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N.º 5.

SESSÃO DE 5 DE ABRIL.

1855.

PRESIDENCIA DO SR. FREDERICO GUILHERME DA SILVA PEREIRA

Vice-presidente

Chamada: — Presentes 84 srs. deputados.

Abertura: — Ás onze horas e tres quartos.

Acta: — Approvada.

O sr. Presidente: — O sr. Julio Gomes da Silva Sanches fez constar á mesa que, por incommodo de saude, não póde comparecer á sessão de hoje, e talvez a mais algumas.

A camara ficou inteirada.

CORRESPONDENCIA.

UMA DECLARAÇÃO. — Do sr. Francisco Damasio, participando que o sr. J. E. de Magalhães Coutinho não póde compareceria sessão de hoje, por incommodo de saude. — Inteirada.

Officios. — 1.º Do sr. Saraiva de Carvalho, participando que, pelo seu máo estado de saude, não póde comparecer na camara por estes dias. — Inteirada.

2.º Do ministerio do reino, acompanhando a copia da consulta da junta geral do districto de Faro, relativa ao anno de 1850, satisfazendo a um requerimento do sr. Bivar. — Para a secretaria.

REPRESENTAÇÕES. — 1.ª Da camara municipal de Melgaço, pedindo que seja approvado o projecto do sr. Honorato Ferreira, para se conceder o sello á alfandega de Vianna do Castello. — Ás commissões de fazenda e commercio.

2.1 Dos moradores e proprietarios do extincto concelho da Enxara dos Cavalleiros, sobre divisão de territorio. — Á commissão de estatistica.

SEGUNDAS LEITURAS.

REQUERIMENTO. — Requeiro que, pela secretaria das obras publicas, se mandem a esta camara todos os documentos e planos, existentes na mesma secretaria, sobre a canalisação do rio das Enguias, e terrenos entre o Tejo e Sado, para communicar estes dois rios. = Garcia Peres.

Foi remettido on governa.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. presidente, já ha mais de 15 dias, que tenho a palavra reservada, que havia pedido que me désse, quando estivesse presente o sr. ministro da marinha: vou aproveitar-me da presença de s. ex.ª, usando da palavra; o que pretendo e dirigir-me ao nobre ministro ácerca de tres objectos.

O primeiro é lembrar a s. ex.ª a necessidade de

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apresentar o orçamento das provincias ultramarinas: V. ex. e a camara sabem que é expresso no acto addicional, que o governo deve apresentar ao parla mento o orçamento 15 dias depois de constituida a camara; este preceito não se limita ao orçamento só do reino, elle é compreensivo do de toda a nação, cuja parte integrante são tambem as provincias ultramarinas. Estamos em 5 de abril: ha 3 dias que se acabou a sessão ordinaria deste anno, e ainda o sr. ministro não teve a bondade de apresentar o orçamento do Ultramar. Eu não ignoro as difficuldades, que se encontram para se confeccionar esse orçamento, por isso não tenho tenção de censurar o t. ministro; mas o meu fim é, que o orçamento do Ultramar seja sanccionado pelo poder legislativo, e assim seja cumprido um preceito salutar da caria.

Sr. presidente, vou tomar a liberdade de lembrar ao nobre ministro da marinha um arbitrio, que me parece adoptavel para este anno; vem a ser: se s. ex. não pudesse apresentar com toda a brevidade o orçamento das provincias ultramarinas, cá a mim se satisfazia, se s. ex. apresentasse o orçamento confeccionado no anno passado quasi no fim da sessão, e que foi impresso depois da dissolução da camara, fazendo-lhe pequenas alterações, se por ventura forem necessarias, ajuntando as ao dito orçamento em additamento. Disse, se porventura fossem necessarias; porque intendo, que no Ultramar não tem havido alterações essenciaes, que eu saiba, á excepção da nova organisação judicial de Angola, que deve augmentar a verba relativa a este ramo de serviço publico. Com este arbitrio intendo que se consegue o fim, porque a caria estatuiu que em cada anno fosse apresentado ao parlamento o orçamento; isto é, ser examinado pelos eleitos do povo, e approvado pelo poder legislativo. Eu intendo que, em vez de se apresentar o orçamento do Ultramar quasi no fim da sessão, quando não é tempo para seguir tramites legaes, e ser sanccionado, como tem acontecido sempre aos orçamentos do Ultramar até hoje apresentados; eu intendo, digo, que recaia ao menos este anno o exame e a approvação do parlamento sobre o orçamento do anno passado, adoptando-o, como julgo adoptavel, para este anno, com pequenas alterações, -e necessarias forem.

O segundo objecto, para que queria chamar a attenção do sr; ministro da marinha, é de um interesse vital e urgente do arcebispado de Goa, e do padroado portuguez na Asia. Sr. presidente, commetteria eu uma feia ingratidão, se deixasse passar este ensejo, sem publicamente dar testemunho da gratidão minha, e dos meus patricios; sem em meu nome, e em nome dos meus constituintes, e de todos os christãos do padroado, ao serviço relevantissimo que s. ex. lhes prestou: este serviço consiste na providente medida, que s. ex.ª deu, fazendo que o ex.ª bispo de Macáo fosse a Goa, para lá exercer as funcções episcopaes, e acudir ás necessidades espirituaes dos christãos daquellas igrejas: eu agradeço particularmente a s. ex.ª este serviço; porque fui eu que desde julho de 1852 lembrei e sollicitei esta medida, e felizmente consegui. (O sr Ministro da Marinha: — É verdade. — Uma voz: — Não quer perder a sua paternidade.) O Orador — Não quero perder; sim, senhores, não quero perder; porque é um pequeno serviço, que fiz á provincia, que represento; tenho por isso muito prazer; assim como tenho muita magoa, por não poder fazer mais, ainda que da minha parte não tem fallado esforços.

Continuando digo, sr. presidente, que o sr. bispo de Macáo chegou a Bombaim desde principio de fevereiro, e ahi tem prestado utilissimo serviço ao arcebispado de Goa, celebrando ordenações, e conferindo em varias igrejas o santo chrisma a grande numero dos christãos do padroado; e estava de caminho em 11 do dito mez para ir a Goa, e tambem exercer ahi as funcções episcopaes: este serviço é, na verdade, relevantissimo; mas para ser muito proveitoso e completo, é mister que esse respeitavel prelado demore por mais tempo em Goa. Eu vou desenvolver, em poucas palavras, os fundamentos, por que é necessaria a demora da sua estada em Goa por mais tempo: a principal necessidade, que alli ha, é de ordenações, a fim de termos sacerdotes, que possam ir missionar nas vastas diocesses do padroado, cuja grande falta ha, desde 4 annos, que Goa não tem arcebispo; esta ordenação não póde ter logar, demorando o sr. bispo em Goa sómente uns 3 mezes; porque, quem tem algum conhecimento dos canones, sabe, que além de intersticios de um anno entre a recepção de uma ordem sacra para outra, de que, porém, póde dispensar o prelado diocesano, e mesmo o cabido, séde vacante mas se não póde fazer a celebração solemne e numerosa das ordens sacras, sem ser nas têmporas, e alguns dias designados; e os prelados e os cabidos não podem dispensar deste preceito canonico, senão só em virtude da faculdade extraordinaria pontificia, a qual, se antes tiveram os arcebispos e cabidos, séde vacante, não na tem actualmente; d'onde, se o sr. bispo não estiver em Goa senão só 3 mezes, não poderá completar as ordenações, e por conseguinte o serviço será incompleto; porque apenas poderá ordenar subdiaconos ou diáconos. Mas não é destes que carecem as missões, mas de sacerdotes, que vão missionar no padroado, por falta dos quaes iremos perdendo em maior escalla, do que até hoje. Espero, pois, que o sr. ministro dará providencias, para que aquelle sr. bispo gose em Goa da licença que tem para tractar da sua saude; e estou certo, de que este prelado virtuoso e verdadeiro portuguez não duvidará soffrer algum incommodo da sua saude, se for necessario, em serviço de Deus, da religião, e da nação.

O terceiro objecto é o tributo de meio xerafim sobre cadaver que se enterra, creado e estabelecido em 1814 pelo governador interino, que, entre outros, se torna muito mais funesto por seus effeitos. Para demonstrar o mal que elle causa, não farei mais reflexões, senão ler o periodo respectivo da consulta da junta geral de Goa, do anno de 1844. (Leu) Desta leitura consta a funesta influencia que exerce aquelle tributo. O seu producto annual não passa de 950 e tantos xerafins; verba esta, que não avulta no orçamento. Eu desejaria a sua extincção absoluta; mas como a junta geral do districto applicou este producto a u/n objecto de interesse geral, que é a salubridade da capital, que elle seja substituido por outro mais suave Accrescentarei, que dirigi-me para este fim duas vezes, por meus officios de 23 de dezembro de 1850, e 13 de dezembro de 1851; assim como já apresentei ao sr. visconde de Castellões uma representação da patriotica camara municipal de Salcete de 1850, pedindo a abolição deste tributo, e indicando a sua substituição, se for necessaria, sobre os

VOL. IV — ABRIL 1853.

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casamentos, ou nascimentos: eu tambem lembraria a segunda.

O st. Ministro da marinha (visconde de Atouguia): — >Tres cousas, sr. presidente, apresentou o sr. deputado, para o governo sobre ellas tomar medidas, que fossem convenientes para as provincias ultramarinas, que o nobre deputado tão dignamente representa. Começarei pela ultima, e posso dizer ao nobre deputado que estamos quasi de accôrdo, porque se a proposta é acêrca do imposto sobre os cadaveres, e o nobre deputado intende que se deve transferir sobre os recem nascidos, a responsabilidades desta substituição é toda do illustre deputado que a propõe, e desde já declaro que se fôr acceite pela representação nacional, nenhuma duvida póde ler o governo, por que o governo aqui neste caso o que póde ser é fiscal da maior receita proveniente daquelle imposto para a efficacia da sua applicação.

Eu, quando o nobre deputado começou a fallar, tomei alguns apontamentos, porque julgava que queria dizer que o imposto sobre mortos não podia ser bem applicado senão para a manutenção dos cemiterios. Ora este imposto é applicado não só ao melhoramento e arranjo do cemiterio, como a beneficiar a saude publica. (O sr. Jeremias: — A salubridade publica é em beneficio dos que nascem e não dos que morrem) Mas como o nobre deputado apresento a substituição, e não quer fazer objecção quanto á applicação, o governo não tem mais nada a fazer, e acceita o conselho do illustre deputado.

Agora quanto á segunda pergunta permitta-me a camara e o nobre deputado, que eu não desenvolva agora todos os motivos, que, pela minha posição de ministro da corôa, prendem com este negocio.

Eu acceito em nome do governo a lembrança do nobre deputado, e por certo os elogios que fez, e que merece com toda a justiça o digno prelado que se acha em Macáo, são devidos á sua religião, á sua probidade, á sua tolerancia, e ao melhoramento e augmento do serviço espiritual que alli tem prestado com grande sacrificio da sua pessoa; sobre este objecto nada mais direi; e creio que o nobre deputado convem em que eu não entre no desenvolvimento extensivo dos motivos que podem obrigar o governo a não poder conserval-o alli tanto tempo, quanto o nobre deputado deseja; mas posso asseverar ao illustre deputado que hei-de empregar todos os meios para que se demore em Gôa todo o tempo que fôr possivel.

