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Discurso pronunciado nas sessões de 9, 10 e 11 de abril, pelo sr. deputado João de Andrade Corvo

(Sessão de 10 de abril)

Antes de entrar nas considerações que desejo fazer hoje sobre a instrucção publica, peço licença á camara para dizer algumas palavras ácerca de um assumpto a que accidentalmente me referi na sessão passada. Tive então occasião de dizer o que pensava, de dizer quaes eram as minhas opiniões sobre uma questão grave, gravissima, á qual se ligam todos os problemas de organisação politica e administrativa, a questão da descentralisação. D'ella se occupa a Europa, o mundo civilisador ha muito tempo; mas só ha pouco a vemos levantar-se nas assembléas politicas do nosso paiz.

Como não é este o assumpto principal do debate e os objectos sobre que desejo chamar a attenção da camara são multiplicadissimos, não prolongarei as minhas considerações por agora sobre a descentralisação.

Comtudo desejo explicar bem claramente o que disse na sessão passada, para que me não attribuam opiniões que eu não tenho.

Eu supponho que é uma necessidade indispensavel a descentralisação em todos os ramos da administração publica. Mas a descentralisação util para as velhas nações da Europa não é a que os inglezes chamam o americanismo; não é essa descentralisação extrema, cujo resultado final é o enfraquecimento de unidade nacional.

As nações carecem de vida local, mas carecem tambem de impulso civilisador, dado pelas intelligencias que com o trabalho e talento sobem ás mais altas regiões da administração publica.

A influencia, não a tyrannia de um poder central, é indispensavel que se faça sentir para que a nação caminhe com unidade e chegue com segurança á liberdade, para que progrida e se desenvolva, para que seja forte e mantenha a sua independencia e autonomia.

Parece-me ainda que, no estado actual da nossa administração local, sobretudo da administração nos municipios ruraes, é de conveniencia que a descentralisação seja feita com vagar e com prudencia, chamando-se successivamente ao trato dos negocios os homens que até hoje se não poderam habituar a esse trato, qualquer que fosse a sua vontade, qualquer que fosse a sua aptidão. Para o conhecimento e resolução dos negocios, ainda os menos completos, é indispensavel bom senso, uma tal ou qual educação, e alem d'isso o conhecimento pratico do modo por que os negocios se encaminham e se decidem. Necessariamente os primeiros actos administrativos de homens sem instrucção e inexperientes são mais ou menos desordenados, mais ou menos incoherentes, e conseguintemente prejudiciaes ao interesse publico.

Assim pois: descentralisação successiva; descentralisação, começando por grupos de municipios antes de descer ao municipio isolado; reunião de municipios com este intuito; alargamento dos districtos administrativos, para que os seus interesses possam ser representados numa grande junta districtal, com influencia, saber e illustração; eis as condições, a meu ver, indispensaveis para se darem os primeiros passos na reforma que nós, os liberaes, desejâmos ver realisar em Portugal.

Ha muitas outras considerações importantes a acrescentar a estas brevissimas reflexões que acabo de fazer; essas considerações porém, sr. presidente, não são para aqui, porque não estamos agora discutindo a organisação administrativa do paiz.

Fiz estas curtas reflexões hoje, porque entendi que era do meu dever faze-las, para me não attribuirem mais tarde opiniões que não tenho. Pela precipitação com que muitas vezes se falla no parlamento, sobretudo quem, como eu, não está costumado ás lides parlamentares, póde bem succeder que fiquem mal definidas as opiniões, em resultado de ser curta, rapida e incompleta a exposição que d'ellas se fez, ou mesmo por ter havido lapso da intelligencia ou da palavra.

Vou agora occupar-me, se a camara m'o consentir, da questão sobre a qual recaiu particularmente o debate n'este momento; a questão da instrucção publica.

Disse eu que desejava fazer, algumas considerações sobre os tres ramos principaes da instrucção publica, a instrucção primaria, a instrucção secundaria e a instrucção superior; e aventei logo uma opinião que a camara talvez tinha repugnancia em aceitar. Parece-me porém que essa opinião é perfeitamente justificavel.

Nenhum dos ramos da instrucção publica em Portugal é bom. Toda a instrucção publica assenta sobre bases falsas. A sua organisação precisa de ser profundamente alterada desde a instrucção primaria até á instrucção superior. São muitos os defeitos, muitos os erros; é preciso fazer tudo. Não basta reformar só n'um ou n'outro ponto a instrucção publica; é preciso reforma-la toda.

Hão se julgue porém que eu quero, ou que supponho possivel que o governo do estado possa, n'um momento dado, organisar um systema completo de instrucção, implanta-lo no paiz, extirpando todos os vicios da organisação actual, destruindo todas as peias, vencendo todas as difficuldades, e fazendo emmudecer todos os interesses creados, todos os preconceitos arraigados no paiz.

Não supponho tal; mas o que a mim me parece é que