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N.° 66

SESSÃO DE 28 DE ABRIL DE 1902

Presidencia do Exmo Sr. José Joaquim de Sousa Cavalheiro (Vice-Presidente)

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, tendo segunda leitura os projectos de lei: isentando do pagamento de porte de correio as cartas e impressos expedidos pela Sociedade de Geographia de Lisboa, que se refiram a assuntos relativos ao fim especial da mesma Sociedade; e autorizando a Camara Municipal de Villa Flor a levantar do fundo da viação, por ella depositado na Caixa Geral de Depositos, 3:878$450 réis para serem applicados a melhoramentos materiaes de urgente necessidade. - Por proposta do Sr. João Arroyo fica a mesa autorizada a nomear as commissões interparlamentares de legislação, de pescarias, tarifas ferro-viarias e colonização do Alemtejo. - O Sr. Rodrigues Nogueira manda para a mesa e justifica uma representação da Associação de Classe dos Empregados do Commercio de Santarem, pedindo a promulgação de uma lei que determine o descanso dominical. - O Sr. Oliveira Mattos conclue o seu aviso previo iniciado na sessão anterior, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas) - Os Srs. Queiroz Ribeiro, Vellado da Fonseca, Fialho Gomes e Oliveira Mattos instam pela remessa de documentos que pediram, respondendo ás observações dos dois ultimos os Srs. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos) e Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro). - Mandam documentos para a mesa os Srs. Conde de Paçô Vieira, Sergio de Castro, Espregueira e Pereira de Lima. - É autorizada a commissão de fazenda a reunir durante a sessão.

Na ordem do dia (projecto de lei relativo aos caminhos de ferro de Mirandella a Bragança e de Villa Real por Chaves á fronteira) usam da palavra sobre o artigo 1.º os Srs. Eduardo Villaça, Sergio de Castro, Ministro das Obras Publicas, Oliveira Mattos, Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa), Francisco José de Medeiros e Oliveira Mattos novamente. - É autorizada a commissão de redacção a reunir durante a sessão. - A requerimento do Sr. Lopes Navarro considera-se a materia sufficientemente discutida. Approva-se o artigo 1.º - Sobre o artigo 2.º usam da palavra os Srs. José de Alpoim, Lourenço Cayolla e Oliveira Mattos. Approva-se o artigo 2.° - Seguidamente são lidos e approvados os restantes artigos do projecto sem discussão. - O Sr. Alipio Camello manda para a mesa a ultima redacção do projecto n ° 88 - Antes de se encerrar a sessão tem a palavra para explicações o Sr. Rodrigues Nogueira.

Primeira chamada - Ás 10 horas e meia da manhã.

Presentes - 8 Senhores Deputados.

Segunda chamada - Ás 11 horas.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 25 minutos.

Presentes - 60 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Filipe Leite de Barros e Moura, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcelino Arroyo, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Coelho da Motta Prego, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto da Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filipe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Marianno José da Silva Prezado, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio e Rodolpho Augusto de Sequeira.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Boavida, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiro Dias, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô Vieira, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Fernando Mattozo Santos, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Albano de Mello

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ribeiro Pinto, Alberto Botelho, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo Burnay, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico dos Santos Martins, Ignacio José Franco, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José da Cunha Lima, José da Cunha Lobo Lamare, José de Mattos Sobral Cid, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Maria de Andrade e Sousa, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Teixeira de Azevedo, Paulo de Barros Pinto Osorio, Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).

Acta - Approvada.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhoras. - Os serviços que a Sociedade de Geographia de Lisboa tem prestado ha mais de um quarto de seculo á sciencia e ao país, e os trabalhos de alto interesse nacional que tem desempenhado ou promovido na defeza do nosso patrimonio colonial e na mais benemerita propaganda em favor do ultramar português, constituem mais do que sufficiente justificação do projecto de lei que tenho a honra de submetter-vos.

Tem por fim esse projecto considerar extensiva á Sociedade de Geographia de Lisboa, a isenção do pagamento de porte do correio ás cartas e impressos expedidos pela illustre corporação, em termos precisamente identicos áquelles em que tal beneficio foi concedido pelo Parlamento á Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha, á União dos Atiradores Civis Portugueses e a outras collectividades que ao destinam a fins de reconhecido interesse publico.

Confio que este projecto de lei que, equiparando a Sociedade de Geographia de Lisboa áquellas instituições representa um acto de verdadeira justiça e de dever patriotico, ha de merecer a vossa approvação.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° São isentos do pagamento de porte de correio as cartas e impressos expedidos pela Sociedade de Geographia de Lisboa, que se refiram a assuntos relativos no fim especial da mesma Sociedade.

§ 1.° Para que a correspondencia a que se refere este artigo goze do beneficio indicado, deverá transitar aberta pelo correio, a fim de que os funccionarios postaes possam exercer sobre ella a necessaria fiscalização.

§ 2.° A Sociedade de Geographia de Lisboa authenticará com um sêllo especial, que será inutilizado no correio, todas as cartas e impressos que expedir, assumindo assim a responsabilidade de qualquer contravenção da presente lei ou dos regulamentos postaes.

Art. 2.° O Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa continuará a ser impresso regularmente, e como até agora tem sido, na Imprensa Nacional, do mesmo modo que serão conservados todos os demais acordos e auxilios que a mesma Sociedade tem e recebe do Estado.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 26 de abril de 1902. = O Deputado, Julio Petra Vianna.

Enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - O municipio de Villa Flor, em razão dos encargos sempre crescentes que as suas receitas ordinarias mal podem satisfazer, não pode realizar melhoramentos de urgente necessidade só com o producto da elevada percentagem que pesa já sobre os contribuintes e que as circumstancias economicas d'aquella região não permittem augmentar agora.

Tambem a Camara de Villa Flor se vê em difficuldades para satisfazer a annuidade do emprestimo de réis 3:960$000, contrahido com a Companhia Geral de Credito Predial Português. Para sair de taes embaraços encontra aquella camara só um meio: recorrer ao dinheiro depositado na Caixa Geral de Depositos pertencente ao fundo de viação municipal e applicar durante o pagamento do referido emprestimo uma parte d'esse fundo, separado annualmente para tal fim. Neste sentido encarrega-me a Camara Municipal de Villa Flor de apresentar nesta casa do Parlamento uma representação, que eu faço acompanhar do seguinte projecto de lei, que tenho a honra de apresentar á vossa apreciação e approvação.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É a Camara Municipal de Villa Flor autorizada a levantar do fundo da viação, por ella depositado na Caixa Geral de Depositos, 3:378$450 réis para serem applicados a melhoramentos materiaes de urgente necessidade.

Art. 2.° É a mesma Camara autorizada a levantar annualmente, durante vinte annos, d'aquelle fundo réis 276$038, destinados ao pagamento das annuidades que se forem vencendo para amortização do emprestimo contrahido na Companhia Geral de Credito Predial Português em 25 de maio de 1892, pelo tempo de trinta annos, na importancia de 3:960$000 réis.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 25 de abril de 1902. = O Deputado, José Madureira Beça.

Enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

O Sr. Presidente: - Devia realizar-se hoje o aviso previo do Sr. João Pinto dos Santos, mas como S. Exa. não está presente, vou dar a palavra ao Sr. João Arroyo, que a pediu para antes da ordem do dia.

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente, avizinha-se o intervallo parlamentar, e, parecia-me bem que a Camara tomasse alguma disposição no sentido de que esse espaço de tempo fosse aproveitado e utilizado com vantagem para a causa publica.

Tres problemas ha, que, me parece, deviam constituir o assunto de commissões nomeadas para esse fim por esta Camara. O primeiro, é o da legislação sobre pescarias; o segundo, e da tarificação ferro-viaria em relação com a tributação geral o municipal, tendo em vista o desenvolvimento economico do país; o terceiro, o problema interessantissimo da colonização de Alemtejo.

Neste sentido mando para a mesa uma proposta, para que peço a urgencia.

E a seguinte:

Proposta

Proponho que sejam nomeadas commissões interparlamentares encarregadas de estudar:

1.° Legislação de pescarias e modificações que nella se devam introduzir;

2.° Tarifas ferro-viarias, relacionadas com a tributação geral e municipal, tendo em vista o desenvolvimento economico do país;

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3.° Colonização do Alemtejo.

Proponho igualmente que a mesa presidencial seja autorizada a fixar o numero de cada uma das tres commissões, e a nomear os Deputados que d'ellas devem fazer parte. = João Arroyo.

Considerada urgente, foi em seguida approvada.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Mando para a mesa uma representação da Associação da Classe dos Empregados do Commercio de Santarem, em que pedem seja promulgada uma lei, estatuindo o descanso dominical aos empregados do commercio, representadas por aquella associação.

Julgo a representação em condições de ser attendida, por isso que se prende com o alto problema da representação do trabalho, em proveito da hygiene e do desenvolvimento physico da numerosa classe que se dedica ao exercicio d'aquelle ramo da industria.

Creio que representações congeneres vão ser apresentadas em pouco tempo, fazendo igual petição aos poderes publicos, o que no animo do Governo persiste o proposito de attender a tão justificadas reclamações.

É de crer, porem, que, na altura em que estão os trabalhos parlamentares d'esta sessão, não haja tempo para dar seguimento ao assunto constante da mesma representação; por isso, me reservo para, na opportunidade, instar novamente pelas providencias precisas para se resolver o pedido e acompanhar a sua defesa legitima com o meu constante empenho, e com a dedicação e interesse que o caso reclama, por isso que interessa a uma numerosa classe.

Peço ao Sr. Presidente se digne consultar a Camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do Governo.

Foi auctorizada a publicação.

A representação vae por extracto no fim da sessão.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Oliveira Mattos: - Não tendo conseguido, pelo limitado tempo que lhe foi concedido, explanar, na sessão anterior, todo o assunto do seu aviso previo, vae hoje continuar nessas considerações.

Occupou-se no sabbado, como a Camara ha de estar lembrada, do caminho de ferro de Arganil, pedindo ao Governo que tomasse as providencias indispensaveis para que aquelle importante melhoramento se convertesse numa realidade, tanto mais que d'ahi não provém para o Thesouro encargo algum.

Neste momento, em que a Camara vae votar a construcção de dois caminhos de ferro, não pode elle, orador, deixar de erguer a sua voz para que Coimbra e as regiões que o caminho de ferro de Arganil vae servir fiquem privadas de um melhoramento ha tanto tempo iniciado, e para cuja conclusão pouco falta, porque se a provincia de Trás-os-Montes tem direito a possuir viação accelerada, não a tem menos Coimbra, tanto mais, como disse, esse caminho de ferro não trás l real de despesa.

A demora que tem havido na conclusão d'esse caminho de ferro tem sido motivada pelas successivas prorogações de prazo que se tem concedido e a que é preciso pôr termo, mesmo para que não se diga, como já se insinua, que esse caminho de ferro não tem sido concluido devido ás influencias de uma companhia.

Espera que o Sr. Ministro das Obras Publicas, sem se defender com o procedimento dos seus antecessores, que nada justifica, lhe dê uma resposta que o satisfaça; isto é, de que não concederá mais prorogações de prazo e fará cumprir a lei, concluindo-se esse caminho de ferro.

Se assim não succedesse, desde já declarava que no proximo anno será na Camara tão energico quanto a sua palavra lh'o permitta, para estigmatizar esse procedimento do Governo.

Passando a outro assunto - obras na cidade de Coimbra - diz que, se é certo que o Sr. Ministro das Obras Publicas algumas tem ordenado, tambem é verdade que ellas são de pequena monta, e aquella cidade tem direito a esperar muito mais de S. Exa.

Tendo-se reconhecido que era defeituoso o plano de esgotos, pergunta elle, orador, ao Sr. Ministro das Obras Publicas, se S. Exa. está disposto a mandar fazer um novo plano e abrir depois concurso para a sua construcção, mas em condições viaveis, e não como o anterior, que ficou deserto.

A questão da sanidade de Coimbra, como S. Exa. comprehende, é importante, porque estando ali a academia, a noticia de se ter manifestado qualquer enfermidade mais grave, põe em alvoroço as familias que ali teem os seus filhos a educar.

Está S. Exa. tambem na intenção de attender á representação da Camara Municipal de Coimbra, concedendo-lhe o subsidio que lhe é devido pela construcção da estrada da Portela, para que ella possa applicá-lo ás obras do alteamento do Rocio de Santa Clara, onde se realiza uma feira mensal, e que, por ficar numa baixa, por occasião das chuvas, se converte num verdadeiro pantano?

A Camara de Coimbra, á frente da qual se encontra o Sr. Dias da Silva, um cavalheiro respeitabilissimo, que tem alheado a politica d'aquella corporação, e a quem todos os louvores são devidos, tem empenhado todos os seus esforços em fazer boa administração; mas ha melhoramentos que só com dinheiro se podem realizar, e á camara faltam para isso os recursos. Espera, portanto, que o Sr. Ministro das Obras Publicas se digne attender essa representação.

Desejava tambem que S. Exa. mandasse proseguir as obras do Lyceu de Coimbra, que pararam de repente, sem se saber o motivo.

Mais desejava que se desse ordem para a continuação das obras do Theatro Academico, cujo inicio se deve á iniciativa fecunda do illustre estadista o Sr. Emygdio Navarro, que tão brilhantemente deixou assignalada a sua passagem pelo Ministerio das Obras Publicas, pois se tanto se tem despendido com obras que não são de urgencia immediata, justo é que não se deixe perder o que ali já está feito.

Passando em seguida a occupar-se da viação, sente que, apesar das suas reclamações, nem uma cavadela fosse dada na estrada da Pampilhosa da Serra, que continua desligada da cabeça de comarca e de districto e fora do convivio de todos os centros civilizados, porque se encontra perfeitamente isolada.

Outras estradas se encontram interrompidas, como, por exemplo, a n.° 52, que o Sr. Ministro das Obras Publicas deve mandar concluir, porque são realmente de grande importancia para aquelles povos.

Pede tambem ao Sr. Ministro das Obras Publicas que mande construir a ponte das Secarias, sobre o rio Alva, que faz parte da estrada n.° 106 e que liga Arganil a Coja, que foi destruida pelos temporaes, pois que o pontão de madeira que se fez e que custou trezentos e tantos mil réis já se encontra podre.

Igualmente deseja que S. Exa. mande concluir a ponte de Penacova sobre o Mondego, em que falta apenas o taboleiro, e que é bastante importante, porque dá serviço a toda a Beira Alta e Beira Baixa.

Pela conclusão d'esta ponte se tem interessado já o illustre Deputado o Sr. Lima Duque, e elle, orador, não faz mais do que unir os seus esforços ao de S. Exa. para que essa obra se realize, pois que, realmente, causa pena ver incompleta uma obra em que já se despenderam mais de 60:000$000 réis.

Outras considerações tinha ainda a fazer, algumas d'ellas dirigidas ao Sr. Presidente do Conselho, mas como a

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

hora vae bastante adeantada o deseja ouvir a resposta do Sr. Ministro das Obras Publicas, fica por aqui.

(O discurso será publicado na integra, quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco da Vargas): - Sr. Presidente, V. Exa. e a Camara comprehendem perfeitamente que não é em 2 ou 3 minutos, ou mesmo 5, que posso responder a todos os assuntos tratados pelo illustre Deputado o Sr. Oliveira Mattos, que, lembrando-se talvez da sua origem coimbrã, e talvez tambem por ver presentes representantes da Academia de Coimbra, julgou conveniente, neste final de sessão, sujeitar-me ao que em Coimbra se chama exame privado.

S. Exa. tratou de todos os assuntos que a sua fertil imaginarão e conhecimentos dos negocios publicos lhe suggeriram nesta occasião, e é completamente impossivel responder-lhe do pronto, nem que empregasse tanto tempo como aquelle que S. Exa. empregou a tratar d'esses assuntos. Todavia vou ver se, dentro do limitadissimo espaço de tempo que me é concedido, consigo responder, ainda que muito summariamente. Não posso, porem, deixar sem reparo, desde já, uma consideração feita por S. Exa. na ultima sessão. Disse S. Exa., censurando-me, que existe junto do caminho de ferro de Arganil uma fiscalização privativa.

O Sr. Oliveira Mattos: - Eu não disse privativa, disse que existia uma fiscalização...

O Orador: - Disse que havia um certo numero de fiscaes que por lá percebiam os seus vencimentos, e, pediu-me para eu transferir os vencimentos d'esses empregados para pagamento a dois mestres da escola industrial. Ora, francamente, quando um Deputado tão illustre como S. Exa., alvitra cousas como esta a um Ministro, o Ministro não sabe o que ha de responder. Pois S. Exa. não sabe que ha um corpo de fiscaes de caminhos de ferro que fazem serviço em toda a parte, e que percebem os seus vencimentos estejam onde estiverem? S. Exa. não sabe que o facto de estarem em Arganil ou não estarem em Arganil não dava 5 réis para o Thesouro, porque a despesa não desapparecia, visto serem elles funccionarios vitalicios?

