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Nº66
SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 1898
Presidencia do exmo sr. Manuel Affonso de Espregueira
Secretarios - os exmo. srs.
Frederico A. Garcia Ramires
Carlos Augusto Ferreira
SUMMARIO
Approvada a acta., o sr. Frederico Ramires trocou algumas explicações com o sr. ministro das obras publicas ácerca de uns documentos que requisitou, pelo seu ministério.- O sr. Eusebio Nunes mandou para a mesa a participação da constituição da commissão de artes e industrias, o sr. Tavares Festas um parecer da commissão de administração publica e o sr. Francisco Machado um requerimento, pedindo documentos pelo ministerio da guerra. - Interrompeu-se a sessão, quando se ia a entrar na ordem do dia, por não estar presente, o ministro respectivo; e reaberta, foi apresentado pelo sr. José de Alpoím um projecto de lei, concedendo um titulo e vários direitos ao descendente de Vasco da Gama, projecto que foi approvado por acclamação, depois de a elle se terem associado os srs. ministro da marinha e Dantas Baracho.
Na ordem do dia proseguiu-se na discussão do artigo 2º do capitulo 1.º do orçamento da receita, addicional de 5 por cento, que foi approvado, depois de terem usado da palavra os srs. Queiroz Ribeiro, Eduardo Villaça e Dias Ferreira, tendo sido a sessão prorogada a requerimento do sr. António Cabral e julgada a matéria discutida a requerimento do sr. Cruz Caldeira.- Pelo sr. presidente foi lido o decreto prorogando as cortes geraes.
Abertura da sessão- Ás três horas da tarde.
Presentes á chamada, 42 srs. deputados. São os seguintes:- Abel da Silva, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, António Carneiro de Oliveira Pacheco, António Ferreira Cabral Paes do Amaral, António Teixeira de Sousa, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Augusto César Claro da Ricca, Augusto José da Cunho, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Conde da Serra de Tourega, Conde de Silves, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Silveira Vianna, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Abel da Silva Fonseca, João António de Sepulveda, João Lobo de Santiago Gouveia, João de Mello Pereira Sampaio, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Simões Ferreira, José da Cruz Caldeira, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio António Fialho Gomes, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Pinto de Almeida, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro e Visconde da Ribeira Brava.
Entraram durante a sessão os srs.:- Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, António Eduardo Villaça, Antonio Máximo Lopes de Carvalho, Arthur Pinto de Miranda Montenégro, Bernardo Homem Machado, Condo de Burnay, Conde de Paçô Vieira, Ensebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco António da Veiga Beirão, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, João Baptista Ribeiro Coelho, Joaquim José Pimenta Tello, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gil e Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, Lourenço Baldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz José Dias e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.
Não compareceram á sessão os srs.:- Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo César de Oliveira, Álvaro de Castellões, Anselmo de Andrade, António Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, António de Menezes e Vasconcellos, António Simões dos Reis, António Tavares Festas, Arthur Alberto de Campos Henriques, Conde de Idanha a Nova, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Jacinto Cândido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Ornellas de Maios, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva da Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Capello Franco Frazão, José Gregorio do Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Barbosa de Magalhães, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osório da Cunha Pereira de Castro, Manuel António Moreira Júnior, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.
Acta. - Approvada.
Não houve expediente.
O sr. Frederico Ramires: - Sr. presidente, nas poucas palavras que vou proferir não pretendo molestar o sr. ministro das obras publicas, pois pedi a palavra simplesmente para frisar o facto de que, na sessão de 7 de março da actual sessão legislativa, enviei para a mesa um requerimento pedindo, pelo ministerio das obras publicas, alguns documentos referentes á sociedade agrícola e financeira de Portugal, e que, apesar de decorridos mais de dois mezes, ainda não chegaram a esta camara.
Esses documentos, que dizem respeito a umas propriedades que em Castro Marim e Villa Real de Santo António possue a mencionada sociedade, careço d´elles, a fim de conversar com o sr. ministro das obras publicas sobre o assumpto, pois o considero importante para e bem do estado.
Como não desejo que se encerre a actual sessão parla-
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mentar sem tratar d´este assumpto, que, repito, considero importante, peço ao sr. ministro das obras publicas a fineza de envidar todos os seus esforços de modo que os documentos, a que me refiro, sejam enviados a esta camara com a possível brevidade.
S. exa. não reviu.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha):- Pedi a palavra para declarar ao sr. deputado Ramires que, apenas recebi a participação do seu requerimento, dei logo ordem na minha secretaria para que lhe fossem remettidos os documentos requisitados.
Reconheceu-se, porém, que ali existem apenas alguns documentos soltos relativos ao assumpto, por isso que o processo correu pelo ministerio da marinha, por onde s. exa. poderá requisital-os. Entretanto mandarei para a camara os poucos documentos que existem no meu ministério.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Frederico Ramires: - Pedi a palavra, não só para agradecer ao sr. ministro das obras publicas a resposta que se dignou dar-me, como tambem para pedir a v. exª., sr. presidente, a fineza de mandar dirigir o mesmo requerimento ao ministerio da marinha, visto ser n´esse ministerio que se encontra o respectivo processo, segundo declarou o sr. ministro.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Tavares Festas (por parte da commissão de administração publica): - Mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre o projecto do lei nº 66-A, que tem por fim estabelecer que os logares da freguezia de Campanhã, do concelho do Porto, situados fora, da estrada da circumvallação, e que pertenciam ao concelho de Gondomar e foram annexados ao do Porto por decreto de 13 de janeiro de 1898, voltem a pertencer á assembléa eleitoral de Campanha,
Mandou-se imprimir.
O sr. Eusebio Nunes:- Mando para a mesa a seguinte:
Participação
Participo a v. exa. que se constituiu a commissão de artes e industrias, escolhendo para presidente o sr. Joaquim Tello e para secretario a mim, participante= O deputado, Eusebio Nunes.
Para a acta.
O sr. Francisco José Machado:- Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio da guerra e 4ª repartição, seja enviada a esta camara com toda a urgência informação ácerca do forte do Tagarote, no districto de Ponta Delgada, e se ha inconveniente em que seja convertido em lei o projecto do sr. deputado Poças Falcão, pedindo para o referido forte ser concedido á camara municipal de Villa Franca do Campo.= O deputado, F. J. Machado.
Mandou-se expedir.
O sr. Presidente: - Como não está mais nenhum sr. deputado inscripto, vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Teixeira de Sousa: - Sr. presidente, não me pareço regular que se prosiga na discussão do orçamento na ausência do sr. ministro da fazenda e do sr. relator, e por isso peço a v. exa. que interrompa a sessão até que s. exa. compareçam.
Se for necessário, mandarei para a mesa um requerimento, a fim de ser consultada a camara nesse sentido.
O sr. Presidente:- Interrompo a sessão até que compareçam os srs. ministro da fazenda e relator.
Eram três horas e um quarto.
Ás três horas e três quartos continuou a sessão.
O sr. José de Âlpoim : - Lê, e manda para a mesa o seguinte projecto de lei
Artigo 1.° É dispensado D. José Telles da Gama do pagamento dos emolumentos, direitos de mercê e sêllo pelo titulo de conde da Vidigueira com que foi agraciado.
Art. 2.° São concedidas a D. José Telles da Gama e a seus irmãos, D. Luiz, D. Constança, D. Eugenia, e com sobrevivência de uns para outros, os direitos que o actual conde da Vidigueira, seu pae, herdou dos seus avós, sobre as propriedades denominadas Mouchãos e Lezíria da Palmeira, que lhes pertencem em ultima vida, com reversão para a fazenda nacional.
Art. 3.° Os direitos a que se refere o artigo antecedente, e que por elle são concedidos, em caso algum poderão ser alienados, nem tão pouco penhorados, consignados ou por qualquer forma obrigados, sendo nullos todos os contratos celebrados em contravenção d´este preceito.
Art. 4º Fica revogada a legislação em contrario = José Estevão de Moraes Sar mento = José Pimenta de Avellar Machado= Sebastião de Sousa Dantas Baracho = Arnaldo de Novaes Guedes Rebello =António Eduardo Villaça= José Maria de Alpoim.
Este projecto, observa o orador, está assignada por três deputados regeneradores e por três deputados progressistas; mas, se o regimento o consentisse, estaria com certeza assignado por todos os membros da camara. (Apoiados geraes.)
Considera-o como um grande acto de justiça nacional, porque é uma demonstração do amor pelo nosso passado resplendente de glorias, e uma prova de affecto pela memória d´aquelle que foi o grande navegador portuguez, o maior navegador do mundo; d´aquelle que é um dos vultos mais radiosos da humanidade e da civilisação.
Allude depois á celebração do centenário de Colombo na Hespanha e na América, e, descrevendo largamente as vantagens que advieram a Portugal dos feitos de Vasco da Gama, accentua que é tambem dever do nosso paiz prestar um tributo de admiração a este nosso heróico antepassado, na pessoa do seu ultimo descendente.
E, porque vê nas manifestações da camara a sua boa disposição em favor do projecto, considera-se auctorisado a propor que ella se honre, votando-o por acclamação. (Apoiados geraes.)
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro da Marinha (Dias Costa):- O governo associa-se com todo o enthusiasmo ao projecto apresentado pelo meu illustre amigo o sr. Alpoim.
Na historia de todas as nações ha nomes que se impõem por tal forma á consideração publica, que discutil-os é porventura o mesmo que praticar um verdadeiro sacrilégio. Por isso comprehendo bem que a camara resolva votar por acclamação este projecto, que representa uma homenagem dos representantes do povo a esse vulto epico que gravou nas paginas da historia patria phrases tão brilhantes, que inaugurou a epocha das grandes viagens e dos grandes descobrimentos, e que, finalmente, estabeleceu as tradições que hoje a nossa marinha de guerra mantém. (Muitos apoiados.)
Vasco da Gama foi um audaz o grande navegador. (Muitos apoiados.) A sua audácia transmittiu-se de geração em geração, espalhou se por todas as classes da sociedade; e é por isso que a nossa marinha de guerra, sempre que a pátria lhe exige sacrifícios, está prompta, sem hesitar, sem discutir meios de transporte, e ella ahi vae, por esses mares fora, às vezes em barcos de fraca construcção, arrostando com todos os perigos, honrando assim as tradições gloriosas d´este grande vulto. O governo associa-se, repito, gostosamente á manifestação da camara, porque entende que a nação prestará mais uma vez o tributo da sua gra-
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tidão e cumprirá um verdadeiro dever civico honrando a memoria d´esse varão illustre.
Vozes:- Muito bem. :
(S. exa. não reviu.)
