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Discurso que devia ser transcripto a pag. 995, col. 1.ª, lin. 105 do Diario de Lisboa, na sessão de 2 de abril

O sr. Mártens Ferrão: — Antes de continuar nas reflexões que encetei hontem sobre a generalidade do orçamento, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu diga duas palavras para repellir uma referencia que na outra casa do parlamento me foi feita.

Diz o regulamento de camara dos dignos pares o seguinte:

«Os pares não se poderão em nenhum caso referir a discursos proferidos na camara dos senhores deputados.»

Hontem um illustre cavalheiro, membro d'aquella camara e que ha pouco deixou de o ser da camara dos srs. deputados, referindo-se a uma moção que eu apresentei n'esta casa, na questão das eleições de Villa Real, no liberrimo exercicio do meu direito, qualificou de menos prudente e de menos conveniente a maneira por que eu a tinha apresentado. É uma referencia puramente pessoal, que não podia ser feita, segundo o regulamento d'aquella casa, porque nós não nos podemos referir com censura a nenhum dos membros da outra casa do parlamento.

V. ex.ª e a camara comprehendem de certo o desejo que eu teria de responder, com o mesmo direito, aquelle discurso, mas para mim, que sei ser sempre conveniente n'esta casa, e defender todos os meus direitos, mas nunca ultrapassa-los, para mim entendo um dever prescindir d'essa justa represalia, declarando solemnemente á camara que rejeito as phrases do digno par (apoiados).

Nada mais tenho a dizer sobre este incidente. Agora continuarei na discussão da materia que nos occupa.

Na sessão de hontem tinha-me referido a uma circumstancia politica e economicamente importante que se nota no orçamento geral do estado; é que vem elle despido de toda a idéa de economia; em vez de economias apparece a despeza aggravada sobre a despeza ordinaria e corrente do orçamento preterito, como aquelle já havia exagerado a do anterior. Não se encontram economias no orçamento actual, não se encontraram economias no orçamento do anno anterior, e todavia haviam ellas sido promettidas como programma de partido! Mas nem economias nem organisação dos serviços, que as compensassem! Caindo assim tantas e tão reiteradas promessas, que por tanto tempo haviam sido feitas ao paiz.

Isto não significa da minha parte o querer levantar por minha conta a palavra economias, como bandeira de parcialidade politica; é sim uma justa referencia ao que por muito tempo se prometteu como programma de partido, para agora ser desprezado perante o paiz que ouviu as promessas, e que as registou, para agora ver que foram uma triste decepção.

Os partidos politicos têem deveres sociaes a cumprir, e esses deveres obrigam a que as idéas sustentadas no campo da opposição se realisem depois quando se chega a ser governo; ou por outros termos, que não se devem avançar quando se é opposição, idéas ou fazer promessas que se não podem ou não querem cumprir e realisar em bem do interesse publico, quando se é governo.

Não insto mais sobre este ponto. Registo o facto, e registo tambem a minha opinião.

Sr. presidente, não impugnei, nem impugno a divisão feita do orçamento em ordinario e extraordinario. Entendo que é este um bom systema. Mas o que eu não posso admittir é que essa divisão traga como consequencia necessaria e absoluta a verdade do orçamento, e que antes não houvesse verdade no orçamento.

A verdade do orçamento não depende da divisão que se nota no actual. A verdade do orçamento tem estado nos orçamentos anteriores. A verdade do nosso estado de finanças tem sido apresentada com franqueza ao parlamento pelos homens publicos que têem gerido a pasta das finanças.

Nós possuimos relatorios muito importantes sobre o estado da fazenda publica apresentados pelo sr. conde d'Avila, com uma grande copia de documentos e com uma grande franqueza e verdade. Aqui o disse n'essa epocha, sendo opposição a s. ex.ª, e só fiz justiça.

Temos relatorios apresentados no mesmo sentido pelo meu amigo, o sr. Casal Ribeiro, com uma grande copia de documentos e com uma grande franqueza, dizendo ao paiz o estado em que se achava a fazenda publica e os sacrificios a que era necessario recorrer para melhorar esse estado; relatorio celebre pelas grandes medidas financeiras de que foi acompanhado, e que hoje são lei do paiz!

Temos relatorios apresentados pelo nobre ministro da fazenda actual, igualmente abundantes de documentos. Por consequencia não se póde dizer, não se póde insinuar, que a verdade das finanças nasceu d'esta divisão do orçamento em ordinario e extraordinario. Proposição inexacta, mas que iria ferir o proprio governo a que se queria ser agradavel.