Agora pelo que toca ao orçamento — eu nenhuma duvida tenho em mandar para a camara o orçamento das provincias ultramarinas de 1851, mas o nobre deputado sabe que os orçamentos são confeccionados no conselho ultramarino, e por consequencia depois de serem alli desenvolvidos é que os envio á camara. Entretanto pedirei áquelle conselho, o que de certo não é necessario, que empregue toda a sollicitude na promptidão dos orçamentos das provincias ultramarinas e de todos os negocios que hão-de ser submettidos ao parlamento, para satisfazer quanto possivel os desejos do nobre deputado, e de toda a camara que tem o maior interesse no melhoramento das nossas possessões do ultramar. (Apoiados)

O sr. Pessanha (João Pedro): — Sr. presidente, pedi a palavra a v. ex. para cumprir um tristissimo dever. Por cai las que acabam de me ser dirigidas devo participar a V, ex.ª e á camara que o nosso illustre collega o sr. deputado Joaquim Rodrigues Ferreira Pontes habita já a morada dos finados com lamentavel perda para todos nós; tendo fallecido na cidade de Braga no dia 25 de março ultimo pelas 8 horas da manhã. V. ex.ª, sr. presidente, e de certo todos aquelles que me ouvem, reconheceram as raras qualidades que ornavam aquelle cavalheiro. (Apoiados)

Sr. presidente, a morte do sr. Ferreira Pontes foi uma grande perda para o paiz, uma grande perda para esta camara, e para. mim uma perda irreparavel...

Eu, sr. presidente, que tive a honra de vêr na urna eleitoral escolhido pelos meus comprovincianos o nome do sr. Ferreira Pontes, a par do meu humilde nome durante tres legislaturas consecutivas, eu que pela antigas e estreitas relações da mais verdadeira amizade que me ligaram áquelle cavalheiro, tive a fortuna de conhecer sempre ao Sr. Ferreira Pontes uma alma tão puro, como é puro o horizonte, ao mais bello alvorecer da aurora; (Muitos apoiados) eu que tantas vezes tirei proveito dos seus bons conselhos para as acções da minha vida; eu não posso, sr. presidente, suavisar, a minha saudade e justa magoa por tão grande falla senão soccorrendo-me aos leaes sentimentos da fé religiosa a qual me faz crêr piamente que aquelle varão virtuoso gosará agora da presença de Deos, porque era verdadeiramente um justo.

Fique a camara inteirada desta triste noticia e seja a terra leve ao meu bom amigo. (O orador estava profundamente commovido).

O sr. Presidente: — A camara de certo desejará que se lance, na acta que recebeu esta noticia com profundo sentimento. (Muitos apoiados)

Manda-se lançar na acta.

O sr Rivara: — Sr. presidente, mando para a mesa o seguinte requerimento, pedindo que o governo satisfaça a um requerimento feito na sessão passada pelo sr. Leonel Tavares, relativo ao Lazareto. (Leu)

Este requerimento foi approvado no anno passado, e julgado urgente. Eu não peço a urgencia, porque um dia mais ou menos nada imporia; todavia chamo a attenção da camara sobre um objecto ião importante e intimamente ligado com a saude publica, para se melhorar quanto possivel este ramo de serviço; e para mostrar aos estrangeiros que o estado da nossa civilisação está muito longe de poder comparar-se ao da cafraria, é preciso tomar providencias mais rapidas sobre este assumpto; e os esclarecimentos que peço, são a base dos trabalhos que hão-de ser apresentados a camara sobre tão importante materia.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, não posso deixar de usar da palavra para mandar para a mesa, e chamar a attenção da camara sobre duas representações que me foram entregues: a primeira é de D. Thereza Maillard Freire de Andrade Salazar de Eça, viuva do marechal de campo, João Freire de Andrade de Eça, pedindo uma pensão para si e suas filhas.

Eu sei o que se tem passado na camara a respeito de pensões; sei que a camara resolveu que não pertence á sua iniciativa o objecto de pensões; mas tambem sei que no modo como tem sido remettidas ao governo as differentes representações que tem vindo á camara, a pedir pensões, ha uma certa recommendação da camara, que deve tornar este requerimento mais digno da attenção. Acêrca deste

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negocio eu sei que nos meios ordinarios que temos, é impossivel que as forças do thesouro cheguem para se concederem tantas pensões; mas parece-me que no modo de as conceder, seria de muita justiça que se attendesse a todas aquellas que estão nas circumstancias de as merecerem com uma justa proporcionalidade; quero dizer que em quanto se dão e se promettem a viuvas de militares pensões avultadas, se não neguem a outras que têem a ellas igual direito. (Apoiado) Por conseguinte estas poucas reflexões que faço, espero que hão de ser attendidas pela camara e pelo governo. Eu mando para a mesa a representação que me foi entregue, e satisfazendo assim aos desejos das peticionarias, e ao mesmo tempo cumpro o dever de representante da nação, reclamando justiça para todos.

A segunda representação está no caso de merecer mais directamente a attenção, e mais prompto remedio da parte da camara. E uma representação assignada por diversos proprietarios, senhores de terrenos, que foram occupados por ordem do governo, na occasião em que em 1833 se estabeleceu a linha de defesa da capital. Estes individuos não só foram privados da sua propriedade, do que se não queixam, em attenção ao fim para que foi destinada, mas estão ainda até hoje privados da posse della, sem que tenham recebido do estado nem uma renda pelo tempo que a tem occupado, e nem se decreta a expropriação, se acaso o governo intende que a continuação na posse destes terrenos é uma necessidade publica. Mas é cousa notavel, e custa menos a acreditar que neste paiz appareça um facto de tão notavel contradicção, e de tal ordem; ha uns poucos de proprietarios que estão privados da posse dos seus terrenos, de os cultivai em, como é de utilidade publica, e que são todavia collectados por esses terrenos, como se estivessem de posse delles; isto é singularissimo!... Ainda ha mais: se todos estivessem nas mesmas circumstancias, seria ao menos uma injustiça, que se repartia por todos, mas não é assim; porque entre elles ha alguns que têem sido attendidos pelo governo. De sorte que não ha lado nenhum, por onde esta questão.se considere, em que não se reconheça a manifesta injustiça, a parcialidade com que se tem aggravado a situação dos requerentes! Elles pedem á camara, já cançados de requerer ao governo, sem obterem nenhum resultado, que tome este negocio em consideração, e que elles sejam indemnisados das rendas das suas propriedades, de que a fazenda está de posse desde 32 até agora, e que se é do interesse publico que aquelles terrenos sejam expropriados para as linhas da defesa da capital, que se decrete a expropriação, e que se acabe com isto: Esle requerimento é tão justo, e fundado em ião solidas rasões, que a camara não poderá deixar de o attender, e neste sentido eu peço a s. ex. que tenha a bondade de o remetter com recommendação especial á commissão de fazenda, que creio ser aquella a quem pertence tomar conhecimento deste negocio, lai vez ouvida a commissão de administração publica.

O sr. arrobas: — Sr. presidente, pedi a palavra, em primeiro logar para tomar a iniciativa do projecto de lei n. 87 da commissão de guerra, da camara dos srs. deputados de 1850, que considera applicaveis às disposições da-carta de lei de 19 de janeiro de 1827, ampliada pela de 20 de fevereiro de 1835, a D. Maria de Santa Anna da Silveira Aguiar,

Irmã do fallecido capitão) de artilheria, João José do Silveira Aguiar, que morreu na defesa da Serra da Pilar, em janeiro de 1833; e em segundo logar para responder ao que disse o sr. Palmeirim na sessão de sexta-feira, a que não pude assistir. Eu começo por lêr o que está no extracto da sessão publicado no Diario do Governo, para que s. ex. diga, se responde pelo que ali vem escripto.

Lê-se no Diario o seguinte: — u O sr. Palmeirim disse, que o requerimento de que se tractava, foi enviado pela commissão de fazenda ao ministerio da guerra, para que no caso que intendesse, que esta pensão assentasse em lei, esta lhe fosse applicada, decretando-lhe a pensão pedida; e o governo informou', que sobre a pertenção não ha lei que se applique á supplicante, que além disso já recebe um subsidio que lhe compete por lei; e á vista disto já a camara conheceria que a commissão de fazenda tem dado a este negocio o andamento devido; e não lhe cabe qualquer censura, que o sr. deputado Arrobas lhe quizesse lançar pela demora que tem lido. 55 — Eu pergunto ao sr. deputado Palmeirim, se responde por isto que aqui está escripto? (O sr. Palmeirim: — Sim, senhor.)

Muito bem: começarei por pedir ao sr. Palmeirim que assigne a proposta que mandei para a mesa, renovando a iniciativa do parecer n.º 87 da camara de 1850, por que s. ex.ª está assignado nesse projecto, e por isso não dirá agora uma cousa em contrario do que disse então; nem lerá por certo duvida em tomar a responsabilidade dos seus actos.

Sr. presidente, para responder agora a s. ex.ª direi, que não foi minha intenção, quando chamei a attenção das illustres commissões de guerra, e fazenda sobre um requerimento do sr. D. Maria de Santa Anna da Silveira Aguiar, fazer a menor censora á illustre commissão, de que s. ex. é tão digno membro. Com tudo maravilhei-me, quando li que o sr. relator da commissão de guerra linha respondido, que não estava naquella commissão o requerimento de que se tracta, nem mesmo ainda ali fóra; e lendo depois o destino que o sr. Palmeirim disse que a commissão de fazenda tinha dado a esse requerimento, não posso deixar de declarar que esse destino foi o menos competente do mundo, e que por consequencia a commissão de fazenda não fez mais nada, do que demorar, pelo espaço de mais de um mez, um objecto sobre que lhe não competia tomar conhecimento.

Sr. presidente, para provar que, quando fallei, não tive nem a mais leve intenção de censurar a illustre commissão de fazenda, e que quando tivesse essa tenção, o faria abertamente, declaro agora que á vista da resposta do sr. Palmeirim, passo a censurar a illustre commissão, que, a meu ver, exorbitou das suas attribuições em prejuiso da causa, que foi submettida ao seu exame.

Sr. presidente, a primeira questão que ha a considerar neste negocio, é a questão de direito; isto é, o conhecer, se esta pertendente está no caso da lei; e sendo a interpretação d'uma lei militar, por isso de nenhum modo compete á commissão de fazenda, mas sim á commissão de guerra; por isso a primeira censura que faço á illustre commisão é por se ter encarregado de um negocio que, por modo nenhum, lhe competia, e retendo-o por mais de um mez em seu poder, distrahindo-o assim da sua legitima e na

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lurai direcção, com prejuiso da parte do andamento regular dos trabalhos. Além de que, o modo por que o sr. Palmeirim declarou que a commissão enviara o requerimento ao ministerio da guerra, é até muito inconveniente para a camara, e a illustre commissão não tinha direito para o fazer.

Sr. presidente, a illustre commissão tem unicamente, como as outras commissões, a auctorisação da camara, para pedir ao governo esclarecimentos ácerca dos objectos submettidos ao seu exame; mas a camara não lhe deu o poder de se transformar em repartição do porteiro do ministerio da guerra, porque aquelle requerimento não foi á commissão para dar entrada no ministerio da guerra, e se communicar depois á camara, por via da mesma commissão, o despacho do governo. E neste caso o illustre presidente da commissão fez as vezes de porteiro do ministerio da guerra, e o illustre relator, o sr. Palmeirim, as de livro da poria do mesmo ministerio.