O sr. Dantas Baracho: - Cabe-me a honra de, em seguida á brilhante oração do meu prezado amigo, o sr. José de Alpoim (Apoiados), que arrebatou seguramente todos os membros d´esta camara, que tiveram o prazer de o ouvir (Apoiados), cabe-me a honra, repito, em nome da minoria, de que eu sou o mais humilde membro, - como não menos modesto o sou tambem de entre aquelles que assignaram o projecto -, de acrescentar algumas palavras ao que tão elevadamente fica dito, para que se não julgue que d´este lado da camara não estão todos igualmente de alma, vida e coração, com tão elevada, arrebatadora e sincera homenagem (Apoiados.)
O illustre deputado o meu amigo, o sr. José do Alpoim, referiu-se ha bem poucos momentos á parte que tinha n´esta manifestação á corôa representada por El-Rei.
Folgo de significar n´esta occasião, em primeiro logar, que os nossos Reis, a que o senhor D. Carlos não faz a mínima excepção, sua augusta esposa e toda a família real se associam sempre a questões d´esta ordem, que são questões nacionaes, que a todos afectam, desde o mais elevado até ao mais humilde. O illustre deputado, o sr. José de Alpoim, com aquellas flores de rhetorica que o classificam como um dos mais primorosos oradores do nosso paiz, (Apoiados) descreveu ha pouco os actos praticados pelo nosso primeiro navegador, porventura o primeiro navegador do mundo. (Muitos apoiados.)
Depois do que a exa. disse, seria, audácia da minha parte pretender medir-me com aquelle cultor privilegiado da palavra, na sua phrase burilada. Por isso limitar-me-hei a significar que esse heroe que illustrou o nosso nome e o tornou immortal, teve tanta gloria que deu margem, ensejo e materia prima, para que outro Portuguez, celebrando-lhe os feitos, se immortalisasse tambem. Refiro-me a Camões, ao inemitavel e assombroso epico. Só um genios podem cantar os genios á sua similhança. Só um genio podia descrever a obra sem rival de outro genio.(Apoiados.)
O illustre deputado, o sr. José de Alpoim, referindo-se á desgraça que opprime o paiz vizinho, á quadra triste e pungente que elle atravessa, fallou em nomes gloriosos e nos descendentes de Christovão Colombo. Poz bem em relevo que aquella nação cavalheirosa, soube com bizarria patentear o seu acrisolado reconhecimento, por occasião do centenario da descoberta da America, para com os descendentes d´aquelle grande vulto. Nós, mais humildes, mais nobres, mais pequenos, não podemos igualar em grandiosidade os nossos vizinhos nas provas de dedicação e de affecto devidas aos descendentes do homerico navegador Portuguez. Mais que ao menos não tenha feição menos convicta, menos profunda, menos espontanea, a homenagem tão consoladora, tão portugueza, que a todos nos reune n´este momento, sem discrepancias.(Muitos Apoiados.)
Sob ponto de vista mais circumscripto, que mais directamente me diz respeito, v. exa. sabe e sabem todos que me ouvem, que eu tenho a honra de pertencer á classe militar. Seja-me licito por isso registar com o maior enthusiasmo que Vasco da Gama, além de navegador, foi na India o iniciador de uma epoca que muito nos levou pelos feitos grandiosos das nossas armas. E convem ainda recordar:- quando ,decorridos annos se accentuava já a decomposição nos nossos formosos dominios, apparecia ainda D. João de Cástro, para illuminar com o seu espirito previlegiado a nossa descendencia!(Apoiados.)
E sr. presidente,, seja-me permittido, na mesma ordem de idéas, fazer tambem uma referencia ao mais prodigioso conquistador d´aquelle nosso, vasto império. Ali se immortalisou, ali deixou vinculado o seu nome glorioso, para todos os Portuguezes, o grande capitão Affonso do Albuquerque.(Muitos Apoiados.)
Sr. Presidente, historiadores os mais conscienciosos e abalisados enfileiram este grande guerreiro ao lado de Alexandre e de Napoleão, pelos seus altos dotes de estrategico e de tactico!(Muitos Apoiados.)
Foi elle quem estabeleceu no Oriente os tres pontos fundamentais - Ormuz, Gôa e Malaca- para consolidação do nosso dominio e simultaneamente a soberania da nossa bandeira, fazendo uma administração honesta, honrada e justa, tanto para os grandes como para os pequenos, sem excepção. E quando deixou de existir esse grande domidor, os indigenas, na sua ingenuidade, diziam "que não morrera, mas que tinha ido para o ceu commandar os exercitos de Deus!"
E com tão sympatico quanto expressivo necrologio ponho termo, sr. Presidente, nas minhas considerações, e proponho, em nome da opposição regeneradora que o projecto apresentado pelo sr. Alpoim seja votado por acclamação.
Vozes:- Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por todos os srs. deputados e membros do governo, que assistiam á sessão, excepto pelo sr. Ministro da fazenda.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente:- Creio interpretar os sentimentos da camara considerando o projecto approvado por acclamação.
(Apoiados geraes.)
Em vista da manifestação da camara vae q projecto ser immediatamente remettido para a camara dos dignos pares.
ORDEM DO DIA
Continuação da discusão do artigo 2.º capitulo 1.° do orçamento da receita (addicional de 5 por cento)
O sr. Queiroz Ribeiro: - Sr, presidente, em seguida aos admiráveis e patrióticos discursos de três oradores desta categoria, tenho eu a infelicidade de levantar tambem a minha voz!
E, depois de os nossos corações vibrarem unisonos n´um assumpto de tal elevação, hei de eu discutir o addicional do 5 por cento! Descer, de um passado, feito de glorias, às amarguras e á melancolia da hora presente!
De que modo?
As rãs no seu humilde coaxar, não sabem, por mais que queiram, imitar o canto do rouxinol! As toupeiras não podem, porque são cegas, acompanhar o vão das águias!
Comtudo, na mudez que eu guardarei sobre o assumpto, ficarão dormindo sentimentos, que não sei traduzir, mas que não devem nada, em sinceridade e pureza, áquelles que foram expressos aqui. (Apoiados.)
Consignada esta affirmação, que a minha consciência me pedia, permitia v. exa. que eu entre na questão immediatamente.
Sr. presidente, ouvi com a maior das attenções os illustres oradores da opposição, e tomei com o maior cuidado apontamento dos seus discursos. Admirei o vigor, a elegância, o brilho, com que fallaram o sr. Moncada e o sr. Teixeira de Vasconcellos.
Mas foi tamanho o meu enthusiasmo pela sua eloquência, como intensa a minha mágua pela maneira por que s. exas. trataram o assumpto. (Apoiados.).
Invectivas violentas e apaixonadas, ataques á situação progressista, ás idéas, aos planos, às obras do partido a que me honro de pertencer, tudo isso figurou nas palavras de s. exas. Com respeito ao addicional, nada ou muitíssimo pouco! (Apoiados.)
Fizeram-me até lembrar uma anedota que li ha dias. Eram uma vez dois banqueiros, que não se podiam ver, como acontece quasi sempre a officiaes do mesmo officio.
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Vozes:- É verdade ! É verdade!
O Orador:- Vejo que não falta quem concorde comigo. Effectivamente o facto é vulgar ...
Ora, um dos argentarios deu uma soirée, e no numero dos convidados estava o outro. Tambem não deixa de ser costume ... (Riso.)
Em certa altura, travou-se um jogo violento entre o dono da casa e o seu adversario, que dentro em pouco perdeu tudo quanto levava e começou a appellar para o credito.
Era uma verdadeira machina, a encher vales de centenas de mil réis, de contos, de dezenas de contos ... nominaes. Por fim, o collega, já cansado de receber tanto dinheiro em papel, volta-se para elle e diz-lhe: "Amigo! ponha algumas pretinhas na mesa para fazer furor"! (Riso.)
Ora, sem sombra de offensa, confesso que ouvindo ao sr. Teixeira de Vasconcellos e ao sr. Moncada tantas accusações, tantas criticas, tantos devaneios partidarios, a pretexto do addicional, me appeteceu dizer-lhes tambem:" Meus illustres collegas! ponham algumas pratinhas na mesa, para fazerem furor"!(Riso.)
Em compensação, o sr. condo de Paçô-Vieira, posto não se cingisse ainda ao assumpto quanto seria para desejar, abandonou inteiramente a nota das paixões partidarias, discutindo com frieza o serenidade.
Os que lhe conhecem o temperamento e têem saboreado as suas formosas orações políticas, sabem que não é muito este o seu feitio parlamentar.
Lembro me até perfeitamente de ler nos jornaes a descripção da estreia de s. exa. na camara.
Aquelle corpo gentil, que é, sr. José de Alpoim, a inveja da nossa elegancia com 10 arrobas de peso, (Riso.) parecia uma avalanche, ao entrar na lucta, e a voz meliflua, que nós acabâmos de ouvir com agrado, rugia como a voz do furacão.
Scenas de pugilato não sei bem se as chegou a haver, mas os acontecimentos foram de tal ordem, que deram bastante que fallar.
Pois o conbatente fogoso de então foi o orador calmo e frio de agora!
Podia eu levantar a suspeita de que s. exa. fallou sobre posse, de que não sentiu muito o que dizia; e, contrapondo o seu tom moderado ao tom ardente dos srs. Moncada e Teixeira de Vasconcellos, frisar a curiosa descóberta de que ha dois diapasões na orchestra da opposição. (Riso.)
Não o farei. Pelo contrario. Louvo e felicito o illustre deputado, porque reconheceu a inconveniencia das invectivas, n´uma questão d´esta natureza.
Ainda bem! Não terei de pagar-lhe represalias com represalias. Faltarei serenamente, como s. exa. fallou, procurando responder a todos os seus argumentos.
Só lhe poço que me tolero não seguir á risca a ordem em que os apresentou, porque a julgo arbitraria, como a dos factores na arithmetica.
O argumento a que o sr. Conde do Paçô-Vieira deu mais valor e realce é o seguinte: O governo deve remodelar o real de agua, porque esse imposto, como está, é mal cobrado. No Porto, deixa apenas 11 contos de réis, quando devia produzir 115 contos de réis, pelo menos, o que não succede em virtude do enorme contrabando que ali se faz. Seria, pois, preferivel que o governo puzesse o real de agua em arrematação, dispensando-nos do addicional.
(Para o sr. conde de Paçô-Vieira): Creio que é esta a argumentação de s. exa.
O sr. Conde de Paçô-Vieira:- Exactamente.
O Orador: - N´esse caso, muito me surprehende a contradicção entre as idéas que acabo de reproduzir, e a affirmativa, em que o illustre orador insistiu tanto, de que os impostos são excessivos e o povo não póde pagar mais!