A verdade do orçamento nasce principalmente da maneira por que as verbas da receita são apreciadas e calculadas; nasce da não exageração d'ellas; e nasce tambem da não diminuição artificial dos calculos da despeza.

As obrigações da despeza e as proveniencias da receita são conhecidas, são todas ellas da lei. O orçamento não lhes trouxe a esse respeito mais clareza nem mais luz. O orçamento recopilou ou reuniu muitas das despezas que andavam em leis avulsas, mas que todas ellas tinham publicidade como têem todas as leis do paiz. Por consequencia não se queira dar a essa divisão, que eu aliás aceito, uma importancia que ella não tem, sobretudo lançando-se uma idéa, de desfavor sobre a verdade dos orçamentos anteriores.

Esta divisão do orçamento entre nós tem menos importancia do que tem nos paizes donde foi copiada, disse eu hontem, e repito-o. Póde ser que no futuro venha a ter entre nós a mesma importancia, mas actualmente não a tem, porque todo o orçamento extraordinario fica completamente a descoberto, salva a somma proveniente do rendimento do caminho de ferro do sul, que é perfeitamente um jogo de contas, porque no orçamento figura a receita igual á despeza.

A divisão do orçamento em ordinario e extraordinario é importante quando o orçamento extraordinario é acompanhado das medidas necessarias para crear receitas tão temporarias quanto são as despezas. E assim que o orçamento é organisado em França e Inglaterra; é assim que desejo que seja feito entre nós, mas não é assim que se faz na actualidade, porque toda a somma necessaria para fazer face ao orçamento extraordinario está completamente a descoberto, e ainda mais a descoberto fica se é exacto que está contratada a venda do caminho de ferro do sul, e contratada, não a numerario, mas pela construcção de um outro caminho. E sobre este ponto peço a attenção do nobre ministro da fazenda.

Tenho idéa de que s. ex.ª disse n'esta casa, referindo-se a ter-se dito que a verba do orçamento extraordinario era um verdadeiro deficit, que tinha um valor importante para attenuar esse deficit, porque estava auctorisado a vender o caminho de ferro do sul. Effectivamente essa asserção era exacta. O governo podia vender o caminho de ferro do sul; é um valor em sua mão, é um valor por consequencia que não podia deixar de ser attendido pelo nobre ministro para os seus calculos financeiros, e para ver por quanto careceria ainda de recorrer ao credito. Quer a venda fosse feita dentro do anno economico quer não, era sempre um valor com que o governo podia calcular.

Consta, porém, que o governo contratára a venda do caminho de ferro do sul em troca da construcção de um outro caminho. Não censuro nem approvo a operação, porque não a conheço. A minha idéa não é lançar desfavor sobre essa operação...;

O sr. Ministro da Fazenda: — Não ha nada definitivo a esse respeito...

O Orador: — Bem; era sobre esse ponto que desejava provocar explicações da parte do nobre ministro. Se effectivamente fosse exacto o que se diz, é claro que na somma que o governo terá que realisar, recorrendo ao credito, havia de ser tomada em conto a falta daquelle valor de que aliás o sr. ministro poderia dispor durante o anno economico. Mas não ha nada definitivo, diz s. ex.ª, e tambem é verdade que nada definitivo póde haver senão depois da approvação das côrtes.

Mas o que eu creio ser exacto e isso não colloca mal o sr. ministro da fazenda...

O sr. Ministro da Fazenda: — Não ha nada definitivo por parte do governo. Eu bem sei que definitivo só é depois da approvação das côrtes; mas por parte do governo não ha bases assentadas; ha apenas idéas trocadas, mas não ha ainda nada definitivo.

O Orador: — Por consequencia como não ha nada assentado o caminho de ferro do sul é um valor existente disponivel para o estado.

E continuando no ponto que hontem encetei em relação ao deficit, ou á maneira porque a receita está apreciada, já hontem disse e repito hoje, que não tenho a mesma confiança nos calculos de receita, que tem o governo e que pareceu ter a illustre commissão.

A rasão porque não tenho a mesma confiança, é porque eu vejo, por exemplo, que uma das receitas mais importantes do estado, a receita proveniente das alfandegas, calculada em sete mil e tantos contos e a receita proveniente do imposto do registo elevada a 9.000:000$000 réis, são calculadas de uma maneira completamente singular no actual orçamento.

