com as declarações de quatro testemunhas, duas das quaes nem sabiam escrever o seu nome, feito a 21 do corrente mez pe-

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rante o juiz eleito da freguezia de Prado, documento a todos os respeitos improcedente, e na parte narrativa mais attinente ao occorrido na eleição de Prado, contradicto pela declaração do reverendo arcipreste de Villa Verde, o abbade Manuel Fernandes Lopes;

Considerando emfim que ainda quando, apesar da falta de provas concludentes e cabaes, se pretendesse que se invalidassem as actas das assembléas de Villa Verde e da primeira de Amares, e se descontassem os votos obtidos n'essas duas assembléas, conservava ainda maioria a seu favor o cidadão Manuel Joaquim Alves Passos:

É a vossa commissão de parecer que esta eleição deve ser approvada, e proclamado deputado o cidadão Manuel Joaquim Alves Passos, que apresentou o seu diploma na conformidade da lei.

Sala da primeira commissão de verificação de poderes, 27 de julho de 1871. = José Maria da Costa e Silva = João Antonio dos Santos e Silva = Ignacio Francisco Silveira da Mota = Antonio Rodrigues Sampaio = D. Miguel Pereira Coutinho = Antonio José de Barros e Sá = Antonio Correia Caldeira, relator.

O sr. Mariano de Carvalho: — Não quero tomar tempo. Desejo que este parecer se vote para que o sr. Alves Passos possa vir tomar parte nos trabalhos da camara. Entretanto quero expor as duvidas que tenho sobre o parecer.

Na assembléa de Villa Verde, o presidente e dois escrutinadores assignam a acta da eleição, fazendo preceder a sua assignatura da declaração que assignam por homenagem á lei, mas que não se associam ás inexactidões de factos que ali se contém.

Aqui tem v. ex.ª um facto singularissimo. A maioria dos membros da mesa da assembléa eleitoral declara que assignou por homenagem á lei! Não conheço os factos que a acta menciona, mas d'aqui póde-se concluir que alguns são inexactos.

A illustre commissão, n'um dos seus considerandos, diz que esta eleição deve ser approvada, porque embora se descontassem os votos obtidos n'estas duas assembléas, conservava ainda maioria a seu favor o cidadão Manuel Joaquim Alves Passos. Mas quem nos diz que os votos das duas assembléas de Villa Verde e 1.ª de Amares foram dados ao sr. Alves Passos?

Desde que qualquer differença na votação em algumas assembléas póde influir no resultado da eleição, desde que se declara que a sua acta não é verdadeira, e que se assigna por obediencia á lei, ha seguramente rasões de grande peso para assim proceder, e que lançam grandes duvidas no nosso espirito.

O sr. Luciano de Castro: — Pedi a palavra, porque não posso deixar passar sem algumas observações o parecer que está em discussão.

Entendo do meu dever communicar á camara os factos de que tenho noticia, e pelos quaes poderá reconhecer se effectivamente, na eleição que se discute, houve pressão ou violencia exercida por parte das auctoridades locaes.

Tenho visto cartas de pessoas competentissimas, em que se refere que n'esta eleição se praticaram os maiores desacatos contra a liberdade da urna, se intimidaram os eleitores, se fizeram violencias, e que as auctoridades locaes se valeram de todos os expedientes para fazer pender a victoria em favor do candidato que protegiam.

Tenho esta convicção pelas cartas e informações que recebi d'aquelle districto; não sei porém se houve tempo de se colligirem as provas necessarias para se authenticarem perante a commissão os factos a que alludo.

Folgariamos que seguissemos o exemplo seguido em Inglaterra, onde o parlamento em casos taes, quando ha duvida sobre a validade de uma eleição, manda proceder a minucioso inquerito para averiguar se são verdadeiros os factos allegados contra a genuidade e pureza do acto eleitoral, e se póde entregar o diploma a quem o recebeu directamente da mão dos eleitores.

Mas já que a nossa jurisprudencia não é esta, visto que não abrimos ainda este precedente, conformar-me-hei com a praxe até hoje recebida, e direi apenas o que sei a respeito d'esta eleição. Preciso dar noticia á camara de um facto de que tenho conhecimento, e que poderá derramar alguma luz no assumpto que somos chamados a examinar.