Todos sabem que o imposto do real de agua se infiltra até às ultimas camadas sociaes; que fere até ao mais pobre e miseravel dos contribuintes. Por consequencia, se elle é mal cobrado; se, só no Porto, rende menos 100 contos de réis approximadamente do que devia render; se em Lisboa e outras terras deixa de produzir muitas centenas de contos de réis; e se s. exa. quer que elle seja posto em arrematação, para lho arrancarem todas essas quantias, o sympathico orador está evidentemente confessando e proclamando até, em contrario do que sustentou, que o paiz póde o deve pagar mais ! (Muitos apoiados.)
O illustre deputado quiz apresentar-se como um devotado amigo, um defensor enthusiasta dos contribuintes, e a final o seu argumento foi uma espada terrivel, que lhes deixou ficar sobre a cabeça ! (Apoiados.)
Sr. presidente, eu desconheço os dados em que se funda a asserção de que o real de agua deixa de produzir no Porto, por causa do contrabando, mais de 100 contos de réis...
O sr. Conde de Paçô-Vieira: - São dados officiaes: cortidões da alfandega do Porto e da repartição de fazenda do districto, relativas ao consumo do alcool, durante o triennio de 1894 a 1897.
O Orador: - Agradeço a explicação de v. exa., mas, admittindo mesmo que esses elementos estatisticos tenham grande valor, por provirem de estações officiaes, quero ponderar que o illustre deputado deu ao governo um pessimo conselho, quando instou pela arrematação.
Detesto similhante systema! O rendeiro, sempre que póde, calca aos pés o contribuinte. Já Mirabeau o disse, n´uma phrase tão bella, como verdadeira: O rendeiro suga nas carotidas o sangue dos contribuintes e dá apenas ao estado as gotas das veias capilares!
Ninguem ignora a sorte de Lavoisier, o grande fundador da chimica moderna, um dos primeiros sabios e uma das primeiras glorias da França.
Era um homem de bem, mas pertencia a essa classe terrivel, que explora o povo, mais ainda em proveito proprio do que do fisco. Foi o que bastou para o assassinarem cruelmente, roubando á França os beneficios da sciencia, que esse genio continuaria de certo a prodigalisar-lhe! Tal é o odio que o rendeiro inspira! (Apoiados.)
Por isso appéllo para o coração e para o talento do sr. ministro da fazenda, oppondo um pedido meu ao conselho do sr. conde de Paçô-Vieira.
Comprehendo que o governo precise de augmentar as fontes de receita do estado, mas apesar d´isso rogo encarecidamente a v. exa. (para o ar. minitro da fazenda), que pense muito, antes de adoptar o barbaro systema da arrematação! (Apoiados)
Ha, porém, uma consideração, por onde eu poderia ter principiado, e que dispensa todas as que apresentei a tal respeito. A rejeição ou adopção de tal systema reclama estudos complexos e demorados, e o erario carece de dinheiro com a maior urgencia. (Apoiados.)
Seria, pois, um verdadeiro crime de imprevidencia consagrarmo nos a esses estudos, deixando os cofres publicos vasios.
E creio ter por esta fórma respondido ao argumento.
Affirmou o illustre orador que o governo, pedindo este sacrificio ao contribuinte, prescindia, por outro lado, caprichosamente, de quantias importantes a que tem direito.
S. exa. pretendeu demonstral o, invocando o & unico do artigo 19.º da proposta da lei do sêllo. Na sua opinião, esse paragrapho é injusto, representa uma innovação, constitue um incitamento a novas transgressões, tem o perigo de poder ampliar-se no futuro a factos mais graves, e causa, alem de tudo isso, uma importante perda de receita.
Ora nada ha menos fundamentado do que similhante modo do ver.
O que dispõe esse paragrapho?
Eu tenho aqui diante de mim o Diario do governo, em que elle saíu, mas é tamanho este papel e o paragrapho
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Tão extenso, que peço licença para o resumir, pondo, no emtanto, o seu texto ao inteiro dispor de v. exa., do illustre deputado e de toda a camara.
Reduz-se tudo a uma auctorisação, para se perdoarem as penas, note-se bem, as penas, em que hajam incorrido quaesquer particulares ou empregados públicos, por transgressões da lei do sêllo, até á data da publicação do regulamento respectivo.
Portanto, essa auctorisação poderá evitar o pagamento da multa, mas, por forma nenhuma, o pagamento do imposto.
Appello para o sr. ministro da fazenda. É esta, supponho eu, a doutrina de s. exa.
0 sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Apoiado.
O Orador: - 0 apoiado do pobre ministro mostra que interpretei com exactidão o seu pensamento.
N´estas condições; peço licença para dizer ao mau querido amigo o sr. conde de Paçô- Vieira, que, em verdade, nada ha mais simples e correcto.
O sr. Conde de Paçô- Vieira: - V. exa. acha pouco, no estado em que se encontra o paiz?
0 Orador:- Peço a v. exa que modere a sua impaciência. Não se trata do estado do paiz. Trata-se da disposição que v. exa. atacou, apontando-lhe defeitos, que eu vou provar que não existem (Apoiados.}
Não temos apenas uma lei do sêllo. Temos a de 1993, a de 1896 e ainda o regulamento de 1885.
A deficiência d´estes diplomas, junta á dificuldade da sua combinação, dá logar a que muitas pessoas, na maior boa fé, caiam por inadvertência sob o sancção de multas, cuja applicação póde parecer jurídica a uns e a outros não.
Os próprios jurisconsultos, como o illustre deputado sabe, muito bem, discordam sobre a interpretação de numerosos artigos.
Ora a primeira condição de uma boa lei é ser moral. E desde que nós vamos fazer uma remodelação methodica de tudo quanto até aqui se legislou sobre o imposto do sêllo, seria Uma immoralidade explorar com as obscuridades ou deficiências do direito anterior.
Era, pois, de justiça passar uma esponja sobre as penas, muitas das quaes são filhas unicamente dos vícios da lei. Mas essa esponja está longe de ser uma rasoura, que tudo arraste, porque o imposto há de ser pago. Por consequência, a disposição impugnada não é justa, é justíssima. (Apoiados.)
Acresce uma cirçunstancia, que o sr. conde de Paçô-Vieira não previu, na sua brilhante argumentação. Muitos contribuintes virão pagar o imposto espontaneamente, para fugirem á penalidade, resultando d´ahi uma antecipação de receita.
S. exa. tem, bem o sei, engatilhada esta resposta: " Antecipação de receitas não é vantagem alguma."
Em primeiro logar, não sou inteiramente de tal parecer porque ao menos caberá ao estado a vantagem correspondente ao aproveitamento da quantia antecipada.
Mas, alem d´isso, ha contribuintes pobres, que podem pagar o imposto e irão a pagal-o, mas que não poderiam fázel-o, nem o fariam, acrescendo-lhes as multas e importantes despezas judiciaes de uma demanda.
E aqui está como d´essa medida, que o illustre deputado considera um grave prejuízo nacional, resulta antes vantagem para as finanças do estado. (Apoiados.)
Nem ella representa uma innovação, como s. exa. Affirmou. Pelo contrario. Já-se acclimatou nas leis congeneres, e até n´outras, que o não são, ja disposições similhantes.
Não pretendo dirigir censuras ao sr. Hintze Ribeiro, a cujo talento, boas intenções e altíssimo valor sou o primeiro a prestar homenagem, certo de que me acompanham igualmente esse e este lado da camara. (Apoiados.)Mas v. exa. não desconhece que aquelle ilustre chefe da situação transacta determinou que a contribuição de registo por títulos particulares de compra, que não tivesse sido paga dentro dos trinta dias legaes, podesse sel-o durante dois annos, pagando o contribuinte tambem o juro.
O sr. Luciano Monteiro:- Isso é muito differente.
O Orador: - Perdão. As penas applicavéis por certo que são diferentes. Num caso dá-se a nullidade do contrato, noutro ha apenas logar á multa. Mas o principio adoptado é o mesmo, absolutamente o mesmo. E, portanto, se elle é justo n´um caso, tambem é justo no outro. (Apoiados.)
O sr. conde de Paçô-Vieira viu neste paragrapho um incitamento a futuras transgressões e acrescentou que elle tinha ainda o perigo de poder ampliar-se a infracções mais nocivas ou a crimes até.
Confesso que não percebo! Se porventura se dissesse: "Ninguém pagará o imposto, antes de se publicar o regulamento", então sim. Mas diz-se exactamente o contrario. Perdoa-se a pena. Logo o imposto é obrigatório. Assim, quem quizer aproveitar-se da disposição já sabe que tem de o pagar. Que incitamento a quaesquer transgressões póde haver n´isso? (Apoiados.)
E, por outro lado, como se demonstra que é provável vir a ampliar-se inconvenientemente a outras hypotheses a mesma disposição? Se isso for proposto ao parlamento, elle o evitará. Se se fizer, contra a lei, elle pedirá contas
quem o praticar! (Apoiados.)
Emfim, quem ouvisse o sr. conde de Paçô-Vieira poderia talvez attribuir-lhe a suspeita de que o paragrapho em questão leva sobrescripto.
Não acompanharei s. exa. até ahi, tanto mais que não tenho a certeza de que tal suspeita existe. Mas, se ella existisse e eu quizesse acompanhal-o, não me seria difficil tirar uma vingançasinha cruel... Bastaria alludír a certos telegrammas, perdoando muitos contos de réis, e cuja autenticidade eu poderia garantir com o cavalheirismo, que é próprio do meu caracter. (Apoiados.) Estava na minha mão
indicar, citar, provar... Não quero!
Passemos a outro assumpto.
Diz s. exa. que nos falta auctoridade, porque não fizemos economias e só aggravámos as despezas.
Engana-se. Asseguro ao illustre deputado que se diminuíram as despezas, quanto conscienciosamente pareceu possível. Mas, como ponderou o sr. Jeronymo Barbosa, seguir com precípitação n´este caminho póde ser ainda mais prejudicial do que não fazer cousa alguma. (Apoiados.)
Deve proseguir-se e ha de proseguir-se. Simplesmente, toda a cautela é pouca, para evitar abalos profundos e injustiças lamentáveis.
O eloquente orador, a quem me cabe a honra de responder, não se contentou em nos censurar, por não fazermos economias. Foi muito mais longe: acusou-nos de esbanjadores! E, não ousando descer sósinho ao temeroso inferno, onde se estão expiando os nossos crimes, fez como o immortal poeta florentino, procurou o concurso de um guia, que o conduzisse e elucidasse, n´aquelle pélago sem fim.
Vimol-o então ao lado do sr. major Machado, que fazia a figura do grande Virgílio, descer às profundezas infernaes, para descobrir os progressistas que por lá moravam, e indagar os crimes que tinham commettido. Pois foi feliz! (Riso.)
Encontrou apenas dois peccadores, mas de que estatura! Um, o sr. José Luciano de Castro, nobre ministro do reino, que praticara a monstruosidade de gastar mais 40 e tantos contos com a guarda municipal; outro, o sr. Augusto José da Cunha, nobre ministro das obras publicas, um faccinora... porque despendeu 30 contos de réis com o caminho de ferro do Algarve.