Porém, sr. presidente, nem mesmo para obter esclarecimentos sobre este assumpto, a commissão tinha necessidade de se corresponder com o governo. O relatorio do projecto de lei de que renovei a iniciativa, e que existe junto ao requerimento na commissão de fazenda, é bem claro, e refere-se aos esclarecimentos que o governo poderia dar, e que já tinha dado á commissão, a que tambem pertenceu o sr. Palmeirim, que em virtude desses esclarecimentos, e do exame dos mais documentos assignou aquelle projecto.

Assim a illustre commissão tinha em seu poder todos os documentos necessarios para avaliar esta pretenção, se fosse para isso competente, principalmente estando nessa commissão o sr. Palmeirim, que muito bem conhece este objecto, e já formou a sua opinião sobre este objecto em 1850.

Sr. presidente, a interpretação das leis pertence ás côrtes, e não ao governo; e por isso ir perguntar ao governo se acha de lei uma pretenção, que o governo já indeferiu, e de que existe documento na commissão, parece que se lhe pergunta, como quer que a camara decida; e isto na verdade é abaixar muito a dignidade da camara! E eu reconhecendo as boas qualidades e a instrucção do sr. Palmeirim não posso explicar tudo isto, senão pela falta de leitura dos papeis annexos ao requerimento de que se traria, porque d'outro modo pareceria que todo este andamento illegitimo que se tem dado ao requerimento, foi calculado para se prejudicar a pretenção de que se tracta.

Concluo, sr. presidente, pedindo que o projecto cuja iniciativa renovei, seja remettido á illustre commissão de guerra com todos os papeis que sobre tal assumpto estão incompetentemente na commissão de fazenda. E peço desculpa á camara de ter tornado tanto calor neste negocio, que provém de vêr que a esta senhora acontece ha tantos annos o que se vê, por não ser poderosa; porque se se tratasse de pessoas poderosas, ou que tivessem grandes protecções, outra seria a marcha; mas fique a camara certa de que hei de levantar esta questão como um espectro diante de iodas as pensões que aqui se discutirem.

O sr. Presidente: — A proposta de iniciativa fica para segunda leitura. Agora tem a palavra o sr. Cunha.

O sr. Palmeirim; — Eu tinha pedido a palavra sobre este objecto.

O sr. Presidente: — Ha differentes senhores inscriptos, mas como este incidente não tem agora seguimento, não lhe posso conceder a palavra sem resolução da camara.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu tenho a palavra por duas vezes, mas aproveitarei a occasião de estar de pé para, usando da palavra uma só vez, fallar sobre os dois objectos. Em primeiro logar quero dizer, que como o sr. Corrêa Caldeira desistiu do seu requerimento, em que pedia a correspondencia diplomatica a respeito da questão do Douro, em consequencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros não ter satisfeito a esse requerimento, eu faço-o meu; e estimo muito a presença do sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque s. ex.ª poderá responder immediatamente se quer ou póde satisfazer a este requerimento, o qual vou mandar para a mesa. (Leu-o)

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros (visconde de Atougia): — Eu já estou prevenido e vou responder.

O sr Cunha Sotto-Maior: — Eu tenho a palavra ainda; o sr. ministro dos negocios estrangeiros quer-me responder, e eu peço a v. ex.ª que depois da resposta do sr. ministro, que póde muito bem resolver o negocio, e póde ser muito bem que o não resolva, V. ex. me conceda a palavra.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros (visconde de Atouguia): — Sr. presidente, guardava-me para logo me apresentar diante desta camara no caracter, em que espero sempre apparecer nella, de exactidão no cumprimento dos meus deveres para com a mesma camara, sem faltar tambem aos deveres do cargo que exerço; mas o nobre deputado apressou um pouco o ponto e a causa principal, porque eu vim a esta camara mais cedo, se bem que tenha muito desejo de estar presente sempre, e se o não estou, é porque a discussão da resposta ao discurso da corôa, na outra casa do parlamento, obriga-me, como membro della, a estar alli mais permanentemente: em quanto na outra casa se tracta da resposta ao discurso, da corôa, peço desculpa a esta camara por não, comparecer aqui tantas vezes quantas desejava.

Sr. presidente, fui accusado, com grande magoa minha, de fallar á consideração devida a esta camara, e se não foi este o sentido em que o nobre deputado a quem me refiro, fallou, paro nas observações que ía a fazer, e apenas direi os motivos, porque a correspondencia diplomatica que mandei não vai além do dia 5 de Abril. Fui accusado: quero dar uma satisfação á camara, mostrando-lhe que a accusação foi injusta; mas se não fui accusado, nenhuma observação farei; mas parece-me que o fui, porque algum membro desta camara me disse que eu tinha sido arguido de não cumprir com os desejos em objectos que tinha sido determinado por ella que o ministro dos negocios estrangeiros satisfizesse. (O sr. Arrobas — Quanto a mim tem cumprido).

Sr. presidente, á camara e perante a camara preciso eu mostrar a inexactidão de similhante accusação. Vou lêr a v. ex.ª e á camara o requerimento feito pelo nobre deputado o sr. Corrêa Caldeira, e depois mostrarei que o cumpri debaixo do preceito que está estabelecido nesta camara, de que, o governo, quando se lhes pedem papeis, tem sempre a obrigação superior de examinar a conveniencia de os mandar ou não. Eu no entanto, neste caso, não precisava vir dizer á camara até que ponto mandava, e até que

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ponto deixava de mandar, porque intendi que tinha satisfeito ao requerimento do sr. deputado.

Sr. presidente, eu desejo primeiro que v. ex. me diga, se e exacto ou não, quando da parte de v. ex.ª um ministro da corôa recebe uma participação de que um dos membros desta camara precisava ou de documentos ou de esclarecimentos, que se intende sempre que o ministro deve satisfazer, se não houver inconveniente (Apoiados) que torne prejudicial para o paiz a remessa desses documentos, ou as explicações que são exigidas, principalmente na repartição a meu cargo dos negocios estrangeiros? Desejo que v. ex.ª me responda, porque a fallar a verdade se assim não é, então pequei...

O sr. Presidente. — A resolução da camara foi que quando se pedirem documentos para esclarecimentos ao governo em officio, sejam pedidos com a clausula de não havendo inconveniente, ou prejuiso do serviço publico.

O Orador — Então, sr. presidente, estou mais desaffogado, e parece-me que a camara me ha de fazer a justiça de que não faltei aos meus deveres, nem ás attenções que lhe são devidas por todos os motivos, satisfazendo como satisfiz.

Vou lêr o requerimento do nobre deputado. (Leu-o)

E este o requerimento que me foi remettido á secretaria pelo sr. deputado secretario Custodio Rebello de Carvalho

Sr. presidente, não é agora occasião para entrar na avaliação do decreto de 11 de outubro de 1852; longe disso, porque levaria de certo todo o tempo á camara: estou certo que o nobre deputado ou qualquer dos nobres deputados que intendem combater aquelle decreto, embora estejam já muito promptos para esse combate, mais tarde estarão mais habilitados para 01 fazer. Não devo entrar, por consequencia, nem posso, pelo motivo que já disse, na avaliação desse decreto, mas reconheço que além de o considerar de muita utilidade em relação ao assumpto, vendo o governo nelle o modo de acabar ou modificar as reclamações que lhe eram feitas, activou o trabalho para elle apparecer e ser lei do paiz, e continuar a sel-o, se o corpo legislativo o approvar. Tudo o que podia levar o governo a concluir aquella medida, veiu para esta camara nos documentos que foram para aqui enviados, e só não vieram aquelles, que dizem respeito á questão que está pendente. Ha duas épocas distinctas a considerar, uma é a da reclamação, a outra é quando o governo entrou nos ajustes e nas considerações, depois de se ler de parte a parte, um apresentado o-direito que lhe assistia, e outro tambem apresentado o direito que tinha para interpretar de fórma differente; porque o caso era uma interpretação de tractado. Eu dei ordem na secretaria, para que se mandassem para a camara todos os documentos que ali houvesse a este respeito, sem excepção de algum até ao dia em que se começou a tractar desta questão, que por ora, como já disse, é questão pendente. Já vê o nobre deputado a razão porque não mandei além do dia 5 de abril papeis, que sae concernentes a uma questão, que está pendente, mas que hão de vir no tempo devido a esta camara.

Ora o nobre deputado estranhou e pareceu não acreditar que não se tivesse dado resposta aos officios 16, 17, 18 e 19 do ministro britannico; mas é um facto, e eu dou por testimunha ao nobre deputado qualquer dos officiaes da secretaria, ou o official maior, que de certo não ha de querer perder o seu emprego, asseverando uma cousa que assim não é; mas deu-se uma satisfação da falta de resposta, a qual satisfação nunca podia ser outra senão aquillo que se chama respostas interlocutorias (O sr. Corrêa Caldeira: — Notas verbaes.) e depois de 30 de outubro de 1850, houve apenas uma nota importante, que foi a de 5 de abril de 1852, dia em que se começou a tractar o negocio; não fui eu que comecei, foi o meu antecessor.

O nobre deputado ha de permittir-me que eu diga, sobre uma asserção que aqui se fez quanto ao que se practica nos outros paizes a respeito da publicação destes documentos depois dos negocios concluidos, que alli os governos só publicam o que é absolutamente necessario para a historia, mas as notas confidenciaes que lhes são dirigidas por outros governos, intende-se que não tem direito de as publicar

Sr. presidente, permitta-me v. ex. e a camara que eu leia um officio que acabo de receber do official maior da secretaria dos negocios estrangeiros, em que me manda mais tres cópias, que com quanto nada digam a respeito do fundo da questão, porque são daquellas em que se diz — recebi, examinarei, verei, responderei, e por consequencia nenhum esclarecimento podem prestar, com tudo ellas são remettidas por aquelle empregado em consequencia de novas ordens que de mim recebeu. O officio diz o seguinte (Leu).

Portanto já vê o nobre deputado que são daquellas notas que nada dizem. Duas são do tempo do sr. conde do Tojal, e uma é do meu tempo.

Sr. presidente, depois destas explicações, espero merecer da camara a justiça devida de que não fallei aos meus deveres perante ella, nem podia fallar áquillo que me impõe o logar que occupo'.

Tenho dito, se o illustre deputado que renovou o requerimento me perguntar mais alguma cousa, posso responder-lhe com franqueza, o que sempre faço; nunca entro as portas desta casa com receio de não poder responder ás perguntas que se me fizerem.

O sr. Presidente. — Estão inscriptos varios srs. deputados para fallarem antes da Ordem do dia, mas parece-me que será mais conveniente deixar continuar este incidente, e depois delle terminado dar então a palavra aos senhores que a pediram para antes da ordem do dia (Apoiados).