É necessario que a camara saiba que esta eleição só foi disputada por parte da auctoridade para se fazer vingar uma determinada candidatura. Podia ter-se evitado a luta. Podia ter-se poupado o conflicto. Não se quiz isso.

Os eleitores do circulo de Villa Verde reuniram-se em grande numero e deliberaram votar em um candidato que não fosse hostil á politica governamental, com exclusão de um certo e determinado nome que se lhe pretendia impor. Fizeram conhecer esta deliberação ao governo. Não impozeram nome algum, pediram neutralidade na eleição, pois que desejava escolher o deputado que melhor representasse os seus direitos e defendesse os seus interesses.

O sr. presidente do conselho creio que teve sinceros desejos de attender ás solicitações dos eleitores de Villa Verde, e penso que fez tudo quanto póde para que a vontade dos eleitores fosse attendida; mas o governador civil de Braga entendeu que não devia annuir a taes desejos e deliberou impor aos eleitores do circulo o nome que elles repelliam. Novamente se reuniram estes cavalheiros e novamente representaram ao governo manifestando-lhe as suas antipathias contra o nome designado pela auctoridade.

Não sei o que fez o governo; sei que o sr. governador civil de Braga não attendeu a estas considerações. A luta travou-se, levantou se o conflicto, renhiu-se a peleja e grandes abusos e violencias se praticaram para evitar que o sr. Braamcamp fosse eleito por aquelle circulo.

Sr. presidente, devo dizer tambem a v. ex.ª que nas proximidades da luta eleitoral fui prevenido por um cavalheiro de Villa Verde de que um celebre José Mota, que tinha tomado parte na revolta de Braga em 1862, havia de ir á assembléa do Prado, onde a auctoridade administrativa esperava perder a eleição, para fazer intimidar os eleitores e praticar violencias, a fim de que podesse fazer vingar a lista da auctoridade.

Fui eu proprio á direcção geral das alfandegas prevenir d'isto o meu collega, o sr. Santos Monteiro, para se tomarem as providencias necessarias, visto que aquelle individuo é empregado na fiscalisação do tabaco.

O sr. Santos Monteiro mostrou-me um telegramma que dirigiu á auctoridade fiscal superior do Porto, ordenando que aquelle empregado não apparecesse em tal dia na assembléa onde não era eleitor, e que fosse fazer uma diligencia de serviço publico a uma localidade distante algumas leguas do logar onde devia reunir-se a assembléa do Prado.

Dois dias depois recebi nova carta, em que se me annunciava que as ordens expedidas não seriam cumpridas.

Um amigo meu, que não pertence a esta camara, procurou o sr. ministro da fazenda, manifestou-lhe alguns receios, e disse lhe o que occorria. O sr. ministro da fazenda procedeu como devia. Expediu immediatamente um telegramma á auctoridade fiscal, superior aquelle empregado, para que se dessem as ordens mais terminantes a fim de que o mesmo empregado e os seus subalternos não aparecessem na assembléa do Prado.

Devo agora dizer á camara o que aconteceu.

Este empregado não só no dia, mas na vespera da eleição veiu acompanhado dos seus subalternos á assembléa do Prado, para aterrar e intimidar os eleitores!

O governo cumpriu o seu dever dando as ordens necessarias aos seus empregados; mas não basta isto, é necessario que sejam castigados aquelles que deixaram de cumprir as suas ordens (apoiados).

É essa responsabilidade que pesa sobre o governo, e é no uso do meu direito, que me dirijo ao sr. presidente do conselho, para que elle diga á camara como é que foram

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punidos aquelles que deixaram de cumprir as suas ordens (apoiados).

Uma voz: — Em todos os circulos.

Vozes: — Não foram, nem hão de ser.

O Orador: — Peço á camara que reflicta se este facto é ou não bastante para mostrar que n'esta eleição não houve a necessaria liberdade.

O sr. Presidente: — Peço perdão de interromper o illustre deputado, mas o que me leva a faze-lo é o desejo de dirigir os trabalhos com a maxima ordem.