Estavam ambos a arder, no meio d´aquella névoa negra, através da qual Dante sabia interrogar os comna
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dos, mas atravez da qual, infelizmente, o sr. conde de PaçÔ-Vieira não perguntou cousa nenhuma.
Ora se s. exa. se tem dirigido aos reprobos, elles lhe diriam da sua justiça.
O sr. José Luciano de Castro responder-lhe-ía que é em Lisboa onde mais avulta essa carestia de géneros, com que o illustre orador tanto argumentou ; que a guarda municipal exerce aqui um serviço importantíssimo e pesado, como é o da manutenção da ordem publica, primeiro cuidado de um governo digno d´este nome; que seria, portanto, moralmente impossível deixal-a reduzida, pelas condições do mercado, a uma alimentação deficiente.
O sr. Teixeira de Sousa: - A resposta do ar. presidente do conselho não foi essa.
O Orador: - Não sei se foram estas textualmente as palavras do sr. presidente do conselho, mas tenho a certeza de que, se elle estivesse presente, perfilharia as idéas que eu acabo de expor.
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Apoiado.
O Orador : - O apoiado do sr. Ressano Garcia é a confirmação d´isso mesmo.
O sr. Teixeira de Sousa:- V. exa. dá-me licença?
O Orador : - Com todo o gosto.
O sr. Teixeira de Sousa:- Parece-me ter dito o ar. presidente do conselho que não podia deixar de dar os 40 contos do réis para melhoria do rancho ás guardas municipaes, porque o commandante do mesmo corpo lhe havia affirmado que, se não fizesse isso, não se responsabilisava pela ordem publica.
O Orador : - Eu não desejo pôr em duvida a palavra honrada de v. exa. mas...
O sr. Teixeira de Sousa:- A minha lealdade obriga-me tombem a dizer que o sr. presidente do conselho explicou depois as suas palavras, rectificando o que havia dito, dizendo que o commandante das guardas municipaes lhe significára que a carestia dos géneros poderia motivar a insubordinação da guarda municipal.
O Orador: - Parece incrível que o illustre deputado, um amigo da ordem, pertencente a um partido que tem sempre sustentado a ordem, que a estima, que a quer, traga para aqui palavras similhantes ! (Muitos apoiados.)
O sr. Teixeira de Sousa : - V. exa. póde mandar essas palavras ao sr. presidente do conselho, porque foi elle quem as disse, não fui eu.
O Orador: - V. exa. póde enganar-se, alterando as palavras do sr. presidente do conselho, sem o desejar. Mas se o sr. presidente do conselho, como o illustre deputado confessa, disse que o commandante das guardas municipaes argumentou com a carestia dos géneros, o argumento é este, e não ha rasão para modificar ou corrigir o que eu estava dizendo. (Apoiados.)
Portanto, sr. conde de Paçô- Vieira, vamos ao inferno outra vez. (Riso.) Dirija v. exa. a palavra ao grande criminoso, o sr. José Luciano de Castro, e verá como elle lhe responde que a carestia de géneros, em que v. exa. hontem baseou uma das partes mais brilhantes do sen discurso, é precisamente o motivo por que o nobre presidente do conselho se viu forçado a augmentar a despeza com a guarda municipal.
O sr. Henrique de Mendia:- Naturalmente é com a mesma carestia que v. exa. justifica o addicional de 5 por cento ! (Apoiados.)
O Orador: - Perdão. Lá vamos logo. O que eu não posso é responder a tudo ao mesmo tempo. Por ora estou-me referindo á accusação do sr. conde de Paçô- Vieira, de que somos esbanjadores.
O segundo reprobo é o sr. Augusto José da Cunha. Elle ali está a olhar para nós, com a sua cara de bondade, todo amargurado por o illustre orador o collocar no inferno, sem o ouvir primeiro. (Riso.)
Se fosse ouvido, diria assim: "A região que vae ser atravessada por essa linha férrea é uma região rica, opulenta, de que ha muito a esperar. (Apoiados.)
"Augmentará, portanto, a sua riqueza, augmentando tambem a afluência á linha de Lisboa, o que se traduz em vantagens immediatas para o paiz. (Apoiados.)
"Nem este melhoramento foi decretado agora. Já o estava ha muito, sem opposição de ninguém;" (Apoiados.)
Em conclusão: destinando apenas 30 contos de réis para esse fim, só podemos lamentar uma cousa-ter-se dado tão pouco.
Uma voz: - Se é pouco, lá vão as vantagens immediatas em que v. exa. fallava.
O Orador:- Essas vantagens não são tão grandes, como se a quantia fosse maior, mas nem por isso deixam do existir. (Apoiados.)
Só tive na idéa accentuar que 30 contos de réis é uma quantia bem pequena, para um melhoramento desta ordem.
O sr. Teixeira de Sousa: - Diante da riqueza do thesouro chega a ser uma insignificância! (Apoiados.)
O Orador:- Eu devo notar o seguinte: se v. exa., quando for poder, invocar a pobreza do thesouro para não despender um ceitil em despesas indispensáveis, o paiz insurgir-se-ha, com rasão, contra v. exa., e não o consentirá n´aquellas cadeiras nem cinco minutos! (Apoiados.)
Sr. presidente, os illustres deputados pelo Algarve podem, com pleno conhecimento de causa, confirmar o que eu disse com respeito ao caminho de ferro.
O sr. Conde de Silves:- Apoiado.
O Orador (para o ar. conde de Silves): - Se os outros nossos collegas d´aquella província estivessem presentes, creio bem que o apoiado de v. exa. Não ficaria isolado.
Fique, pois, bem assente que o sr. conde de Paçô-Vieira foi injusto, accusando-nos de não termos feito economias, e que nenhum dos factos que citou o auctorisa, sem a maior injustiça, a acoimar-nos de esbanjadores. (Apoiados.)
E agora, depois de ter posto de lado esse argumento, não posso deixar de lado esse argumento, não posso deixar de considerar aquelle, para que o sr. Henrique de Mendia chamou ha pouco a minha attenção.
Também s. exa. acha estranho que o addicional de 5 por cento seja para nós compatível com a carestia dos géneros.
Pois eu dir-lhe-hei, convicto do que a sua clara intelligencia já previu a minha resposta, que o addicional tende a regularisar o orçamento, a regularisação do orçamento a enfraquecer o agio, e a quéda do agio a diminuir essa carestia, de que elle é uma das causas mais importantes.
Assim, aquillo que s. exa. considera um aggravamento do mal, é antes indirectamente um dos seus remédios, dentro do plano do sr. ministro da fazenda.
Mas, pedindo toda a sua attenção ao nobre ministro, sempre confessarei que o sr. conde de PaçÔ-Vieira tem, a meu ver, muita rasão, numa queixa que dirigiu a s. exa.
V. exa lembra-se, sr. presidente, d´aquella carestia pavorosa: o arroz pela hora da morte, as batatas caríssimao, o bacalhau... não faltemos, (Riso.) falta de cereaes, e tudo por este teor. "Quem foi o auctor d´esta desgraça senão o sr. ministro da fazenda? (Riso.)
Não posso negal-o. Toda a Europa sabe que foi o sr. Ressano Garcia, auxiliado, se quizerem, pela maioria e pelos outros ministros, quem fez encarecer os géneros. (Riso.)
Já n´outro tempo se disse, com igual fundamento:
Se ao campo vão os pardaes,
A culpa é dos Cabraes.
(Riso.)
Uma voz: -Os Cabraes estão d´ahi (Riso).
O Orador:- Os Cabraes da cantiga não são estes, são outros, com quem felizmente o partido progressista
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não tem nem quer, ter afinidades na historia. (Muitos apoiados).
Emfim, eu estou prompto a confessar que 0s géneros necessários á vida estavam baratíssimos, quando o governo subiu, (Riso.) e que o sr. Ressano Garcia os elevou a preços fabulosos. (Riso.} Que mais querem?
Apesar disso dou a minha absolvição a s. exa. por ter procurado os meios de diminuir o agio, applicando os remédios, que a sua brilhante intelligencía lhe suggeriu para esse fim. (Apoiados.)
Citou-nos o sr. conde de Paçô- Vieira o caso profundamente trágico, de seis solicitadores não terem pago os direitos de mercê, prova evidente e incontestável, para o illustre orador, de que o paiz está perdido.
Veiu segredar-me, aqui do lado, um distincto parlamentar e jurisconsulto, que em compensação alguns solicitadores estão riquíssimos. Não me aproveitarei d´isso, concluindo com a mesma lógica, que nadamos em riqueza e e prosperidades.
Mas sempre recordarei ao meu prezado amigo, a quem respondo, que s. exa conforme declarou, extrahiu essa noticia de um jornal ; que de certo não se informou das circumstancias especiaes d´esses indivíduos ; que assim podem elles ter reconhecido a tempo a sua inaptidão para solicitar ou, por outro qualquer motivo, terem-se arrependido de adoptar aquella profissão; e que, embora nada d´isto succedesse, o facto é de per si bem pequeno, para d´elle se inferir uma lei ou a generalidade de um aspecto social.
Francamente: que influencia tem isso na balança em que nos cumpre pezar os prós e os contras do addicional que se discute? Nenhuma ou muito pouca! (Apoiados.}
S. exa. fallou-nos tambem nos pedidos que vão fazer-lhe de quando em quando para ser misericordioso nas execuções fiscaes.
O que esses pedidos provam, antes de tudo, é a benevolência do magistrado, que sabe conciliar o rigor da justiça, com a brandura da equidade.
Permitta, porém, o illustre deputado, á minha antiga amisade, um conselho leal. Não se deixe arrastar apenas pelo coração, para as supplicas não crescerem demasiado, nem se tornarem abusivas.
S. exª acha os impostos excessivamente pezados e numerosos. Para o demonstrar abandonou por completo o sr. capitão Machado e. . .
Uma voz : - Major, se faz favor !
O Orador: - Eu disse capitão, porque tinha ainda na idéa os tempos áureos das grandes luctas, em que o sr. Francisco José Machado tanto se assignalou, como correligionário infatigável e dedicadíssimo. (Apoiados.)
S. exª. póde chegar a general, que para a historia intima de seu partido, continuará a ser sempre o capitão Machado. E nós, os novos d´esse partido, seriamos bem ingratos, se o esquecessemos. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, dizia eu que o sr. conde de Paçô-Vieirà, ao occupar-se dos impostos, abandonou o seu guia. Então, o Dante transformou-se em Telemaco, pediu a v. exa. que lhe servisse de Mentor, e veiu communicar-nos esta grande descoberta: que os impostos são muitos e muito grandes !
Pois eu declaro-lhe, com toda a franqueza, que pensamos o mesmo, d´este lado da camara, e que já o pensamos há muito.