O sr Cunha Sotto-Maior: — Responderei em mixtas poucas palavras ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Não duvido nada que s. ex.ª cumpra os seus deveres, mas o facto é que nós, camara de deputados, não nos reputámos sufficientemente instruidos para entrar nesta discussão do objecto a que alludem as notas diplomaticas. Qual era o dever de s. ex.? Era mandar todos os documentos para a camara. Cumpria assim o seu dever. É necessario que o sr. ministro dos negocios estrangeiros saiba, de uma vez por todas, que nós, deputados da nação portugueza, temos obrigação, queremos, e lemos o direito de exigir documentos não sobre negocios pendentes, porque o requerimento diz — sobre questões resolvidas; mas sobre factos consummados. (Apoiados) sobre negocios pendentes sei eu, sabem todos os deputados, que ha inconveniente nesses pedidos; mas nós pedimos documentos sobre factos consummados, e a respeito des-

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Tes o sr. Ministro diz — que não os manda. (Quid inde? Como quer o sr. ministro que nós estudemos e entremos na discussão principal? E impossivel entrar convenientemente nel.la por falla dos documentos que serviam puja instruir a camara.

Eu acredito muito nas palavras do sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas o sr ministro quer que eu acredite uma, coisa que me é absolutamente impossivel acreditar. É-me impossivel acreditar que o governo portuguez commettesse o desaccôrdo intoleravel de estar desde 30 de outubro de 1850 até abril deste anno sem responder ás reiteradas notas dos differentes ministros inglezes! Não posso acreditar; e moral e curialmente impossivel! E uma pertenção tão absurda, que eu a respeito della não dou o meu assentimento ao sr. ministro. Não posso acreditar que os differentes ministros dos negocios estrangeiros que lemos tido, desde que se começou a tractar deste negocio diplomaticamente, não respondessem ás reiteradas notas dos differentes ministros inglezes, e não respondessem desde 30 de outubro.de 1850 ale abril de 1853. Se o sr. ministro não cumpriu o seu dever, mais razão ha para exigirmos todos os esclarecimentos, compararmos esses documentos e conhecer por elles a leviandade e ignorancia com que os nossos ministros resolveram negocios do mais alio interesse para o nosso paiz. A camara deve saber, tem necessidade de saber como os srs. ministros se houveram neste grave negocio.

É necessario que o sr. ministro dos negocios estrangeiros intenda que qualquer que seja a opinião que s. ex. tenha ácerca da minha ignorancia ou insciencia, com relação a assumptos diplomaticos, a minha razão e o meu bom senso me indicam que ha uma grande differença entre negocios pendentes, e factos consummados.

Sr. Presidente, quando um ministro toma sobre seus hombros a tremenda responsabilidade de resolver negocios serios, graves, transcendentes e importantes, não deve esconder ao parlamento os motivos que o levaram a dar esse passo. O governo recusando, ou occultando ao parlamento os documentos comprovativos do modo como andou nesse negocio, confessa que a este respeito houve-se mal; tem vergonha, leni receio que o parlamento conheça os motivos que o levaram a dar esse passo. Se a franqueza é necessaria em todo o individuo, a franqueza é duplicadamente necessaria nos ministros para, com os deputados. E precito que os, deputados saibam se os ministros no uso ou abuso do seu poder passaram além dos verdadeiros limites. Os ministros devem expor á camara qual a verdadeira situação do negocio; e querendo esconder os motivos que os levaram a dar esse passo, taes ministros não tem direito de exigir da camara nem a sua approvação, nem as suas sympathias!

Eu desejo uma vereda franca e leal; não posso apoiar devidamente os ministros que andam por veredas occultas, dentro das quaes não posso encontrar, nem descortinar os motivos que os levaram a obrar desta ou daquella maneira.

Quero, tenho direito de exigir, como representante da nação portugueza, que os ministros que resolverem negocios serios e graves para o paiz, apresentem á camara todos os documentos respectivos que mostrem os motivos que os levaram a isto.

Eu não sou amouco; não vim aqui para, defender o ministerio, vim para inquirir os motivos que o levaram a esta ou áquella medida. Quero abonar a minha opposição com documentos; peço esses documentos em virtude do direito que tenho como deputado. Não tinha precisão de os exigir, porque direi ao sr. ministro dos negocios estrangeiros -que continuamente nos está aqui indicando que-é muito intendido no que se passa em Inglaterra, que uma camara dos communs os deputados não pedem documentos desta ordem, porque o governo, quando abre a sessão, -manda para a camara impresso o Livro Azul que contém todas as notas e correspondencia diplomatica com todas as nações, e ácerca de todos as questões que os deputados intenderem que devem trazer á téla parlamentar.

Não póde haver reserva no-negocio de que se tracta. A camara não a deve consentir. O governo pelo decreto de 14 de outubro de 1855 destruiu a legislação vigente ácerca das vinhas do –Alto Douro; ha pessoas que intendem que este decreto foi muito benefico para o paiz do Douro; ha outras que intendem que o decreto foi de grande prejuizo para aquelle paiz. Eu tenho no Diario do Governo, para quando discutir este objecto, a consulta do nosso consul em Inglaterra a respeito dos direitos de importação na Inglaterra. — Tenho a resposta do chanceller a mr. D.Israeli sobre a interpellação na camara dos communs ácerca dos direitos de importação dos vinhos portuguezes. Tenho tambem a falla do throno em que Sua Magestade Britannica falla deste negocio. Já tenho pois bastantes documentos para entrar em questão; estou bastantemente habilitado; mas desejava habilitar-me mais, se acaso o sr. ministro dos negocios estrangeiros (puzesse fazer-me esse favor, como cavalheiro; e digo como cavalheiro, porque um deputado da opposição não pede favores aos ministro»; não lh'os tenho pedido; honro-me muito com isto; deputado da opposição, não quero nada dos srs. ministros; não quero senão que acceitem a declaração franca e leal da minha guerra. Sou deputado por Béja, e esta eleição só por si imprime um certo caracter, e colloca-me n'uma posição pouco duvidosa para os srs. ministros, e parece-me que até agora tenho andado menos mal neste caminho. (Riso)

Eu sempre desejarei saber como é que o sr. ministro até hoje não tem respondido ás notas dos ministros inglezes, porque esta declaração mostra bem a habilidade e a força de s ex. para ler em pouca consideração essas notas, e eu não acredito que o governo tenha força para isso.

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros (visconde d'Atouguia): — Eu não tenho que responder ao illustre deputado desde que s. ex.ª involver! a minha administração com todas as administrações anteriores. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Não poupo nenhuma; tenho combalido todas) Muito bem; o que eu quero só dizer é que não posso forçar o illustre deputado a, acreditar que effectivamente não existem respostas ás notas da época a que s. ex. alludiu, além daquellas que enviei para a camara, salvo se os empregados da secretaria não cumpriram a ordem positiva, que eu lhes dei, para que fossem remettidos á camara todos os documentos. Mas estou convencido de que elles não fallavam aos seus deveres, e de que a essas notas senão respondeu, mesmo porque ellas tem a nota que costumam ler aquellas que não tiveram resposta. Não tenho mais nada a dizer.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, estimei

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muito que o meu amigo o sr. Cunha renovasse o requerimento que eu tinha feito; que tinha sido approvado pela camara, e que deu occasião ás observações que fiz em uma das sessões passadas porque este incidente e a resposta do sr. ministro, colloca-me na situação de dar sobre este negocio algumas explicações.

Quando eu na sessão passada fiz aqui, hão accusação, mas severas censuras sobre o procedimento dó governo neste negocio fui acremente censurado tambem por um illustre deputado, que se senta naquelles bancos (apontando para a esquerda) porque atacava os ministros estando ausentes. Não pude então responder ao illustre deputado, porque já tinha fallado duas vezes sobre a questão; e por isso agora aproveito a occasião para fazer algumas observações à este respeito. A camara sabia qual era a ordem do dia, que era a continuação da discussão Sobre os actos da dictadura; e desde que se entrasse na ordem do dia, eu não podia dizer á camara aquillo que intendia que era do meu dever dizer-lhe sobre a falta de documentos, que eu e o illustre deputado o sr. Avila julgamos ser da obrigação do governo remetter á camara, para poder mos entrar com perfeito conhecimento de causa lia discussão da materia que se debatia. Eu portanto pedi á palavra antes da ordem do dia, e se os srs. ministros não estavam presentes, não era culpa minha. Deviam aqui estar, porque sabiam o que v. ex.ª havia dado para ordem do dia, apesar de que eu sahia que as explicações do sr. ministro não melhoravam a situação. Más eu fiz acres censuras ao governo, não ha duvida nenhuma; entretanto este governo forte e poderoso, este governo que tem aqui (antas illustrações, que tem tantos e ião habeis defensores, que podiam e deviam levantar a sua voz em sua defeza, não obraram assim; e apenas II in sr. deputado se levantou, não para combater o que eu tinha dicto, mas para me censurar por invectivar contra cavalheiros ausentes! Isto e que é intender o desempenho das obrigações parlamentares, como ellas devem ser desempenhadas!!.

Entro na questão. O sr. ministro dos negocios estrangeiros disse que depois da feliz explicação dada pelo illustre presidente da camara, estava mais desaffogado; claro é que s. ex.ª estava embaraçado. Eu tambem estou em mais desaffogado depois das explicações do sr. ministro, e vou mostrar que o sr. ministro, como poder, está neste ponto gravemente equivocado.

Não ha duvida que em geral nos requerimentos feitos pelos deputados, pedindo esclarecimentos do governo, se subintende a clausula de que é não havendo inconveniente) mas peço licença para notar, que desde que a camara por uma resolução sua determinou que a mesa desse seguimento a todos os-requerimentos dos srs. deputados, quando tivesse por fim pedir esclarecimentos ao governo, sem mais votação da camara, salvo esclarecimentos ou remessa para a camara de documentos diplomaticos, desde que isto se fez, a camara reservou o direito de examinar a natureza destes requerimentos, e Ver se havia ou não inconveniente, em que taes ou taes documentos desta ordem lhe fossem remettidos. Acamara sabe que estes requerimentos ficam sobre a mesa para segunda leitura; que no dia immediato entram em discussão, e que só depois disto é que são approvados, nu rejeitados: se são approvados, a camara intende que não ha inconveniente em pedir ao governo esses esclarecimentos o documentos e ó governo (em obrigação de manda-los para a camara.

Ora não tendo o governo combatido á approvarão deste requerimento e sobre tudo, não tendo feito declaração de reserva alguma na occasião em que aposentou esses que mandou, intendo que era porque não tinha duvida alguma em apresentar todos os documentos, que eu pedia, é as observações que s. ex.ª agora faz, mais ou menos procedentes, segundo o differente modo de encarar à questão, tinham muito mais cabimento, se fôssem feilas na occasião em que apresentou esses documentos. Mas, sr. presidente, que pedi eu? Pedi a correspondencia diplomatica sobre um incidente já resolvido. O sr. ministro não combateu então esse requerimento; a camara approvou-o, é dahi a dias apresentou-se e leu-se na mesa um officio em que s. ex.ª dizia que remettia toda a correspondencia pedida pelo deputado fulano. Eu intendi que s. ex.ª mandava toda a correspondencia relativa a este assumpto; más não foi assim, faltava a principal, e é Sr. ministro acaba agora de declarar, e nisto é que estava affogado, que havia neste negocio correspondencia que não era conveniente apresentar-se. Mas porque o não disse então? Porque não declarou então no seu officio haver neste negocio notas escriptas que era prejudicial aos interesses publicos manda-las? Era então que o sr. ministro o devia ter feito, porque eu apesar de seu adversario politico, não desejo nunca acha-lo em contradicção. Se nessa occasião tivesse feito essa declaração, eu ou me contentaria com ella ou não, e a camara leria resolvido como intendesse; mas a correspondencia que enviou, leni lacunas; tão importantes e essenciaes, que não serve para nada, sem que venha a que falla. Si: havia documentos que não fazia conta ao sr. ministro remette-los á camara, porque não fez s. ex. então as reservas que faz hoje? Se s. ex.ª estivesse aqui no meu logar, havia de ser tanto, ou mais severo do que eu, porque tenho razão de queixar-me.

