1135
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
nobras era detestavel, era um perfeito esbanjamento, não servia para nada, não prestava para cousa nenhuma, porque os soldados não aprendiam nos campos de manobras, aprendiam nos quarteis, e bastava, portanto, reunir os batalhões para se fazerem os exercicios.
Disseram-se taes heresias militares, se me é permittido usar d'esta phrase, em relação ao assumpto de que se trata, que parecia que estavamos n'um paiz onde nunca se tivesse visto um soldado, onde nunca tivesse havido um corpo de exercito. (Apoiados.)
Mas dizia-se tudo isto de tal maneira, propagava-se.com tal insistencia e acreditava-se de tal modo, que eu confesso que tive de transigir, porque eu tenho sustentado sempre n'este logar a opinião de que o governo tem necessidade de viver com a opinião publica. (Muitos apoiados.)
A opinião publica póde ser errada, mas a nós cumpre-nos esclarecel-a o não combatel-a abertamente. (Apoiados.)
A questão toda está em conhecer a opinião publica, e ahi é que divergem uns e outros.
Uns dizem que a opinião publica está com elles, o outros tambem que a opinião publica está com elles. Estes elles é que são oppostos e contradictorios, e por isso ninguem se entende, nem é facil entender-se.
Não quero citar aqui, porque não quero fazer rir a camara, nem gosto nunca do a fazer rir, e se alguma vez acontece isso é contra minha vontade; não quero citar aqui uns certos episodios parlamentares sobre o modo de descobrir onde está a opinião publica, mas todos conhecem esses episodios.
Não é facil descobrir onde está a opinião publica. Não se inventou ainda um instrumento para medir, para aferir qual é a verdadeira opinião publica no paiz.
Quem ouve os illustres deputados da opposição, os d'esta e os de outra qualquer, pensa realmente que o paiz está todo com ella; que a maioria veiu aqui por meios de violencia ou por sophisma do systema representativo. (Apoiados da esquerda. Susurro.)
É o que se diz sempre; é o que se diz em todos os tempos. (Apoiados.)
A opposição diz sempre que é ella quem representa o paiz. É tem necessidade de o dizer, o faz muito bem em o dizer. É a sua opinião, o pelo menos representa os circulos que a elegeram.
N'isso não ha duvida alguma.
Mas eu, que, por um accidente que não vem para o caso discutir, não sou eleito nem por uma nem por outra parte, que não pude portanto apalpar a opinião publica em nenhum circulo, e se podesse talvez houvesse encontrado algum circulo contra, porque tenho sido batido muitas vezes, sem, que d'ahi me tenha resultado nenhum desaire ou impedimento para continuar nos negocios publicos, não tenho remedio, debaixo do ponto de vista constitucional e legal, senão reputar representado o paiz na camara dos senhores deputados. (Muitos apoiados. — Susurro)
Este é o direito, e é o meu dever. (Muitos apoiados.)
Por consequencia podem dizer os illustres deputados da opposição: «Nós é que representamos, a opinião publica, e a maioria não representa nada; a maioria foi arranjada pejo governo para vir aqui apoiar os seus actos.» (Apoiados da esquerda. — Susurro.)
Não apoiado, meus senhores. A maioria representa o paiz. (Muitos apoiados.)
Deus nos livre de estabelecer o principio de que as maiorias não representam o paiz. (Muitos apoiados.)
Então haviamos, em honra d'esse principio, de ir revogar todos os actos praticados por essas maiorias. (Apoiados.)
So dizem que as maiorias são arranjadas pelo governo para virem aqui apoiar os seus actos, qual é a consequencia que tiram de similhante proposição?
Eu, se me convencesse de que as maiorias a quem tenho feito opposição, e tenho feito opposição a muitas, não representavam o paiz, se me convencesse do que oram um sophisma ao systema representativo, de que eram o resultado da mentira e da fraude, tinha obrigação de vir propor a revogação de todas as leis votadas por ellas. (Muitos apoiados.)
Não, não se póde dizer que as maiorias não representam o paiz; não se póde entrar. n'esse caminho, porque esse caminho é revolucionario; e a revolução póde estar lá fóra, mas não póde estar n'esta camara. (Muitos apoiados.)
O sr. Emygdio Navarro (erguendo-se): — Essas palavras são perigosas no parlamento.
(Grande agitação na camara.)
(O sr. presidente agita a campainha, e pede repetidamente ordem)
O Orador: — A revolução não póde existir aqui. Eu tenho direito de dizer o que digo. (Muitos apoiados.)
O sr. Saraiva de Carvalho (em pé): — Não tem por si o paiz quem faz gala da impopularidade.. O Orador: — Eu não offendo a opposição; tenho direito de dizer o que disse.
(Grande agitação em todos os lados da camara e mal se distingue o que cada um diz)
O sr. Presidente: — Peço ordem.
Vozes: — Ordem 1 ordem!
O Orador: — Estou com a palavra, não desisto d'ella. (Muitos apoiados.) Tenho visto muitas tempestades parlamentares; não me assoberbam. (Apoiados) Eu digo isto era nome do meu direito, em nome da maioria e em nome do paiz. (Muitos apoiados.)
(Pausa.) »
Mas passando agora a outro assumpto. Um dos illustres deputados que me precedeu na tribuna, já a exemplo de outro, porque outro illustre deputado tinha na sessão anterior fallado no mesmo assumpto, foi de opinião que não se devia estabelecer o recenseamento de 1861, mas sim o de 1878 para a distribuição do contingente.
Ora a este respeito já eu dei explicações á assembléa, que me parece deveriam satisfazel-a. Pela minha parte não tenho duvida alguma em que se estabeleça um ou outro recenseamento, o que é preciso é que seja legal, e que tenha sido publicado, devidamente, no Diario do governo.
Eu fui informado de que faltam esclarecimentos e trabalhos de alguns concelhos do reino; e basta que falte um só para não poder ser adoptado o recenseamento de 1878. A camara comprehende perfeitamente que não tenho necessidade em entrar a este respeito em mais largas considerações. Pela rainha parte, (se não fosse essa circumstancia, não teria duvida alguma em que se adoptasse o recenseamento do anno passado.
Eu não. desejo, nem a camara deseja, a prolongação d'esta discussão, o que ella se demore por mais tempo. O que desejo é que o projecto se vote como está e se discuta n'esta occasião. (Apoiados.)
Eu não posso discutir a lei do recrutamento que ainda não está apresentada; mas o que desejo fazer sensivel é que esta mesma lei é incontestavelmente um melhoramento importante com relação ao estado anterior.
As duas leis que constituem hoje a nossa legislação sobre recrutamento do exercito são ambas da iniciativa dos ministerios de que fiz parte; a lei de 27 de julho de 1855 é de um d'esses ministerios; a lei de 4 de julho de 1859 é de outro ministerio em que tive a honra de ser ministro do reino.
Pena foi que a proposta de 1855 não fosse approvada pela camara, exactamente como foi apresentada.'
N'essa occasião o governo attendia á necessidade de organisar a reserva, e estabelecendo a auctorisação necessaria para esse effeito, envolveu no artigo competente esse pensamento, mas a camara entendeu, por proposta de um dos seus membros, que devia transformar' o artigo, como estava proposto pelo governo, em outro artigo em que se dizia que a reserva do exercito não ficaria sujeita a disci-
Sessão de 4 de abril de 1879