"Mas, n´esse caso, dir-me-ha s. exa. porque approvam o addicional?"
Approvamol-o por uma rasão muito simples: porque o considerámos um mal necessário.
Creio que é do mesmo modo que o sr. ministro da fazenda o considera?
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - (Apoiado)
O Orador: - Pois agora, que o nobre ministro me dá a honra de um bocadinho de attenção, volto-me para s. exa. e digo-lhe uma cousa: a opposição tem procedido com s. exa. por uma forma que realmente me dá que acismar!
O verdadeiro talento denuncia-se sempre, por mais que procure occultar-se. É como o veio de agua, que corre baixo da terra, e que se revela em signaes exteriores, por muito fundo que vá.
Assim é o talento de v. exa. Accusa-o, logo á primeira vista, a sua testa ampla, o seu olhar penetrante, o conjuncto da sua physionomia, antes que o demonstre admiravelmente a acção das suas faculdades, entre as quaes avultam os seus notáveis dotes parlamentares. (Muitos apoiados.}
Mas isto não passa de uma banalidade Todos o vemos, todos o sabemos, só a modéstia de v. exa poderia pretender occultal-o. (Apoiados.)
Porque é então que aquelle lado da camara anda todos os dias aqui a proclamar que o sr. ministro da fazenda é um talento de primeira ordem, que os seus relatórios são brilhantes e os seus discursos admiráveis? Para nos dar força? Era muita generosidade. (Riso.)
Francamente, não comprehendia, mas, depois de pensar um pouco, parece-me que encontrei.
Desde que a opinião imparcial conhece o alto valor intellectual de s. exa, é natural que raciocine assim: Se o sr. Ressano Garcia e tão intelligente e propõe o addicional, de certo este não será tão inconveniente como o pintam.
Ora os illustres deputados da opposição correm habilmente ao encontro de tal raciocínio. Repetem e tornam a repetir que o sr. ministro da fazenda é um talento do mais fino quilate, para se mostrarem insuspeitos, para se imaginar que, com a mesma franqueza com que fazem justiça ao adversário, fal-a-iam ao addicional, que elle propõe, não duvidando reconhecel-o como acceitavel, se não fosse uma monstruosidade impossível
A táctica não póde ser outra. Mas s. exa illudem-se completamente, se julgam difficil evital-a.
Eu não direi que o addicional de 5 por cento é algum titulo de gloria, alguma descoberta extraordinária, que immortalise o sr. Ressano Garcia. (Apoiados da esquerda.)
V. exa. apoiam? Então espero que apoiem o mais que vou dizer...
Uma voz: - Se o merecer...
O Orador:- Merece, porque é dito com a mesma lealdade e exactidão. Sem ser, como disse, nenhuma lembrança maravilhosa, o addicional de que tratamos é, todavia, uma providencia que um ministro do talento do sr. Ressano Garcia póde e deve tomar, nas circumstancias actuaes e nos termos de sua proposta.
É o que vou demonstrar.
Ninguém poderá pôr em duvida a existência do nosso desequilíbrio orçamental. Infelizmente as cifras são bem explicitas a esse respeito. Tenho-as aqui debaixo dos olhos, e se não as leio á camara é apenas para não a cansar inutilmente.
Peço ao meu illustre collega o sr. Oliveira Matos, cuja attenção tanto me desvaneceria, que ao menos me auxilie com a sua palavra, quando tratar o assumpto, se a minha demonstração não for tão completa, como desejo fazel-a.
Existindo ha muito, como é innegavel, esse desequilíbrio orçamental, a urgência de lhe pôr fim póde considerar-se um axioma financeiro.
Ora, para isso, apesar do seu vastíssimo talento, o sr. ministro da fazenda ao podia tomar por um de dois caminhos, porque não ha outro, a não ser aquella mina de oiro de que s. exa. ha tempo fallou, com muita pena de não a encontrar. (Riso.)
Os dois caminhos são estes: diminuir as despezas ou augmentar as receitas. O primeiro já mostrei que se se-
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guiu até onde era possível, ficando fechado, ao menos para o presente.
Não quero dizer com isto que, no futuro, não possa ainda fazer-se muito, mas até hoje fez-se o que se pôde. Com indiscutível boa vontade de melhorar o estado das cousas publicas, empregaram-se todos os meios que pareceram acceitaveis, para alliviar os encargos do thesouro. (Apoiados.)
Resta o segundo caminho; augmentar as receitas. Como? Lançando novos impostos ou aggravando os existentes. Outros processos não vejo. Sobre isso parece-me que não me porá objecções o distincto parlamentar o sr. Mello e Sousa, por todos considerado já como o futuro ministro da fazenda, depois dos notáveis discursos e planos financeiros, que s. exa. tem produzido n´esta casa.
Seria preferível um imposto novo? Não. Em regra só quando ha receita nova é que os impostos novos são preferíveis.
Demais, não reconhecem v. exa. que este imposto não traz comsigo os sobresaltos, os vexamos, as engrenagens e despezas de fiscalisação, que uma arrecadação especial acarretaria? (Apoiados) Não reconhecem que, exactamente por isso, o paiz o acceita de melhor grado?
Reconhecem-n´o tanto, que ainda o outro dia o sr. Teixeira de Vasconcellos atacou por este motivo! O que agrada às opposições é um impostosinho que levante o povo, que crie dificuldades ao governo. Não faço recriminações. Apenas fallo com sinceridade.
E, sr. presidente, alguma lição podemos tirar, para o assumpto, do que se pratica na Inglaterra, esse paiz que tanta admiração merece pelo modo como se dirige. A verdade e a justiça mandam dizer isto.
Ora, na Inglaterra, existe um imposto que tem muitos pontos de contacto com o addicional de 5 cor cento, como o sr. ministro da fazenda o propõe. É o income-tax, que tem por fim, como diz Leroy-Beaulieu, fornecer os recursos passageiros, que não poderiam vir de outra parte, sem inconveniente e sem delongas.
Consiste n´uma porcentagem, lançada sobre differentes impostos, e que diminue ou augmenta, conforme as condições do thesouro são mais fáceis ou mais difficeis.
O addicional, de que nos occupâmos, tem igualmente a vantagem de attender às necessidades do estado, na proporção que o nobre ministro da fazenda julgou conveniente, quando fez a sua proposta.
E, já que alludi á Inglaterra, lembrarei o facto succedido por occasião da guerra da Criméa. Aquelle paiz, que, em questões financeiros, allia ao melhor espirito pratico uma grande probidade, entendeu que as despezas de guerra, de que não ficavam vantagens materiaes para os vindouros, não deviam sobrecarregal-os, e por isso foi o income-tax quem deu para ellas o maior contingente.
Estou fatiando em these. Descendo ao caso concreto, não hesito em confessar, com toda a lealdade, que a má distribuição tributaria havia de tornar, entre nós, difficil e perigosa a applicação do mesmo systema.
V. exa. (para a esquerda,) esqueceram, porém, que o addicional em discussão não é uma percentagem permanente sobre impostos permanentes, mas sim uma percentagem transitória, devida a causas transitórias, sobre impostos permanentes. (Apoiados.)
Bem sei que o sr. Moncada, a quem ouvi com a máxima attenção, dizia aqui hontem: "Ninguém acredita que este imposto desappareça mais ! Affirmal-o é uma hypocrisia!"
S. exa. não está presente, mas, se estivesse, eu havia de obrigal-o, com argumentos irrespondiveis, a confessar que o addicional será fatalmente eliminado.
Combateu-o o sr. Teixeira de Vasconcellos, futuro ministro; combateu-o o sr. Moncada, futuro ministro; combateu-o o sr. conde de Paçô-Vieira, futuro ministro...
O sr, Conde de Paço-Vieira:--Isso é prerogativa da coroa. V. exa. está invadindo as attribuições de um poder independente. (Riso.)
O Orador:- V. exa. sabe muito bem que se póde prever com segurança o futuro de um parlamentar com o talento de v. exa. ou de qualquer dos seus correligionários, a quem me referi.
Assim, já ha três votos certos, no futuro conselho de ministros, contra o addicional.
Pena foi que o sr. Teixeira de Sousa não pedisse ainda a palavra contra, para ficarem sendo quatro.
O sr. Teixeira de Sousa:- Peço a palavra. (Riso.)
O Orador: - Ainda bem! Já estão em maioria. (Riso.) Quando s. exa. forem ministros, dirão logo no seu programma:
"Cá vimos nós para acabar com o addicional, pelas rasões que apresentámos ao parlamento." (Riso. - Apoiados.)
Por consequência, ainda quando as circumstancias passageiras, que determinaram a proposição deste imposto, não permitiam ao actual governo prescindir d´elle, a illustre opposição regeneradora não pôde, sem renegar as suas idéas, deixar de o considerar transitório.
Como tal, só como tal, o voto, e ainda assim sabe Deus com que mágua!
É que, como disse o sr. Teixeira de Vasconcellos, e n´esse ponto estamos de perfeito accordo, ha muito pobre, muito pequenino, muito desgraçado, que vae soffrer!
Lamentou-o, na sua linguagem eloquente, o meu querido amigo o sr. José de Alpoim, e o meu coração tambem sangra lagrimas de dor, ao pensar no aggravamento de tanta miséria, que vae por esse mundo! (Apoiados.)
Ao menos, tenho duas consolações. A primeira é lembrar-me de que o governo, que propõe esta medida, forçado pelas circumstancias, é o mesmo que, ainda ha pouco, no regulamento das execuções fiscaes, beneficiou a pobreza com disposições altamente salutares. (Apoiados.)
A segunda é ver que esse mesmo governo opõe a isenção para as collectas não excedentes a 1$000 réis, sendo assim um pouco mais generoso para com os pobres do que o meu querido amigo e illustre estadista regenerador, que, em 1890, para um addicional, de 10 e não de 6 por cento, permanente e não transitório, só propunha a isenção até metade d´aquella quantia. (Apoiados.)
Eis as minhas, as nossas consolações, ao votarmos este projecto, bem contra os nossos desejos, como disse o sr. Moncada, interpretando n´essa parte com exactidão os sentimentos do governo e da maioria.
Apesar de tudo, não duvidarei pedir com instancia que o projecto seja retirado da discussão. (Sensação.)
Sou dos que, pelo seu valor, menos direito têem a erguer aqui a sua voz. (Vozes: - Não apoiado.) Digo-o, com a verdade que se impõe. Sou o ultimo dos que fallam nesta casa...
O sr. José de Alpoim:- É dos primeiros. (Apoiados.)
O Orador: ... mas parece-me que posso tomar a responsabilidade de o projecto ser abandonado pelo governo e pela maioria. (Sensação.)
E espero que, daqui a momentos, o nobre ministro da fazenda me dará todo o seu apoio.