Eu encontro, por exemplo, nos orçamentos de 1860-1861 e de 1861-1862 calculado o rendimento das alfandegas pela media dos cinco annos anteriores. Encontro o imposto do registo calculado pela media dos tres annos anteriores. Encontro nos orçamentos de 1862-1863 e 1863-1864 calculada a receita das alfandegas pela do ultimo anno conhecido, juntando se como informação o rendimento dos quatro annos anteriores.

Encontro por outra parte o regulamento da contabilidade publica feito pelo sr. ministro, e que manda que a avaliação da receita para o orçamento annual se verifique pela importancia da receita effectiva do ultimo anno economico; e pelo calculo do termo medio do producto liquido dos tres annos anteriores em relação aos rendimentos que por sua natureza muito variavel não possam ser computados approximadamente pela receita effectiva de um anno sómente. É o artigo 24.º do regulamento de 12 de dezembro. Isto é claro, mas não é este o systema seguido no orçamento actual.

Encontro por outro lado ainda (e em assumptos d'esta ordem não é inutil ir procurar exemplos estranhos) encontro no estrangeiro seguido o mesmo principio, isto é o calculo feito sobre o rendimento do anno anterior, e com especialidade na França, onde o ministro da fazenda actual é sem duvida um dos primeiros financeiros da Europa; aqui está o que elle diz no seu relatorio sobre o estado da fazenda publica do imperio, apresentado em 1863.

«Quanto ás previsões das receitas, foram calculadas conformemente ao principio que serviu de base ás avaliações para 1863; isto é, segundo só resultados conhecidos dos doze ultimos mezes decorridos. Esta regra á qual o corpo legislativo tem dado a approvação mais explicita, offerece uma completa segurança.» Manifesta depois a esperança de algum augmento de receita, mas não a faz entrar nos seus calculos positivos, é só uma esperança.

Isto é porque se entende e muito bem que a base que deve servir para estes calculos deve ter uma grande aproximação da realidade, deve ter uma maxima probabilidade, para que não seja depois uma triste decepção, que embarace o thesouro, e comprometta o credito que devem ter os calculos do ministro.

As outras apreciações, são esperanças, muitas vezes realisaveis, mas não podem servir só por si de base segura para os calculos em que tem de assentar a parte mais importante da gerencia pública, qual é a parte financeira.

Mas quando este é o systema seguido nas outras nações, quando era o anteriormente seguido entre nós, quando é o systema que o nobre ministro entende que se deve adoptar e ser seguido, porque o estabeleceu no regulamento de contabilidade, nota-se com rasão que o systema do orçamento actual esteja em opposição com este principio tão geral e largamente seguido e recommendado.

A receita das alfandegas neste anno está calculada sobre a receita do ultimo anno conhecido, e a media do augmento dos tres annos anteriores, tomada duas vezes, isto é para o anno findo e para o anno futuro, o que dá um augmento de 14 por cento e uma fracção; mas ainda mais, o sr. ministro foi mais longe, e para completar a progressão ascendente, addicionou aos seus calculos mais 3 por cento o que dá um acrescimo total de 17 por cento e uma fracção. Calculou assim uma progressão certa, sem oscilação possivel, cousa que nunca se tomou em paiz algum como base segura para fundamentar o orçamento difinitivo, que é bem differente das esperanças orçamentaes.

Com o imposto do registo dá-se a mesma cousa, e dá-se ainda mais. Segundo o calculo do nobre ministro, com o fim de extinguir o deficit calcula o augmento d'este rendimento em 256:000$000 réis approximadamente compara

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do com o rendimento do anno anterior conhecido. Ora o que eu quero dizer é que esta regra não pôde ser estabelecida como certa e segura, e a confirmação que tenho d'esta verdade é que o proprio sr. ministro, que organisou o regulamento de contabilidade de certo para ser executado, não estabeleceu esta regra como aquella que deva ser seguida em relação a receitas tão importantes como são as das alfandegas e a do imposto do registo, e que pela influencia que tem no calculo geral da receita devem ser cautelosamente apreciadas.

Pôde dizer-se que ha circumstancias especiaes que poderão augmentar a receita fóra dos calculos ordinarios nestes primeiros annos; mas isso não auctorisa uma tão consideravel exageração. O certo é que os calculos não estão em harmonia com o que se pratica nos outros paizes, onde a prosperidade publica augmenta consideravelmente; nem com o que se tem praticado entre nós; nem com o que se propõe para se praticar para o anno, porque eu creio que O orçamento futuro será feito em conformidade com o regulamento de contabilidade, e sendo-o não se pôde calcular assim.

