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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a maioria da camara votar uma lei que consagra o principio da hereditariedade!

Como a camara dos pares se robusteceria a si propria e no conceito publico, como cobraria prestigio e auctoridade, se tomasse a iniciativa n'uma reforma que tivesse por base a extincção da hereditariedade! (Apoiados.)

Pois a camara dos pares não fez isto. A camara dos pares poz de lado todas as considerações que são hoje conformemente acceites pelos partidos liberaes, e como que vem forçar-nos a votar uma proposta que deixa de pé todos os inconvenientes que até agora se têem arguido, e recusa dar satisfação á opinião liberal, que de todos os lados exige uma profunda reforma d'aquella camara. (Apoiados.)

De mais a mais o peior inconveniente da hereditariedade, n'isso tambem estamos de accordo, é que em Portugal não ha uma classe aristocratica, não ha nobreza (Apoiados.) E isto não quer dizer que não haja muitos nobres, que não haja fidalgos muito distinctos.

Como dizia o nosso inspirado poeta visconde de Almeida Garrett, n'um discurso pronunciado n'esta casa em 1837, a nobreza hereditaria morreu em 1828 (Apoiados.) e todas as organisações da camara dos pares que se têem feito posteriormente, suppondo falsamente a existencia de uma classe aristocratica em Portugal, têem caído no descredito publico. (Apoiados.)

A unica que viveu entre nós no meio do applauso publico, durante quatro annos, foi a camara dos senadores creada pela constituição de 1838, segundo affirma o sr. marquez de Sá da Bandeira n'um folheto que publicou em 1871 a respeito da reforma da carta.

Comprehenderia a organisação da camara dos pares segundo uma ordem de idéas que reputo obsoletas e repugnantes aos principios da epocha actual, se houvesse ahi uma classe aristocratica que devesse ser representada n'aquella camara; mas onde está essa classe entre nós, como a que existe em Inglaterra e em alguns paizes da Allemanha? (Apoiados.) Ondo está no nosso paiz a aristocracia? Onde está a fidalguia constituida como classe? Onde existem os interesses d'essa classe? (Apoiados.)

Havemos de concordar que não existindo uma poderosa aristocracia entre nós, nada póde representar a hereditariedade. (Apoiados.)

A hereditariedade em Portugal morreu com a extincção dos vinculos. A camara dos pares fez um grande serviço á reforma da nossa legislação civil e ás idéas liberaes, prestando-se a abolir aquelle privilegio, votando a extincção dos vinculos.

Honra lhe seja. A camara dos pares merece por esse facto os louvores da nação e especialmente de todo o partido liberal. (Apoiados.)

Provera a Deus que ella na reforma da sua organisação procedesse com o mesmo espirito liberal que a animou quando se prestou a sanccionar a extinção dos vincules.

Mas, diga-se a verdade; a camara dos pares, como camara hereditaria, suicidou-se no momento em que votou a extincção dos vincules. (Apoiados.)

Mortos os vinculos a hereditariedade morreu, e nós não podemos fatigar-nos para resuscitar uma instituição morta. A hereditariedade hoje não representa nada. É uma ficção. E eu lastimo que a camara dos pares, propondo a reforma da mesma camara, não se collocasse na verdadeira altura e não propozesse uma reforma que fosse de accordo com as grandes e luminosas idéas do tempo em que vivemos. Lamento que não viesse propor uma reforma na qual o principio da hereditariedade desapparecesse. Louvo-a, porém, por ter estabelecido algumas categorias para limitar a successão no pariato, e n'esta parte dou ao projecto os meus votos e applausos sem nenhuma restricção.

Eu entendo que o unico modo de reformar a camara dos pares era adoptar o principio da eleição.

Devia ser electiva e temporaria. Todos nós sabemos que a França, a Belgica, a Hollanda, a Dinamarca e até a propria Hespanha, paiz monarchico e regido pelos principios conservadores, estabeleceram o principio electivo na organisação da camara alta. Cento e oitenta membros d'aquella camara são filhos da eleição.

Em presença d'estas considerações e d'estes exemplos, deploro sinceramente que a camara dos pares se limitasse a propor tão acanhada e mesquinha reforma.

Eu digo sinceramente a v. ex.ª que desejaria a camara de pares electiva o temporaria; mas não duvidaria tambem acceitar como transacção para a organisação d'esta camara, o systema brazileiro: eleição de lista triplico e nomeação regia, porque lá estava combinado o principio da eleição, o unico que se póde adoptar com o da nomeação regia.

Parece-me que era este o modo de conciliar os diversos interesses que sempre ha na transição de um systema para o outro. Mas o que se não póde adoptar é outro qualquer principio que não seja o da eleição. Hoje as camaras de senadores ou pares são apenas camaras mediadoras e assembléas de revisão. A camara dos pares deve ser camara mediadora entre o poder executivo e a camara dos deputados, e uma segunda instancia parlamentar destinada a modificar e corregir os erros ou precipitações que possa haver nas deliberações da camara popular. Hoje não tem outro fim. Por isso só pela eleição se póde constituir.

Sr. presidente, eu aceitava portanto, sem violencia o systema brazileiro. Parece-me até que era este o systema que nas nossas actuaes circumstancias mais conviria seguir, ou que menores difficuldades levantaria.

Eu devo ponderar a v. ex.ª que o nobre marquez de Sá da Bandeira, venerando homem d'estado, cujas palavras nós não podemos citar senão com grande acatamento que merecem, n'uma carta escripta ao sr. Latino Coelha em 1871, a proposito do seu projecto de reforma da camara dos dignos pares dizia, que o Imperador depois de promulgar a carta constitucional de 29 do abril de 1820, lhe dissera mais de uma vez, que estava muito arrependido de ter outorgado a carta constitucional com a camara dos pares hereditaria e vitalícia, porque ignorava o estado social de Portugal, porque se estivesse bem informado, como depois o foi, dotaria o paiz com uma camara á similhança do senado brazileiro, que é electiva e de nomeação regia ao mesmo tempo, como já disso.

Creio que uma reforma como esta não assustaria ninguem, nem offereceria serias resistencias, e que pelo contrario poderia auxiliar muito a consolidação das instituições monarchico-representativas. E o governo podia e devia empenhar n'esta reforma todas as suas forças, e aproveitar a epocha de profunda paz, de que gosãmos, para a levar a cabo. (Apoiados.)

A reforma como está não satisfaz nem illude a ninguem. A reforma, a meu ver, é um paleativo; é um narcotico. É um adiamento que não resolvo nenhuma difficuldade.

Illudem-se, se pensam adormecer o espirito publico, que é menos vivaz do que devera ser no interesse da liberdade, mas que é mais energico e precatado do que muitos suppõem.

O progresso não pára. Parece ás vezes que se extingue a sua luz, mas nunca se apaga. Densissimos véus não raro a toldam; mas não tarda a reapparecer e a brilhar com mais fulgor.

O que nos fica d'esta reforma depois de approvada?

Fica-nos o poder moderador cerceado, a camara dos pares nas mesmas condições em que se acha, isto é, hereditaria, e sem numero fixo. Ficam todos os defeitos e abusos emfim, contra os quaes tem clamado a opinião liberal. (Apoiados.)

Cohhece-se o mal, affirma-se a necessidade do remedio, sabe-se qual elle é, mas não se tem a coragem de o applicar. (Apoiados.)

Eis-aqui a situação em que ficâmos.

E pensam realmente que no meio da Europa, que se move, que se agita, que se contorse em febril convulsão