Hoje tracta-se de sair desta difficuldade por duas evasivas: a primeira é recorrendo á clausula subintendida nos requerimentos de não havendo inconveniente — a segunda é dando a questão como pendente: deixo á camara a avaliação de ambas. Em quanto á primeira intendo, que fazendo a camara uma excepção a respeito dos requerimentos, pedindo documentos diplomaticos, reservando só pára esses a sua votação, desde que ella os discute o approva, e porque julga não haver inconveniente na remessa desses documentos: ainda mesmo que sé subintendesse tal clausula nestes requerimentos, não era possivel que a camara intendesse que podia dar-se inconveniente para o serviço publico em communicar aos representantes da nação documentos diplomaticos, que precederam a resolução de uma questão tão importante como é a questão dos vinhos do Douro. (O sr. Ministro dos negocios estrangeiros. — Que precederam?..) O orador: — Sim, senhor; que precederam, e que contém a chave da resolução desta questão. Apesar de eu ser estranho aos segredos governamentaes, cuida s. ex.ª que neste negocio ha lai reserva, que eu não saiba o que se passou? O sr. Ministro disse — Desde a nota de 30 de outubro de 1850, não ha nota nenhuma importante do governo portuguez até 5 de abril de 1852. — Qual foi a razão porque s. ex. não remetteu á camara a resposta que o ministerio de 18

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de junho, já depois de começada a revolta de abril, deu ao ministro inglez?

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros (visconde d Atouguia): — Eu já declarei que não declino de mim qualquer responsabilidade que me compete como ministro; mas declaro que dei ordem na secretaria, para que fossem mandados todos os documentos que houvessem até o dia 5 de abril. Se algum deixou de vir, não tenho conhecimento disso, irem mesmo posso ler interesse em negar aquelles documentos que não são relativos ao meu tempo.

O Orador: — De accordo: mas tendo s ex. dicto, que desde a nota do sr. conde do Tojal, de 30 de outubro de 1850, nunca outra nota importante fôra dirigida pelo governo portuguez ao ministro inglez até 5 de abril de 1852, julguei conveniente recordar aquella nota do ministerio de 18 de junho, que, segundo as informações que me foram dadas, sei que ella foi concebida em termos ião energicos e fortes porque do seu lado estava a razão e a justiça), que faz honra a um gabinete portuguez, e sobre tudo a um gabinete, que luctava naquella occasião com graves difficuldades: e lamento muito que os ministros que succederam a esse gabinete, nesta, e em outras materias não soubessem manter a dignidade do seu paiz como manteve aquelle ministro tão acremente censurado (Apoiados do lado direito).

Mas ha outro ponto grave, em que s. ex. se separou da minha opinião, alludindo a negociações pendentes, para assim illudir a satisfação do meu requerimento. Faça s. ex. o que quizer; mas desde que no discurso do throno, lido por occasião de se abrir o parlamento inglez, se declarou, que as reclamações inglezas tantas vezes feitas, e tantas vezes desattendidas pelo governo portuguez a respeito da legislação do vinho do Douro, tinham sido finalmente attendidas, por mais que se queira, não se póde negar que o governo cedeu a essas exigencias e reclamações.

Mas onde estão as notas, onde estão os fundamentos por que cedeu? Cuida s. ex.ª que eu ignoto as promessas que se fizeram ao ministro britannico em Lisboa? Cuida s. ex. que eu ignoro, que se linha promettido ao ministro inglez trazer á camara passada o projecto que continha a questão do Douro tal como se pretendia, e conhecendo-se que a camara não estava muito disposta a vota-la, este negocio se adiou successivamente, e sendo a camara dissolvida, e dizendo-se geralmente que o governo ia constituir se novamente em dictadura, o ministro inglez reclamou a satisfação das promessas, que lhe haviam sido feitas durante a reunião da camara passada?

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (visconde d'Atouguia): — Eu não sei nada disso; não sei de projecto nenhum.

O Orador: — Pois s. ex.ª não sabe das notas posteriores a 5 de abril, que contem a verdadeira chave desta questão? E note-se, que eu no meu requerimento não pedi só a correspondencia, mas tambem as differentes consultas que houve a este respeito, por exemplo a da secção administrativa do concelho de estado; e essas cousa lias não vieram... Neste caso é melhor que se diga francamente, que não se quer mandar á camara a correspondencia diplomatica que produziu o decreto de II de outubro; declare-se, que não julgam os representantes da nação credores de que lhes sejam communicados estes segredos de estado; mas não se diga — ahi vai a correspondencia pedida, quando não veiu toda quanta se tinha pedido. Pois s. ex. não sabe, que correspondencia significa as perguntas e respostas de dous, e não sómente as de um?

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros: — Não as tenho na minha secretaria.

O Orador: — Tambem não estava na secretaria de v. ex. a consulta da secção administrativa do conselho de estado, o. essa veiu. Lembre-se s. ex.ª depois que no parlamento inglez se declarou, que tinham sido attendidas as reclamações do governo inglez sobre a questão dos vinho» do Douro; depois que na camara dos pares os defensores do ministerio declararam, que a nova legislação sobre este assumpto era resultado de exigencias de nações poderosas, a que convinha attender, para não se suscitarem serios conflictos; depois destes factos, uma de duas: ou o governo tem a consciencia de que procedeu legalmente, de que manteve a dignidade nacional, de que cumpriu os tractados como devia, ou não álem; se a tem, apresente toda a correspondencia, deixe que os representantes da nação examinem a questão, por que só assim se poderá deixar de suspeitar, que os srs. ministros, no modo porque resolveram a questão do Douro, e a questão do sal de Setubal, s< curvaram a injustas reclamações estrangeiras.

Eu hei-de dar a s. ex.ª o meu louvor pelo seu discernimento; quando tiver provas para isso; mas se intender que os srs. ministros se curvaram a exigencias estrangeiras, como tenho toda a razão para acreditar, visto o modo porque decidiram a questão do sui de Setubal, eu tenho toda a razão para accusar a ss. ex.ªs por terem, além de tudo o mais, calcado aos pés a dignidade desta nação. — Se os srs. ministros tem a convicção de que procederam bem, tragam aqui todas as correspondencias, que houve sobre o assumpto, até mesmo para que se não diga depois que, nós, representantes da nação, não cumprimos com o nosso dever.

A questão do Douro é uma questão finda, e é necessario que o sr. ministro dos negocios estrangeiros se lembre que não hade ser eterno na gerencia da pasta a seu cargo, e que nestas circumstancias, podendo a todo o momento ser substituido por outro cavalheiro, seria summamente desairoso para s. ex. que então se soubesse a razão, por que s. ex. não quiz agora communicar á camara a questão do Douro. A verdade e a franqueza é o caminho que o governo deve seguir neste negocio, como em todos os outros, e á falla desta franqueza é que o sr. ministro deve attribuir as palavras severas que eu disse na sua ausencia, e que todavia não foram tão severas como as que acabo de pronunciar.

A camara póde decidir como quizer; póde decidir mesmo que ha inconveniente em serem mandados á camara os documentos que pedi, mas eu tenho então dobrada razão para arguir o governo a respeito dos motivos que o guiaram na solução deste negocio.

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros (visconde d Atouguia): — Quanto á parte em que o illustre deputado, não está em harmonia com o que v. ex. ha pouco me communicou, não me cumpre entrar nella.

Quando eu disse que estava mais desaffogado, foi quando soube que não havia resolução nenhuma

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nova, pela qual os ministros se considerassem obrigados a remetter para a camara, aquelles documentos que não intendessem conveniente fazel-o; e V ex. como presidente desta camara lerá a bondade de informar o governo, se effectivamente a doutrina expendida pelo nobre deputado é a regular, e a adoptada; isto é, se a todos os requerimentos que forem apresentados pelos srs. deputados e nos quaes se peçam esclarecimentos, é o governo obrigado a satisfazer, mandando esses mesmos documentos; ou se, ao governo fica o direito de mandar só aquelles documentos que entenda conveniente a bem do paiz. (Apoiados).

Sr. presidente, o illustre deputado insiste em que ha um documento que não veiu; mas eu não posso dizer mais do que aquillo que já disse. Na verdade estou n'uma posição desagradavel. O illustre deputado assevera que não vieram todos os documentos, mas eu já disse ao illustre deputado, que não foi o governo que os reuniu, encarregou um empregado de o fazer, e se não vieram todos, não foi por minha culpa por que eu dei as minhas ordens para que fossem remettidos para a camara todos os documentos que houvesse relativamente a este negocio até ao dia 5 de abril. Por conseguinte se ha falta, é deste empregado, que não cumpriu as ordens do governo..

O sr. Corrêa Caldeira: — Se v. ex. me dá licença, eu retiro todas as observações que fiz em relação á falta dos documentos anteriores a 5 de abril, e peço mesmo a v. ex.ª não faça censura nenhuma aos seus empregados que podem muito bem ter-se esquecido.

O Orador: — Eu acceito a explicação do illustre deputado, visto que me faz a justiça de acreditar neste ponto, que se as minhas ordens não foram executadas não é por minha culpa, e por conseguinte este incidente acaba.

O illustre deputado apresentou tambem a idéa de que o governo na camara passada linha um projecto para trazer á camara. Confesso a verdade, dizendo que não tinha similhante idéa; e direi mais ao illustre deputado que foi só depois de dissolvida a camara que se começou a tractar deste negocio nas differentes commissões, attendendo-se a diversas representações, e o nobre deputado sabe que este decreto que regulou a exportação dos vinhos, não foi elaborada na secretaria dos estrangeiros.

O illustre deputado até um certo ponto tem apparentemente razão em dizer que o seu requerimento não foi satisfeito, por isso que não vieram as consultas que pedia; mas eu direi ao illustre deputado, que se estas consultas não vieram, foi por se não acharem na minha repartição, e por eu intender que v. ex.ª queria mais o que era relativo a negocios diplomaticos, para daqui colher os motivos, pelos quaes se publicou este decreto: apressei-me por tanto, a mandar estes documentos, que existiam na minha repartição, e quanto ás consultas parece-me que devem estar na secretaria do remo, ou das obras publicas, e em nome dos meus collegas desde já me comprometto a manda-las procurar. Espero tambem que o illustre deputado acredite que o governo não foge de mandar tudo o que houver a respeito deste negocio, logo que elle esteja findo.