Pergunto, se nos annos anteriores se tivesse calculado pela mesma maneira e com uma tão grande largueza, o deficit seria como se figurou n'aquelles orçamentos? De certo que não; mas o que é verdade é que aquelles deficits foram reaes, como se conhece pelas contas da despeza.

Eu não creio que possa ser adoptada como uma base segura aquella que foi adoptada pelo sr. ministro da fazenda. O rendimento das alfandegas desenvolve se inquestionavelmente, mas tem um limite, e não pôde deixar de o ter; isto não é uma questão á priori, é uma questão de factos e de estatistica. Quem lançar mão da estatistica de Inglaterra, por exemplo, da ultima publicada que possuo, a que decorrer desde 1847 até 1862, encontra no rendimento das alfandegas uma oscillação summamente consideravel.

Eu não quero cansar a camara, e por isso não vou agora percorrer as estatisticas, mas a camara e o governo e todos que se entregam a estes estudos hão de reconhecer a oscillação consideravel que se dá nos rendimentos das alfandegas de todos os paizes aos menores incidentes que se dêem no commercio. Ora essa progressão certa e segura como acha o nobre ministro não se encontra em parte alguma; o resultado depende sempre de circumstancias que se não podem prever; é mister por isso calcular com segurança e com circumspecção.

A estatistica da França dá o mesmo resultado que notei em relação á Inglaterra, resultado confirmado pelo distincto ministro das finanças d'aquelle imperio; as previsões muito calculadas que elle havia feito na occasião da sua reforma, não obstante serem feitas com grande circumspecção, assim mesmo foram muito alem da realidade; calculou mais do que aquillo que na realidade pôde receber. E elle proprio que o diz na exposição do estado financeiro d'aquelle paiz.

Por consequencia digo eu que tenho graves apprehensões, e oxalá que as minhas apprehensões não se realisem, sobre a maneira summamente exagerada, com que está calculada a receita do estado. Se a illustre commissão tivesse no seu relatorio entendido que o regulamento geral da contabilidade, apresentado pelo nobre ministro devia servir para calcular esta ordem de receitas, como lá é expresso, e tivesse ao menos parallelamente apresentado o calculo da receita presumivel do estado em harmonia com aquelle regulamento a par do que apresenta o sr. ministro, nós veriamos até onde subia a importancia do deficit provavel, embora elle podesse ser attenuado por quaesquer excedentes de receita que effectivamente viesse a darem-se. O governo tendo de calcular, deve faze-lo pelo seguro no calculo real do orçamento, embora manifeste a esperança de ver excedidos os seus calculos. Dá-se assim verdade e credito ao orçamento, que se reconhece seguro nas suas previsões; aprecia-se assim com verdade, sobretudo as sommas pelas quaes os governos terão de recorrer ao credito. Se o illustre ministro se enganou nos seus calculos, ha de ter imprevistamente de recorrer ao credito por muitos centos de contos de réis, alem do que calcula no seu orçamento; e isto é sempre um mal. O argumento apresentado pelo illustre relator da commissão, de que tão verdadeiros eram os calculos que o sr. ministro não pedia uma auctorisação ampla para recorrer ao credito, não colhe absolutamente nada.

O illustre deputado imaginou que se ia arguir o nobre ministro, não ha tal; eu estou tratando uma questão de administração, sem resaibo algum politico, como entendo que se deve tratar a discussão geral do orçamento. Creio que o nobre ministro acredita na possibilidade ou probabilidade d'aquellas receitas. Mas s. ex.ª vendo o deficit, quiz que desapparecesse do orçamento ordinario e lançou-o para o orçamento extraordinario como o orçamento se acha organisado, é isto unicamente um jogo de contas sem resultado financeiro apreciavel. Mas como ainda assim no orçamento ordinario teria de figurar uma grande somma a descoberto, não tendo incurtado a despeza, e não podendo criar novas receitas, exagerou os existentes.

Já vê V. ex.ª o risco que pôde haver em calcular d'esta maneira.

Mas o nobre ministro não pede uma auctorisação ampla para levantar dinheiro para occorrer ás despezas publicas, e por consequencia é que essa receita ha de chegar! E senão chegar? Os ministros não são mais do que gerentes da fazenda publica. Se por uma circumstancia qualquer, ou porque os calculos são exagerados, ou por outra qualquer circumstancia, não chegarem as receitas do estado para as despezas? O sr. ministro, que em janeiro que vem tem ainda seis mezes do anno economico comprehendido no orçamento ha de vir pedir ao parlamento o suprimento necessario e o parlamento ha de vota-lo, e eu voto-o porque não

hão de ficar as despezas legaes a descoberto. O argumento pois do illustre relator da commissão nada prova em favor do calculo e dos seus resultados, que hão de ser independentes das nossas vontades.