O Sr. Oliveira Mattos: - Em logar de nomear outro novo, não nomeasse mais addido nenhum; tinha feito uma economia, e a despesa com o pessoal d'esse caminho de ferro não custava 3:600$000 réis!

O Orador: - O illustre Deputado mais uma vez affirma uma cousa, que não pode provar! Eu desafio o illustre Deputado, e desafio a quem quer que seja, a indicar-me o nome de um unico fiscal do caminho de ferro, effectivo ou addido, que eu nomeasse. Eu conservei, como era meu dever e obrigação, todos os empregados que encontrei, mas não fiz nomeação de fiscal absolutamente nenhuma. (Apoiados).

O Sr. Oliveira Mattos: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Então não lhe posso responder.

Disse S. Exa., e nisto só pode condensar toda a sua critica, que se o caminho de ferro se encontra neste estado, é porque esta obra tem sido descurada não só pelo Governo actual, mas pelos que o precederam!

Eu já disse e digo ainda uma vez, que não invoco precedentes, para me defender. (Apoiados).

Sr. Presidente: sou Ministro ha anno e meio, e nunca nesta casa invoquei precedentes de qualidade alguma para me defender a mim proprio: defendo aquillo que faço, com as razões por que o faço; e se agora me refiro a alguns dos meus antecessores, é para elogiar o seu procedimento; e pela mesma razão, se fosse Ministro nessa occasião, teria procedido da mesma forma. Provavelmente não hei de ter muito tempo Ministro e não o tornarei a ser; mas nunca, para me desculpar, invoquei precedente de qualidade alguma. Cada um defende-se por si e não vae buscar o precedente do que os outros fizeram. (Apoiados).

S. Exa. disse «que se tem descurado o caminho de ferro de Arganil!» Puro engano. Em geral não sabemos o que se passa por nossa casa; e o illustre Deputado, que é do Arganil, ignora o que se passa a respeito do caminho de ferro de Arganil! Todos os Ministros teem cumprido a lei.

A Companhia do Caminho de Ferro do Arganil quebrou, foi julgada em fallencia. A lei que rege a materia, quando se trata de companhias de caminhos de ferro fallidas, é o decreto de 9 de novembro de 1893, que no seu artigo 12.° manda organizar um conselho fiscal para tomar conta da administração da linha, definindo-lhe as attribuições.

O meu antecessor nomeou este conselho fiscal. Andou legalissimamente. O conselho fiscal tem funccionado regularmente e nenhum dos Ministros, que me antecederam, nem eu proprio, tem tomado decisão nenhuma sobre este assunto, porque não podemos: a administração do caminho de ferro de Arganil está entregue a este conselho, e só quando elle disser que esgotou todos os meios e vir que se não cumpre, então é que o Governo intervem.

Mas digo mais: ainda que o Governo tivesse intervindo não devia fazer. Eu abstenho-me por completo de expor as razões, aliás poderosas, que podia apresentar á Camara com relação ao facto do Governo ir tomar conta de uma cousa que não é sua, de ir tomar posse de uma cousa que custou centos de contos de réis a particulares.

O que quer o illustre Deputado que eu faça?

O Sr. Oliveira Mattos: - Quero que o Governo marque um prazo definitivo dentro da lei, e que não prorogue mais esse prazo.

O Orador: - V. Exa. vê que eu estou falando com grande rapidez, porque não posso dar maior desenvolvimento ás minhas considerações, mas naquillo que eu disse está implicitamente a resposta ao que o illustre Deputado observou. Ninguem prorogou o prazo.

Se a companhia está em fallencia, como quer o illustre Deputado que eu prorogue o prazo?

O Sr. Oliveira Mattos: - Em primeiro logar eu não sei se a companhia está em fallencia ou não. V. Exa. já ouvia o Procurador Geral da Coroa?

O Orador: - Isso foi ha tempo que se ouviu o Procurador Geral da Coroa. Nem a companhia podia ser julgada em fallencia senão por sentença de um tribunal.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Orador: - Nesse caso dou por findas as minhas considerações.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Mando para a mesa duas representações da Camara Municipal de Idanha e peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que ellas sejam publicadas no Diario do Governo.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - V. Exa. informa-me se já vieram os documentos que pedi pelo Ministerio da Fazenda?

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Sr. Fialho Gomes: - Os meus tambem não vieram?

O Sr. Manoel Affonso Espregueira: - Mando para a mesa um requerimento pedindo documentos, e peço urgencia na sua expedição, porque preciso d'elles para realizar um aviso previo.

O Sr. Vellado da Fonseca: - V. Exa. faz-me favor de me dizer se já vieram os documentos que pedi?

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - É para declarar que os documentos pedidos pelo Sr. Fialho Gomes veem hoje para a Camara.

O Sr. Oliveira Mattos: - Os documentos que eu pedi com urgencia pelo Ministerio do Reino já vieram?

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Eu não tenho podido

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ir ao Ministerio do Reino por causa dos trabalhos parlamentares. Tenciono ir logo, e logo darei ordem para que os documentos sejam remettidos.

O Sr. Oliveira Mattos: - Muito obrigado, d'aqui a 8 ou 10 dias lá os espero em Coimbra.

O Sr. Conde de Paçô Vieira: - Apresento o parecer da commissão de fazenda vindo da Camara dos Dignos Pares com as alterações ao projecto de lei sobre o imposto do sêllo (n.° 10).

Mandou-se imprimir com urgencia.

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa um projecto de lei, isentando a Camara Municipal de Arraiollos de concorrer para os cofres do Estado com a quantia a que é obrigada para sustentação da respectiva comarca.

Este projecto, Sr. Presidente, é a continuação de outros que, em nome de diversas comarcas, já foram apresentados na Camara, e, quando elles um dia se discutirem, eu sustentarei o bom principio de que, se a justiça é igual para todos na sua applicação, tambem o deve ser no seu preço.

Toda o qualquer excepção é odiosa.

Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.° 88

Leu-se na mesa, é o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 88

Senhores. - A vossa commissão de obras publicas examinou com todo o cuidado a proposta de lei n.° 58-A, relativa:

1.° á approvação do contrato provisorio celebrado em 19 de abril corrente, entre o Governo e João Lopes da Cruz, que no concurso realizado em 15 d'este mês apresentou a proposta mais favoravel para a construcção e exploração de um caminho de ferro entre Mirandella e Bragança;

2.° á autorização a conceder ao Governo para acceitar a desistencia requerida por Alberto da Cunha Leão o Antonio Julio Pereira Cabral, da concessão do caminho de ferro da Regua por Villa Real a Chaves; e para restituir aos concessionarios o deposito de 10:000$000 réis, feito nos termos do respectivo alvará;

3.° á autorização para adjudicar em hasta publica e precedendo concurso, na conformidade das bases annexas á proposta de lei, a construcção e exploração do mesmo caminho de ferro.

A lei de 14 de julho de 1899, auctorizou o Governo a mandar construir com os recursos obtidos pelo fundo especial dos caminhos de ferro, a linha ferrea de Mirandella a Bragança (base 4.ª, alinea d); e quaesquer outras linhas, fazendo parte da rede complementar dos caminhos de ferro do Estado, que já tivessem sido objecto de concessão, quer esta tivesse caducado, quer viesse a caducar (base 4.ª, alinea e).

Neste caso se encontra a linha ferrea da Regua a Chaves, tributaria do Caminho de Ferro do Douro e objecto de uma concessão autorizada pela carta de lei de 7 de julho de 1898. Está aquelle caminho de ferro incluido no plano da rede complementar ao norte do Mondego, approvado por decreto de 15 de fevereiro de 1900.

Pode, pois, o Governo, sem necessidade de autorização parlamentar, proceder á construcção d'esses dois caminhos de ferro, servindo-se dos recursos fornecidos pelo respectivo fundo especial instituido pela lei de 14 de julho de 1899. Assim tem elle procedido em relação á construcção dos prolongamentos dos caminhos de ferro do Sul e Sueste.

Mas, esses recursos, embora, crescentes de anno para anno, por forma animadora e superior ás previsões que antecederam a sua instituição, não permitiriam, pela sua applicação directa, a realização em curto periodo d'estes dois grandes melhoramentos que a formosa, fertil e laboriosa provincia de Trás-os-Montes, com tanta instancia e persistencia reclama, e que não pode por mais tempo ser protelada sem grave damno dos seus interesses economicos, cada vez mais importantes.

Esta provincia, pouco afortunada, tem sido votada a um esquecimento quasi completo pelos poderes publicos, no que toca a melhoramentos materiaes.

É urgente, Senhores, dar remedio a este mal, reparação a tão flagrante injustiça. Interessa a todos convencer aquella região de que não faz parte do reino unicamente para pagar impostos, mas que tambem tem direito como as outras a partilhar de todos os beneficios da civilização.

Não julgando, porem, o Governo, por considerações de todo o ponto judiciosas e que calam no animo de todos, conveniente procurar no emprestimo recursos que o habilitem a dotar em curto prazo a provincia transmontana com os seus dois principaes caminhos do ferro, um unico meio lhe restava, o systema da garantia de juro, que he permitte, sem o menor embaraço para o Orçamento do Estado, pois que será encargo do fundo especial, o chamar a iniciativa particular e os seus capitães á collaboração nestas obras de fomento. A vossa commissão está de acordo em que este systema é o mais consentaneo com a situação financeira presente, e o que mais facil solução procura ao problema actual.

A commissão não se detem no inutil cuidado de fazer a apologia dos caminhos de ferro, porque a sua utilidade como meio de civilização, e a sua indispensabilidade como instrumento de valorização do trabalho humano e das riquezas naturaes, são hoje verdades axiomaticas.

Mas, não pode ella furtar-se ao dever de lembrar que, sendo os caminhos de ferro funcção tão elevada nas sociedades modernas e influencia tão profunda nas suas condições economicas que o seu desenvolvimento figura sempre na primeira plana dos indices por onde se aquilata a civilização de um povo, um confronto do nosso país com as nações civilizadas sob este ponto de vista não pode deixar de nos causar uma profunda impressão de tristeza, pelo grande atraso que denuncia.

Dez annos de politica de abstenção em materia de caminhos de ferro bastaram para que Portugal ficasse num dos infimos logares entre os paises que, pela sua pequena população ou pelo reduzido do seu territorio, melhor se comparam com o nosso.

Se considerarmos o numero de kilometros de caminhos de ferro em exploração que correspondem a cada grupo de 10:000 habitantes, Portugal occupa o 8.° logar na seguinte lista:

Kilometros

1.° Suecia............. 21,0
2.° Suissa............. 12,4
3.º Dinamarca............... 12,3
4.° Belgica................. 9,3
5.° Noruega................. 9,3
6.° Hollanda................ 5,5
7.° Romenia................. 5,1
8.º Portugal................ 4,7
9.º Grecia.................. 4,0
10.º Servia................. 2,5 - por 10:000 habitantes

tendo apenas abaixo de si a Grecia e a Servia.

É de notar a desproporção enorme sob este ponto de vista, entre Portugal e a Suecia, a Suissa, a Dinamarca e a Noruega, paises muito menos favorecidos do que o nosso em recursos naturaes e sem imperios coloniaes que estimulem a sua expansão economica.

Se considerarmos o numero de kilometros de caminho

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do ferro por cada, myriametro quadrado da superficie de territorio nacional, então Portugal sobe na escala, deixando sempre atrás de si a Grecia e a Servia, e conquistando o quinto logar á custa da Suecia e da Noruega que, reunidas, constituem a segunda potencia territorial da Europa, mas na qual condições insuperaveis de ordem physica restringem a acanhados limites o desenvolvimento da população; e da Romania tão recentemente chegada á maioridade politica.

Kilometros

1.º Belgica.................... 21,0
2.º Suissa..................... 9,1
3.º Hollanda................... 8,1
4.º Dinamarca.................. 7,2
5.º Portugal.................... 2,66
6.º Suecia...................... 2,4
7.º Romania..................... 1,9
8.º Grecia...................... 1,5
9.º Servia...................... 1,2
10.º Noruega.................... 0,6 - por myriametro quadrado.

A simples inspecção d'estes dois quadros prova com irresistivel eloquencia a necessidade urgente de renovar um vigoroso esforço para desenvolver a constituição do nosso systema ferro-viario.

Por isso a vossa commissão concorda com a ideia da proposta do Governo, e reconhece que o systema da garantia de juro a que deu a preferencia constitue, no actual momento, a solução mais pratica e viavel.

Não entra, a commissão de obras publicas em uma analyse minuciosa dos termos da proposta ministerial, porque o bem elaborado relatorio que a precede é abundante em todos os elementos de apreciação do assunto.

Limita se, por isso, em abono das previsões feitas dos rendimentos iniciaes das novas linhas, a confrontar alguns dados estatisticos extrahidos dos ultimos resultados publicados pela Direcção dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste (anno de 1898), e da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, exploradora do caminho de ferro de Mirandella (anno de 1901).

Esses dados referem-se a algumas das mercadorias que mais avultam no trafego d'este caminho de ferro e d'aquella rede, e podem servir a dar uma ideia da importancia economica da região que a linha de Mirandella a Bragança vae explorar. São ou seguintes:

Sul e Sueste - Toneladas Mirandella - Toneladas

Azeite.......................... 4:440 1:485
Cortiça......................... 21:061 1:153
Comestiveis..................... 8:565 2:463
Fructas sêccas.................. 1:911 1:089
Lãs............................. 1:864 1:452
Madeiras........................ 6:969 1:848
Sal............................. 4:020 2:594
Trigo e cereaes................. 38:634 4:806
Vinhos e vinagres............... 8:837 4:161

Para ponderar devidamente estes dados convem notar que os da 1.ª columna se referem aos caminhos de ferro do Sol e Sueste, medindo 475 kilometros e servindo os districtos de Faro, Beja, Evora e a parte do de Lisboa que fica ao sul do Tejo. Os da 2.ª columna referem-se ao Caminho de Ferro de Mirandella, que tem um percurso de 55 kilometros apenas, isto é, pouco mais da nona parte da rede do sul, e serve somente duas terças partes do districto de Bragança, isto é, pouco mais do que a região que se estende ao norte de Mirandella até á fronteira hespanhola.

Attendendo a estas circunstancias, reconhece-se immediatamente que o trafego de mercadorias na linha de Mirandella, comparado com o correspondente na rede do sul, é mui superior ao que se poderia esperar, em proporção do desenvolvimento dos caminhos de ferro nas duas regiões e da extensão d'estas.

É incontestavel, pois, que o caminho de ferro de Bragança tem por destino o explorar uma zona relativamente rica, e um futuro promettedor quando os seus beneficos effeitos se façam sentir com toda a intensidade.

Pelo que toca á linha ferrea da Regua a Chaves, não pode o seu futuro ser objecto de quaesquer duvidas. Cortando pelo meio, do norte ao sul, um districto muito povoado, servo uma zona onde se encontram povoações importantes, extensos tractos de terreno de notavel fertilidade e estações de aguas reputadas e mui concorridas.

No consenso geral é esta uma das linhas que com maior tributo hão de engrossar as receitas do Caminho de Ferro do Douro.

Por estas razões entende a vossa commissão que a proposta ministerial merece ser approvada com algumas ligeiras modificações feitas de acordo com o Governo, e convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, existente nos termos da lei de 14 de julho de 1899, poderá ser retirada annualmente a parte necessaria para occorrer aos encargos da construcção e exploração dos caminhos de ferro de Mirandella a Bragança e da Regua, por Villa Real e Chaves, á fronteira, contrahidos sob a forma de garantia de juro, nos termos da presente lei.

Art. 2.° É approvado e confirmado, na parte que depende de sancção legislativa, o contrato de 19 de abril do corrente anno, que vae junto á presente lei e d'ella faz parte, celebrado entre o Governo e João Lopes da Cruz, para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança.

§ unico. Fica o Governo auctorizado a prescrever as regras que devam ser seguidas nos processos arbitraes a que se refere o artigo 73.° do mesmo contrato.

Art. 3.º É auctorizado o Governo:

1.° A acceitar a desistencia requerida por Alberto da Cunha Leão e Antonio Julio Pereira Cabral da concessão do caminho de ferro da Regua, por Chaves e Villa Real, á fronteira, que lhe foi feita nos termos da carta de lei de 7 de julho de 1898, por alvará de 10 de outubro de 1901, e a restituir aos mesmos concessionarios o deposito de 10:000$000 réis, feito nos termos da clausula 54.ª do mesmo alvará, sem direito a indemnização alguma por despesas de qualquer natureza que haja feito;

2.º A adjudicar em hasta publica e precedendo concurso aberto na conformidade das bases annexas, que fazem parte integrante d'esta lei, a construcção e exploração do referido caminho de ferro.

§ unico. O concurso a que se refere o n.° 2.° d'este artigo abrir-se-ha dentro do prazo de sessenta dias, contado da data da publicação da presente lei.