Indique a opposição um meio mais commodo, mais simples, mais breve, mais fácil, melhor, emfim, do obter a receita que precisamos, e eu garanto-lhe que prescindimos do addicional. (Apoiados.)
V. exa. não me interrompem?
(Pausa.)
Lembrem esse meio e...
O sr. Mello e Sousa:--O governo abre subscripção de idéas?!
(Interrupção do sr. Luciano Monteiro.)
O Orador:- Pois então apresente v. exa. esse projecto e...
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SESSÃO N.º 66 DE 13 DE MAIO DE 1898 1211
O Sr. Luciano Monteiro: - Se forem á contribuição de registo, arranjam 400, 800, 1:000 contos de réis, o que não representa trabalho, nem esforço, e é, alem disso, um acto de justiça. (Apoiados.)
O sr. Ministro da fazenda (Ressano Garcia):- Cá temos mais um ministro da fazenda.
O Orador:- Pois eu, entre dois candidatos de tanta competência, opto pelo sr. Luciano Monteiro, se elle arranjar dinheiro em melhores condições. (Riso.) Isto não quer dizer que supponha excluído, do ministerio o sr. Mello e Sonsa...
Uma voz:- Então já são mais os ministros que as pastas. (Riso.)
O Orador:- Para v. exa. ficarem satisfeitos, estimaria até que as pastas fossem quatorze em vez de sete. (Rito.)
(Interrupção do sr. Luciano Monteiro. Trocam-se ápartes.)
O sr. Presidente:- V. exa. tem ainda um quarto de hora para concluir o seu discurso.
(Susurro.)
O Orador:- Agradeço a concessão de v. exª e peço á camara mais alguns minutos de attenção, para terminar.
Sr. presidente, quando morreu Goldsmith, esse bello espirito e luminoso poeta que a Inglaterra produziu, Johnson, um dos primeiros sábios e litteratos inglezes, fez-lhe o epitaphio em latim.
O epitaphio estava errado, mas ninguém se abalançou a dizel-o, por medo á critica do mestre. Compuzeram então um circulo de papel, apontaram o erro no centro, e inscreveram-se, em volta innumeros nomes, para Johnson ignorar sempre quem fôra o primeiro, auctor da irreverência.
Meus pobres adversarios d´esse lado da camara! Não lançarei mão do mesmo estratagema: direi a v. exa. aberta e francamente, que seguem por mau caminho! (Apoiados.)
V. exa. proclamam, com toda a justiça, a necessidade de uma remodelação dos impostos! V. exa. demonstraram, em termos calorosos e convictos, que essa necessidade existia! O sr. ministro da fazenda, o governo, a maioria, reconhecem sinceramente a mesma necessidade! E não é no meio de retaliações políticas, de tumultos, de resentimentos, de paixões partidárias, que a indispensável remodelação ha de fazer-se! (Muitos apoiados.)
È um trabalho grande, complexo, demorado; exige um largo estudo de factos e de estatísticas, o exame de cada imposto de per si, a comparação de uns com outros, ensaios, tentativas, experiências, e, sobretudo, tranquillidade, muita tranquillidade! (Apoiados. Vozes:- Muito bem.)
Appéllo para v. exa. para o seu coração generoso, para as suas nobres intenções, e digo-lhes: collaborem comnosco, auxiliem essa remodelação, contribuam para que as finanças melhorem, para que o paiz se levante! (Apoiados!)
O addicional é hoje inevitável; façam com que o evitemos amanhã! Não esperem pela sua ascenção ao poder, para Auxiliarem a salvação do paiz!
E sobretudo, v. exa. como nós, ponhamos para sempre de lado estes ataques cegamente apaixonados e por isso injustos, que nos estamos continuamente dirigindo! (Apoiados,)
Que lá fora não nos imaginem erradamente uns fracos, uns incapazes, uns péssimos administradores, uns desgraçados que só sabem fazer a desgraça do sen paiz!
Combater o que deve ser combatido e applaudir o que merece louvores, venha de onde vier, essa é a verdadeira política, mas não é, infelizmente a que até hoje fizemos!
Têem-se commettido erros de parte a parte. Negal-o, seria desconhecer que somos homens. Só não têem errado, como governantes, aquelles que não governaram! (Apoiados.)
Mas nada mais falso do que o juízo que póde formar um terceiro contendor, ouvindo as nossas mutuas accusações. Se ellas fossem todas verdadeiras, haveria direito a chamar-nos criminosos incorrigíveis, por permanecermos nos nossos arraiaes.
Felizmente os factos estão longe de ser o que a paixão descreve. Defendo tanto os representantes de Fontes, como os de Braamcamp; as hostes de João Franco e Hintze Bibeiro, como as de José Luciano de Castro!
Porventura os partidos monarchicos não têem beneficiado este paiz? Não o temos, uns e outros, enchido de estradas e de linhas férreas? (Apoiados.} Não temos alargado notavelmente o âmbito da instrucção primaria, especial e superior? (Apoiados.) Não temos construído o porto de Leixões e melhorado o de Lisboa e tantos outros? (Apoiados.) Não temos, emfim, melhorado muito as nossas condições materiaes? (Apoiados.)
Ha mais que fazer ? Não o nego. Mas isso não prova que nada se tenha feito!(Apoiados.)
Ha outros mais felizes? Sem duvida. Mas não nos comparemos com quem dia põe de recursos, que nos faltam. Comparemo-nos com o passado, para não sermos injustos com muitos esforços honestos e efacazes! (apoiados.)
E lembremo-nos, meus senhores, de que, emquanto a fria Dinamarca vende as suas colónias, como se fossem rebanhos; emquanto a emprehendodora Hollanda as vae perdendo uma a uma; emquanto a cavalheirosa Hespanha se torna exangue, defendendo as suas em vão; temos nós conservado as nossas, temol-as melhorado, temol-as visto ser o theatro de façanhas immorredouras! (Muitos apoiados.)
Tudo isto é útil, tudo isto é levantado! Portanto, meus senhores, mudemos de táctica! Não nos calumniemos!
Vozes:- Muito bem.
(O orador foi cumprimentado pelos srs. ministros presentes e por quasi todos os srs. deputados de ambos os lados da camará.)
O sr. António Cabral:- Mando para a mesa o seguinte.
Requerimento
Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que se prorogue a sessão até se votar o artigo em discussão.=O deputado, António Cabral.
Foi approvado.
O sr. Eduardo Villaça:- Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Tendo entrado nos cofres públicos no exercicio de 1896-1897, proveniente de rendimentos de conventos de religiosas supprimidos, à quantia de 46:132$800 réis, o calculo da parte dos mesmos rendimentos que póde entrar na receita do thesouro em 1898-1899 tem de ser modificado nos termos seguintes:
Saldo dos rendimentos dos ditos conventos em 30 de junho de 1895:
Nos cofres do thesouro.......................................... 247:077$575
Na caixa geral de depósitos,.................................... 291:001$055
538:678$630
Addicionando:
1.ºReceita liquida das seguintes inscripções:
2.229:600$000 réis em 1895-1896...................................... 46:821$600
2.390:500$000 réis em 1896-1897...................................... 50:2004500
2.494:150$000 réis em 1897-1898 e 1898-1899......................... 104:7540300
201:776$400
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1212 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORE8 DEPUTADOS
2.° Rendimento de outros bens próprios desde 1 de julho de 1895 até 30 do junho de 1899..............................................................46:500$000
786:955$030
Deduzindo:
1.° Pensões e outras despezas até 30 de julho de 1898, como do relatório de 28 de julho de 1897....;.......................................... 97:725$889
2.º Idem na gerencia de 1898-1899.............................. 20:000$000
117:725$889
Liquido............................................................669:229$141
E abatendo:
1.° Rendimentos já escripturados nas contas do thesouro:
Em 1895-1896....................................................52:965$150
Em 1896-1897......................................,.............46:132$800
2.° Receitas a passarem para as contas do thesouro, segundo a lei de 3 de setembro de 1897:
Ordinárias.............................................. 200:000$000
Extraordinárias......................................... 145:000$000 345:000$00
444:097$950
Disponível em 30 de junho de 1899.................................225:131$191
ou receita a incluir no orçamento de 1898-1899................... 225:000$000
devendo fazer-se a correcção devida no artigo 1.° e seu § 1.°, e no mappa annexo, do que resulta um augmento de receita de 124:000$000 réis sobre a mencionada no projecto n.° 54 em discussão. = O deputado, A. Eduardo Villaça.
Á commissão do orçamento.
O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, sem acompanhar nos seus variados discursos os illustres oradores de um e outro lado da camara, que têem tomado parte n´este debate, começarei por fazer uma pergunta, e uma pergunta muito simples, não a v. exa. mas ao governo e á illustre commissão do orçamento.
Para que estamos nós a discutir o addicional de 5 por cento? Para que serve este addicional no estado desgraçado em que nos encontramos? Unicamente, de certo, para mostrar aos mercados nacionaes e estrangeiros que governo e cortes não estão devidamente preoccupados com a crise perigosissima que o paiz atravessa!
Pois não sabem os srs. ministros e todos os nossos collegas que estamos chegados a uma situação tão tensa e tão afflictiva, que em pouco mais de um anno o cambio desceu proximamente 8 pontos, e o fundo externo declinou quasi um terço da sua cotação!
Pois nós pensâmos em acudir a uma situação grave, quasi desesperada, com o contraproducente remédio do addicional de 5 por cento?! Quem póde calcular qual será o estado do paiz quando de novo se reunirem as cortes geraes na próxima sessão ordinária?!
Eu não teria repugnância em votar os 5 por cento ou mesmo 10 ou 15, se esse sacrificio n´alguma cousa podesse contribuir para a salvação da pátria.
Cumpria o meu dever e obedecia á lógica dos factos.
É certo que as despezas publicas n´estes últimos cinco annos têem subido em proporções tão extraordinárias e tão incompatíveis com os recursos do paiz, que um desastre financeiro se afigura quasi inevitável.
Mas esta obra de ruína nacional, que aliás tem sido preparada e realisada pelos altos poderes do estado, não tem encontrado resistência enérgica da parte do paiz! Manifestações ruidosas têem surgido a propósito de assumptos políticos e de incidentes de pouco valor social.
Mas quando os governos entram desassombradamente no caminho de largas despezas e de successivos empréstimos que hão de levar o paiz inevitavelmente á bancarrota, é tão accentuada a indifferença publica, como se fossem os interesses da China que estivessem em jogo!
O contribuinte alheou-se de todo do seu interesse e dos seus direitos!
Já chegou á perfeição de proclamar e de realisar a abstenção do suffragio!
Não aprecio e muito menos critico o procedimento do pais, que é o nosso constituinte. Registo apenas o facto, para accentuar o desinteresse de mandantes e de mandatarios pelos negócios da pátria!