Está-se impugnando largamente um parecer da commissão de verificação de poderes, sem que o sr. deputado eleito a quem ella diz respeito fosse convidado para vir á barra defender a sua eleição, como manda o regimento, o qual passo a ler:

«A camara, com os membros da commissão vota por votação publica, sobre os titulos em que não appareceu motivo para duvidar, quando porém se moverem algumas duvidas sobre a legalidade dos titulos, ou sobre a habilidade do deputado eleito, ficarão estas reservadas para a decisão da camara, depois de definitivamente constituida, precedendo discussão, e sendo convidado o deputado para tomar parte n'ella, e ahi allegar o seu direito, para o que se lhe dará assento fóra dos bancos dos deputados.»

E o sr. deputado está mostrando duvidas ácerca da legalidade da eleição (apoiados).

Estão inscriptos muitos srs. deputados que querem tomar parte na discussão d'este parecer pro e contra, e tenho de suspender a discussão para ser convidado o illustre deputado eleito a defender a sua eleição, querendo, salvo se a camara resolver na sua alta sabedoria o contrario (apoiados).

Sinto ter de interromper o sr. deputado.

O Orador: — V. ex.ª suspende a discussão agora?

O sr. Presidente: — Suspendo a discussão para ser convidado o sr. deputado eleito.

Uma voz: — Está nos corredores da camara.

O sr. Presidente: — Se está nos corredores, e a camara quer que se continue agora n'esta discussão, continua se.

Vozes: — Deu a hora, deu a hora.

O sr. Presidente: — Se a camara não resolve o contrario, visto ter dado a hora, fica o sr. deputado com a palavra reservada para terça feira, e é convidado o sr. deputado eleito a vir á barra defender a sua eleição.

Antes de encerrar a sessão tenho de communicar á camara, que a grande deputação que ha de ir felicitar Sua Magestade pelo anniversario do juramento da carta constitucional, é igualmente encarregada de apresentar a Sua Magestade a lista quintupla de supplentes á presidencia.

O sr. Luiz de Campos: — Constando-me que está nos corredores da camara o illustre deputado eleito, a cuja eleição nos referimos, desejava que v. ex.ª consultasse a camara sobre se ella quer prorogar a sessão até se discutir este parecer.

Consultada a camara, decidiu affirmativamente.

O sr. Presidente: — Está vencido o requerimento do sr. Luiz de Campos. E vae ser convidado a vir á barra defender a sua eleição o sr. deputado eleito.

Foi introduzido na sala o sr. Manuel Joaquim Alves Passos, e tomou assento no logar que se lhe havia destinado.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Luciano de Castro, para continuar na impugnação do parecer.

O sr. Luciano de Castro: — O facto que acabo de referir á camara, e de cuja existencia tomo toda a responsabilidade, prova bem claramente que n'esta eleição foi grande a intervenção por parte da auctoridade, e maiores as violencias que se praticaram para se trazer á urna um nome, que, por muito respeitado que seja, era sem duvida antipathico aos povos d'aquella localidade.

E para o provar bastava olhar para o resultado da votação, pelo qual se demonstra que quem obteve, apesar de tantas tropelias e abusos, uma votação como a que alcançou o meu amigo, o sr. Braamcamp, se se tivesse mantido o principio da liberdade da urna, como os eleitores d'aquelle circulo reclamavam, alcançaria sem duvida a victoria.

É realmente triste, quando se vê travada uma luta, e levantado um conflicto n'um circulo só para fazer vingar uma certa candidatura; é triste que o governo não tenha força para obrigar as auctoridades a cumprirem o seu dever (apoiados), a respeitarem o principio da liberdade da uma (apoiados), e a evitarem que contra essa liberdade se commettam desacatos, que nós não podemos senão lamentar (muitos apoiados).

Não accuso o governo de cumplicidade n'esses abusos; não posso porém deixar de estranhar que não tenha força para obrigar as suas auctoridades a cumprirem o seu dever (muitos apoiados).

Pois póde tolerar-se um governador civil fazendo eleições por sua conta e risco, não recebendo inspirações do governo, desprezando os principios de liberdade, e deixando praticar excessos e violencias, só com o intento de fazer vingar uma determinada candidatura? Não póde ser (apoiados).

Eu, por informações particulares, que posso apresentar á camara, porque a camara julga aqui como tribunal da consciencia, como jury, e póde dar-lhes a importancia que em sua consciencia entender, sei que se premeditaram assassinatos junto da urna, no proprio templo de Deus; e que talvez, se não fosse um acaso feliz, ou a officiosa intervenção de amigos, teria a estas horas corrido sangue no proprio templo onde se reuniu a assembléa do Prado.