Art. 4.° As importancias das garantias de juro, saidas do fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado, que em virtude do augmento da receita liquida das linhas a que se refere o artigo 1.° da presente lei, forem reembolsadas pelas empresas concessionarias, reverterão a favor do mesmo fundo especial, como restituição do adeantamento feito.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases da auctorização concedida ao Governo para a adjudicação da construcção e exploração do caminho de ferro da Regua, por Villa Real e Chaves, á fronteira.

1.ª

A concessão para a construcção e exploração será feita pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do respectivo contrato.

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2.ª

O prazo do concurso será de noventa dias.

3.ª

Os licitantes serão obrigados ao deposito previo de réis 5:000$000, que será elevado a 10:000$000 réis pelo licitante ao qual for adjudicada a concessão.

4.ª

As clausulas, e condições da concessão serão as do contrato provisorio de 19 de abril do corrente anno, para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, modificadas em harmonia com as prescrições das presentes bases.

5.ª

A linha será dividida nas seguintes secções:

1.ª Da estação da Regua, na linha do Douro, a Villa Real;

2.ª De Villa Real a Villa Pouca de Aguiar;

3.ª De Villa Pouca de Aguiar a Vidago;

4.ª De Vidago a Chaves;

5.ª De Chaves á fronteira.

a) Os prazos para apresentação dos projectos, serão a contar da data do contrato:

Seis meses para a 1.ª secção;

Um anno para a 2.ª e 3.ª secções;

Dezoito meses para a 4.ª secção.

O prazo relativo á 5.ª secção será de seis meses, contados da data da communicação, ao concessionario, do ponto de passagem na fronteira, escolhido por acordo entre os Governos Português e Hespanhol.

b) Os trabalhos de construcção de cada secção deverão começar no prazo de noventa dias, a contar da data da publicação, no Diario do Governo, da portaria que approvar o respectivo projecto, devendo estar concluidos no fim de tres annos os da 1.ª e 2.ª secções, e de quatro os da 3.ª e 4.ª secções, a contar das mesmas datas.

c) A construcção da 5.ª secção poderá ser adiada até que em Hespanha se proceda á construcção da linha que deve ligar-se com este caminho de ferro.

Servirão de base aos estudos as directrizes seguidas nos projectos de 1888 e de 1897.

O Governo poderá autorizar que em troços de excepcional difficuldade de construcção o raio minimo das curvas desça a 100 metros e o limite maximo das pendentes se eleve a 25 millimetros.

6.ª

O Governo garante á empresa adjudicataria o complemento do rendimento liquido annual até 4 1/2 por cento em relação ao custo kilometrico da linha, estipulado no contrato, com exclusão do material circulante.

7.ª

A licitação versará sobre a quantia em que é computado para os effeitos da garantia o custo kilometrico da linha, que não poderá exceder o de 26:000$000 réis, tomado para base de licitação.

8.ª

A linha será dividida, para os effeitos da liquidação provisoria da garantia do juro, em lanços de extensão não inferior a 20 kilometros na 1.ª secção e a 10 nas seguintes, que poderão ser successivamente abertos á exploração a partir da Regua, mediante previa approvação do Governo.

Sala das sessões da commissão de obras publicas, em 25 de abril de 1902. = José Gonçalves Pereira dos Santos = Alvaro de Sousa Rego = José Jeronymo Rodrigues Monteiro = Joaquim F. Poças Leitão = Ernesto Nunes da Costa e Ornellas = José Maria de Oliveira Simões = Luciano Pereira da Silva = João Joaquim André de Freitas = Belard da Fonseca = Luiz de Mello Correia Medella = Belchior José Machado = José de Madureira Beça, relator.

Segue o termo de contrato provisorio, que é identico ao que vae publicado a pag. 9.

Senhores. - A vossa commissão de fazenda conforma-se com o parecer da commissão de obras publicas.

Sala das sessões, em 25 de abril de 1902. = João M. Arroyo = Manuel Fratel = A. Carrilho = Alberto Navarro = D. Luiz de Castro = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Lopes Navarro = J. M. Pereira de Lima = Abel Andrade = A. Possollo = Augusto Louza = Rodrigo Pequito.

N.º 85-A

Senhores. - Encarecer a importancia economica da viação accelerada e a sua poderosa acção de fomento, encadeando raciocinios para a demonstrar e adduzindo provas subministradas pela estatistica do trafego dos caminhos de ferro nacionaes, é tarefa dispensavel, que frisaria a banalidade, tão palpavel e manifesto é o benifico influxo por elles exercido.

Tambem não vos daria novidade pondo em relevo a insufficiencia da nossa rede ferro-viaria, limitada por ora aos seus principaes lineamentos, e esses mesmos incompletos. A um periodo de actividade, durante o qual foram construidas as linhas actualmente exploradas, succedeu, mercê de circunstancias de todos conhecidas, outro de paralisação de trabalhos. De 1893 até hoje construiram-se apenas alguns pequenos troços na extensão total de 43 kilometros, embora as receitas do trafego de todas as linhas do país subissem de 5.312:000$000 réis em 1893 a 7.790:000$000 réis em 1901.

Do muito que resta para fazer, destaca-se a construcção das linhas transmontanas, como divida improrogavel do país para com uma provincia por todos os titulos digna da solicitude dos poderes publicos, e que, apesar de contribuir com a sua quota-parte para a solvencia dos encargos impostos ao Thesouro pela construcção dos caminhos de ferro, é a menos bem contemplada na partilha dos beneficios que d'elles resultam. As capitães dos districtos de Trás-os-Montes são as unicas que não estão directamente servidas por linhas ferreas. O desenvolvimento da agricultura e da industria mineira em vastas regiões encontra ali insuperavel estorvo na carestia dos transportes. Faltam as arterias principaes do systema circulatorio constituidas pelos caminhos de ferro da Regua a Chaves e de Foz-Tua a Bragança, limitado por ora ao curto troço que termina em Mirandella.

A concessão da primeira d'essas linhas foi autorizada pela carta de lei de 7 de julho de 1898, nos termos da qual se passou, em 10 de outubro ultimo, o alvará de concessão definitiva.

Apesar dos auxilios promettidos pelo Estado, sem encargo para o Thesouro, principalmente sob a forma de isenção de impostos, a iniciativa particular descorçoou perante a contingencia do emprehendimento, a que faltava a certeza da remuneração immediata e sufficiente do capital. O mallogro das diligencias feitas para a constituição de uma empresa levou os concessionarios a requerer ha pouco a rescisão do seu contrato, que em boa verdade lhe não pode ser negada, attenta a impossibilidade confessada de o cumprirem após infructiferas diligencias demonstrativas da seriedade do seu proposito, e a vantagem de deixar livre a acção dos poderes publicos em prol da região que a referida linha é destinada a servir.

A experiencia demonstrou, pois, que, sem a subvenção do Estado, representada pela construcção directa, pela subvenção kilometrica, ou pela garantia de juro, não se logra levar a cabo tão importante melhoramento.

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Outro tanto succede á linha de Mirandella a Bragança.

Não pode, porem, o Thesouro, contrahir ao presente os encargos indispensaveis para se imprimir á viação acclerada o vigoroso impulso exigido palas conveniencias economicas do país, e especialmente da provincia de Trás-os-Montes. Não é opportuno o momento, em que se lançam as bases de um convenio com os credores externos, para serem inscritas no Orçamento Geral do Estado, que ainda não attingiu o desejavel equilibrio, as verbas necessarias para prover á construcção em larga escala de novos caminhos de ferro.

A despeito da fé inabalavel que tenho na salutar acção do fomento da viação accelerada, seria eu o primeiro a proclamar que não chegou ainda a hora de pedir ao Thesouro novos sacrificios, indispensaveis para construir linhas Ferreas, tanto mais que acaba de ser votada uma avultada quantia com destino ao desenvolvimento da viação ordinaria.

A lei de 14 de julho de 1899 offerece, porem, o meio de nos furtarmos a tão desolador dilemma. Assegurado ao Thesouro o rendimento liquido, superior ao effectivo, que então resultava do balanço dos orçamentos da receita e despesa dos Caminhos de Ferro do Estado, permitte o regime de economia distincta a que estão sujeitos consagrar ao desenvolvimento da viação accelerada e ao melhoramento da exploração das linhas existentes os recursos provenientes do crescimento natural das receitas, e de outras fontes modestas, cuja somma não é para desprezar. Criou-se o fundo especial de caminhos de ferro, cujos recursos estão orçados com segurança em 270:000$000 réis para o proximo futuro anno economico. Apesar de se ter elevado o orçamento das despesas de exploração, que era irrisoriamente escasso, tem-se podido construir alguns prolongamentos, continuar as obras da estação do Porto, realizar melhoramentos em varias estações, prover á acquisição do material circulante, em lubrico neste momento, sem o recurso de outr'ora a creditos extraordinarios.

Abriram-se á exploração os lanços de Tunes a Poço Barreto e de Poço Barreto a Silves sommando 18 kilometros, e concluir-se-hão no corrente anno civil o de Silves a Portimão, na extensão de 9 kilometros, e o de Pias a Moura, que mede cêrca de 17 kilometros, os quaes, não tanto pela receita propria como pelo seu affluxo de trafego de longo percurso ás linhas já exploradas, darão ao fundo especial um accrescimo de receita annual de cêrca de réis 30:000$000

O lisonjeiro crescimento das receitas do trafego dos Caminhos de Ferro do Estado - que de 1.941:163$297 réis, em 1898-1899, se elevaram a 2.165:060$845 réis, em 1900-1901, e attingirão seguramente no actual anno economico, em vista das receitas arrecadadas até 31 de março, cêrca de 2.260:000$000 réis, isto é, mais 90:000$000 réis que a receita orçada para 1902-1903 - permitte assegurar que os recursos annuaes do fundo especial não serão inferiores a 300:000$000 réis.

Destina-os a lei ao pagamento immediato das despesas a fazer com acquisição do material circulante, obras novas das linhas em exploração, e construcção das linhas complementares e tributarias dos Caminhos de Ferro do Estado, ou ao serviço de quaesquer emprestimos realizados pelo Governo com o mesmo fim.

Até agora tem-se-lhes dado exclusivamente a primeira applicação. Pelo Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro do Estado foi apresentado em 23 de julho de 1900 um plano de trabalhos, distribuidos por um periodo de sete annos, no qual, mediante o uso da autorização concedida na base 4.ª da citada lei, se construiria, alem de varios prolongamentos, a linha de Mirandella a Bragança e se fariam consideraveis melhoramentos nas linhas em exploração, adquirindo-se tambem material circulante em quantidade.

Entendeu o Governo que, embora os encargos da necessaria operação de credito coubessem folgadamente nos recursos do fundo especial - que tem economia distincta das receitas geraes do Thesouro, em nada affectadas por essa operação - não era opportuno o ensejo para a realizar, como tambem o não é ao presente, o que exclue, portanto, a hypothese da construcção directa de linhas extensas e dispendiosas pelo Estado, ou a subvenção kilometrica a empresas concessionarias.

A garantia de juro - que outra cousa não é senão o encargo de um emprestimo, realizado não directamente pelo Estado, mas pelo concessionario, fortalecido na sua iniciativa por um auxilio que, sob a forma de adeantamento, e põe ao abrigo da insufficiencia de receitas nos primeiros tempos da exploração - offerece uma solução do problema, conciliatoria das exigencias do fomento e das justas aspirações de uma provincia inteira com as circunstancias financeiras da hora presente e com os dictames da prudencia governativa.

Não é talvez a garantia do juro a mais perfeita forma de subvenção, visto favorecer a tendencia das empresas para restringirem quanto possivel as despesas de exploração, ainda com prejuizo do serviço e portanto do publico. Sem discutir os prós e os centras da garantia do juro - que tem o seu correctivo na possibilidade do resgate em qualquer epoca da concessão - devo ponderar que nos problemas de ordem pratica, concernentes ás complexas questões economicas e administrativas, a melhor solução nem sempre é a mais idealmente perfeita e sim a que tem por si a maior somma de vantagens, não esquecendo a de ser realizavel no momento opportuno, como em relação á garantia do juro a experiencia acaba de demonstrar.

Teve o Governo uma, proposta para a construcção e exploração da linha de Mirandella a Bragança com essa forma de subvenção. Entendeu que, embora a letra e o espirito da lei de 14 de julho de 1899 fossem consentaneos com o pagamento da garantia pelo fundo especial de caminhos de ferro, não devia interpretá-la por tal modo sem expressa autorização legislativa; julgou tambem que o concurso publico era a forma legal e conveniente de fazer appello á iniciativa privada.
Abriu-o, portanto, obtendo propostas vantajosas, cujos encargos eram moderados.

A proposta mais favoravel apresentada no concurso e que serviu de base ao contrato provisorio, agora submettido á vossa esclarecida apreciação, foi de 25:990$000 réis por kilometro, equivalente a 21:264$545 réis á taxa de 5 1/2 por cento, estipulada no contrato de Foz-Tua a Mirandella. O capital total garantido é, pois, proximamente, de réis 1.910:265$000 ou 1.562:940$000 a 5 1/2 por cento. O orçamento da linha é de l.558:375$000 réis, não contando com os encargos do capital durante o periodo da construcção.

Vê-se, pois, quão vantajosa é essa proposta, que reduz ao minimo os encargos temporarios do Estado sob a forma de garantia de juro reembolsavel.

Igual processo convirá adoptar para a linha da Regua a Chaves, se os respectivos encargos cabem no fundo especial, como passo a demonstrar, começando por calcular o encargo proveniente da garantia na linha de Mirandella a Bragança.

Mede esta linha cêrca de 73,5 kilometros. O seu rendimento kilometrico inicial será seguramente superior ao do troço de Foz-Tua a Mirandella nos primeiros annos da exploração, que foi de 600$000 réis.

Basta recordar que este troço, privado de communicações com as faixas marginaes, tinha unicamente por tri-

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butaria a região alem de Mirandella, cujo trafego virá ao prolongamento projectado, accrescido do consideravel augmento a que dá logar a facilidade de transportes.

Por modesta que seja a previsão formulada, supporei, para maior segurança, que não ha receita liquida nos primeiros annos da exploração, tendo-se, pois, de pagar na integra a garantia de juro. Ao capital garantido de réis 25:990$00 por kilometro corresponde, a 4 1/2 por cento, o encargo de 85:961$000 réis em 73,5 kilometros, ou em numeros redondos 86:000$000 réis.

Com este encargo devem, porem, ser encontrados: o producto integral dos impostos de transito e sêllo na nova linha, que por lei pertence ao fundo especial de caminhos de ferro, assim como o augmento da receita liquida e o dos mesmos impostos nas linhas do Minho e Douro, devido ao novo trafego d'aquelle affluente.

Os impostos na linha Foz-Tua a Mirandella representam 7,8 por cento da receita do trafego. Applicando esta percentagem á receita do prolongamento, calculada por hypothese, no minimo de 600$000 réis por kilometro ou 44:100$000 réis no total, o producto respectivo é de réis 3:400$000 em numeros redondos.

Os participes das receitas do serviço combinado pertencentes ás linhas do Minho e Douro, incluindo os impostos, e as receitas do trafego da linha de Foz-Tua a Mirandella teem sido os seguintes nos ultimos dez annos.

[ver tabela na imagem]

Graças ao maior percurso nas linhas do Estado o rendimento d'estas, proveniente do serviço combinado, é, em media, 1,4 vezes maior que o rendimento total da linha affluente.

A mesma proporção pode com segurança ser applicada ao rendimento inicial da nova linha.

O participe do serviço combinado do Minho e Douro será pois 1,4 X 44:100$000 réis = 61:7404$000 réis.

O coefficiente de exploração da linha do Douro tem sido em media de 0,54. Attendendo, porem, a que a despesa não cresce proporcionalmente ao affluxo do trafego, se se computar era 0,4 a proporção da despesa para a receita devida a esse novo contingente, a receita liquida accusará um augmento de 37:000$000 réis em numeros redondos.

Assim, o fundo especial receberá, os seguintes accrescimos, que teem de ser encontrados com a garantia de juro:

Producto integral dos impostos de Mirandella-Bragança.......... 3:400$000
Augmento da receita liquida e de impostos no Minho e Douro.... 37:000$000 40:4000000

O maximo encargo da garantia de juro fica pois reduzido a cêrca de 45:600$000 = 86:000$000 - 40:400$000 réis para o fundo especial dos caminhos de ferro.

O encargo real é, porem menor para o Estado, se se attender ás consequencias que ao Thesouro advem da exploração da nova linha pela diminuição da garantia da juro no troço de Foz-Tua a Mirandella.

Foi em 1897 o ultimo anno em que ella foi paga integralmente; descendo, pelo crescimento do trafego, de réis 56:938$442 nesse anno a 44:722$504 réis em 1901.

Computando em 44:000$000 réis o affluxo do trafego, devido á nova linha, na de Foz-Tua a Mirandella, e applicando-lhe o coefficiente legal de exploração de 0,5, vê-se que a receita liquida que vae diminuir a garantia de juro, devida áquelle trafego, será de 22:000$000 réis, a que ha que juntar o augmento dos impostos de transito e sêllo, igual a 3:400$000 réis.