O illustre deputado disse mais que no parlamento inglez, se declarára que aquella nação estava satisfeita com o procedimento do governo portuguez, mas permitta-me o illustre deputado que lhe diga que nestas cousas ha um grande inconveniente, em entrar nellas de incidente, porque sobre esta materia ha de haver grande discussão, e ha de talvez, para assim dizer, haver um combate renhido. Entretanto, de passagem não posso deixar de dizer ao illustre deputado que na Inglaterra intendeu-se que o decreto de 11 de outubro satisfazia aos desejos daquella nação, porque alli dizia-se — Mandai o vosso vinho para fóra de Portugal com o imposto de exportação que quizerdes, mas igual para todos. — E feito isto pelo decreto de 11 de outubro, a Inglaterra disse, estão satisfeitas as nossas reclamações. Já disse ao illustre deputado que a questão não foi encarada debaixo deste ponto de vista, mas sim como a resolução de um negocio que o governo tem por altamente util ao paiz. Ainda nestas ultimas correspondencias que recebi antes de hontem, sou informado que o decreto de 11 de outubro é um decreto altamente benefico que ha de produzir grandes vantagens para o paiz, e pena é que nós parassemos alli. A pessoa que assim se expressa, é muito insuspeita para o illustre deputado, e para a maior parte da camara..

Sr. presidente, declaro ao illustre deputado que quando s. ex.ª disse n'um áparte — notas verbaes — intendi que s. ex. queria dizer que nesta occasião houve notas verbaes; mas quando eu trouxer á camara este negocio, ha de vêr que ha muitas poucas notas a respeito desta questão. Foi negocio tractado e resolvido n'uma sessão, e depois de publicado o decreto de 11 de outubro, acabou-se sem maiores correspondencias e sem ulteriores trabalhos de penna. O nobre deputado ha de reconhecer, quando chegar essa occasião, que ainda quando eu quizesse occultar qualquer documento, não polia occultar talvez mais do que tres ou quatro papeis, que não são necessarios para esta questão, e quando ella fôr tractada na camara, sem ser por incidente, então se verá se governo cedeu a reclamações estrangeiras. Entretanto devo declarar que os papeis a que me refiro, são notas confidenciaes, que eu não posso tornar patentes, sem ser auctorisado por quem as escreveu; e não tinha duvida de as confiar ao illustre deputado, se não fosse esta circumstancia; e mesmo porque sabendo que s. ex.ª não é capaz de abusar, colloca-lo-hia em peior situação, dando-lhe conhecimento de documentos, de que não poderia servir-se.

Sr. presidente, tanto nesta sessão, como já em outra se disse que na outra camara se apresentaram observações da parte de um digno par, que defendia o ministerio, pelos quaes se deprehende que se o governo publicou a extincção da roda do sal, e publicou o decreto de 11 de outubro, tinha sido em virtude de reclamações estrangeiras. Sr. presidente, ha tres dias, na ultima sessão da camara dos pares, esse mesmo cavalheiro, áquem se refere o nobre deputado, negou ler dito similhante cousa... (O sr. Corrêa Caldeira: — Declaro a v. ex.ª que não sabia que elle tinha negado, e v. ex.ª deve saber que alguns dignos pares que o ouviram, lhe responderam nesse mesmo sentido.) O Orador: — Pois saiba o illustre deputado que esse mesmo digno par disse que as palavras que tinha proferido, eram as que vinham no Diario; mas supponhamos por momento que é exacto que este digno par avançou similhante idéa; o governo não se responsabilisa pelo que dizem os seus amigos, nem que um par na camara, levado um pouco

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pelo calor da discussão, solte uma outra expressão, que o governo não aceita; e acontece que aquelle cavalheiro, aliás de grande merecimento pelas suas luzes, e talento, não foi consultado pelo governo a este respeito. Sobre este ponto nada mais tenho que dizer, senão que se o governo promulgou o decreto de 11 de outubro, foi por intender que ía beneficiar o paiz do Douro.

O sr. Corrêa Caldeira. — Eu intendo que quando a camara approva qualquer requerimento sem alteração, é porque intende que não ha inconveniente algum na remessa desses documentos, e o sr. ministro quando n'outro dia apresentou aquelles documentos disse — São todos — Logo não intendia haver inconveniente; senão teria dito — Que faltavam alguns que não vinham por não ser conveniente.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Já antes do sr. ministro começar a fallar eu tinha pedido a palavra para dar uma explicação, a fim de responder a algumas observações apresentadas pelo sr. Corrêa Caldeira. Nas camaras transactas por varias vezes, e em varias sessões, quando se apresentavam requerimentos em que se pediam esclarecimentos ao governo, sempre se decidia que a remessa destes esclarecimentos era com a clausula — de não havendo inconveniente — (Apoiados) e n'uma das primeiras sessões desta camara ventilou-se uma questão, por ocasião da apresentação de um requerimento que não trazia clausula; e a camara resolveu de uma maneira muito clara, que esta clausula de — não havendo inconveniente — sempre se subintendia, ainda quando o requerimento a não trouxesse; (Apoiados) e é por este motivo, que o sr. ministro vindo perguntar á mesa qual era a practica da camara a este respeito, eu disse-lhe que a practica era o governo remetter para a camara aquelles esclarecimentos, ou quaesquer outros documentos, quando julga-se nisso não haver inconveniente. A proposta do sr. José Estevão, aprovada pela camara, e a que o sr. Corrêa Caldeira se referiu, não destroe a practica, porque o requerimento do sr. deputado é unicamente para que aquelles requerimentos em que se pedem esclarecimentos ou documentos, que -não são relativos a negocios diplomaticos, sejam remettidos pela mesa ao seu destino, sem que para isso seja necessario deliberação da camara, e aquelles que são relativos a negocios diplomaticos, não possam ser expedidos sem deliberação della. Portanto já se vê que a proposta do sr. José Estevão não destroe a practica estabelecida, de que quando o governo intenda não ser conveniente mandar quaesquer esclarecimentos, que se peçam, póde deixar de os mandar. E esta a explicação que tenho a dar.

O sr. Presidente: — Tenho a ponderar á camara que se acham inscriptos ainda nove srs. deputados antes da ordem do dia. A hora esta muito adiantada e portanto vou consultar a camara, se quer entrar na ordem do dia, ficando porém reservada a palavra para ámanhã aos mesmos senhores que se acham inscriptos.

Resolveu-se affirmativamente.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto n.º 7 (sobre actos da dictadura). O sr. Presidente: — Continua com a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello); — E sempre com grande repugnancia que conservo a palavra de uma para outra sessão. Os argumentos produzidos pelos meus adversarios ficam mais longe, e as minhas respostas não podem ser ião efficazes. Falla-me mesmo uma certa impressão de momento, que é necessaria para responder com mais acerto de causa, e nestas circumstancias sempre a posição do orador é mais desagradavel. Não foi porém culpa minha, que eu pedisse a v. ex. que me reservasse a palavra para a sessão de hoje; comecei muito tarde a fallar na sessão antecedente, e intendi que a deferencia que me merece o illustre deputado o sr. Avila, exigia que desse uma resposta prompta, e que não devia por fórma nenhuma deixar intercallar outros oradores entre mim e s. ex. sem responder, em quanto em mim coubesse, ás suas observações ponderosas. Não pude comtudo concluir o meu discurso; tive já de fallar n'outra casa do parlamento depois da ultima sessão, e vou agora procurar alar o fio das minhas idéas, e seguir a ordem do discurso do deputado a quem especialmente me proponho responder.

Comtudo permitta-me v. ex. que n'esta occasião não deixe de me referir á questão que se acaba de tractar, não tanto como questão finda neste momento, mas porque ella tem uma connexão intima com a que nos occupa agora; fallo dos actos da dictadura. Direi algumas palavras em resposta ás observações que ouvi daquelle lado da camara (o direito) e com as quaes pertendo justificar o governo que não precisava talvez do auxilio da minha vóz, depois que fallou o meu collega o sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas como o decreto de 11 de outubro é um dos actos mais importantes da dictadura que nós estamos discutindo, parece-me que não serão perdidas breves e succintas reflexões que deseje fazer em resposta ao illustre deputado o sr. Corrêa Caldeira.

Eu declaro formalmente, que o governo não accedeu, na promulgação do decreto de 11 de outubro, a exigencias de nenhuma nação estrangeira; (Apoiados) nem nesta questão, nem na do sal o governo se resolveu por influencias estranhas, mas simples e unicamente pelos interesses economicos do seu paiz, como elle os comprehende. Sinto que tivesse escapado, se escapou, alguma parte da correspondencia que o illustre deputado desejava ver, tanto pelo que diz respeito ás opiniões de pessoas e corporações que foram consultadas, como em relação ás notas que se trocaram entre o governo portuguez e o governo inglez. As notas diplomaticas que dizem respeito a essa questão finda, as correspondencias e os pareceres de pessoas e tribunaes hão de vir necessariamente á camara, se não vieram já, porque o governo é o primeiro interessado em justificar a sua politica á face do paiz, e provar-lhe evidentemente, que o seu procedimento não foi uma subserviencia desgraçada a exigencias de nenhum poder estranho, mas sim resultado de harmonia em que deseja estar com os principios que tem procurado estabelecer desde que se acha á frente dos negocios. Se o illustre deputado comparasse o dei relo de 11 de outubro, e o decreto que extinguiu a roda do sal, com todos os outros actos economicos e administrativos, que o governo promulgou durante o tempo em que exerceu poderes extraordinarios, veria que ha effectivamente coherencia de idéas, principios similhante, uma certa tendencia para

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a liberdade do commercio, uni cm lo desejo de acabar com alguns monopolios que se reputavam inconvenientes, e não era para estranhar que no curso natural destas idéas o governo fosse tomar uma providencia importante em relação ao negocio dos vinhos do Douro, que estava collocado debaixo deste ponto de vista, isto é, de ser um monopolio que o governo reputava infesto aos verdadeiros interesses do paiz O governo pode-se ler enganado; o governo póde não ter resolvido bem, mas neste caso cumpre apresentar por parte da opposição, de uma opposição ião esclarecida como é aquella que se senta nesses bancos (dirigindo-se para o lado direito) e eu estou persuadido que ha de apresentar, as razões e argumentos com que os illustres deputados demonstrem que

O decreto de 11 de outubro ou contravem os principios economicos, ou que absolutamente fallando debaixo de qualquer consideração que seja, é prejudicial aos interesses do Douro, e do paiz em geral.... (O sr. Corrêa Caldeira: — Isso é outra questão). Muito bem; eu faço sempre justiça aos talentos e intelligencia dos meus adversados; estou certo que hão de produzir argumento, e a esses argumentos responderá o governo como melhor puder, mas ás insinuações de que cedendo a influencias estranhas se promulgou o decreto de 11 de outubro, era indispensavel responder já, e negar formalmente por parte do governo uma asserção que produziria para a medida um grande odioso no paiz. (Apoiados)

Sr. presidente, póde haver algumas notas diplomaticas no ministerio dos negocios estrangeiros, que o governo não repute conveniente apresentar por ora a esta camara em relação ainda á mesma questão, por que póde haver novo motivo, e creio que ha effectivamente, pelo qual o governo reputaria que prejudicava as relações diplomaticas, que ainda existem entre os dois paizes, se apresentasse ao parlamento essas notas; mas pelo que toca á questão propriamente finda, intendo que não póde haver duvida alguma, e o meu nobre collega o ministro dos negocios estrangeiros, se acaso ainda reconhecer, por algum exame posterior, que não mandou á commissão todos os documentos que de certo desejava que viessem, porque ninguem primeiro do que elle tem interesse em que sejam remettidos á camara, estou bem certo que os ha de mandar agora.