Os nossos amigos correram grave perigo. O circulo foi cercado por toda a parte de soldados e de homens conhecidos como malfeitores, aos quaes se prometteu a impunidade a troco dos serviços que iam prestar na urna.

Não posso apresentar agora outras provas; mas basta-me citar o facto, a que ha pouco alludi, e que commigo se passou, para mostrar que o governo não teve força para fazer respeitar a liberdade da urna (apoiados), e que portanto é responsavel de não ter até hoje castigado os empregados que não souberam ou não quizeram cumprir os seus deveres (muitos apoiados), e obedecer ás suas ordens.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Nós é que somos responsaveis por não o castigarmos a elle (muitos apoiados).

O Orador: — Se o governo approva o procedimento eleitoral do governador civil de Braga, e se associa ás violencias e irregularidades praticadas no circulo de Villa Verde, eu digo francamente á camara que não póde ter o meu apoio.

Pois tolera o governo um governador civil que procede em desharmonia com as suas instrucções?

O sr. Luiz de Campos: — Tolera, tolera.

O Orador: — Então não póde apoia-lo o parlamento (muitos apoiados).

E se houve violencias, não se póde seguir a jurisprudencia que eu vejo que a illustre commissão segue; porque diz: «ainda quando se invalidassem as actas da assembléa de Villa Verde e da primeira de Amares, e se descontassem os votos obtidos n'essas duas assembléas, conservava ainda maioria a seu favor o cidadão Manuel Joaquim Alves Passos!» Se houve violencias, quem nos diz quantos eleitores intimidados pelos excessos praticados pela auctoridade deixaram de concorrer á urna, cujos votos podiam alterar o resultado da eleição?! (Apoiados.)

Todos nós temos peccados em quanto a intervenção em eleições, e é necessario não só que façamos confissão publica d'elles; mas tambem que ponhamos ponto n'essas faltas, e que todos os partidos liberaes ou aquelles que o querem ser, se compromettam a fazer eleições completamente livres, dando assim aos cidadãos as indispensaveis garantias de que a urna representa a expressão do seu voto (apoiados).

O systema da intervenção da auctoridade nas eleições

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não póde continuar: temos tido tres eleições em menos de dois annos; os governos tambem se tem succedido com bastante rapidez; o systema constitucional está decadente; é necessario que experimentemos o systema opposto desassombrando a urna de toda a intervenção da auctoridade.

Uma voz: — Ha partidos que não tem força.

O Orador: — Se os partidos não tem força, organisem-se, ganhem affeições e influencia, e dêem ao paiz o grande exemplo de fazer eleições livres (muitos apoiados).

O sr. Alfredo Rocha Peixoto: — E as eleições da Madeira!

O Orador: — Disse a v. ex.ª e á camara que todos temos peccados emquanto a intervenção em eleições; mas os illustres deputados devem saber que emquanto fui ministro não vieram a esta camara accusações graves que podessem deshonrar o ministerio de que fiz parte (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — O que agora se fez, em tempo nenhum se praticou!

O Orador: — Estou certo de que o sr. ministro do reino não queria que os seus empregados interviessem violentamente no acto eleitoral; mas não bastam as palavras e as intenções, é preciso factos publicos que provem por modo claro e solemne que o sr. ministro do reino reprova o procedimento das suas auctoridades (muitos apoiados).

Tomando agora a palavra, foi meu fim lavrar aqui um protesto bem claro e energico, não só de que não podemos approvar as violencias feitas á urna quer em favor quer contra os nossos amigos, mas tambem de que a camara dos deputados, examinando a validade d'esta eleição, não póde, fundando-se só na ausencia de documento que estricta e juridicamente provem a verdade dos factos, julga la valida e regular (apoiados).

Todavia eu supponho, pelas informações que tenho recebido de cavalheiros d'aquella localidade, e pelo proprio documento junto ao processo a que já se referiu o sr. Mariano de Carvalho, que não é preciso mais para invalidar esta eleição (apoiados).

Na assembléa de Villa Verde o presidente e dois escrutinadores assignam a acta da eleição com um dos secretarios; mas os tres primeiros fazem preceder a sua assignatura da declaração = que assignam, mas que não podem attestar a verdade dos factos ali narrados =.

