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Discurso que devia ser transcripto a pag. 995, col. 1.ª, lin. 105 do Diario de Lisboa, na sessão de 2 de abril

O sr. Mártens Ferrão: — Antes de continuar nas reflexões que encetei hontem sobre a generalidade do orçamento, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu diga duas palavras para repellir uma referencia que na outra casa do parlamento me foi feita.

Diz o regulamento de camara dos dignos pares o seguinte:

«Os pares não se poderão em nenhum caso referir a discursos proferidos na camara dos senhores deputados.»

Hontem um illustre cavalheiro, membro d'aquella camara e que ha pouco deixou de o ser da camara dos srs. deputados, referindo-se a uma moção que eu apresentei n'esta casa, na questão das eleições de Villa Real, no liberrimo exercicio do meu direito, qualificou de menos prudente e de menos conveniente a maneira por que eu a tinha apresentado. É uma referencia puramente pessoal, que não podia ser feita, segundo o regulamento d'aquella casa, porque nós não nos podemos referir com censura a nenhum dos membros da outra casa do parlamento.

V. ex.ª e a camara comprehendem de certo o desejo que eu teria de responder, com o mesmo direito, aquelle discurso, mas para mim, que sei ser sempre conveniente n'esta casa, e defender todos os meus direitos, mas nunca ultrapassa-los, para mim entendo um dever prescindir d'essa justa represalia, declarando solemnemente á camara que rejeito as phrases do digno par (apoiados).

Nada mais tenho a dizer sobre este incidente. Agora continuarei na discussão da materia que nos occupa.

Na sessão de hontem tinha-me referido a uma circumstancia politica e economicamente importante que se nota no orçamento geral do estado; é que vem elle despido de toda a idéa de economia; em vez de economias apparece a despeza aggravada sobre a despeza ordinaria e corrente do orçamento preterito, como aquelle já havia exagerado a do anterior. Não se encontram economias no orçamento actual, não se encontraram economias no orçamento do anno anterior, e todavia haviam ellas sido promettidas como programma de partido! Mas nem economias nem organisação dos serviços, que as compensassem! Caindo assim tantas e tão reiteradas promessas, que por tanto tempo haviam sido feitas ao paiz.

Isto não significa da minha parte o querer levantar por minha conta a palavra economias, como bandeira de parcialidade politica; é sim uma justa referencia ao que por muito tempo se prometteu como programma de partido, para agora ser desprezado perante o paiz que ouviu as promessas, e que as registou, para agora ver que foram uma triste decepção.

Os partidos politicos têem deveres sociaes a cumprir, e esses deveres obrigam a que as idéas sustentadas no campo da opposição se realisem depois quando se chega a ser governo; ou por outros termos, que não se devem avançar quando se é opposição, idéas ou fazer promessas que se não podem ou não querem cumprir e realisar em bem do interesse publico, quando se é governo.

Não insto mais sobre este ponto. Registo o facto, e registo tambem a minha opinião.

Sr. presidente, não impugnei, nem impugno a divisão feita do orçamento em ordinario e extraordinario. Entendo que é este um bom systema. Mas o que eu não posso admittir é que essa divisão traga como consequencia necessaria e absoluta a verdade do orçamento, e que antes não houvesse verdade no orçamento.

A verdade do orçamento não depende da divisão que se nota no actual. A verdade do orçamento tem estado nos orçamentos anteriores. A verdade do nosso estado de finanças tem sido apresentada com franqueza ao parlamento pelos homens publicos que têem gerido a pasta das finanças.

Nós possuimos relatorios muito importantes sobre o estado da fazenda publica apresentados pelo sr. conde d'Avila, com uma grande copia de documentos e com uma grande franqueza e verdade. Aqui o disse n'essa epocha, sendo opposição a s. ex.ª, e só fiz justiça.

Temos relatorios apresentados no mesmo sentido pelo meu amigo, o sr. Casal Ribeiro, com uma grande copia de documentos e com uma grande franqueza, dizendo ao paiz o estado em que se achava a fazenda publica e os sacrificios a que era necessario recorrer para melhorar esse estado; relatorio celebre pelas grandes medidas financeiras de que foi acompanhado, e que hoje são lei do paiz!