Juntem-se aos 25:400$000 réis assim poupados pelo Thesouro - pelo que recebe a mais o pelo que deixa de pagar - as importantes economias realizadas em transportes de malas postaes, em subsidios de marcha e outros transportes de serviço publico, e concluir-se-ha que a nova linha, longe de trazer encargo sensivel ao Estado, vem proporcionar-lhe gratuitamente as vantagens indirectas, que resultam do augmento da riqueza publica pelo progresso economico da região.

Os calculos feitos baseiam-se nos dados estatisticos da exploração. Quem conhecer as desfavoraveis condições da linha de Foz-Tua a Mirandella, apertada no fragoso valle do Tua e servindo quasi exclusivamente os pontos extremos, e quem esteja ao facto das importantes riquezas agricolas e mineiras desaproveitadas por carestia de transportes na região transmontana que se estende para alem de Mirandella - mais transitarei, e em que a zona tributaria da linha ferrea é incomparavelmente mais larga - não pode accusar de optimismo o computo dos encargos que deixo exposto.

A linha da Regua a Chaves mede, segundo o estudo feito em 1888, cêrca de 90 kilometros. As difficuldades de importancia que offerece a construcção até Villa Real cessam alguns kilometros alem d'aquella cidade. Não será por isso exagerado, nem por excesso, nem por defeito, computar em 26:000$000 réis o capital kilometrico a garantir á taxa de 4 1/2 por cento, equivalente a 21:272$727 réis por kilometro á taxa de 5 1/2 por cento, desde o momento em que, como na proposta se permitte, o traçado seja subordinado a condições technicas diversas das impostas nos estudos de 1888.

Abstrahindo da secção de Chaves á fronteira, cuja construcção depende da determinação do ponto de juncção com a linha em Hespanha, e suppondo, como para a linha de Mirandella-Bragança, que nos primeiros annos não ha receita liquida e que a garantia do juro é paga integralmente, o encargo será de 90k X 1:170$000 réis = 100:300$000 réis, com o qual deve ser encontrado o producto integral dos impostos do transito e sêllo, e o augmento d'estes e da receita liquida nas linhas do Minho e Douro pelo affluxo do novo trafego.

Suppondo de 700$000 réis o rendimento kilometrico inicial da nova linha, que não é exagerado, attenta a importancia da zona servida, e de 7,8 a percentagem dos impostos, o producto d'estes será:

78,8 X 90 X 700$000 réis = 4:914$000 réis
100

Não ha dados seguros para determinar o affluxo de receita á linha do Douro; pode porem calcular-se com aproximação.

Em 1892, em que a receita kilometrica de Foz-Tua a Mirandella era de 697$000 réis, o rendimento bruto d'esse affluxo era de 50:000$000 réis na linha do Douro. Em 1901 elevou-se já a 72:500$000 réis.

Ao comparar uma linha de 90 kilometros de extensão,

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servindo Villa Real, Villa Pouca de Aguiar, ponto de convergencia de numerosas estradas, Pedras Salgadas, Vidago e Chaves, com aquella de 55 kilometros, sem estações intermediarias rendosas, não será demais attribuir-lhe igual affluxo de trafego á linha principal. Deve-se, porem, ter em conta o menor percurso d'esse trafego na linha do Douro.

Quanto é importante o affluxo do trafego das linhas secundarios, mostra-o o participe do serviço combinado das linhas, do Minho e Douro nos ultimos dez annos, devido ao caminho de ferro de Guimarães, comparado com a receita propria d'esta linha:

[ver tabela na imagem]

O participe do Minho e Douro é, em media, 0,8 proximamente do rendimento total da linha affluente, apesar do pequeno percurso da maior parte do trafego combinado. Pode se, pois, admittir que essa relação está, para o affluxo da linha da Regua a Chaves, comprehendida entre a de Guimarães e a de Foz-Tua a Mirandella. Suppo-lo hei, sem grande erro, igual a l, computando o respectivo rendimento bruto em 50:000$000 réis a que correspondam 0,6 ou réis 30:000$000 de augmento de receita liquida e de impostos no Minho e Douro.

O fundo especial receberá, pois, para compensar a garantia do juro:

Impostos na nova linha................. 4:914$000
Augmento da receita liquida e impostos no Minho e Douro..... 30:000$000 34:914$000

O encargo real maximo da garantia de juro fica reduzido a 70:300$000 réis = 105:300$000 - 35:000$000, que junto ao de Mirandella a Bragança, representará um onus total maximo de 115:800$000 réis, proximamente, por anno.

Esse encargo só se tornará effectivo na integra ao fim de cinco annos e representará cêrca de um terço dos recursos do fundo especial dos caminhos de ferro, suppondo que estes não augmentam, o que não é exacto.

Durante esse periodo de estudo e construção das linhas transmontanas o fundo especial dos caminhos de ferro estará inteiramente disponivel para ir occorrendo ás despesas de construção da estação central do Porto, do prolongamento da linha de Faro a Villa Real e da parte mais essencial da do Barreiro a Cacilhas, e com as acquisições de material circulante e obras novas nas linhas exploradas. No fim d'esse periodo, o troço de Faro a Villa Real, de pouco dispendiosa construcção e exploração e de consideravel rendimento pelo affluxo do seu trafego no extremo de uma linha de 340 kilometros, que tanto medeia entre Faro e Barreiro, dará para o fundo especial um augmento de receita de cêrca de 50:000$000 réis.

A transferencia do serviço de grande velocidade e de parte da pequena velocidade para Cacilhas produzirá accrescimo igualmente importante de receita liquida. As receitas do fundo especial dos caminhos de ferro serão pois muito superiores ás actuaes, de modo que embora se paguem as garantias de juro estipuladas, ficarão ainda livres, na peor hypothese, mais de 200:000$000 réis annuaes para outras obras e melhoramentos.

Num periodo de cinco a seis annos teremos, pois, acrescentado á nossa rede ferro-viaria as linhas da Regua a Chaves, de Mirandella a Bragança, do Faro a Villa Real de Santo Antonio, e do Barreiro a Cacilhas, que sommam. 233 kilometros de extensão.

E longe de ser preciso inscrever no Orçamento Geral de Estado a minima quantia para occorrer aos respectivos encargos, diminuir-se-hão ainda as despesas devidas a garantias do juro e transportes de serviço publico.

Fiel ao programma de severa e economica administração que hoje mais que nunca por todos deve ser seguido, não pede o Governo o minimo sacrificio ao contribuinte. Basta-lhe aproveitar judiciosamente os recursos proprios dos caminhos de ferro, tirando da legislação vigente os beneficos frutos de fomento que ella pode produzir, e continuando assim a obra interrompida do desenvolvimento da nossa rede ferro-viario, que tanto pode contribuir para o progresso economico do país.

Foram estas as considerações que me animaram a submetter á vossa esclarecida apreciação a premente proposta.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 24 de abril de 1902. = Manuel Francisco de Vargas.

Proposta de lei

Artigo 1.° O Governo poderá applicar parte do fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado existente nos termos da lei de 14 de julho de 1899, para occorrer aos encargos da construcção e exploração dos caminhos de ferro de Mirandella a Bragança e da Regua, por Villa Real e Chaves, a fronteira, contrahidas sob a forma de garantia de juro, nos termos da presente lei.

Art. 2.° É approvado e confirmado, na parte que depende de sancção legislativa, o contrato de 10 de abril de corrente anno, que vae junto á presente lei e d'ella da parte, celebrado entre o Governo e João Lopes da Cruz, para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança.

§ unico. Fica o Governo autorizado a prescrever as regras que devam ser seguidas nos processos arbitraes a que se refere o artigo 73.° do mesmo contrato.

Art. 3.° É autorizado o Governo:

1.° A acceitar a desistencia requerida por Alberto da Cunha Leão e Antonio Julio Pereira Cabral da concessão do caminho de ferro da Regua por Chaves e Villa Real á fronteira, que lhe foi feita nos termos da carta de lei de 7 de julho de 1898, por alvará de 10 de outubro de 1901, e a restituir aos mesmos concessionarios o deposito de réis 10:000$000, feito nos termos da clausula 54.ª do mesmo alvará;

2.° A adjudicar em hasta publica e precedendo concurso aberto na conformidade das bases annexas, que fazem parte integrante d'esta lei, a construcção e exploração do referido caminho de ferro.

Art. 4.° As importancias das garantias de juro, saidos do fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado, que em virtude do augmento da receita liquida das linhas a que se refere o artigo 1.° da presente lei, forem reembolsadas pelas empresas concessionarias, reverterão a favor do mesmo fundo especial, como restituição do adeantamento feito.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 24 de abril de 1902. = Manuel Francisco da Vargas,

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Bases da autorização concedida ao Governo para a adjudicação da construcção e exploração do caminho de ferro da Regua por Villa Real e Chaves á fronteira.

1.ª

A exploração será concedida pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do respectivo contrato.

2.ª

O prazo do concurso será de noventa dias.

3.ª

Os licitantes serão obrigados ao deposito previo de réis 5:000$000, que será elevado a 10:000$000 réis pelo licitante ao qual for adjudicada a concessão.

4.ª

As clausulas e condições da concessão serão na do contrato provisorio de 19 de abril do corrente anno, para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, modificadas em harmonia com as prescrições das presentes bases.

5.ª

A linha será dividida nas seguintes secções:

1.ª Da estação da Regua na linha do Douro a Villa Real;

2.ª De Villa Real a Villa Pouca de Aguiar;

3.ª De Villa Pouca de Aguiar a Vidago;

4.ª De Vidago a Chaves;

5.ª De Chaves á fronteira.

a) Os prazos para apresentação dos projectes serão, a contar da data do contrato:

Seis meses para a 1.ª secção;

Um anno para a 2.ª e 3.ª secções;

Dezoito meses para a 4.ª secção.

O prazo relativo á 5.ª secção será de seis meses, contados da data da communicação, ao concessionario, do ponto de passagem na fronteira, escolhido por accordo entre os governos português e hespanhol.

b) Os trabalhos de construcção de cada secção deverão começar no prazo de noventa dias, a contar da data da publicação, do Diario ao Governo, da portaria que approvar o respectivo projecto, devendo estar concluidos no fim de tres annos os da 1.ª e 2.ª secções, e de quatro os da 3.ª e 4.ª secções, a contar das mesmas datas.

c) A construcção da 5.ª secção poderá ser adiada até que em Hespanha se proceda á construcção da linha que deve ligar-se com este caminho de ferro.

Servirão de base aos estudos as directrizes seguidas nos projectos de 1888 e de 1897.

O Governo poderá autorizar que em troços de excepcional difficuldade de construcção o raio minimo das curvas desça a 100 metros e o limite maximo das pendentes se eleve a 25 millimetros.

6.ª

O Governo garante á empresa adjudicataria o complemento do rendimento liquido annual até 4 l/2 por cento em relação ao custo kilometrico da linha, estipulado no contrato, com exclusão do material circulante.

7.ª

A licitação versará sobre a quantia em que é computada para os effeitos da garantia o custo kilometrico da linha, que não poderá exceder o de 26:000$000 réis, tomado para base de licitação.

8.ª

A linha será dividida, para os effeitos da liquidação provisoria da garantia do juro, em lanços de extensão não inferior a 20 kilometros na 1.ª secção e a 10 nas seguintes, que poderão ser sucessivamente abertos á exploração a partir da Regua, mediante previa approvação do Governo.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 24 de abril de 1902. = Manuel Francisco de Vargas.

Termo de contrato provisorio feito entre o Governo e João Lopes da Cruz para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança.

Aos 19 dias de mês de abril de 1902, no Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, e gabinete do Ministro, onde vim eu, Ernesto Madeira Pinto, do Conselho de Sua Majestade, Secretario Geral do mesmo Ministerio, ahi se achavam presentes, de uma parte o Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Manuel Francisco de Vargas, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, primeiro outorgante em nome do Governo, e de outra parte o Sr. João Lopes da Cruz, de Mirandella, segundo outorgante, o qual provou, por documento authentico, que fica archivado na Secretaria Geral d'este Ministerio, ter feito o deposito de garantia de 8:000$000 réis na Caixa Geral de Depositos, exigido no artigo 10.° do programma do concurso para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, approvado por portaria de 14 de novembro de 1901, e modificado pela portaria de 24 de março de 1902, assistindo tambem a este acto o Illmo e Exmo. Sr. D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio, ajudante do Procurador Geral da Coroa e Fazenda; e por elle Exmo. Ministro foi dito na minha presença e na das testemunhas ao deante declaradas, que, tendo o Governo de Sua Majestade resolvido acceitar, por ser a mais favoravel, a proposta do segundo outorgante, João Lopes da Cruz, apresentada no concurso publico que se realizou no dia 15 de abril corrente para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, a que se refere o annuncio publicado no Diario do Governo n.° 67, de 26 de março de 1902, tinha o Governo deliberado adjudicar provisoriamente, ao segundo outorgante, João Lopes da Cruz, a construcção e exploração do referido caminho de ferro, nos termos da sua proposta, e consequentemente reduzir a mesma adjudicação feita por despacho de 16 de abril corrente, ao presente contrato, que é considerado provisorio e fica dependente da approvação do poder legislativo.

Pelo segundo outorgante foi dito que acceitava este contrato, com a natureza de provisorio nos termos que ficam indicados, para todos os effeitos e responsabilidades legaes; declarando ambos os outorgantes que se obrigavam, cada um na parte que lhe pertença; a cumprir fielmente as condições d'este contrato provisorio, que são as seguintes:

Artigo 1.° A empresa effectuará á sua custa e por sua conta o risco, nos termos, pelo modo e no prazo estipulados nestas condições:

1.° A construcção de um caminho de ferro que, partindo de Mirandella, em continuação da linha de Foz-Tua a Mirandella, e passando por Macedo de Cavalleiros, termine em Bragança, sendo o dito caminho de ferro completo em todas as partes, com todas as expropriações, aterros e desaterros, obras de arte, assentamento de vias, estações e officinas de pequena e grande reparação, e todos os edificios accessorios, casas de guarda, barreiras, passagens de nivel, muros de sustentação, muros de vedação ou sebes para separar a via ferrea das propriedades contiguas, e em geral as obras de construcção previstas e imprevistas, sem excepção ou distincção que forem necessarias para o completo acabamento da linha ferrea.

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§ l.º A palavra empresa, sempre que for empregada nestas condições, significa o concessionario primitivo, ou qualquer particular, sociedade ou companhia, para quem ella trespasse, na conformidade das leis e com auctorização previa do Governo, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas em virtude do contrato.

§ 2.º As obras mencionadas no n.° 1.° d'este artigo, que a empresa é obrigada a executar, serão feitas em harmonia com o projecto approvado por portaria de 25 de setembro ultimo e respectivo caderno de encargos, com as modificações e variantes que a empresa julgue conveniente propor e que forem approvadas pelo Governo, alem da variante prescripta na mencionada portaria.

§ 3.° A empresa effectuará os estudos necessarios e organizará nos termos usuaes os respectivos projectos, reservando-se o Governo o direito de fazer fiscalizar a execução dos trabalhos no campo.

§ 4.° O numero o classe das estações e suas dependencias serão determinados nos projectos definitivos. Nas estancies de entroncamento as ampliações e melhoramentos que forem reclamados pelo maior desenvolvimento que no serviço resultar da exploração da nova linha, e para facilidade das baldeações, serão feitos por conta da respectiva, empresa adjudicataria, devendo em todo o caso haver num estação principal, com as accommodações necessarias para passageiros, mercadorias e empregados; officinas, machinas e apparelhos para a feitura e concerto do material de exploração, armazens, telheiros e depositos para arrecadação e pintura de locomotivas, tenders, carruagens e vagons; fossos para picar o fogo; apparelhos e reservatorios para a alimentação das machinas.

§ 5.º Dos projectos approvados fará a empresa tirar duas copias, que serão authenticadas pela Direcção Geral das Obras Publicas e Minas: uma das copias será entregues á empresa e a outra á fiscalização.

2.° O fornecimento, conservação e renovação das locomotivas, carruagens para viajantes, vagons para mercadorias, machinas e utensilios para as officinas, plataformas giratoria, reservatorios e apparelhos hydraulicos, guindastes, signaes e em geral de todo o material fixo e circulante, designado ou não designado, que for necessario para manter a linha em perfeito estado de exploração.

3.° O estabelecimento de um telegrapho electrico ao lado da linha ferrea e a conservação a renovação dos materiaes e apparelhos que forem precisos para o manter em bom estado de serviço.

4.° Depois de terminada a linha, a empresa, no prazo de um anno, fará á sua custa, com assistencia do engenheiro delegado do Governo, a demarcação kilometrica e a levantamento da planta cadastral do caminho de ferro e suas dependencias, com a designação de todas as obras de arte executadas, e entregará ao Governo uma copia d'esta planta devidamente authenticada.