O sr. Sampaio: — A acta é feita sobre a mesa.

O Orador: — Mas assignada com aquella declaração, e feita em presença de força armada!

O sr. F. M. da Costa: — A força armada estava para áquem do rio.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Estava em todo o districto, como eu lhe mostrarei, assim como lhe apresentarei a serie de escandalos que se deram...

O sr. Presidente: — Peço ordem aos srs. deputados, e que attendam que assim não se discute.

O Orador: — Houve uma mesa que fez uma acta; um só dos seus membros a assigna, e tres declaram que a assignam por obediencia á lei, mas que não respondem pela verdade dos factos ali expostos.

Pois que significa uma declaração d'estas?! Que quer dizer isto? (Muitos apoiados.)

Não importa isto a negação completa da verdade dos factos allegados n'aquella acta? (Apoiados.)

E diz-se que restava aos interessados ou aos offendidos o direito de accusação perante os tribunaes!

Que irrisão esta, sr. presidente?! (Apoiados.)

Pois não sabemos nós todos que, quando depois da luta eleitoral se levanta algum pleito nos tribunaes, e que a justiça quer impor as devidas penas aos delinquentes, chamando-os ao banco dos réus, intervem sempre o poder moderador? (Apoiados.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — É uma perfeita zombaria.

O Orador: — Que direito é esse que se deixa então aos offendidos para se desaggravarem?

Uma voz: — Isto não se fazia no tempo de D. Miguel.

O Orador: — Não quero azedar esta discussão. Tenho feito quanto possivel para a não irritar; mas desejava que o governo desse a reparação devida aos principios offendidos pelos actos das suas auctoridades.

Vozes: — Não dá.

O Orador: — Tenho achado no sr. ministro as melhores palavras. Creio nas suas excellentes intenções; mas até hoje ainda não vi castigados os seus delegados por faltarem aos seus deveres, e não cumprirem as ordens do governo.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Continuam, que é para exercerem violencias.

O Orador: — Peço desculpa de ter tomado algum calor n'esta discussão; e, terminando, peço á camara dos senhores deputados que no principio dos seus trabalhos não pratique um acto que póde ser triste prenuncio das condescendencias e immoralidades que têem deslustrado outros parlamentos.

O sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao sr. presidente do conselho, declaro á camara que inscrevi os seguintes senhores (leu).

Pretendo saber agora quaes d'estes senhores querem fallar a favor, e quaes os que querem impugnar o parecer em discussão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu hei de fazer o possivel para não responder violentamente ás provocações violentas do illustre deputado que acabou de fallar. S. ex.ª mesmo acabou o seu discurso deplorando a violencia com que fallára, e pedindo perdão á camara de o ter feito.

Eu quero porém recordar só aos illustres deputados que a camara approvou hontem a auctorisação para a cobrança dos impostos: esta auctorisação passou hoje na camara hereditaria, e tem de ser submettida á sancção do poder moderador. O poder moderador para exercer esta alta prerogativa que lhe dá a carta tem de ouvir o conselho d'estado. Eu sou membro do conselho d'estado, o qual se reune hoje, e a camara reconhecerá que me é impossivel deixar de assistir ao conselho d'estado.

Portanto se a camara...

(Ápartes de differentes srs. deputados.)

Se os illustres deputados querem discutir o governo na sua ausencia, façam-o.

(Interrupções constantes. Susurro)

V. ex.ª, sr. presidente, está vendo a violencia dos ápartes que me dirigem, e reconhece de certo que a camara não se acha no estado de placidez indispensavel para este debate.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Esta é peior do que a passada.

O Orador: — Não me fazem saír da placidez com que eu quero tomar parte no debate. V. ex.ª está vendo as provocações que estão saíndo de todos os lados da camara...

Uma voz: — De todos?...

O Orador: — De certo. Pois não vê o illustre deputado o empenho que têem em me interromper? Querem discutir a questão na ausencia do governo? É muito facil.

O que eu deploro é que o sr. Luciano de Castro não comprehendesse o alcance da bomba que ía lançar na camara e as suas consequencias.

(Hilaridade. Agitação. Violentos ápartes entre muitos srs. deputados. Vozes de ordem. O orador difficilmente se fazia ouvir. O sr. presidente inutilmente chamava á ordem.)