Dizia eu que este systema de progressão é insustentavel, mesmo em vista das nossas estatisticas; porque se formos recorrer ao exame minucioso dos mappas estatisticos das nossas alfandegas, havemos de ver muitas fontes de receita completamente sem progressão alguma durante muito tempo. E certo que é do calculo geral que s. ex.ª effectivamente tirou a media; mas o que eu digo mostra que não pôde tomar-se com uma base segura a progressão apresentada pelo sr. ministro. Se assim continuar a calcular-se por muitos annos e a realidade lhe corresponder levar-nos ha a ser o pais mais feliz da Europa o que eu desejo, mas o que não acredito.

Nós não podemos desconhecer que este erro de apreciação se tem dado mais de uma vez, e tem succedido que alguns ministros da fazenda, apreciando de uma maneira excessivamente lisonjeira as esperanças da receita, têem-se achado enganados nos seus calculos. Ainda no anno passado o nobre ministro da fazenda, discutindo n'esta casa, entendia que não teria de recorrer no anno actual ao credito por uma somma tão avultada como recorreu. Está nos discursos do nobre ministro. No fim quasi da sessão devia prever, ou podia prever, todas as despezas, porque umas estavam já approvadas e outras pendentes da camara, mas que seriam de certo approvadas. O sr. ministro calculou então as despezas n'uma somma muito menor do que aquella pela qual teve de recorrer ao credito. Não disse que tinha de recorrer ao credito por 2.500:000 esterlinos, mas por uma quantia muito inferior, e a verdade foi contra os calculos de s. ex.ª Aqui está como em materias d'esta ordem é necessario toda a cautela. Desejo antes que o governo venha dizer ao parlamento: «Os meus calculos foram summamente seguros, a realidade excedeu os», do que vir dizer: os meus calculos falharam, porque as receitas publicas, sem nenhum incidente especial, não chegaram ou não assumiram aquella cifra». Aqui tem v. ex.ª a rasão por que não posso alegrar me tanto, como me pareceu que se alegrava o illustre relator da commissão, pelo desapparecimento do deficit no orçamento ordinario, porque no orçamento extraordinario elle lá apparece sem receita alguma creada para lhe fazer face, não obstante estarem ali muitas verbas que, por serem permanentes, melhor estariam no orçamento ordinario.

Faço estas reflexões por bem da causa publica, porque desejo que os nossos documentos parlamentares, aquelles principalmente em que se ha de basear o credito do paiz, tenham uma grande approximação da verdade, e não possam ser considerados como de menos exactos pelos seus resultados, que não tardarão a mostrar-se.

O nobre ministro espera muito, e com rasão, das transacções sobre a propriedade. Úteis prescripções têem sido adoptadas a esse respeito, prescripções, que podem trazer um grande augmento no valor da propriedade; e por consequencia pôde haver esperanças, e justas esperanças, no rendimento que d'ali possa vir ao estado, e no augmento para a riqueza publica, que vem sempre do jogo do commercio lançado n'um ramo tão importante como é o da agricultura, principal e fundamental no nosso paiz.

Mas liga e prende completamente com este objecto perguntar por alguns pontos importantes de administração, sem os quaes em grande parte esses augmentos de receita, ou esses resultados não poderão dar-se.

Ha quasi um anno, creio eu, que foi votada n'esta casa uma lei do credito predial, lei apresentada dentro de mui pouco tempo; mas ha tambem perto d'um anno, que se espera que aquella lei seja posta em execução. A confecção do regulamento, mais difficil do que a lei ao que parece, tem obstado a que ella seja posta em pratica!

E cabe aqui, porque é questão de fazenda, porque sobre aquella lei ha de assentar uma grande facilidade de transacções, e o resultado d'ellas ha de fazer-se sentir consideravelmente no imposto do registo, cabe aqui, digo, perguntar ao governo para quando pôde prometter ao parlamento a publicação d'esse regulamento.

Eu peço ao sr. ministro da fazenda, que está tomando notas, que veja se pôde dizer ao parlamento e ao paiz, que está ancioso a este respeito, quando é que aquelle regulamento, que parece mais difficil do que a lei, como já disse, o que todavia não entendo que seja, poderá ser desprendido dos archivos da secretaria para que a lei possa entrar em execução?