Em circumstancias gravíssimas, em que chegou a ser suspensa a constituição do estado e a serem postas de parte as garantias individuaes do cidadão, só para deleitar os governantes do paiz, foi proclamada a abstenção do suffragio!
O paiz acceitou o facto. Agora ahi tem as consequências!
Peior que os impostos addicionaes e não addicionaes só os empréstimos.
Os empréstimos representam a acceitação de letras que hão de ser necessariamente pagas na occasião do vencimento. É na épocha do levantamento do dinheiro, e não na occasião do pagamento, que é preciso pensar no perigo dos empréstimos.
O contribuinte insurge-se agora contra o addicional de 5 por cento, medida realmente violenta. Mas não se revoltou contra o augmento incessante de despezas, que já tem em perigo a vida nacional!
Quaesquer que sejam as horas amargas que esperem o paiz, eu hei de contribuir com o meu voto para o sacrifício dos interesses de todas as classes e de todos os indivíduos, sempre que esse sacrificio sirva para afastar de Portugal o perigo de uma administração estrangeira.
Debaixo d´este ponto de vista não ha encargos que eu reputo injustificados.
A independência da nação e a sua autonomia administrativa estão primeiro que as commodidades das classes e que os interesses dos indivíduos.
Quero deixar bem nítido o meu pensamento. Não é por contemplações com o contribuinte que tem deixado correr a sua causa á revelia, mas em respeito a um principio de ordem superior, que eu combato a medida em discussão!
Voto contra o projecto porque elle é perfeitamente inefficaz.
Longe de minorar, aggrava os males de que está soffrendo a nação.
O projecto em discussão, mesmo quando produzisse augmento real de receita, era uma gota de agua no oceano!
Pois uma assembléa tão illustrada, como aquella a que estou fallando, espera algum allivio dó importância do addicional de 5 por cento para a situação do thesouro?
Não fechemos os olhos á evidencia, que é isso um crime de lesa-nação.
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SESSÃO Nª 66 DE 13 DE MAIO DE 1898 1213
Não vemos nós o cambio a declinar dia a dia? Hontem ficou a 28!
Esta baixa successiva e gradual não podo ser produzida pela especulação!
Os trabalhos, da especulação só produzem effeitos provisórios. Ainda ha dias a especulação em Hespanha elevava o cambio a 115. Mas passados quatro dias o cambio voltava para 78 ! O aggravamento da situação cambial e a depressão constante do fundo externo significam bem, claramente que os mercados nacionaes e estrangeiros reputam a nossa situação deveras desesperada.
Para estes factos em grande é que nós devemos voltar as nossas attenções! . .
Quando eu digo que votaria qualquer addicional não é porque julgue em círcumstancias o paiz de n´este momento poder, sem alto gravame, com mais impostos, mas porque subordino o meu procedimento parlamentar e político á idea superior de manter o paiz ao abrigo de qualquer admininistração estrangeira.
Os impostos entre nós, alem de mal distribuídos, devem ter attingido o extremo limite. Os economistas, novos e velhos, os economistas das differentes escolas, são concordes em que os sacrifícios tributários desde que representam a percentagem de 10 e 12 por cento chegam até o máximo em condições ordinárias; e o imposto entre nós excede ha muito aquelle máximo.
As contribuições exageradas, alem de empobrecerem o contribuinte, determinam a emigração dos capitaes. Não emigra o capital do pobre que está adstricto á terra, que elle considera como a sua companheira fiel, e que não troca por valores de outra natureza.
O contribuinte rural, e especialmente o da província, não se desfaz facilmente das terras que herdou dos parentes, ou que adquiriu com o suor do seu rosto, ainda que o estado lhe absorva a maior parte dos seus rendimentos. Mas o contribuinte capitalista, que avalia a sua fortuna, não pela natureza dos valores que possue, mas pela importância dos rendimentos que arrecada, a quem é indiferente ter a sua fortuna collocada em dinheiro, em papel, ou em propriedades, póde muito bem transferil-a para onde sejam mais avantajados e seguros os rendimentos.
Estão perfeitamente enganados os meus illustres collegas, que reputam possível grande augmento no imposto sobre a propriedade, porque suppõem que por estar mal distribuída a contribuição predial póde ser mais onerada a propriedade em geral.
A contribuição predial está muitíssimo aggravada, e é a fonte de receita que mais protecção merece.
Em França reputou-se de tão altas consequências o desaggravamento dos encargos sobre os bens ruraes, que chegou a pensar-se em tributar os juros da divida publica para beneficiar os proprietários. Eu tenho, ouvido dizer, desde que me entendo, aos que não têem o nome inscripto na matriz predial, que a propriedade produzia para o estado no tempo dos dízimos 6:000 contos de réis, e que hoje muito mais poderia dar.
Empenhei por differentes vezes, tanto official como extra-officialmente, as maiores diligencias para descobrir a origem da lenda que o imposto do dizimo rendia 6:000 contos de réis em antigos tempos.
Nunca encontrei nunca o mais pequeno elemento, nem a mais ligeira informação que me podesse elucidar a respeito d´este caso. Grande parte dos que desejam ver mais sobrecarregada a propriedade julgam que os bens immobiliarios pagam de imposto só 3:000 contos de réis, que é approximadamente a importância da contribuição predial de repartição.
Pelos meus cálculos, paga a propriedade mais de 10:000 contos de réis.
Representam, as matrizes approximadamente 30:000 contos de réis de rendimento collectavel.
Mas ainda que esse rendimento seja elevado, por uma exageração que só comprehendem os que não pagam um real de imposto predial, a 60:000 contos de réis, ou mesmo a 90:000 contos de réis, já os encargos sobre os bens immobiliarios vão muito alem de 10 por cento.
A propriedade não paga só a contribuição predial de repartição. Sobre a propriedade pesa tambem toda a violentíssima contribuição de registo por titulo oneroso, como a quasi totalidade da contribuição de registo por titulo gratuito, pois que a riqueza mobiliaria, exceptuando a representada por papeis de averbamento, escapa quasi toda ao imposto de transmissão.
É a propriedade immobiliaria que paga quasi todo o imposto de consumo. É a propriedade que paga os emolumentos das conservatórias, e quasi todos os emolumentos judiciaes.
Acrescentem a tudo isto as percentagens lançadas pelas corporações locaes, e creiam os meus collegas que em nenhum paiz civilisado está a propriedade mais onerada que em Portugal!
Podem carregar mais á propriedade. Mas matam a gallinha dos ovos de oiro!
Não queremos desenganar-nos de que somos um paiz pobre!
Não somos, nem seremos tão depressa um paiz rico. Não temos minas de oiro, nem de prata, não temos o ferro nem o carvão, nem as machinas de trabalho, nem a matéria prima para trabalhar. Temos industria e commercio porque temos uma das pautas mais protectoras do mundo.
A base da nossa riqueza é a agricultura. Consideremo-nos paiz agrícola, e não temos pão para todo o anno!
Devemos subordinar-nos às nossas circunstancias. Havemos de entrar violentamente na reducção das despezas públicos.
Os palliativos, no estado a que chegámos, já não dão nada.
A reducção nas despezas com os serviços públicos não póde limitar-se ao que a camara fez.
Havemos de ir até onde seja preciso para manter intemerata a dignidade da nação. È isso absolutamente indispensável.
Já não bastam as reducções de despeza por mais violentas que sejam.
O premio de oiro subiu tão alto, e causou uma doença tão profunda na economia da nação, que o mal já se não cura só com economias.
Os mercados estrangeiros não occultam a sua desconfiança a nosso respeito. As nossas circunstancias são tão graves e tão avultados os encargos a satisfazer em oiro, que forçoso nos é entrar num caminho largo de regeneração nacional.
É preciso reduzir as despezas ao strictamente indispensável. Se o nosso meio circulante chega á depreciação a que chegou no Brazil e na Republica Argentina não ha meio de solver os compromissos no estrangeiro.
Nada me surprehende esta grande serenidade ou antes este grande descuido parlamentar diante de uma situação gravíssima, porque corresponde á serenidade do paiz.
Os nossos grandes parlamentares costumam contentar-se com citar como exemplares para o nosso paiz, a Bélgica e a Inglaterra, que são paizes riquíssimos, que podem com grandes despesas e que poderiam até com estravagancias se tivessem governos para as fazer e povo pára as supportar.
Do que ninguém se lembra é de citar a Suissa e a Dinamarca, que se regem admiravelmente, e que aliás não possuem um solo tão fértil e abundante como Portugal.
Nunca vivemos senão de empréstimos. Imaginámos que a vida de empréstimos havia de durar sempre.
Por isso chegámos a esta tristíssima situação!
Cá no paiz mesmo os impostos lançados ao contribuinte nunca visavam á reorganisação da fazenda publica. Tinham
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apenas por fim tornar mais productivo o rendimento do estado para offerecermos mais garantias do solvabilidade, e com os augmentos das nossas receitas podermos obter mais dinheiro do emprestimo!
Ora, este systema havia de, mais dia menos dia, ter um termo, o um termo fatal!
Votou-se ao mais completo abandono o desenvolvimento das differentes fontes de riqueza nacional.
Creou-se o ministerio das obras publicas, commercio e industria em 1852.
Mas este ministerio nunca foi senão de obras publicas!
De commercio e industria nunca se occupou!
O fomento tem sido completamente descurado na metropole como no ultramar; e o do ultramar já esteve em riscos de se perder com a famosa proposta a respeito dos tabacos, quando hoje só o ultramar nos póde salvar.
Por isso eu perdôo ao governo todas as medidas as mais destemperadas e insensatas, comtanto que não celebre accordos com estrangeiros nem tome compromissos com relação às possessões ultramarinas.
As outras providencias produzirão males, mas não irremediaveis.
Se tratassemos das possessões ultramarinas com juízo e com tenacidade, ainda ali poderíamos ir buscar sommas importantes, não digo hoje nem amanhã, mas com trabalho e com tempo, para satisfazermos os nossos encargos no estrangeiro. (Apoiados.)
Porém os governos nunca se preoccuparam com as colonias senão para nomear pessoal, e quaesquer commissões bem remuneradas.
Hoje mesmo não se dá por uma providencia destinada a promover o fomento no ultramar.
Do que dão noticias os jornaes é da partida de padres o de militares para quasi todas as regiões do alem-mar!
Pois o que era indispensavel era que os governos se compenetrassem da necessidade absoluta de desenvolver a producção. Com os paliativos, perfeitamente inuteis, em que andâmos, a nossa situação está marcada, e o nosso fim ha-de ser desastroso! (Apoiados.)
Sr. presidente, por vezes tenho ouvido o sr. ministro da fazenda attribuir o principal das nossas desgraças á redução dos juros da divida publica, porque nos difficultou os emprestimos.
Não quero tratar largamente esta questão.