§ unico. Se a empresa não der, em devido tempo, cumprimento ao que neste numero é preceituado, o Governo fará executar, por conta da empresa e por pessoal nomeado pelo mesmo, os trabalhos de campo e de gabinete relativos á medição, marcação kilometrica e levantamento da planta cadastral do caminho de ferro e suas dependencias, com a descripção de todas as obras de arte executadas.

Art. 2.° A linha ferrea será construida com leito e obras de arte para uma só via, á excepção das estações, em que haverá as necessarias vias de resguardo e de serviço.

Art. 3.° Quaesquer alterações ou modificações, que a empresa tenha por conveniente propor, serão formuladas em harmonia com as condições technicas dos projectos, mas não poderão ser executadas sem previa autorização do Governo.

Art. 4.° As terras para a formação dos aterros serão sempre extrahidas de maneira que se evite a estagnação das aguas, prejudicial á saude publica.

Art. 5.º A largura do caminho ao nivel da plataforma será de 3m,5 em aterro e de 4m,3 em desaterro, e ao nivel dos carris de 1m,9 num e noutro caso.

A largura de via será de l metro entre as faces interiores dos carris.

As dimensões dos fossos e inclinações dos taludes, quer em aterro quer em escavação, serão reguladas pelos respectivos perfis transversaes typos, adoptados nos projectos.

A entrevia, ou distancia entre duas vias, será, pelo menos, de 2 metros, entre as faces exteriores dos carris internos de cada via.

Art. 6.° O maximo dos declives será de 18 millimetros por metro.

Art. 7.° Os raios das curvas de concordancia não serão inferiores a 150 metros nas linhas geraes; nas de serviço e resguardo poderão baixar a 100 metros. Quando se empregarem estes raios, as respectivas curvas de concordancia deverão effectuar-se tanto quanto possivel sobre planos horizontaes.

O intervallo entre os pontos de tangencia de duas curvas consecutivas em sentido contrario não bem inferior a 50 metros.

Art. 8.° Os carris e outros elementos constitutivos da via ferrea devem ser de boa qualidade e dos melhores modelos, proprios a preencher o fim do seu destino.

Os carris a empregar serão de aço, e o seu peso não poderá ser inferior a 20 kilogrammas por metro corrente. Serão fixados pelo systema que a empresa julgar mais conveniente, segundo os ultimos aperfeiçoamentos e com, previa approvação do Governo.

Art. 9.° As travessas a empregar na linha serão metallicas ou de madeira que sustente bem a pregacão, e das qualidades, forma e dimensões que forem approvadas pelo Governo.

Art. 10.° Este caminho será fechado por meio de muros, desvios, ou grades de madeira, que o separem das propriedades contiguas, com barreiras de serventia abrindo para fora.

§ unico. A vedação poderá ser dispensada nos pontos em que o Governo, a pedido da empresa e ouvida a fiscalizacão, entenda que ella é desnecessaria para a segurança do publico e da exploração.

Art. 11.° A empresa deverá estabelecer, para serviço das localidades atravessadas pela linha ferrea, portos seccos destinados ao estacionamento, carga e descarga de mercadorias, em harmonia com os projectos approvados.

Art. 12.º A empresa construirá, de pedra, ferro ou tijolo, os viaductos, pontes, pontões, aqueductos e canos de rega, e as paisagens superiores, inferiores e de nivel, em numero sufficiente e com as dimensões que exigir a sua estabilidade e segurança, o volume das aguas, a largura do caminho de ferro, e a das estradas ordinarias ou caminhos a que algumas d'essas obras devem dar passagem.

Art. 13.° Os cruzamentos do caminho de ferro com as estradas de 1.ª e 2.ª classe, caminhos municipaes ou vicinaes, poderão ser de nivel, excepto nos casos em que nos projectos estão designadas passagens superiores ou inferiores.

Em todos os cruzamentos ou passagens de nivel a empresa será obrigada a estabelecer barreiras, que abrirão para a parte exterior do caminho de ferro, havendo em cada uma um guarda encarregado d'este serviço.

Art. 14.° Quando o caminho de ferro passar sobre uma estrada de 1.ª classe, a abertura do viaducto não será menor de 6m,60; sobre uma estrada de 2.ª classe, de 6 metros; sobre uma estrada municipal, de 5 metros.

A altura do fecho da abobada acima do pavimento da estrada será de 5 metros, pelo menos; a largura entre as

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testas será de 3m,5; a altura dos parapeitos será de 0m,70, pelo menos.

Art. 15.° Quando o caminho de ferro passar por baixo de uma estrada de 1.ª classe, a largura do viaducto será de 6m,60; sendo districtal, 6 metros, e sendo municipal, 5 metros.

A abertura entre os pés direitos será, pelo menos, de 4m,5, comprehendidos os fossos.

A distancia vertical do intradorso á parte superior dos carris será, pelo menos, de 5 metros.

Art. 16.° Se houver que desviar a tracção de qualquer estrada existente, os declives do novo traçado não poderão exceder os que existiam na estrada ou caminho que é substituido.

O Governo, sobre proposta da empresa, poderá alterar esta regra.

O angulo formado pelo eixo da via ferrea com o da estrada desviada não poderá ser inferior a 30°.

Art. 17.º A abertura dos subterraneos será, pelo menos, de 5 metros entre as impostas, e de 4m,40 entre os pés direitos ao nivel dos carris; a altura acima d'este nivel até o intradorso da abobada de revestimento será, pelo menos, de 5m,50.

A empresa fará todas as obras necessarias para prevenir qualquer perigo de desabamento ou infiltração.

§ unico. O Governo, sobre proposta da empresa, poderá reduzir as dimensões dos subterraneos a que se refere este artigo.

Art. 18.º Nos pontos de encontro das estradas ordinarias com a via ferrea, durante a feitura d'esta, a empresa construirá as necessarias obras provisorias para que a circulação não seja interrompida.

Art. 19.º A empresa restabelecerá e assegurará á sua custa o curso das aguas, que se tenha suspendido ou modificado em consequencia das obras do caminho de ferro, ou indemnizará o proprietario, segundo as leis que lhe forem applicaveis.

Art. 20.° A empresa deverá empregar na, construcção das obras materiaes de boa qualidade.

Os paramentos das abobadas, os cunhaes, os soccos e os coroamentos serão, quanto possivel, de pedra apparelhada, de boa qualidade; onde não a houver será tolerado o tijolo.

Art. 2l.° As machinas locomotivas serão construidas segundo os melhores modelos conhecidos, e satisfarão a todas as condições actualmente prescritas, ou ás que de futuro o forem, para pôr em circulação as mesmas machinas.

As carruagens dos viajantes deverão ser igualmente dos melhores modelos, suspensas sobre molas e guarnecidas de assentos. Have-las-ha de tres classes, pelo menos; todas serão cobertas, fechadas com vidraças e resguardadas com cortinas.

As de 1.ª classe terão assentos estofados, as de 2.ª classe assentos de estofo mais ordinario, e as de 3.ª classe assentos de madeira.

As carruagens de todas as classes deverão preencher, alem do que fica dito, todas as condições prescritas pelo Governo no interesse da segurança publica.

Os vagons de mercadorias e gado, as plataformas e restante material será tudo de boa qualidade e solida construcção.

Art. 22.° O caminho de ferro, em todos os seus edificios necessarios para o serviço e mais accessorios e dependencias, como carris, travessas, e em geral todo o material fixo de qualquer especie, fica, desde a sua construcção ou collocação na linha, pertencendo ao dominio do Estado para todos os effeitos juridicos, nos termos do direito commum e especial dos caminhos de ferro e das diversas condições do contrato.

Todo o material circulante, carvão, coke e quaesquer outros provimentos, ficarão pertencendo ao dominio da empresa, para os mesmos effeitos e nos mesmos termos; com a declaração, porem, de que o material circulante não poderá ser alienado senão para o effeito de ser substituido com vantagem do serviço publico, e o mesmo succederá com o carvão, coke e quaesquer outros aprovisionamentos emquanto forem importados livres de direitos.

Art. 23.º Em compensação das obrigações que a empresa tomar sobre si pelo respectivo contrato, concede o Governo á empresa, pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do contrato definitivo, a exploração do caminho de ferro de Mirandella, nos termos e com as condições nelle estipuladas.

Art. 24.º A empresa deverá conservar, durante todo o prazo da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, com todo o seu material fixo e circulante, em bom estado de serviço, e no mesmo estado deverá entregar tudo ao Governo, findo aquelle prazo, fazendo sempre para esse fim á sua custa todas as reparações, tanto ordinarias como extraordinarias.

§ unico. Se, porem, durante o prazo estabelecido no artigo antecedente, for destruida ou dammficada alguma parte de caminho de ferro, por motivo de guerra, sem culpa da empresa, o Governo a indemnizará, pagando-lhe o valor das reparações, depois de avaliadas, em dinheiro ou titulos de divida publica pelo seu valor no mercado.

Art. 25.° Logo que tenha expirado o prazo da concessão acima estabelecido, a empresa entregará ao Governo, em bom estado de exploração, o caminho com todo o seu material fixo e seus edificios e dependencias de qualquer natureza que sejam, sem que por isso tenha direito a receber d'elle indemnização alguma.

Tambem lhe entregará todo o material circulante em bom estado e em quantidade proporcionada ao serviço da linha, mas tanto o valor d'este como o do carvão de pedra, e de outros quaesquer provimentos, que entregar ao Governo, ser-lhe-hão pagos segundo a avaliação dos louvados.

Art. 26.° O Governo terá a faculdade de resgatar em qualquer epoca a concessão do caminho de ferro.

Para determinar o preço da remissão, tomar-se-ha o producto liquido obtido pela empresa durante os annos que tiverem precedido aquelle em que a remissão deva effectuar-se, até ao numero de sete, com exclusão dos dois annos menos productivos; a media annual constituirá a importancia da annuidade que o Governo pagará á empresa até terminar o prazo da concessão, não podendo, porem, ser inferior ao producto liquido do ultimo anno dos sete tomados para base do calculo.

A annuidade não poderá ser, em caso algum, inferior a 4 1/2 por cento do capital, em que pelo contrato for computado o custo da linha.

Quando o resgate se effectuar antes que tenha decorrido o prazo de sete annos, desde a abertura á exploração, tomar se-ha para base do calculo o numero de annos decorridos, procedendo-se pela forma descripta.

O preço da remissão não comprehenderá o material circulante, nem o valor dos materiaes de exploração em deposito, que serão avaliados para serem pagos pelo Governo, na occasião de serem entregues, pelo preço da avaliação.

Art. 27.° O Governo garante á empresa adjudicataria o complemento do rendimento liquido annual até 4 1/2 por cento em relação ao custo de cada kilometro que se construir, comprehendendo o juro e amortização do capital.

Art. 28.° Para os effeitos d'esta garantia do juro o preço kilometrico da linha a construir será a quantia de réis 25:990$000, segundo a proposta feita e acceita no concurso.

As despesas de exploração serão computadas em 50 por cento do producto bruto kilometrico, excluindo os impostos de transito e sêllo, fixando-se todavia um mínimo de

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700$000 réis e um maximo de 1:200$000 réis por kilometro.

Art. 29.º A garantia do juro, relativa a cada anno economico, será paga semestralmente, e constituirá encargo do fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado.

§ l.° Para os effeitos da liquidação provisoria da garantia de juro, considerar-se-ha a linha dividida em secções da extensão não inferior a 10 kilometros.

§ 2.º A garantia de juro só será devida em relação a cada secção que for considerada aberta á exploração, a contar de Mirandella, com previa approvação do Governo.

Art. 30.° Logo que o producto liquido exceder 4,5 por cento ao anno, metade do excesso pertencerá ao Estado, até completo reembolso das sommas adeantadas pelo Governo, em virtude da garantia de juro, de que tratam as condições antecedentes, bem como dos juros d'essas sommas, na razão de 4,5 por cento ao anno.

§ unico. Á respectiva empresa adjudicataria fica salvo o direito de reembolsar o Estado das quantias que elle tiver adeantado por virtude da garantia de juro e amortização, de que tratam as condições antecedentes, podendo usar d'esse direito na epoca ou epocas que julgar conveniente.

Art. 31.° O Governo publicará os regulamentos e usará dos meios apropriados para verificar as receitas e despesas da exploração, sendo a empresa obrigada a franquear-lhe toda a sua escrituração e correspondencia.

Art. 32.° Concede mais o Governo á mesma empresa a faculdade de construir todos os ramaes que possam alimentar a circulação da linha ferrea, a que se referem estas condições, precedendo o respectivo contrato especial com o Governo, e sem que este pela dita construcção lhe pague subsidio algum, ou lhe garanta qualquer beneficio. Quando, porem, o Governo julgar necessario construir algum d'esses ramaes, e a empresa se não prestar a isso, o Governo reserva-se, muito expressamente, o direito de os construir ou de contratar a sua construcção com qualquer empresa, nos termos que lhe aprouver.

Art. 33.° Quando o Governo fizer novas concessões de caminhos de ferro, quer esses caminhos sejam parallelos á mesma linha, quer a atravessem ou nella venham entroncar ou sejam seu prolongamento, a empresa não poderá, sob pretexto algum, impedir os trabalhos precisos para o estabelecimento das mesmas linhas, mas tem direito a qualquer despesa que fizer por causa d'essas concessões e das obras a que derem logar na sua linha.

Art. 34.° Quando o Governo venha a ordenar a construcção de uma estrada, canal ou via ferrea que atravesse a linha concedida, deverá tomar todas as medidas necessarias para que não resulte impedimento ou obstaculo á circulação d'esta, nem o minimo augmento de despesa para a empresa.

Art. 35.° A abertura de qualquer das vias de communicação, de que tratam os dois procedentes artigos, nas condições ali exaradas, não poderá autorizar reclamação alguma por parte da empresa.

Art. 36.° As empresas concessionarias de quaesquer caminhos de ferro, que venham a entroncar com a linha que faz o objecto d'estas condições, terão a faculdade de fazer circular nella as suas carruagens, vagons e machinas, sujeitando-se aos respectivos regulamentos de policia e serviço, e pagando pelas pessoas e mercadorias uma portagem que, no caso de não haver acordo entre as empresas, será regulada secundo a relação entre a portagem e transporte estabelecida nas tarifas dos mais recentes cadernos de condições na França. Esta faculdade será reciproca para todas as linhas.

No caso em que as diversas empresas não possam chegar a acordo sobre o exercicio d'esta faculdade, o Governo decidirá a questão.

Art. 37.° Concede mais o Governo á mesma empresa a isenção de qualquer contribuição geral ou municipal nos primeiros vinte annos, depois do começo das obras; comtudo, nesta disposição, não são incluidos impostos de transito e sêllo lançados sobre o preço da conducção dos passageiros e mercadorias nos termos da legislação vigente.

Nenhuma contribuição especial será lançada sobre a linha ferrea durante a concessão.

Art. 38. O Governo concedo mais á empresa, durante o prazo de cinco annos, contados da data do contrato definitivo, isenção do pagamento de direitos de importação para os materiaes destinados á construcção e exploração, depois de verificada a sua quantidade e destino pela fiscalização.

§ unico. A empresa conformar-se-ha com os regulamentos fiscaes que forem necessarios para prevenir o abuso d'esta concessão.

Art. 39.° Concede mais o Governo á empresa gratuitamente os terrenos que possuir e forem necessarios para a construcção e exploração da linha e o transporte, com exclusão das despesas accessorias e do sêllo, na linha do Douro, de todos os materiaes necessarios para a construcção, por uma taxa de 8 réis por tonelada e kilometro.

Art. 40.° Quaesquer expropriações que a empresa houver de fazer para as obras do caminho de ferro serão reguladas amigavelmente, ou pelas leis respectivas, tanto geraes, como especiaes dos caminhos de ferro, devendo intervir o Ministerio Publico para auxiliar a empresa em nome de interesse geral, nos termos das leis em vigor, ou d'aquellas que venham a promulgar-se, para facilitar estas expropriações.

Art. 41.° Concede, emfim, o Governo á mesma empresa a faculdade de desviar correntes, e alterar a direcção de caminhos, uma vez que a construcção da linha ferrea assim o exija, devendo em todos os casos regular-se pelas leis sobre expropriações por utilidade publica, que lhe deverão ser applicadas, e sujeitar-se á previa approvação do Governo.

Art. 42.° Emquanto durar a garantia de juro o Governo decretará as tarifas de passageiros, gados e mercadorias.

Art. 43.° Logo que o Governo estiver embolsado das quantias que tiver adeantado em virtude da garantia de juros e amortização, e dos juros correspondentes a essas quantias, serão as tarifas estabelecidas por acordo entre o Governo e a empresa, em harmonia com as que vigorarem em outras linhas portuguesas que lhes sejam comparaveis, e consecutivamente, de cinco em cinco annos, proceder-se á revisão das mesmas tarifas.

§ 1.° Na falta de acordo entre o Governo e a empresa, acêrca das modificações a introduzir nas tarifas, adoptar-se-hão, como maximos, os preços das tarifas das linhas ferreas exploradas pelo Estudo e, não as havendo, a media das tarifas das linhas portuguesas exploradas por companhias.