Temos relatorios apresentados pelo nobre ministro da fazenda actual, igualmente abundantes de documentos. Por consequencia não se póde dizer, não se póde insinuar, que a verdade das finanças nasceu d'esta divisão do orçamento em ordinario e extraordinario. Proposição inexacta, mas que iria ferir o proprio governo a que se queria ser agradavel.

A verdade do orçamento nasce principalmente da maneira por que as verbas da receita são apreciadas e calculadas; nasce da não exageração d'ellas; e nasce tambem da não diminuição artificial dos calculos da despeza.

As obrigações da despeza e as proveniencias da receita são conhecidas, são todas ellas da lei. O orçamento não lhes trouxe a esse respeito mais clareza nem mais luz. O orçamento recopilou ou reuniu muitas das despezas que andavam em leis avulsas, mas que todas ellas tinham publicidade como têem todas as leis do paiz. Por consequencia não se queira dar a essa divisão, que eu aliás aceito, uma importancia que ella não tem, sobretudo lançando-se uma idéa, de desfavor sobre a verdade dos orçamentos anteriores.

Esta divisão do orçamento entre nós tem menos importancia do que tem nos paizes donde foi copiada, disse eu hontem, e repito-o. Póde ser que no futuro venha a ter entre nós a mesma importancia, mas actualmente não a tem, porque todo o orçamento extraordinario fica completamente a descoberto, salva a somma proveniente do rendimento do caminho de ferro do sul, que é perfeitamente um jogo de contas, porque no orçamento figura a receita igual á despeza.

A divisão do orçamento em ordinario e extraordinario é importante quando o orçamento extraordinario é acompanhado das medidas necessarias para crear receitas tão temporarias quanto são as despezas. E assim que o orçamento é organisado em França e Inglaterra; é assim que desejo que seja feito entre nós, mas não é assim que se faz na actualidade, porque toda a somma necessaria para fazer face ao orçamento extraordinario está completamente a descoberto, e ainda mais a descoberto fica se é exacto que está contratada a venda do caminho de ferro do sul, e contratada, não a numerario, mas pela construcção de um outro caminho. E sobre este ponto peço a attenção do nobre ministro da fazenda.

Tenho idéa de que s. ex.ª disse n'esta casa, referindo-se a ter-se dito que a verba do orçamento extraordinario era um verdadeiro deficit, que tinha um valor importante para attenuar esse deficit, porque estava auctorisado a vender o caminho de ferro do sul. Effectivamente essa asserção era exacta. O governo podia vender o caminho de ferro do sul; é um valor em sua mão, é um valor por consequencia que não podia deixar de ser attendido pelo nobre ministro para os seus calculos financeiros, e para ver por quanto careceria ainda de recorrer ao credito. Quer a venda fosse feita dentro do anno economico quer não, era sempre um valor com que o governo podia calcular.

Consta, porém, que o governo contratára a venda do caminho de ferro do sul em troca da construcção de um outro caminho. Não censuro nem approvo a operação, porque não a conheço. A minha idéa não é lançar desfavor sobre essa operação...;

O sr. Ministro da Fazenda: — Não ha nada definitivo a esse respeito...

O Orador: — Bem; era sobre esse ponto que desejava provocar explicações da parte do nobre ministro. Se effectivamente fosse exacto o que se diz, é claro que na somma que o governo terá que realisar, recorrendo ao credito, havia de ser tomada em conto a falta daquelle valor de que aliás o sr. ministro poderia dispor durante o anno economico. Mas não ha nada definitivo, diz s. ex.ª, e tambem é verdade que nada definitivo póde haver senão depois da approvação das côrtes.

Mas o que eu creio ser exacto e isso não colloca mal o sr. ministro da fazenda...

O sr. Ministro da Fazenda: — Não ha nada definitivo por parte do governo. Eu bem sei que definitivo só é depois da approvação das côrtes; mas por parte do governo não ha bases assentadas; ha apenas idéas trocadas, mas não ha ainda nada definitivo.

O Orador: — Por consequencia como não ha nada assentado o caminho de ferro do sul é um valor existente disponivel para o estado.