Sr. presidente, todos sabem que as opposições procuram ganhar pai tido á custa dos ministerios, e que os ministerios muitas vezes procuram prejudicar, pelos meios que teem ao seu alcance, a ascensão das opposições ao poder. Não sei se por força desta consideração alguma cousa se disse no parlamento inglez, que, sem ser absolutamente exacto, nos collocou de uma maneira apparentemente desagradavel. Eu não posso ser bastante explicito a este respeito, mas a camara que é muito II lustrada, comprehende de certo quaes foram os motivos que podia ler o gabinete que acaba de largar os negocios publicos na Grã Bretanha, para apresentar a questão dos vinhos do Douro de uma maneira mais favoravel para ella do que para o governo portuguez. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — O sr. ministro dos negocios estrangeiros que reclamasse). Muito bem; o que o governo tem feito, o que o governo lia de fazer, o caminho que deve levar esse negocio, é a questão que não se póde trazer por ora ao pai lamento. Adivinhou o illustre deputado, como costuma quasi sempre adivinhar; essa é que é a questão que não se pode trazer por ora ao parlamento. (O sr: Cunha Sotto-Maior — Mas hei de fazel-a trazei). Não póde fazer; póde censurar, póde fallar, póde gritar, póde fazer tudo isso, mas lazer trazer ao parlamento uma questão, quando p governo reputa que é prejudicial aos interesses do paiz o lia zela, não póde o illustre deputado, não póde ninguem. (O sr. Cunha Sotto-Maior — Veremos), Muito bem, veremos.

Sr. presidente, toquei neste objecto por incidente sómente, e mesmo porque é um dos decretos da dictadura que se acham actualmente em discussão: não digo mais sobre elle, porque não foi impugnado por ora, e passo a responder successivamente a alguns dos argumentos apresentados pelo meu nobre amigo o sr. Avila na sessão passada.

Um dos primeiros capitulos de accusação ou de censura que me dirigiu o illustre deputado, foi a determinação de se pagar o semestre corrente de juros da divida fundada interna e externa, em logar do ultimo semestre que estava em divida depois de dissolvida a camara dos srs. deputados da sessão passada. O illustre deputado explicou a theoria constitucional, explicou qual devia ser o procedimento do governo depois da dissolução da camara, e disse, que a camara tinha sido dissolvida em consequencia da questão da capitalisação e da amortisação, e que o governo devia esperar pelo resultado do appello que tinha feito ao paiz, a fim de resolver essa questão.

Em primeiro logar direi, sr. presidente, quanto eu posso prever, os motivos que levaram o poder moderador a usar do direito da dissolução; intendo que a camara foi dissolvida, e esta é a theoria constitucional geralmente abraçada; porque não havia harmonia entre o pensamento do governo e o pensamento da camara: ou havia de saír um ou outro destes corpos; neste caso a camara dos srs. deputados foi dissolvida; entretanto devo confessar francamente que se acaso não houvesse inconveniente algum em deixar pendente e intacta a questão da capitalisação e da amortisação, eu o leria feito de boa vontade, porque não queria que nem a suspeita podesse existir, de que lendo havido dissidencia entre o governo e a camara n'um objecto importante, o governo tinha resolvido este negocio de seu meio proprio. Mas não aconteceu assim, porque esse negocio foi resolvido por força de circumstancias, que não podia o governo evitar.

Logo que a camara foi dissolvida, a junta do credito publico representou ao governo, perguntando qual era o semestre, que devia ser pago immediatamente com os fundos que estavam em reserva nas suas caixas, e qual era a lei que devia regular esse pagamento? O governo tinha de responder necessariamente, por que não havia de deixar uns poucos de mezes Os possuidores de inscripções ou bonds sem receberem os juros que lhes pertenciam só porque elle não tinha satisfeito a essa resposta, que era exigida pela junta do credito publico. O governo podia dizer, é verdade, que se pagasse o semestre mais antigo; irias desde o momento em que dissesse isso, revogava o decreto de 3 de dezembro que era um acto da dictadura, e só podia ser revogado por outro acto da dictadura; o governo não podia sem usar de poderes extraordinarios, mandar que se pagasse o semestre mais antigo; e pagando-se o semestre corrente, ficava sempre o direito, ao parlamento de capitalisar ou não capitalisar os quatro semestres; e se acaso o governo mandasse pa-

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gar o semestre mais antigo, revogava elle por sua propria mão a obra que tinha promulgado, e usava de uma attribuição que naquelle momento já lhe não pertencia; ao menos por aquella forma Se o governo quizesse fazer isso cedendo, note-se bem, a uma opinião que não era sua, a uma opinião que não tinha sido resolvida definitivamente na camara dos srs. deputados, e mesmo resolvida não tinha aquelle caracter legal que lhe era necessario, pelo motivo de lhe faltar a sancção do outro ramo do poder legislativo, o governo precisava não expedir uma portaria a junta do credito publico, mas era precizo formular um decreto de dictadura que annullaria por certo o facto mais importante da primeira dictadura. Isto era absurdo, e faria perder a força moral do governo, e nem lhe podia caber nas suas attribuições.

O governo intendeu pois que era menos perigoso e inconveniente responder á junta do credito publico, mandando que se pagasse o semestre corrente, do que derogar desde logo o decreto de 3 de dezembro n'uma das suas mais importantes disposições. Póde ser, repito, que se não fosse a necessidade imperiosa de resolver esta questão, ella ficasse intacta, mesmo por um melindre de deferencia, e dos desejos manifestados pela camara dos srs. deputados na sessão passada, para com os quaes não tinha nenhuma indisposição.

Sr. presidente, o illustre deputado o sr. Avila veiu em meu auxilio n'uma questão difficil, e que é hoje ventilada diariamente, se póde dizer, em toda a parte, que é a questão do banco; e não digo tanto na questão do banco propriamente dicta, mas na justificação de algumas asserções importantes que eu tinha apresentado ao parlamento. Eu nunca esperei menos do illustre deputado; lenho-lhe feito constantemente justiça; conheço a pureza das suas intenções, e não podia esperar que elle deixasse de justificar com a sua palavra, e de me ajudar com o seu testimunho, nas revelações e declarações importantes que eu tenho feito á camara a respeito do banco de Portugal Não quero aqui tirar nenhum partido, no sentido das conveniencias do governo, das declarações do illustre deputado; o que quero é mostrar a satisfação que tenho de vêr que um illustre deputado, que francamente me combate no seu honroso posto de opposição, assim como eu já combali por muito tempo a s. ex., dá um testimunho insuspeito sobre uma questão, que tem sido longa e acremente debatida, e na qual se tem querido inculcar que eu reflicto, que eu faço ponderações por sentimentos menos nobres, e menos dignos do logar que occupo, a respeito de um estabelecimento de credito do paiz.

Sr. presidente, o illustre deputado occupou uma parte importante do seu discurso, referindo-se á negociação do caminho de ferro de leste, e nesta parte permitta-me s. ex. que lhe diga, creio que foi summamente injusto. (Apoiados) Não digo que o quizesse ser; estou persuadido que o não quer ser, mas appreciou de uma maneira um pouco desfavoravel a verdade dos factos, assim como o procedimento do governo, e por isso me obriga a fazer algumas considerações. (O sr. Avila: — Estimarei muito ter-me enganado)

O Orador: — Sr. presidente, poucos dias antes do discurso do sr. deputado linha eu mandado publicar no Diario do Governo os officios, e documentos officiaes que diziam respeito a esta importante questão, e que a meu vêr resolvia o negocio interinamente, em quanto não fosse definitivamente resolvido pelo poder legislativo, unico competente para este effeito, como alli mesmo muito expressamente se declara. O governo, como disse, parecia que resolvia interinamente este negocio; mas de uma maneira tal que não compromettia o resultado da empreza, nem o futuro do governo, nem as boas practicas do systema representativo. (Apoiados) O governo tinha feito um programma, e annunciado um concurso publico, e para se entrar neste concurso havia certas condições sacramentaes, e uma dellas e a principal era o deposito de 10 mil libras á ordem do governo e da companhia. No dia aprazado, em que se abriram as propostas das companhias licitantes, apenas se apresentou uma companhia com as condições preenchidas, e se II as quaes o governo a não podia tomar em consideração; essa companhia foi a que depois se chamou concessionaria dos caminhos de ferro ele Lisboa á fronteira de Hespanha. Neste estado de cousas o governo acceitou, porque não podia deixar de acceitar, a proposta como condicional e como provisoria na conformidade das determinações do programma.

A companhia procedeu aos estudos do terreno, fez os traçados da linha, percorreu o espaço que medeia entre Lisboa e Santarem, que era o que positivamente está encarregado desde já á 1.ª secção dos caminhos de ferro, e procurou vir a um accôrdo com o governo sobre algumas modificações importantes do programma, e o governo sobre todas estas modificações mandou ouvir o conselho de obras publicas, que é composto, como toda a camara sabe, de cavalheiros intelligente», e que desejam sinceramente o bem do seu paiz. Este foi de opinião que não tendo apparecido nenhuma outra companhia que satisfizesse aos preceitos indispensaveis, sem o que não podia o governo acceitar a modificação, o governo estava no seu direito de tractar com esta companhia, fazendo aquellas modificações que fossem rasoaveis, e que não prejudicassem o governo nem os emprezarios.

Foi debaixo destas considerações e de accôrdo com ellas que o governo concordou na modificação de algumas bases ou condições previas n'um projecto de caderno de encargos (este é o termo que elles empregam para estas condições, nós usamos outra frase), e não chegou a concordar sobre o projecto definitivo, porque isto ainda ficou dependente da approvação das córtes. Neste estado de cousas o governo julgou que era conveniente, depois de terminados todos estes trabalhos, fixar um prazo, dentro do qual a companhia se devia mostrar habilitada para começar os seus trabalhos. O governo fixou esse prazo. Já tive a occasião de dizer á camara, quaes os fundamentos e quaes as intenções em que o governo estava depois da publicação daquelles documentos.

Findo o prazo se me apresentou um dos principaes gerentes da companhia, saccando uma letra, pelo deposito que teve de fazer, sobre uma casa de Londres.

A letra era á vista e o governo acceitou a; e o cavalheiro sobre quem ella era saccada, dias depois chegou a Lisboa, e pediu e reformou a sua leira sobre duas casas de Londres.