Mas sempre lembrarei á camara que a situação difficil, do paiz não data da redução dos juros. Já em 1890 não podemos alcançar um insignificante emprestimo de 9:000 contos do réis, e já em 1891 não levantámos dinheiro sem caução passada para mão do, crédor e n´esse mesmo anno foi decretada a inconvertibilidade da nota do banco de Portugal!
A exigencia da canção para um emprestimo, a fim de amortisar a divida fluctuante que nos opprimia, revelava as tristes impressões do estrangeiro ácerca da nossa situação financeira, e o decreto da inconvertibilidade da nota significava aos olhos de todos que a nossa situação economica era desesperada!
Sendo tão graves as nossos circumstancias custa a comprehender como os srs. ministros, a illustre commissão, e os illustres deputados, vão todos para suas casas tranquillos o seguros nas suas consciencias de que todos os males ficam remediados com estes discursos brilhantes que nos edificam e nos encantam, o deixando á sorte e ao acaso os destinos do paiz!
A despreoccupação dos poderes publicos numa situação perfeitamente afrontosa, senão irreductivel, produz-me uma impressão, que eu não posso revelar sem faltar aos meus deveres de homem publico.
Oxalá que não seja verdade a affirmação do governo de que não tem pesado sobre o mercado portuguez para a compra de cambiaes a fim de satisfazer os encargos do oiro no estrangeiro.
Se esta baixa do cambio não podesse ser explicada pela concorrencia do governo, seria desesperada a situação cambial.
Ora eu só reputo perdida de vez a situação cambial quando executada a lei da conversão, porque desde então o especulador ou negociante cambial, que sabe que o governo ha de remetter todos as semanas para o estrangeiro, em oiro, uma prestação correspondente á 52 por cento, ha de decidir em muitos casos do destino da praça! (Apoiados).
Durante o interregno parlamentar provavelmente temos sobre nós um outro encargo, com que ninguém se preoccupa, nem o publico em geral, nem mesmo a imprensa, e para o qual o governo tambem se não prepara.
Os srs. ministros podiam ao menos mandar publicar a memoria escripta pelos peritos sobre o valor da indemnisação a pagar pela rescisão do contrato de Lourenço Marques.
Esta publicação seria no interesse de todos, pois as informações, que eu li nos jornaes estrangeiros a respeito das conclusões a que chegaram os peritos, não me deixaram tranquilo.
Já n´esta casa tenho sustentado, na minha qualidade de deputado, cujas responsabilidades são inteiramente differentes das responsabilidades de um ministro da coroa, que o tribunal de Berne não deverá condemnar-nos alem das quantias que o concessionario enterrou nas obras do caminho de ferro, e seus juros.
Mas, sr. presidente, não é o que eu digo, nem o que nós dizemos que ha de regular a opinião dos juizes que compõem o tribunal arbitrai de Berne.
É tanto mais necessario estarmos preparados para a execução da sentença que houver de proferir o tribunal de Berne, quanto é certo que, por mais pequena que soja a indemnisação a que formos obrigados, o quantitativo ha do ser pago em oiro, e nós não temos senão papel.
Os nossos recursos não nos asseguram o pagamento d´essa indemnisação sem grandes sacrifícios, quaesquer que sejam os dizeres do orçamento do estado.
Eu não discuto o orçamento, nem o discuto ha muitos annos, porque não gosto de perder tempo, o hoje é perdido todo o tempo, gasto na discussão do orçamento, porque todas as disposições orçamentaes são depois substituías ou inutilisadas pelos creditos especiaes.
Pouco importam os grandes saldos no orçamento do estado, se os creditos especiaes vem auctorisar as despezas que o orçamento não previu; e o certo é que se vae aperfeiçoando cada vez mais o systema de gastar á larga sem a mais ligeira attenção com os preceitos legaes.
Hoje as prescripções do orçamento são já substituídas por simples despachos ministeriaes, o que é um grande avanço no caminho das prodigalidades!
Sr. presidente, parece-me que o governo não está bem compenetrado da gravidade da situação do paiz. Não me preocuparia demasiado a baixa dos fundos publicos se essa baixa fosse determinada por circunstancias extraordinarias e fortuitas.
Mas o cambio tem-se deprimido, como os fundos publicos têem descido, gradual e successivamente.
Os nossos títulos no estrangeiro estilo já abaixo dos fundos turcos, e muito abaixo, mettendo em linha de conta a percentagem do credor externo nos rendimentos das alfandegas!
Desde a depressão dos câmbios até á baixa dos fundos tudo deve ter convencido o governo de que os seus projectos são absolutamente improfícuos para o paiz.
A medida a que o governo ligava maior importancia, conhecida pela conversão, que esta votada em ambas a casas do parlamento, e que a final representa apenas a hypotheca do melhor que temos para obter algum dinheiro, não conseguiu influir, nem no preço dos fundos, nem nas cotações do cambio. Chamo a attenção do governo e da cortes para este
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factos que estão denunciando uma dolorosa situação, o que bem demonstra que os medicamentos que se encontram no plano do gabinete são absolutamente inefficazes, e que temos de mudar de remedio se não queremos succumbir diante dos males que nos opprimem.
A melhoria da cotação cambial não se obtem por meio de emprestimos.
Os emprestimos, como modo de vida, levam inevitavelmente o paiz á bancarrota. Nós estamos vivendo ha largos, annos de emprestimos, e por isso chegámos ao estado em que nos achamos!
Se mais não devemos é porque mais nos não têem emprestado.
Temos na massa, do, sangue a mania dos emprestimos.
Quantas vezes tenho ouvido exaltar nas cortes a gloria suprema de não estarmos empenhados só na Inglaterra, mas de devermos tambem á Hollanda, á Bélgica, á França e á Allemanha!
No meio d´essas exaltações patrioticas disse eu n´este logar que, emquanto devíamos só á Inglaterra, apenas tínhamos para um tutor, e que agora já tínhamos os credores, precisos para tutor e para conselho de família !
É ao paiz que principalmente me dirijo n´este momento solemne.
O problema de uma reorganisação financeira e economica não admitte delongas.
Quaesquer demoras podem, dê, um momento para o outro, quando menos seja espere, levar-nos a rima ruína fatal!
Tenho dito.
O sr. Presidente: Vou dar conta camara do seguinte decreto que acaba de se receber na mesa.
Decreto
Usando da faculdade que mo confere-a carta constitucional da monarchia no artigo74° §.4.° e a carta de lei de 24 de julho de 1880 no artigo .7.° § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d´estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes da nação portugueza até ao dia 4 do próximo mez de junho inclusivamente.
O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.
Paço, em 12 de maio do 1398.= REI.= José Luciano de Castro.
Para a secretaria.
O sr. Cruz Caldeira:- Mando para a mesa o seguinte:
Requerimento
Requeiro a v. exa. que consulte a camara se considera a materia em discussão, sufficientemente discutida. = O deputado, José Da Cruz Caldeira.
Foi approvado.
Leu-se na mesa o seguinte:
Artigo 2.°. A todas as contribuições, taxas e demais rendimentos do thesouro, de qualquer ordem, natureza, denominação ou exercício, que se arrecadarem, a datar da vigência d´esta lei e até 30 de junho de 1899, será addicionado um imposto extraordinário de 5 por cento do respectivo produto, constituindo esse addicional receita extraordinária do thesouro.
§ 1.° São exceptuados dos disposições d´esta lei:
l.º Os rendimentos e recursos descriptos nos artigos 5.° e 6.° do mappa da receita do estado, que faz parte da lei de 3 de setembro de 1897 menus na parte que respeita às compensações de despeza para tribunaes administrativos, serviços agricolas, estradas de 2ªclasse e respectivo pessoal;
2.° As receitas extraordinarias auctorisadas pela referida lei de 3 de setembro de 1897;
3.° Os emolumentos consulares e judiciaes;
4.° As collectas da contribuição predial e da contribuição de renda de casas, até 1$OOO réis inclusive;
5.º A contribuição industrial paga por meio de estampilha;
6.° O imposto de rendimento;
7.° As collectas de contribuição predial que se acharem nas circumstancias marcadas no artigo 1. § 1.° n.8 8.° da lei de 30 de julho de 1890;
8.º As propinas de exames, matriculas e cartas de curso;
9.° O imposto do sêllo;
10.° A recceita das loterias;
11.° Os direitos de importação e de exportação cobrados nas alfandegas;
12.° O imposto de pescado;
13.° O imposto de transito nos caminhos de ferro;
14.° A renda do exclusivo dos tabacos;
15.° A renda do exclusivo dos phosphoros;
16.° A receita nos termos do artigo 6.° do decreto n.° 3, de 27 de setembro de 1894 e a correspondente a tres logares de inspectores das alfandegas, supprimidos;
17.° Os impostos de fabricação e consumo de que trata a lei de 27 de abril de 1896.
§ 2.° O imposto creado por esta lei será em cobrado sobre todas os quantias que produzirem, nos termos da legislação em vigor, quaesquer addicionaes, incluindo os estabelecidos pelas leis de 27 de abril de 1882 o 30 de julho de 1890 e modificados pelo artigo 2.° da lei de 26 de fevereiro de 1892.
§ 3.° Sobre o producto do imposto extraordinario, de que trata esta lei, não recáe nas receitas cobradas nas alfândegas a quantia de 8,42 por milhar para o cofre dos emolumentos dos empregados aduaneiros, a que se refere a alínea b) do nº 1.° dó artigo 58.° do decreto n.° 3 de 27 de setembro de 1894; nem sobre elle serão pagas quaesquer quotas de cobrança.
§ 4.° As corporações administrativas não podem cobrar percentagens sobre o imposto estabelecido n´esta lei.
O sr. Teixeira de Sousa (sobre o modo de votar).- Roqueiro a v. exa se digne consultar a camara sobre se permitte que haja votação nominal sobre o artigo 2.°
Foi rejeitado e em seguida approvado o artigo 2.°.
O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o capitulo 2.° do projecto.
O sr. Teixeira de Sousa:- Sr. presidente, eu lembro á v. exa que a sessão estava prorogada unicamente até á votação do artigo 2.°, e que, votado este, segundo o regimento, os trabalhos não podem proseguir.
É o que diz o regimento e tem sido a praxe sempre seguida pela camara.
O sr. Presidente:- Amanhã haverá sessão diurna. A ordem do dia é a continuação da que estava dada o mais o projecto de lei n.° 59.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e cincoenta minuto da tarde.
Justificação de faltas apresentadas n´esta sessão
Participo a v. exa. e á camara que não assisti a algumas sessões por falta de saude. = O deputado, J. A. de Sepulveda.
Tenho a honra de communicar a v. exa. que, por motivo de doença, tenho faltado a algumas sessões. = Augusto Ricca, deputado por Torres Novas.
Para a secretaria.
O redactor =84 Nogueira.