§ 2.° Qualquer modificação, que em qualquer tempo se faça, será annunciada com um mês de antecedencia.

Art. 44.° Serão prohibidos os contratos particulares destinados a reduzir os preços das tarifas. Exceptuam-se d'esta disposição os transportes que dizem respeito ao serviço do Estado e as concessões feitas a indigentes.

Art. 45.º Nenhuma alteração de tarifas, de horarios ou de condições de serviço poderá ser annunciada ao publico pela imprensa, nas estações ou de qualquer forma, antes e obtida a approvação do Governo.

Art. 46.° As despesas acessorias não incluidas nas tarifas, taes como as de deposito, armazenagens e outras, serão fixadas pela empresa com a approvação do Governo.

Art. 47.° A recepção das taxas tem logar por kilometros; assim, l kilometro encetado será pago como se fosse percorrido. Exceptua-no d'esta regra toda a distancia percorrida menor de 6 kilometros, a qual será paga por 6 kilometros inteiros.

O peso da tonelada é de 1:000 kilogrammas.

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As fracções de peso não serão contadas senão por centesimos de tonelada; assim, todo o peso comprehendido entre 0 e 10 kilogrammas pagará como 10 kilogrammas, entre 10 e 20 pagará como 20 kilogrammas, e assim successivamente.

Art. 48.° O transporte de objectos perigosos, ou de massas indivisiveis de peso superior a 5:000 kilogrammas, não será obrigatorio para a empresa. As condições d'este transporte poderão regular-se amigavelmente entre ella e os expedidores.

Feito, porem, acordo com um, não se poderá negar a fazê-lo nos mesmos termos durante tres meses, pelo me nos, com todos os que lhe fizerem igual pedido.

§ 1.° Todo o transporte que necessitar, pelas suas dimensões, o emprego de um ou mais vagons, pagará pela carga inteira do vagon ou dos vagons que empregar, qualquer que seja o peso a transportar.

§ 2.° As mercadorias que a pedido dos expedidores forem transportadas com a velocidade de viajantes, pagarão na razão do dobro do preço ordinario.

§ 3.° Os cavallos e mais gado tambem pagarão, no mesmo caso, o dobro do preço das respectivas tarifas.

Art. 49.° As mercadorias, volumes, animaes e outros objectos não designados nas tarifas serão qualificados, para o effeito de pagamentos de direitos de transporte, nas classes com as quaes tiverem maior analogia. Esta classificação será feita pela empresa, de acordo com os fiscaes do Governo, com recurso para o Ministerio das Obras Publicas.

Art. 50.° Todos os objectos (excepto os preciosos especificados na tarifa), que pesarem menos de 10 kilogrammas, serão considerados como objecto de recovagem.

Art. 51.° Todo o viajante, cuja bagagem não pesar mais de 30 kilogrammas, não terá a pagar pelo transporte d'esta bagagem augmento algum do preço, alem d'aquelle que dever pagar pelo seu logar.

Art. 52.° Os militares e marinheiros em serviço, viajando em corpo ou isoladamente, pagarão apenas, por si e suas bagagens, metade dos preços estipulados nas tarifas respectivas.

Art. 53.° Os empregados do Governo, que forem incumbidos da fiscalização do caminho de ferro ou da cobrança de contribuição lançada sobre os preços do transporte ou da fiscalização sanitaria da linha, deverão transitar nella sem pagar quantia alguma.

Art. 54.° A empresa será obrigada a pôr á disposição do Governo, por metade dos preços das tarifas geraes, todos os meios de transporte estabelecidos para a exploração do caminho de ferro, quando elle precisar dirigir tropas ou material de guerra sobre qualquer ponto servido por linha ferrea.

Art. 55.° A empresa será obrigada a prestar gratuitamente os seguintes serviços:

1.° Transporte, em qualquer comboio que a Direcção Geral dos Correios e Telegraphos designar, das ambulancias postaes e dos empregados que manipularem as correspondencias;

2.° Concessão, nos comboios em que não haja ambulancias postaes, de dois compartimentos de carruagem de 2.ª classe para transporte das malas de correspondencia publica e dos seus conductores;

3.° Transporte do material dos correios e telegraphos;

4.° Limpeza externa das ambulancias postaes;

5.° Transporte de empregados da Direcção Geral, em serviço de inspecção e fiscalização de correios e telegraphos;

6.° Licença para collocação das linhas telegraphicas do Governo nos postes ou apoios das linhas telegraphicas da via ferrea.

Art. 56.º O numero de viagens por dia será fixado pela empresa de acordo com o Governo, segundo as necessidades da circulação.

O maximo e minimo da velocidade dos comboios ordinarios de viajantes e mercadorias, e dos comboios extraordinarios, bem como a duração do transito completo, serão sujeitos ás regras de policia, para segurança publica, que o Governo tem direito de estabelecer, ouvida a empresa.

Art. 57.° Todo o comboio ordinario de viajantes deverá conter, salvo os casos imprevistos de extraordinaria concorrencia, carruagens de todas as classes em quantidade sufficiente para as pessoas que se apresentarem a tomar logar.

Art. 58.° O uso do telegrapho electrico será gratuitamente permittido ao Governo para os despachos officiaes, e aos particulares mediante os preços de uma tabella estabelecida pela empresa de acordo com o Governo.

Art. 59.° O deposito definitivo de 8:000$000 réis será effectuado pela empresa adjudicataria antes da assignatura do respectivo contrato, como garantia da sua execução, e só poderá ser levantado quando a empresa tenha feito obras de valor equivalente ao triplo do seu deposito, passando essas obras a servir de caução.

§ unico. O adjudicatario que effectuar o deposito definitivo em titulos de divida publica, terá direito a receber os juros d'esses titulos; se o effectuar em dinheiro, ser-lhe-ha abonado o juro de 2 por cento ao anno.

Art. 60.° Os estudos e trabalhos da variante prescripta pela portaria de 25 de outubro de 1901 serão feitos pela empresa adjudicataria e submettidos á approvação do Governo no prazo de seis meses, a contar da data do respectivo contrato.

Art. 61.° A construcção do caminho de ferro de Mirandella começará dentro do prazo de dois meses, a contar da approvação do contrato definitivo, e estará concluida no de dois annos a 1.ª secção, Mirandella a Valdrez, e no de tres a 2.ª secção, Valdrez a Bragança, devendo estar concluidas todas as obras e a linha ferrea em estado de circulação com todo o seu material fixo e circulante e dependencias, dentro dos prazos fixados.

Art. 62.° Se dentro dos prazos fixados para a conclusão das obras, ellas não estiverem terminadas, e a linha ferrea respectiva em estado de exploração, pagará a companhia adjudicataria, por cada mês de demora, uma multa, que será fixada pelo Governo, ouvido o engenheiro encarregado da fiscalização dos trabalhos e o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, que não excederá a 2:000$000 réis, para cada secção.

Art. 63.° Se a empresa não pagar as multas em que incorrer e lhe forem impostas (artigo 62.°), se não cumprir as outras clausulas estipuladas no contrato, ou se se recusar a obedecer á decisão dos arbitros, nos casos da sua intervenção, terá o Governo, por sua autoridade, direito de declarar rescindido o contrato.

§ 1.° Neste caso a construcção do caminho com todas as obras feitas o material fornecido, depois de competentemente avaliada, será posta em hasta publica por espaço de seis meses, com as mesmas condições e arrematada á empresa que maior lanço offerecer. O preço da arrematação será entregue á empresa, segunda outorgante, depois de deduzidas as despesas que o Governo tiver feito com o pagamento da garantia de juro e fiscalização.

Se dentro d'estes seis meses não houver quem arremate, serão as obras o material fornecido adjudicados ao Estado, sem indemnização alguma e o contrato rescindido para todos os effeitos juridicos.

§ 2.º A rescisão do contrato será feita por meio de decreto.

§ 3.° Do decreto de rescisão poderá a empresa recorrer para o tribunal arbitral, no improrogavel prazo de um mês, a contar do dia em que for publicado na Folha Official.

§ 4.° O Governo muito expressamente declara que, no caso de rescisão, não fica obrigado a indemnizar a empresa, qualquer que seja o fundamento, razão ou pretexto allegado para justificar a indemnização.

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§ 5.º Igualmente declara o Governo que se não responsabiliza por quaesquer dividas da empresa, qualquer que seja o modo e titulo por que ellas forem contrahidas, nem garanto nem cauciona contratos de empreitadas geraes ou parciaes ou outros que a empresa faça.

§ 6.° Fica bom entendido, e é expressamente estipulado, que o Governo Português, não só em razão do dominio sobre a linha ferrea, mas como credor da conservação e exploração da mesma linha, tem preferencia sobre todos os credores da empresa, qualquer que seja a origem das suas dividas, obrigando-se a empresa, em todos os contratos que fizer relativamente á linha ferrea, a respeitar os direitos do Estudo.

Art. 64.º Exceptuam-se das disposições dos artigos precedentes os casos de força maior devidamente comprovados.

Art. 65.º Se a empresa não conservar, durante todo o prazo da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, assim como todo o material fixo e circulante, em perfeito estado de serviço, fazendo sempre, para este fim, á sua custa todas as reparações que forem necessarias, assim ordinarias como extraordinarias, conforme as disposições do artigo 24.°, ou se for remissa em satisfazer as requisições que para esse fim lhe forem feitas pelo Governo, poderá este mandar proceder ás necessarias reparações por sua propria autoridade, e neste caso tem direito de apropriar-se de todas as receitas da empresa, até completar a importancia das despesas feitas, augmentadas de um quinto a titulo de multa.

Art. 66.° No caso de interrupção total ou parcial da exploração do caminho de ferro, o Governo proverá por sua propria auctoridade, provisoriamente, para que a dita exploração continue por conta da empresa, e intimá-la-ha logo para ella se habilitar a cumprir com a sua obrigação respectiva.

§ 1.° Se tres meses depois de intimada na forma d'este artigo, a empresa não provar que está habilitada para continuar a exploração da linha ferrea, nos termos do contrato, incorrerá, por esse mesmo facto, depois da declaração do Governo, na pena de rescisão, e perderá o direito a todas as concessões que por elle lhe forem feitas, e o Governo entrará immediatamente na posse do caminho de ferro e de todas as suas dependencias sem indemnização alguma.

§ 2.° Ficam, salvos das disposições d'este artigo os casos de força maior devidamente comprovados.

Art. 67.° Quando o Governo tomar conta do caminho de ferro, finda a concessão, terá direito de se pagar de quaesquer despesas que sejam necessarias para o pôr em bom estado de serviço, pelo valor de material circulante, carvão e mais provimentos, os quaes objectos ficarão servindo, nos ultimos cinco annos, de hypotheca especial a esta obrigação.

Art. 68.º A execução de todas, as obras do caminho de ferro concedido pelo contrato, o fornecimento, collocação e emprego do seu material, fixo e circulante, ficam sujeitos á fiscalização dos engenheiros que o Governo nomear para esse fim.

Art. 69.° Nem o caminho de ferro na sua totalidade, nem qualquer das suas secções será aberta ao transito publico, enquanto a empresa não tiver obtido a approvação do Governo, que para esse fim mandará examinar meuda e attentamente, por pessoas competentes, todas as obras feitas e o material fixo e circulante.

§ unico. Os engenheiros que forem incumbidos d'este exame, procederão a elle com o maior cuidado e circunspecção e lavrarão um auto em que dêem relação minuciosa e exacta de tudo quanto encontrarem com respeito á segurança da via ferrea, interpondo por fim o seu juizo sobre se sim ou não tal linha ferrea deve ser aberta á exploração. Este auto será submettido á sancção do Governo para o habilitar a resolver.

Art. 70.° O Governo terá o direito de fiscalizar, por meio dos seus agentes, a exploração da linha ferrea durante todo o tempo da concessão.

Art. 71.° A empresa fica sujeita:

1.° Ás leis, regulamentos e instrucções em vigor, e aos preceitos que o Governo publicar sobre a policia e segurança de pessoas e cousas, tanto em relação ás construcções como aos serviços da exploração;

2.º Aos regulamentos relativos ao serviço telegrapho-postal;

3.° Aos regulamentos para a cobrança, fiscalização e entrega dos impostos de transito e sêllo.

Art. 72.° A empresa adjudicataria será considerada portuguesa para todos os effeitos.

Art. 73.° As contestações que se suscitarem entre a empresa e o Estado serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo Governo e dois pela empresa.

No caso de empate sobre o objecto em questão, será um quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes.

Faltando acordo para esta nomeação, o quinto arbitro será nomeado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

§ 1.° No processo arbitral serão observados os preceitos decretados pelo Governo, em virtude da autorização legislativa que lhe for conferida.

§ 2.º Serão exclusiva e definitivamente resolvidas pelo Governo todas as questões que se referem á approvação, modificação e execução dos projectos, segundo os quaes a empresa tem a obrigação de construir a linha ferrea indicada nestas condições.

Art. 74.° Ficam sujeitos á approvação do Governo os estatutos da empresa adjudicataria.

Art. 75.° A empresa é autorizada a fazer os regulamentos para os serviços de exploração, submettendo-os á approvação do Governo.

Estes regulamentos são obrigatorios para a empresa, e em geral para todas as pessoas que fizerem uso do mesmo caminho.

Art. 76.° A empresa poderá traspassar, com previa auctorização do Governo, os direitos adquiridos e as obrigações contratadas por este contrato, a qualquer outra empresa, sociedade ou individuo particular.

Art. 77.° O presente contrato provisorio só se tornará definitivo depois de approvado pelo poder legislativo.

E com as condições acima exaradas deram os outorgantes por feito e concluido o presente termo de contrato provisorio, do qual foram testemunhas presentes os amanuenses d'este Ministerio, Arthur Eduardo Chichorro da Costa e Antonio João de Bastos Junior.

E eu, Ernesto Madeira Pinto, do Conselho de Sua Majestade, Secretario Geral do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e vou subscrever o presente termo de contrato provisorio, que vão assignar commigo as pessoas já mencionadas, depois de lhes ser lido por mim. Declaro que por incommodo de S. Exa. o Ministro e Secretario de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, foi este termo de contrato assignado e lido em casa de S. Exa. na presença de todas as pessoas acima mencionadas.

Logar de duas estampilhas fiscaes da importancia total de 2$800 réis, devidamente inutilizadas com a data de 19 de abril e as seguintes assignaturas: Manoel Francisco de Vargas = João Lopes da Cruz = Arthur Eduardo Chichorro da Costa = Antonio João de Bastos Junior. = Fui presente, J. de Alarcão = Ernesto Madeira Pinto.

Está conforme. - Secretaria Geral, em 21 de abril de 1902. = O Secretario Geral, E. Madeira Pinto.

O Sr. Eduardo Villaça: - Que os caminhos de ferro são um poderoso instrumento economico, que elles são os factores mais valiosos do desenvolvimento do commercio, pela ligação que estabelecem entre os povos, é uma ver-

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dade incontestavel. É, por isso, que todos os paises do velho continente querem a viação accelerada, certos de que, da construcção dos caminhos de ferro, advir-lhes-hão vantagens, que por demais compensem os sacrificios feitos.

Se em these, portanto, não é licito contestar as vantagens da construcção dos caminhos de ferro, pode e deve discutir-se, em cada caso particular, a conveniencia da sua construcção, a opportunidade da sua realização, o saber-se se os sacrificios que a sua execução origina, serão compensados com as vantagens que da exploração resultará mais tarde.

Em relação ao nosso país não se pode dizer que estejamos em situação vantajosa pelo que se refere á viação accelerada.

O seu illustre amigo, distincto engenheiro e intelligente collaborador nos trabalhos de estatistica, o Sr. José Beça, relator do projecto, faz no relatorio um estudo comprovativo do desenvolvimento da viação accelerada nos differentes paises, de onde se vê que Portugal sendo o oitavo país na população, é o quinto em relação á sua rede ferroviaria, porque outros paises, por circunstancias diversas, passaram para a sua esquerda.

Occupando-se, porem, da hypothese particular de que se trata, entende elle, orador, que este projecto alem de dotar Bragança, capital de um dos districtos trastaganos como Villa Real, capital de outro, representa um acto de justiça de ha muito devida.

De todas as capitães de districto as da provincia de Trás-os-Montes eram as unicas que não gozavam das vantagens da viação accelerada, e comtudo, pela fertilidade do seu solo, pela excellencia do seu clima, e até pelas qualidades da sua população, era uma injustiça deixá-los por tanto tempo privados d'esses melhoramentos.

Os dois caminhos de ferro a que este projecto se refere, impõem-se á attenção da Camara e á justiça do Parlamento, mas por mais importantes que fossem esses melhoramentos, por mais justiça que tivessem as provincias a que elles vão aproveitar, por maior que fosse o interesse d'elle, orador, pelo melhoramento da provincia que tem tido a honra de, por mais de uma vez, representar em Côrtes, hesitaria em dar-lhe o seu voto, se para a realização d'esse melhoramento tivesse de se ir buscar ao Orçamento do Estado a verba necessaria para lhe fazer face, tão extraordinariamente graves considera as condições do actual Orçamento.