E continuando no ponto que hontem encetei em relação ao deficit, ou á maneira porque a receita está apreciada, já hontem disse e repito hoje, que não tenho a mesma confiança nos calculos de receita, que tem o governo e que pareceu ter a illustre commissão.

A rasão porque não tenho a mesma confiança, é porque eu vejo, por exemplo, que uma das receitas mais importantes do estado, a receita proveniente das alfandegas, calculada em sete mil e tantos contos e a receita proveniente do imposto do registo elevada a 9.000:000$000 réis, são calculadas de uma maneira completamente singular no actual orçamento.

Eu encontro, por exemplo, nos orçamentos de 1860-1861 e de 1861-1862 calculado o rendimento das alfandegas pela media dos cinco annos anteriores. Encontro o imposto do registo calculado pela media dos tres annos anteriores. Encontro nos orçamentos de 1862-1863 e 1863-1864 calculada a receita das alfandegas pela do ultimo anno conhecido, juntando se como informação o rendimento dos quatro annos anteriores.

Encontro por outra parte o regulamento da contabilidade publica feito pelo sr. ministro, e que manda que a avaliação da receita para o orçamento annual se verifique pela importancia da receita effectiva do ultimo anno economico; e pelo calculo do termo medio do producto liquido dos tres annos anteriores em relação aos rendimentos que por sua natureza muito variavel não possam ser computados approximadamente pela receita effectiva de um anno sómente. É o artigo 24.º do regulamento de 12 de dezembro. Isto é claro, mas não é este o systema seguido no orçamento actual.

Encontro por outro lado ainda (e em assumptos d'esta ordem não é inutil ir procurar exemplos estranhos) encontro no estrangeiro seguido o mesmo principio, isto é o calculo feito sobre o rendimento do anno anterior, e com especialidade na França, onde o ministro da fazenda actual é sem duvida um dos primeiros financeiros da Europa; aqui está o que elle diz no seu relatorio sobre o estado da fazenda publica do imperio, apresentado em 1863.

«Quanto ás previsões das receitas, foram calculadas conformemente ao principio que serviu de base ás avaliações para 1863; isto é, segundo só resultados conhecidos dos doze ultimos mezes decorridos. Esta regra á qual o corpo legislativo tem dado a approvação mais explicita, offerece uma completa segurança.» Manifesta depois a esperança de algum augmento de receita, mas não a faz entrar nos seus calculos positivos, é só uma esperança.

Isto é porque se entende e muito bem que a base que deve servir para estes calculos deve ter uma grande aproximação da realidade, deve ter uma maxima probabilidade, para que não seja depois uma triste decepção, que embarace o thesouro, e comprometta o credito que devem ter os calculos do ministro.

As outras apreciações, são esperanças, muitas vezes realisaveis, mas não podem servir só por si de base segura para os calculos em que tem de assentar a parte mais importante da gerencia pública, qual é a parte financeira.

Mas quando este é o systema seguido nas outras nações, quando era o anteriormente seguido entre nós, quando é o systema que o nobre ministro entende que se deve adoptar e ser seguido, porque o estabeleceu no regulamento de contabilidade, nota-se com rasão que o systema do orçamento actual esteja em opposição com este principio tão geral e largamente seguido e recommendado.

A receita das alfandegas neste anno está calculada sobre a receita do ultimo anno conhecido, e a media do augmento dos tres annos anteriores, tomada duas vezes, isto é para o anno findo e para o anno futuro, o que dá um augmento de 14 por cento e uma fracção; mas ainda mais, o sr. ministro foi mais longe, e para completar a progressão ascendente, addicionou aos seus calculos mais 3 por cento o que dá um acrescimo total de 17 por cento e uma fracção. Calculou assim uma progressão certa, sem oscilação possivel, cousa que nunca se tomou em paiz algum como base segura para fundamentar o orçamento difinitivo, que é bem differente das esperanças orçamentaes.

Com o imposto do registo dá-se a mesma cousa, e dá-se ainda mais. Segundo o calculo do nobre ministro, com o fim de extinguir o deficit calcula o augmento d'este rendimento em 256:000$000 réis approximadamente compara