Eu não posso continuar assim. (Muitos apoiados.) Se a camara quer estar com a tranquillidade precisa para ouvir o presidente do conselho de ministros, continuarei.

O sr. Presidente: — Chamo a attenção da camara. A dignidade da camara vale mais que tudo (muitos apoiados).

(Diminuindo a agitação, pôde continuar.)

O Orador: — Eu sou obrigado a referir á camara o que sei sobre esta eleição, e não posso deixar de dizer que ouvi

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com muita admiração apresentar uma serie de factos, affirmando-se que o governo os conhecia, quando, pelo contrario, eu não tenho conhecimento algum d'elles. (Muitos apoiados.) Constam esses factos do processo eleitoral? Constata a commissão a existencia d'esses factos? Não constata. O parecer da commissão está assignado pelos srs. José Maria da Costa e Silva, Santos e Silva, Silveira da Mota, Sampaio, D. Miguel Coutinho, Barros e Sá e Correia Caldeira, e não ha nem um voto com declarações. Portanto, d'onde constam esses factos vergonhosos, de que não ha memoria em nenhuma eleição, como ouvi n'um áparte de um illustre deputado? Constam dos documentos apresentados á commissão? A commissão devia ter dado conta d'elles. O que era logico, era que o sr. Luciano de Castro pedisse que o parecer voltasse á commissão para esta o reconsiderar em vista d'esses novos documentos que se apresentassem. Mas em vez d'isso o sr. Luciano de Castro fez uma philippica contra o parecer e contra o governo. Onde estão os documentos? Se ha esses documentos em alguma parte, é da dignidade da camara considera-los e voltar o processo á commissão. Mas vir o illustre deputado pedir ao governo a demissão do governador civil de Braga, porque foi esta a conclusão do seu discurso...

O sr. Luciano de Castro: — Peço perdão. Não foi.

O Orador: — O illustre deputado foi talvez nas suas palavras muito alem das suas intenções; mas o facto é que terminou dizendo = queremos a demissão do governador civil de Braga =. Pois não o faço. = Demitta-se o governador civil de Braga =? Porque? Porque os amigos do sr. Luciano de Castro, vencidos n'esta eleição, fazem accusações aquelle magistrado! Pois os vencedores, isto é, a maioria, diz o contrario d'elle.

Pois então falla se em factos...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Como o facto de Celorico.

O Orador: — Eu não sei o que é o facto de Celorico.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu vou explicar já.

O Orador: — Era melhor guardar a explicação para quando se tratasse da accusação que os illustres deputados pretendem propor a meu respeito. Pois os illustres deputados querem accusar o governo, e têem tanta pressa em o estar atacando em detalhe? Guardem isso para a accusação formal.

O sr. Luiz de Campos: — São as guardas avançadas do exercito.

O Orador: — São as guardas avançadas... Ora essa! Isto não prova senão a fraqueza de argumentos. Como não têem argumentos para apresentar, faz-lhes conta estarem a fazer este fogo, porque os illustres deputados bem sabem que no dia em que se ferir a batalha em fórma, o governo ha de estar munido de documentos, que não tem agora aqui. Eu não contava com esta discussão, porque aliás havia de trazer copia das ordens que dirigi aos governadores civis, recommendando-lhes...

(Hilaridade.)

Eu pergunto a v. ex.ª se estou fallando na camara dos senhores deputados ou n'uma praça publica! Se estou n'uma praça publica, não fallo. Se estou na camara dos senhores deputados...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Quem falla assim, não falla aqui.

O Orador: — Nenhum dos srs. deputados era capaz de fazer, n'uma sala onde fosse admittido, o que está fazendo aqui. Pois a camara dos deputados é um logar onde possa reinar menos decencia do que n'uma sala?

(Grande agitação.)

O sr. Thomás de Carvalho: — Peço á presidencia que advirta o ministro...

O sr. Teixeira de Queiroz: — Aqui não está ninguem que não possa ser admittido n'uma sala.

Muitas vozes: — Não foi isso que se disse.

(A agitação tinha chegado a tal grau de violencia, que era impossivel perceber o que se dizia ao mesmo tempo em toda a sala.).

O sr. presidente chamou muitas vezes á ordem, e como não fosse possivel dominar o tumulto, cobrindo se e tocando a campainha, disse:

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

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