Todo o tempo que, depois de votada a lei, ella estiver sem execução, á espera do regulamento, importa um acto de responsabilidade do governo, porque o paiz, desde que o parlamento vota uma lei, tem direito a que lhe não sejam subtrahidos indefinidamente ou a menos por um grande praso, os uteis resultados que elle d'ali pôde tirar. E são muito uteis e importantes os resultados que o paiz ha de tirar da lei do credito predial, a qual eu cumpri o meu dever associando-me, tendo-o cumprido primeiro apresentando-a ao parlamento.

Um outro ponto tambem sem o qual aquella lei não pôde ter effeito, ao menos pratico, sem o qual não pôde dar resultados convenientes é o accordo com o banco de Portugal.

O banco de Portugal tem um privilegio incompativel com a nossa legislação actual, porque a lei do credito predial é lei do paiz, e por isso aquelle accordo torna-se de uma absoluta necessidade. Eu desejaria que o governo nos dissesse se já estava feito, porque creio que este ponto não pôde deixar de ser resolvido de alguma maneira. Não admitto em nenhum corpo organisado no paiz o direito de impedir completamente o exercicio ou a pratica de uma lei votada pelo parlamento. Pôde haver qualquer compensação, deve procurar-se um accordo, e o governo chegar a elle em termos rasoaveis e convenientes; mas o que qualquer estabelecimento não pôde fazer, é resistir completamente a que uma lei de um tão grave alcance seja lei do paiz. Eu faço inteira justiça aquelle estabelecimento, e estou persuadido de que elle não ha de crear embaraços á prompta execução d'aquella lei, mas é absolutamente necessario que este objecto seja promptamente resolvido.

Ha ainda um ponto importante para o qual chamo a attenção do governo, e sobre que desejaria explicações categoricas do sr. ministro da fazenda.

Refiro-me ao projecto de lei da desamortisação, que é um assumpto muito grave e muito importante.

E minha opinião, que quando assumptos d'esta importancia se apresentam a uma camara é para os governos os fazerem passar ou cahirem com elles. É assim que se governa. E conveniente saber se, se o governo prosegue na idéa das medidas que aceitou, como foi esta, para se não deixar estar por muito tempo no vago uma resolução importante, e que influe nas transacções consideravelmente.

O projecto da desamortisação é de uma grave importancia, principalmente se attendermos a que em pouco mais de um anno temos recorrido ao credito, lançando no mercado 7.500:000 libras esterlinas, e que teremos de lançar nelle ainda mais alguns milhões esterlinos.

Quando se dão factos destes, quando até se annunciou aquella medida importante para elevar o credito do paiz nas praças estrangeiras, é necessario que o governo declare se prosegue n'esse projecto ou o abandona.

Quando projectos d'esta ordem se apresentam cumpre saber qual é a sorte d'elles, se o parlamento se ha de occupar d'elles ou não, que essa é que é a sorte dos projectos. Se o governo os abandona, morrem no seio das commissões; se se colloca á frente d'elles hão de vir á discussão e soffrer as alterações que se entenderem convenientes, ou ser rejeitados. Em todo o caso resolve se a questão.

Hoje em toda a parte pensa-se sobre os meios de dotar convenientemente os titulos de divida publica fundada, e de lhe facilitar um largo emprego.

Lá está no parlamento de Italia pendente um projecto de grande importancia no mesmo sentido, projecto cuja discussão, se ainda não começou, terá logar em poucos dias. É necessario pois que o parlamento saiba hoje, quasi no fim da sessão, e mesmo no fim do ultimo anno da legislatura, se o governo sustenta ou não aquella medida, ou se a abandona.

Não faço mais reflexões, termino fazendo votos para que venham a ser exactos os calculos do sr. ministro, e que as minhas apprehensões sobre a exageração das receitas que ali vêm descriptas te não realisem; e folgarei ainda muito mais que cheguem a realisar se as provisões da illustre commissão, que no meio do estado, não muito lisongeiro na actualidade das nossas finanças, se compraz em achar saldo positivo!

Termino aqui. Entendi no cumprimento do meu dever fazer estas reflexões; o nobre ministro que tomou apontamentos responderá de certo, porque é conveniente que o parlamento e o paiz sejam elucidados pelas explicações do governo sobre assumptos tão graves, e que tão de perto tocam aos seus interesses (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

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