A maneira, porem, como o projecto se encontra elaborado, assegura-nos de que pode ser levado á pratica, sem encargo para o Thesouro.

Como a Camara sabe, a lei de 14 de junho de 1899 deu uma organização especial ás linhas ferreas do Estado, constituindo um fundo especial destinado não só ao melhoramento das actuaes linhas, como á execução de algumas que estavam já em acção, e ainda á construcção de novas linhas ferreas.

As verbas que constituem esse fundo não figuram no Orçamento, teem uma applicação restricta e especial, e elle, orador, entendo que não se lhe pode dar melhor applicação do que a que se propõe no projecto, pois não só lucrarão com a construcção dos dois caminhos de ferro as regiões que vão servir, mas ha de augmentar o rendimento da linha do Douro, que pertence ao Estado.

O processo adoptado pelo Governo para essa construcção é o da garantia de juro, e se este processo se pode prestar a augmentos de valor, não lhe nega elle, orador, a sua approvação no momento actual, por ser o que lhe parece que mais convem adoptar-se.

Feitas estas considerações, manda para mesa uma proposta de additamento, que em nada altera o pensamento geral do projecto, e que não representa desconfiança na acção do Governo, mas para que de futuro, quando se trate de executar a lei, não se possa suscitar duvidas.

(Leu).

Pelos motivos que acaba de expor, não pode deixar de dar o seu voto ao projecto, no que é coherente com o procedimento do partido progressista, que já em 1898, quando era Ministro das Obras Publicas, o illustre estadista Emygdio Navarro, cuja rasgada iniciativa é digna dos maiores louvores, e cujos relevantes serviços prestados ao país são por todos apreciados, apresentou uma proposta em que esses caminhos de ferro vinham comprehendidos.

Essa proposta não pôde ser approvada porque circunstancias da politica, que não veem para agora relembrar, fizeram com que esse illustre estadista não pudesse levar á pratica a sua proposta de lei.

O Ministro seguinte, Conselheiro Eduardo José Coelho, procurou tambem, por todos os meios levar a bom termo a realização d'esse melhoramento; mais tarde o partido progressista procurou ainda realizar estes dois melhoramentos, obedecendo, nesse intuito, á carta de lei de julho de 1888, pela qual se tinha em vista levar á pratica o caminho de ferro da Regua á fronteira, Villa Real e Chaves sem encargo para o Estado.

Ainda essa tentativa, porem, não deu resultado; mas vê-se que, de 1888 para cá, o partido progressista, e com elle o seu prestigioso chefe, Conselheiro José Luciano de Castro, teem empregado todos os seus esforços, para que se executem essas duas linhas ferreas.

Em nome, pois, dos interesses geraes do país, em nome dos interesses especiaes da provincia de Trás-os-Montes, que tanto direito tem a esses melhoramentos, em nome dos esforços constantes, feitos pelo partido progressista, a que se honra de pertencer, elle, orador dá o seu voto á approvação do presente projecto, sendo-lhe grato terminar as suas considerações, lendo á Camara o que o Ministro que apresentou esta proposta, em 1888, escreveu, pela forma por que só o Conselheiro Emygdio Navarro sabe escrever.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

Leu-se na mesa a

Proposta

Proponho que ao artigo 3.° do projecto de lei se accrescente:

§ unico. O concurso a que se refere o n.° 2.º d'este artigo abrir-se-ha dentro do prazo de 60 dias, contados da data da publicação da presente lei. = José Maria de Alpoim = Francisco José de Medeiros = Antonio Rodrigues Nogueira = Antonio Eduardo Villaça.

Foi admittida, ficando conjuntamente em discussão a proposta do Sr. Villaça.

O Sr. Sergio de Castro: - Sr. Presidente: não pedi a palavra para combater o projecto em discussão, e das linhas ferreas de Mirandella a Bragança, e o da Regua a Villa Real, seguindo por Chaves á fronteira; pedi-a unicamente para accrescentar aos applausos, que parecem ser unanimes (Apoiados), com que elle foi recebido, uma supplica a respeito da provincia do Alemtejo, que bem merece attenções especiaes, tanto dos Governos como do Parlamento. (Apoiados).

Applaudo com todo o enthusiasmo, sinceramente e sem reservas, a construcção immediata das linhas a que o projecto se refere.

Ainda mais, Sr. Presidente: eu congratulo-me com o facto, que merece registo, que, depois de muitos projectos e planos, o partido regenerador, seguindo na tradicção que lhe deu direito a que o busto de Pontes Pereira de Mello fosse collocado sobre o portal de entrada da estação central do Rocio, obra do illustre partido progressista, seja o partido que leva á realidade a ligação das duas capitães da formosa e rica provincia de Trás-os-Montes com os grandes centros de consumo do país. (Apoiados).

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Com effeito, Sr. Presidente, a rica região agricola e mineira de Bragança, bem como o valle chamado Lobrigos, verdadeiro jardim de pampanos, bem como o curso do valle do Tamega e do valle do Corgo, bem como o formoso valle de Villa Pouca, que se rasga, como oasis, entre as vertentes asperas do Mesio e do Alvão, bem como a região por excellencia das aguas mineraes do país, que vão das Pedras Salgadas por Sabroso e Vidago até ás alcalinas quentes de Chaves, bem como a fertilissima veiga d'esta villa, que ainda por muitos kilometros entra pelas fronteiras a dentro da vizinha Hespanha, - toda essa região, em sumiria, que em nota antiga e caracteristica é salpicada pelos velhos solares dos ricos-homens de Entre-Minho-e-Douro, os typos classicos do Balzac português, o nosso grande Camillo, bem merece que por ella silve, finalmente, a locomotiva do progresso. (Vozes: - Muito bem).

Já vêem os meus illustres collegas transmontanos que eu até procurei amenizar o estylo, embora não conseguisse o intento, para lhes ser agradavel.

Mas, como costuma dizer-se, o Alemtejo tambem é gente, tambem tem sacratissimos direitos, e se elles não podem ser satisfeitos desde já, é necessario que o sejam num futuro muito proximo.

Eu refiro-me á ligação das linhas do sul e sueste com a linha de leste, pondo em communicação directa, sem necessidade de trasbordos, parte do districto de Lisboa, todo o districto do Algarve, todo o districto do Beja, todo o districto de Evora e parte do districto de Portalegre com a Estremadura Hespanhola, com as provincias do norte e com as duas Beiras, finalmente. (Apoiados).

Seria talvez ensejo nesta occasião de expor as condições economicas e financeiras que aconselham o melhoramento.

Não o farei, porem, porque o tempo urge e porque essas condições, em geral, são conhecidas de todos. Basta dizer que o Alemtejo, estando em vesperas de produzir o trigo necessario para todo o país, não pode deixar de ser considerado, só por esse facto, a nossa mais importante região productora. Que exportando essa provincia muito gado suino e muito gado vaccum para Hespanha, dos seus quarenta o tantos concelhos, somente uns seis são servidos por linha ferrea que com linhas de Hespanha communique, o que redunda em grande prejuizo para o commercio e para a agricultura. Que sendo diversos os productos do sul e norte, precisando os do norte dos do sul e respectivamente, as duas grandes regiões do país ainda estão muito longo de possuir uma completa communicação directa! (Apoiados).

Mas opportunamente, quando a hora não esteja a impor que se abreviem considerações, as farei mais largas, como é necessario que se façam.

Muitos são os projectos estudados já, Sr. Presidente, da ligação de Estremoz a Elvas, a Portalegre, ao Crato, á Chança, a Torre das Vargens, á Ponto de Sor, etc., mas eu não pleiteio por nenhum d'elles determinadamente, embora me pareça melhor e da Torre das Vargens, para se pôr a linha construida em contacto com duas linhas internacionaes - a de Badajez e a de Caceres.

Não pleiteio por nenhum, repito. Não venho falar aqui pro domo mea, preoccupando-me unicamente com interesses regionaes.

Construa-se aquelle traçado que os technicos aconselharem, o que for melhor, o que for mais util, sem contemplações por ninguem (Apoiados), nem por localidades. (Apoiados).

Eu é que, na minha qualidade do alemtejano, que muitissimo me prezo de ser, como representante do districto de Evora e como natural do districto de Portalegre, não posso deixar perder este ensejo para pedir e instar que, seja qual for o traçado, se rasguem esses 50 a 60 kilometros de via accelerada, que ha muito tempo, ha vinte annos pelo menos, deviam estar construidos. (Apoiados).

Sr. Ministro das Obras Publicas, Sr. Conselheiro Manuel de Vargas, meu co-provinciano e meu amigo: V. Exa. sabe perfeitamente bom como a nossa provincia é pacifica, ordeira e soffredora. Não faz revoltas, não ameaça os Governos, não faz meetings. (Apoiados).

Quando muito celebrou os congressos de 1888 e de 1889, em Lisboa, Estremoz, Evora e Beja, quando foi da afflictiva crise cerealifera. (Apoiados).

Nem sequer congrega os politicos de todos matizes para se impor collectivamente. É muito singular a nossa provincia, Sr. Manuel Vargas!

Mas nem por isso deixa de ter sacratissimos direitos, ou por isso mesmo os tem mais respeitaveis e portanto eu peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas que envide todos os esforços de que é capaz, pelo seu trabalho, estudo e energia, a fim de trazer na proxima sessão parlamentar a esta Camara uma proposta no sentido que acabo de expor.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado).

O Sr. Pereira de Lima: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei n.° 62-B, pelo qual é concedida a D. Leopoldina da Costa Leal, viuva do capitão de fragata Antonio Maria Cardoso, a pensão annual de 420$000 réis.

Foi mandado imprimir com urgencia.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Será breve nas suas considerações; e podia mesmo dispensar-se de fazê-las, se não quisesse cumprir um dever de cortezia, visto que ninguem atacou este projecto.

Realmente, como muito bom disse o Sr. Villaça, estar a defender as vantagens da viação, quer accelerada, quer ordinaria, por estradas, por canaes ou rios, é uma banalidade de tal ordem, que inutil se torna insistir neste ponto.

S. Exa. pôs a questão de inteiro acordo com o relatorio d'elle, orador. O que se discute agora é a opportunidade do melhoramento e as circunstancias economicas em que elle pode realizar-se.

Ora, parece que não ha occasião mais opportuna, nem circunstancias mais favoraveis, como actualmente, para se construir, não só o caminho de ferro de Mirandella, mas o da Regua, o de Azamora e o de Portimão.

Tratou S. Exa. d'esta questão despido de qualquer ideia partidaria, e é assim que os Governos e Parlamentos se elevam, occupando-se d'estes assuntos.

O Sr. Villaça, que é um engenheiro distincto, doublé de parlamentar e de estadista, disse, analysando a disposição d'este projecto, relativa á garantia de juros, que a concessão d'essa garantia tem seus prós e contras; ha occasiões em que ella é defensavel, e outras em que é condemnavel. Este projecto, porem, dando a garantia de juros para os dois caminhos de ferro, faz aquillo que na occasião presente podia e devia fazer-se.

Mandou o Sr. Villaça uma proposta para a mesa, a respeito da qual declarou que ella não representa desconfiança nem para o Ministro das Obras Publicas nem para o Governo. Correspondendo á sinceridade com igual sinceridade, elle, orador, declara que não tem duvida alguma em acceitar a proposta de S. Exa. posto que a julgue uma inutilidade; porquanto, se no projecto não se declara quando a adjudicação do caminho de ferro ha de ser posta em hasta publica, todavia as intenções do Governo estão claramente indicadas na base 3.ª

Dito isto, vae referir-se ao discurso do Sr. Sergio de Castro.

Chamou S. Exa. a attenção do Governo para a necessidade da ligação da rede transtagana com a rede do norte e leste.

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Sobre este assunto deve dizer, com toda a franqueza e lealdade, o seu modo de pensar.

Que a ligação d'essa rede com a rede geral se impõe, é um facto que ninguem desconhece. Uma rede ferro-viaria, completa e absolutamente separada, pelo Tejo, do resto da rede, representa um acto de tão má administração, que não tem justificação possivel, a não ser actualmente, attendendo ás circunstancias do Thesouro. São ellas, unicamente, que se teem opposto a essa ligação.

A ligação, porem, da linha do sul e sueste com a do norte e leste, posto que não seja muito boa, como está planeada, parece, todavia, estar para muito breve. Os trabalhos da linha de Vendas Novas a Sant'Anna vão principiar neste verão, do que resultará uma ligação immediata, sem encargos para o Thesouro.

Todavia, não é isso sufficiente; é preciso uma ligação mais a leste.

Mas, porque deu elle, orador, preferencia á linha de que trata este projecto, e não á linha a que se referiu o illustre Deputado? Por uma razão simples: fui porque o momento que nós estamos atravessando, é seriissimo, na historia financeira e economica do nosso país, e, dando preferencia á linha, constante do projecto, encaram o problema só sob o ponto de vista financeiro.

Alem d'isso, para o caminho de ferro de Mirandella a Bragança ha já um contrato feito, ao passo que, para o complemento das linhas transtaganas, a que se referiu o Sr. Sergio de Castro, não ha quem queira fazê-las, nem mesmo com garantia do juros; porque, muito embora essas linhas atravessem uma região rica e susceptivel de se tornar prospera, o seu desenvolvimento é muito lento.

Essa construcção só se pode fazer por meio de um emprestimo; mas, certamente, não é esta a occasião propria para em tal se pensar.

Fatalmente, porem, dentro de alguns annos, quando as condições do país tiverem melhorado e o fundo especial de caminhos de ferro estiver, tambem, em melhor situação, mais facil será, então, uma operação de credito para esse fim.

Terminando, agradece ao Sr. Villaça as suas phrases amaveis; e, congratulando-se com S. Exa. e com o Parlamento pela maneira alevantada por que tratou a questão, declara tambem ao Sr. Sergio de Castro que se não lhe dá, desde já, a certeza da construcção do caminho de ferro, cuja necessidade S. Exa. tão sensatamente indicou, dá-lhe, pelo menos, a segurança de que o fundo especial de caminhos de ferro, conveniente e judiciosamente administrados, darão de sobra para occorrer aos encargos provenientes d'essa construcção.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Conde de Paçô Vieira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara se permitte que a commissão de fazenda reuna durante a sessão. = Conde de Paçô Vieira.

Leu-se e foi approvado.

O Sr. Oliveira Mattos: - Não admira, principalmente depois da ultima sessão, que o Sr. Ministro das Obras Publicas se apresente hoje muito satisfeito, como aliás todo o Governo. Indica isto que o estado physico e moral de S. Exa. é o melhor possivel, pelo que o felicita.

Como S. Exa. bem disse, da parte da opposição parlamentar fez-se a apologia do projecto em discussão, e a razão d'isso está em que elle não é simplesmente obra do partido regenerador; vem desde 1888, e por ella tem-se empenhado constantemente o partido progressista.

Sente profundamente ter de divergir da opinião dos seus collegas, tanto da maioria, como da minoria, a respeito do melhoramento de viação accelerada de que trata o projecto.

Ha regiões que se contam por milhares de kilometros que não teem l metro de estrada de macadam, e sendo iguaes os direitos e deveres dos cidadãos portugueses, entende que tanto direito assiste ao transmontano como ao beirão em participar dos beneficios da civilização.

É por isso que elle, orador, põe sempre a sua modesta e humilde, mas sincera palavra, ao serviço da causa dos que teem os seus interesses mais esquecidos, e entre estes está justamente o circulo que tem a honra de representar no Parlamento.

A proposito d'este projecto, seja-lhe permittido notar que o Sr. Ministro das Obras Publicas, quando se referiu, antes da ordem do dia, ao caminho de ferro de Arganil, laborou num equivoco. Não ha companhia fundada para esse caminho de ferro, com estatutos approvados, nos termos das demais companhias concessionarias de caminhos de ferro. Ha apenas uma concessão á casa Fonseca, Santos & Vianna e ao Conde de Paço do Lumiar, mas não se chegou a organizar empresa nos termos devidos.

O Governo fez a concessão, marcando um prazo para, a conclusão do trabalho; mas como essa conclusão não se fez, não ha maneira de o Governo obrigar os concessionarios a cumprir o seu contrato, estando ha cêrca de vinte annos sem tomar qualquer providencia.

Ainda sobre esta questão não tem o Sr. Ministro das Obras Publicas conhecimento da resposta á consulta á Procuradoria Geral da Coroa?

O que elle, orador, pede e deseja, em nome dos povos de Coimbra, Arganil, até á Covilhã, é a realização rapida d'esse melhoramento.

Não quer combater a construcção do caminho de ferro de Mirandella, para não ser desagradavel aos seus amigos e collegas de um e outro lado da Camara; o que combate é a opportunidade d'esse melhoramento, que vem trazer um encargo de 191:000$000 réis, quando ainda na ultima sessão votámos um convenio com os nossos credores, que não sabemos se o país poderá satisfazer.

Tambem não pretende pôr agora em relevo as rivalidades que se dão entre dois districtos. Quer apenas ser coherente com as suas ideias e com os seus principios. Desde que se traz á Camara um projecto em que se dá garantia de juro, encargo este de que todos os Governos procuram sempre fugir, não pode deixar de protestar contra elle.

Os funccionarios publicos professores de instrucção primaria estão ainda sob o peso da lei de 1892, e se as circunstancias do Thesouro não permittiram ainda alliviar a situação d'aquelles que morrem de fome, não é licito que se vá gastar em melhoramentos que são uteis, certamente, mas que podem ser adiados como em outras provincias teem sido.

Vae terminar, porque a hora está adeantada e estão ainda inscritos muitos oradores; alem de que vê bem que está já a incorrer no desagrado dos seus collegas (diz isto o orador, voltando-se para os Srs. Nogueira e Cayolla), não por sua vontade, mas por ser coherente, como S. Exas. tambem são.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Dirija-se S. Exa. para a presidencia,

O Orador: - Se S. Exa. não quer que se lhe dirija, pode até voltar-lhe as costas.

Sente desagradar aos seus collegas de um e outro lado da Camara.

Entende, porem, que combatendo, não o projecto, mas a sua opportunidade, cumpre um dever a que não pode faltar.

O Sr. Cayolla: - É um Catão.

O Orador: - Não censura ninguem, nem o Sr. Villaça, nem o Sr. Rodrigues Nogueira, nem o Sr. Cayolla, que tambem quer um caminho de ferro para o Alemtejo; mas

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tambem não consente que ninguem censure a maneira independente de tratar os assuntos.

O Sr. Cayolla: - Pergunta ao orador se se lhe está dirigindo.

O Orador: - Está respondendo ao áparte que S. Exa. fez.

O Sr. Cayolla: - É que com o illustre Deputado dá-se o caso singular de advogar caminhos de ferro quando se discuta instrucção primaria, e advogar instrucção primaria quando se propõem caminhos de ferro.

O Orador: - Tem muita consideração e muito respeito por todos os seus collegas quer de um quer de outro lado da Camara, mas ninguem pode impedi-lo nunca de dizer o que pensa. Desde que não recrimina, nem accusa ninguem, não admitte censuras nem recriminações.

Não é Catão; mas é coherente; cumpre o seu dever e nem isso muito se honra.

Tambem não fez considerações nem soltou phrases que pudessem magoar, fosse quem fosse; appella para a Camara e para o Sr. Presidente, para que lhe diga se assim não é.

Terminando, felicita os defensores do projecto por terem conseguido o seu ideal, e pede ao Governo que estenda igual beneficio para Arganil e para todas as regiões importantes do país.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - Sr. Presidente: não tenho a honra de fazer parte d'esta Camara, nem tão pouco, pela indole da pasta que me está confiada, ou teria, como membro do Governo, de intervir na discussão que está correndo sobre o projecto que auctoriza o Governo a proceder á construcção de dois caminhos de ferro na provincia de Trás-os-Montes; mas levanto-me, não só para me congratular com os representantes da minha provincia, dos dois lados da Camara, por vermos no caminho de realização o acto do maior justiça (Apoiados) que pode ser feita a uma parte importantissima do país o que tão abandonada tem sido pelos poderes publicos, mas ainda para repellir os reparos feitos á opportunidade do projecto pelo illustre Deputado Sr. Oliveira Mattos. (Apoiados).

Não estranho, pois, V. Exa. que eu intervenha neste debate, por isso que se trata da construcção de um caminho de ferro a que eu, desde o iniciamento da minha vida publica, tenho dado a minha melhor actividade, e consagrado a mais sincera dedicação. (Apoiados).

Ao ver attendida essa justa aspiração da minha provincia, não posso, Sr. Presidente, deixar de louvar o de pôr em relevo o alto serviço feito pelo Sr. Ministro das Obras Publicas á provincia de Trás-os-Montes, accrescentando por esta maneira a já larga e gloriosa folha de serviços prestados por S. Exa. ao seu país. (Apoiados).

Chamou-me o Sr. Oliveira Mattos ao debate, quando disse que não vinha fazer-se echo de insinuações acêrca da rivalidade entre os districtos de Bragança e de Villa Real, no tocante á prioridade da construcção dos caminhos de ferro, porque sei bem que era a mim que o illustre Deputado queria referir-se.

Pela minha parte, Sr. Presidente, quero que tudo se diga e que tudo se saiba, pois que, sabendo-se tudo, a intriga esbarrará contra a verdade dos factos. (Apoiados).

Tenho a honra de haver nascido no districto de Villa Real; representei um circulo d'aquelle districto durante onze annos, prendam-me a elle as mais caras affeições; mas tambem me prendem laços inquebrantaveis ao districto de Bragança, onde tenho amigos pessoaes e politicos, e á cidade de Bragança, onde recebi inequivocas e inolvidaveis provas de estima. Nunca fui, por isso, pelo caminho de ferro de Villa Real contra e de Bragança, nem pelo de Bragança contra o de Villa Real. (Muitos apoiados).

A minha acção dentro do Governo foi sempre no sentido de serem conjugados os dois caminhos de ferro por ambos representarem as legitimas aspirações de dois districtos, cujas capitães estão fazendo excepção no país, no que diz respeito á viação accelerada. (Muitos apoiados).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Apoiado, apoiado.

O Orador: - Ainda bem que os apoiados do Sr. Ministro das Obras Publicas dão o honrado testemunho de que ou nunca pus a minha acção para que qualquer dos dois caminhos de ferro preterisse o outro, mas sim para que simultaneamente fossem ambos construidos. (Muitos apoiados).

Sr. Presidente: trata-se de promover a transformação economica da provincia de Trás-os-Montes, que tão credora é da boa disposição dos poderes publicos, pois que nenhuma outra é mais laboriosa, mais ordeira, nem mais tem concorrido para o bom do Estado. (Apoiados).

Esse serviço ficá-lo-ha devendo ao Governo que trouxe ao Parlamento a proposta, á maioria que tão calorosamente a apoia, á opposição progressista que pela palavra de um dos seus homens de maior valor, o Sr. Villaça, declarou votar o respectivo projecto, e certamente todos reconhecerão quanto isso contribue para que seja lei esse projecto, discutido em epoca tão adeantada dos trabalhos parlamentares. (Apoiados).

Eu não nego a ninguem a justiça que é devida.

Sr. Presidente: mas eu havia pedido a palavra tambem para rebater o ataque que o Sr. Oliveira Mattos fez á opportunidade do projecto. Isso vou fazer.

Dizia o illustre Deputado: Mal se comprehendo que, dois dias depois de aqui ser votado o projecto que autoriza o Governo a converter a divida publica externa, venha o Governo, sabendo que de novo regime resulta augmento de encargos, pedir a approvação de uma proposta de lei que representa um augmento animal de despesa de cêrca de 190:000$000 réis, pois tal é a effectividade da garantia do juro do capital a empregar na construcção dos dois caminhos de ferro.

Como membro do Governo, impende-me o dever de repellir essa affirmação, que, a correr em julgado, faria a mais triste e penosa impressão nos nossos credores, e com os quaes ainda temos negocios da divida publica a tratar. (Apoiados).

Sr. Presidente: em primeiro logar, não se trata de desembolso, mas de garantir o juro, sendo provavel que elle se não torne effectivo, e com segurança se pode dizer que se não tornará effectivo na sua totalidade; em segundo logar, é preciso que se saiba que a garantia de juro é feita pelo fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado, que nada tem com o Orçamento Geral do Estado, que nada tem com a applicação ordinaria das receitas publicas. (Muitos apoiados).

A lei de 14 de julho de 1899 tornou autonoma a administração dos Caminhos de Ferro do Estado. As suas receitas liquidas sairam do Orçamento Geral e passaram a constituir um fundo especial destinado A construcção e reparação de caminhos de ferro e ainda á acquisição de material. (Apoiados).

Por esse fundo estão sendo construidos caminhos de ferro, sem necessidade de automação legislativa especial. (Apoiados). Sem essa autorização podiam ser construidos os dois caminhos de ferro de que trata o presente projecto, sem necessidade de recorrer ás Côrtes; mas a construcção directa pela parte disponivel do fundo, seria sem duvida morosa, demoradissima, e d'ahi o motivo por que o Governo vem pedir que o Parlamento concorde na forma de applicação do fundo, pelo systema de garantia do juro. (Apoiados).

Tenho ainda a dizer ao illustre Deputado que ambas as linhas estavam já incluidas na lei de 1899, tendo sido incluida a de Regua a Chaves, por virtude de uma pro-

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posta que eu então apresentei e defendi, e com tal justiça que a Camara a apoiou, para ficar fazendo parte da lei.

Se a garantia de juro proposta alterasse, e por tal quantia, o Orçamento Geral do Estado, nem o Governo a proporia, nem a maioria a votaria, nem o Sr. Villaça recommendaria aos seus amigos a approvação do projecto. (Apoiados).

Eu não quero tomar mais tempo á Camara para defender um projecto, cuja approvação está no animo de todos; antes de sentar-me, porem, quero dizer que este projecto é de tal maneira justo e fertil em beneficios para a provincia de Trás-os-Montes, que se eu fora o Ministro das Obras Publicas que referendasse a lei a que o projecto ha de servir de base, isso constituiria o acto mais feliz da minha vida publica. (Muitos apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Madureira Beça (relator): - Visto que o Sr. Ministro da Marinha já respondeu ás considerações do Sr. Oliveira Matos, eu, para não demorar mais a discussão, desisto da palavra.

O Sr. Francisco José de Medeiros: - Applaude abertamente o projecto e felicita o Sr. Ministro das Obras Publicas por tê-lo trazido á Camara.

O Sr. Oliveira Mattos obriga-o ainda a accrescentar que do projecto não resulta augmento de despesa, porque, como já foi dito, ha dotação especial para construcção de caminhos de ferro e d'ella e só d'ella sairá a garantia de juro; alem de que, necessariamente, haverá augmento da receita publica proveniente do grande desenvolvimento do caminho de ferro de Chaves, que é o maior tributario da linha do Douro.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja autorizada a commissão de redacção a reunir durante os trabalhos da sessão. = O Deputado, Sergio de Castro.

Foi approvado.

O Sr. Lopes Navarro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que V. Exa. consulte a Camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida. = O Deputado, Lopes Navarro.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 1.° para se votar.

Depois de lido foi approvado o artigo 1.°

O Sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o artigo 2.°

O Sr. José de Alpoim: - Sr. Presidente: não sou Deputado por Trás-os-Montes, mas sou filho d'aquella provincia. Tenho um grande prazer em assignar a proposta mandada para a mesa pelo Sr. Villaça.

O meu presado amigo disse sobre este assunto tudo quanto pensava e sentia, que é tudo quanto pensa a esse respeito o meu cerebro e quanto sente o meu coração.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Lourenço Cayolla: - Peço desculpa á Camara de a occupar alguns minutos.

Não venho oppor-me ao projecto.

O illustre Deputado o Sr. Villaça declarou que o partido progressista dava o seu voto ao projecto; o eu, que me honro de pertencer ao partido progressista, não posso deixar de o approvar. Alem de que, entendo que não devo vir repetir a anedocta do sapateiro de Braga: «Ou comem todos ou ha de haver moralidade».

Fez-me frio a resposta dada pelo Sr. Ministro das Obras Publicas ao Sr. Sergio de Castro, que tão brilhantemente defendeu os interesses da provincia do Alemtejo. Disse S. Exa. que a ligação da linha de leste não se pode fazer senão por meio de um emprestimo; que o emprestimo não é possivel, mas, emfim, que a ligação se ha de fazer no decorrer dos annos.

Bem sei que, na opinião do actual Governo, um periodo de noventa e nove annos é um minuto na vida dos povos; mas para nós, é uma eternidade e nenhum de nós poderá assistir a taes melhoramentos.

Tenho muito amor á provincia do Alemtejo, de onde sou natural, e, por isso, peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas que veja se encontra uma solução para se fazer a ligação requerida.

Creio que, como as linhas de Trás-os-Montes ha de ser remuneradora a ligação da linha de sueste com a linha de leste.

Ponho esta questão nas mãos do Sr. Ministro das Obras Publicas, que é um engenheiro distintissimo, que tambem é alemtejano, e que decerto não deixará de corresponder por completo ao pedido que acabo de lhe fazer.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Oliveira Mattos: - Pede a palavra sobre o artigo 2.° unicamente para declarar á Camara, muito expontaneamente e com aquella hombridade que costuma, que tendo-se dado um mal entenda entre elle, orador, e o Sr. Deputado Nogueira, numa interrupção que S. Exa. lhe fez, quando a discussão era mais acalorada, e parecendo-lhe então ter ouvido uma phrase que o maguava e julgava offensiva, respondeu com outra que tambem assim podia ser considerada; informado, porem, acto continuo, pelos seus amigos que estavam mais proximos do Sr. Nogueira, de que tal phrase S. Exa. não pronunciara, tendo havido, portanto, manifesto equivoco, apressa-se a declarar que deixa de ter razão de ser a que dirigiu ao Sr. Deputado Nogueira, sou patricio e amigo, a quem muito gostosamente e perante a Camara explica por esta forma o seu proceder, desejando que esta inesperada occorrencia não possa perturbar as boas relações de amizade que mantem com o seu illustre collega.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

Approvou-se o artigo 2.° e em seguida os restantes artigos do projecto.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Sr. Presidente: a maior prova que eu podia dar de quanto me interesso por este projecto, foi a maneira como eu procedi e a Camara viu.

Parece-me que assignando a emenda proposta pelo Sr. Conselheiro Villaça mostrava que me interessava por esse projecto, e, portanto, ouvindo falar contra elle e dizendo esse orador que isso, com certeza, desagradava a alguns membros da Camara, eu desse: Apoiado.

Evidentemente me desagradava que falassem contra uma cousa que approvava; evidentemente o meu bom humor não podia subsistir, vendo que estavam contrariando uma ideia que eu advogava.

O Sr. Oliveira Mattos dirigiu-se a mim e eu disse-lhe: «Quem fala contra mim não é meu amigo».

De mais a mais tendo eu solicitado os bons officios de S. Exa. a favor do projecto, evidentemente não me quer ser agradavel e disse-lhe: «Dirija-se á mesa, porque é o que manda o Regimento». Não quis offendê-lo. E, depois das explicações do Sr. Oliveira Mattos, não ha offensa para ninguem.

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Alipio Camello: - Por parte da commissão

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de redacção mando para a mesa a ultima redacção do projecto n.º 88.

O Sr. Presidente: - A primeira sessão é na quarta feira, de manhã, devendo fazer-se a primeira chamada ás 10 1/2 e as segunda ás 11 horas. A ordem do dia é a mesma que estava dada e mais o projecto n.° 68.

Está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e 10 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

Da Associarão de Classe dos Empregados do Commercio de Santarem, pedindo seja promulgada uma lei, estatuindo o descanso dominical aos empregados do commercio, representados por aquella associação.

Apresentada pelo Sr. Deputado A. Rodrigues Ribeiro, enviada á commissão de commercio e mandada publicar no Diario do Governo.

Da Camara Municipal do concelho de Villa Nova da Barquinha contra a proposta de lei n.° 19-D, na parte em que despoja os corpos administrativos da facilidade de lançarem percentagens sobre as taxas do real de agua.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara e enviada á commissão de fazenda.

Da Camara Municipal do concelho de Idanha a Nova contra o projecto de lei n.° 19-D, na parte em que se dispõe que sobre as taxas do real de agua não poderão incidir percentagens dos corpos administrativos.

Apresentada pela Sr. Deputado Conde de Penha Garcia e enviada á commissão de fazenda.

Da Camara Municipal do concelho de Idanha a Nova contra a proposta de lei n.° 20-D que prohibe a plantação e replantação das vinhas em todo o país.

Apresentada pelo Sr. Deputado Conde de Penha Garcia e enviada á commissão de fazenda.

Da Camara Municipal de Paredes de Coura contra a proposta de lei n.° 19-D, na parte que prohibe os corpos administrativos de lançarem as suas percentagens sobre os generos sujeitos ao real de agua.

Apresentada pelo Sr. Deputado Alberto Bramão e enviada á commissão de fazenda.

Justificação de faltas

Participo a V. Exa. e á Camara que o Sr. Deputado Ferreira Margarido se viu obrigado, por motivo justificado, a faltar ás ultimas sessões d'esta Camara. = Lopes Navarro.

Para a acta.

Declaração

Declaro que lancei na caixa das petições um requerimento em que o primeiro sargento da divisão de reformados da armada João Augusto de Sousa pede se lhe tornem extensivas as disposições do artigo 199.° do regulamento organico do Corpo de Marinheiros da Armada, de 30 de junho de 1898.= Hypacio de Brion.

Para a acta.

O redactor = Mello Barreto.

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