Devo declarar francamente á camara que a minha opinião era que a condição indispensavel para se conceder a linha de ferro a esta companhia, não estava cumprida. (Apoiados) Mas o governo que desejava que senão demorassem aquelles Trabalhos, e que queria a todo o custo, pelo interesse do paiz, vêr começada a linha de ferro, intendeu que salvas certas

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condições, só com as quaes se poderia considerar habilitada legalmente a companhia, não havia inconveniente, nem para o governo, nem para a companhia em reputar a companhia como habilitada para neste caso dar começo aos seus trabalhos. O governo podia ter rompido com a companhia, e consideral-a como não habilitada; podia seguir quaesquer destes tramites; podia mandar proceder a novo concurso, como se faz em outros paizes; mas o governo intendeu que não prejudicava nada, procedendo da maneira que procedeu, e que podia ganhar tudo seguindo o caminho marcado no officio que vem publicado no Diario do Governo de 29 de março. Eu peço licença para lêr á camara este officio. (Leu)

A camara verá, como tem de certo visto cada um de seus illustres membros, que nestas condições se mencionam as clausulas indispensaveis para que o parlamento tenha um veto absoluto sobre o negocio do caminho de ferro; para que possa annullar-se, e para que não tenha logar, se a camara assim o intender, ou para que se ponha novamente em concurso: póde fazer-se o que se queira, porque não ha nada feito definitivamente. A dizer a verdade não sei, neste estado de cousas, com esta ampla liberdade que resta ao governo, não posso comprehender como o nobre deputado podesse dizer que se tinha feito a concessão definitiva. Eu vou lêr ao nobre deputado as condições (O sr. Avila: — não preciso) porque eu sei que comprehende perfeitamente a questão; mas quando se está impressionado de um certo sentimento, ás vezes não se veem as coisas tão claramente, como os outros que não lêem essas preoccupações. E só neste sentido que vou lêr as condições, a que me refiro, senão não tinha o atrevimento de as lêr ao nobre deputado, e peço desculpa:

«1.ª condição. — Se no dia do vencimento das «duas leiras de 15:000 libras cada uma, com que «se ha-de completar o deposito, ou antes disso, não «forem pontualmente pagas as dietas leiras, ficará «nullo e de nenhum effeito o contracto que se tiver «celebrado, dissolvida toda a ligação entre o governo e a companhia, e perderá esta o deposito de «10:000 libras esterlinas, que já existe, e todas as a obras e trabalhos que tiver executado, sem direito «a indemnisação alguma.»

Pergunto — Qual é a responsabilidade do governo neste caso? Nenhuma. A responsabilidade e os embaraços são todos da companhia. Aqui a cousa mais favoravel é que no caso de se não verificar o deposito, como se acha estabelecido, perde a companhia 10:000 libras que já estão postas á ordem da Agencia Financial em Londres, e perde todas as obras e trabalhos que já tiver executado, e todas as despezas que tiver feito, se tiver começado a obra, e isto sem direito a indemnisação alguma (note-se bem). Qual é pois a responsabilidade do governo? Para o governo nenhuma. Por conseguinte esta condição é ião explicita, está redigida de uma fórma lai, — que não admitte a mais pequena duvida sobre a sua interpretação genuina.

Diz-se depois

«2. condição. — O governo subscreve com um terço do capital correspondente á 1.º secção do caminho de ferro, porém não entrará na companhia com quantia alguma relativa ás acções que lhe pertencem, em quanto o deposito das 40:000 libras não estiver effectivamente realisado em metal sonante, ou em titulos de divida fundada, pelo valor do mercado.»

Aqui está exarada a segunda especie bem explicitamente, por isso que podia ser motivo de increpação para o governo: podia suppôr-se que o governo querendo contemplar com uma terceira parte a subscripção para esta obra, ía par este modo habilitar a companhia com os seus proprios meios, e não por meios della, a dar começo aos seus trabalhos, porque a companhia não tinha meios para isto senão á custa do governo. Ora para evitar isto é que aqui se pôz esta 2.ª condição.

O sr. Corrêa Caldeira: — É o que póde acontecer mesmo apesar da condição.

O Orador: — Isso é que eu não comprehendo, a não ser como uma insinuação, que queria fazer o nobre deputado de que o governo depois desta disposição altere a sua interpretação.

O sr. Corrêa Caldeira: — Não é nesse sentido.

O Orador: — Então não comprehendo. Parece-me que a declaração é bastante explicita; e se acaso estas palavras que aqui estão, não contém uma declaração terminante e positiva a este respeito, declaro que não sei como ha-de ficar mais claro. Eu digo que em quanto o deposito não estiver preenchido em metal sonante, o governo não dará um real. Creio que isto é bastante claro e terminante. (Apoiados.)

«3.ª condição. — O governo reserva-se o direito «de estipular, ou não, no contracto definitivo, como «julgar mais conveniente, que toma parte, na rasão «de um terço da quantia total, nos lucros ou perdas «da construcção do caminho, ou que se limita á simples exploração da linha, como os demais accionistas.»

Ora eu tomo a liberdade de expor á camara a rasão porque fiz isto. Eu tinha todo o interesse em resolver este negocio mesmo no estado em que se acha, antes da saida do paquete passado. O paquete saiu no dia seguinte áquelle em que mandei fazer este officio, e eu queria que levasse este negocio collocado neste terreno, e não tinha por consequencia tempo nem de consultar os meus amigos politicos, nem a camara, e intendi que sendo um ponto grave, que podia admittir diversas opiniões, e que era conveniente resalvar em todo ocaso por uma disposição explicita, o que o governo e as côrtes podessem vir a resolver sobre este objecto, porque sendo certo que ha muita gente que diz, e o sr. barão de Almeirim é um delles, que a somma destinada para cada kilometro para a construcção do caminho de ferro é um grande lucro para a empreza, e nesta hypothese se o governo associando se á mesma empreza não tomasse parte nos lucros possiveis da empreza, podiamos assumir uma grande responsabilidade para aquelles que reputam estas emprezas, como um grande negocio commercial. Por outra parte tenho ouvido diversa opinião de pessoas respeitaveis, e negociantes desta praça, e que estavam algumas dellas, promptas para entrar ou subscrever com algumas somma para esta empreza, mas que não queriam partilhar essa responsabilidade de lucros ou perdas que resultassem depois, porque havia muitos emprezarios, que tinham quebrado n'outros paizes por haverem estipulado nos seus contractos, que ficavam a seu cargo os prejuizos que podia haver, depois de feito o caminho de ferro, e que por isso não queriam senão limitar a sua parte de capital, com que entravam, a um juro certo e de

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terminado de 6 por cento. Ora nestas opiniões encontradas, não querendo eu assumir tambem a responsabilidade de resolver cousa nenhuma definitivamente, intendi que a condição 3.ª é a que deixou ás côrtes o direito de resolver definitivamente o que fôr mais conveniente.

«4.ª condição. — O governo será representado na «direcção da companhia por individuos de sua escolha na proporção do capital por que subscreve.»

Nada tenho que dizer porque é uma condição de formula.

«5.ª condição. — Os direitos e obrigações que resultam do contracto, não produzirão effeito algum para nenhuma das partes contractantes, em quanto é não fôr apresentado ás côrtes, e approvado por lei.

Ora, depois desta declaração tão explicita, depois de se reconhecer evidentemente por estas condições que quaesquer que sejam as estipulações entre o governo e a companhia, não ha nada definitivo, porque só depois de approvadas pelas côrtes é que que podem ter esse caracter, não sei como se póde dizer, que o governo deu definitivamente á companhia a concessão do caminho de ferro, e até se fez uma interpellação sobre isso, exigindo-se uma resposta cathegorica — se acaso nos actos da dictadura a que se refere o parecer da commissão, se comprehendia o decreto, que auctorisa o programma, ou se pelo enunciado no parecer da illustre commissão especial, encarregada de dar o seu parecer sobre os actos da dictadura, se intendia que deviam contar-se promulgados todos os actos da dictadura, embora não estivessem comprehendidos na collecção desses actos, que tinha sido submettida á approvação da Camara.

Pois á vista de tudo isto, da maneira como se acham redigidas estas condições, podia o nobre deputado dizer que se tinha dado a concessão definitiva do caminho de ferro de Lisboa á fronteira? Digo sinceramente que nunca fiz uma cousa com menos escrupulo. (Apoiados) Parece-me que não compromettia nada; que deixava o direito ao parlamento de resolver como intendesse que era conveniente a este respeito; e que por consequencia que não compromettia o governo em cousa nenhuma. (Apoiado)

Portanto os nobres deputados que se persuadiram que estava feito o contracto definitivo, estou certo que logo estarão convencidos que nada se acha feito, nem póde estar feito, em quanto as duas camaras e o poder real não assignar e promulgar o contracto que fôr feito com a companhia de caminhos de ferro.

Mas d'aqui a dizer que não havia absolutamente nada feito, ha alguma differença. Alguma cousa ha feito, e isso foi o que eu propuz: visto que a companhia se prestava a começar os seus trabalhos no dia 25 ou 27 de Abril, não quiz eu impedir que esse movimento podesse ser estorvado por causa de uma questão de formula, uma vez que podia depois ser revogado, ou annullar-se o que se houvesse feito, no caso de não serem cumpridas em todas as suas partes estas condições, ou de que o parlamento resolvesse outra cousa: porque como acabei de dizer, o governo nada compromettia, porque apesar de eu acceder a assignar estas condições, em que a companhia declara, acceitando-as, que ha de começar os seus trabalhos no dia 25, póde não começar. Espero que comece; mas póde deixar de começar, póde começar mesmo n'outro dia, 27 ou 29, como se intender, porque as declarações da companhia não são ordens para o governo; e o governo ha de apresentar á approvação das córtes et seu projecto como formais conveniente.

Tambem se fez uma censura ao governo, porque subscrevia uma terceira parte para o caminho de ferro, e até me parece que Ouvi a um illustre deputado, que devia voltar á praça o contracto, porque talvez com essa condição, de que o governo subscrevia com uma terceira parte, apparecesse uma outra Companhia, que quizesse entrar em tomar esta empreza com condições mais equitativas. Mas eu peço licença á camara para dizer que esta condição não foi sollicitada pela companhia, e digo mais a v. ex. e á camara, que na conformidade do programma, o governo está auctorisado a fazer a concessão definitiva a esta companhia, se tivesse cumprido as condições do programma, sem mesmo haver a subscripção Ido governo por uma terceira parte. Por consequencia não era condição que devesse ir á praça, porque o governo podia dar a concessão definitiva sem mesmo haver esta condição.

Mas, sr. presidente, por ventura será novo este procedimento do governo entre nós? Será novo nos paizes estrangeiros o governo associar-se a uma em-preza desta ordem, para que possa ter mais promptos e proficuos resultados? Ainda ha poucos dias vi por acaso sobre este assumpto o decreto de 19 de de zembro de 1834, em que se determina em regra, que sobre todas as emprezas de obras publicas de concessão o governo seja subscriptor pela decima parte, porque sempre se intendeu, e na minha opinião intendeu-se bem, que o governo deve sempre intervir sobre essas obras, para ter o direito de as fiscalisar, para acompanhar os trabalhos destas emprezas, vigia-los mais de perto, e mesmo para que possam caminhar mais depressa e com melhores resultados. Mas se no nosso paiz existe esta disposição, por aquelle decreto, tambem lá fóra é commum o intervir o governo nestas obras como subscriptor. Eu citarei um exemplo, e neste ponto parece-me que responderei tambem ao illustre deputado, o sr. barão de Almeirim. S. ex.ª disse, que a somma por que o governo linha adjudicado, era superior a tudo quanto se faz lá fóra. Isto não é exacto. S. ex. citou alguns exemplos, mas não citou todos, e esqueceu-se de que em França particularmente entra o governo, associa-se em larga escala a estas emprezas de utilidade publica, tomando uma parte dos fundos correspondentes. Ainda ultimamente antes desta ultima concessão, que tem dobrado por assim dizer a rede de ferro em todo o solo daquelle paiz, havia 3:900 kilometros de caminho de ferro feitos em exploração, e os quaes tinham custado á França perto de 1:300 milhões de francos, e desta somma 357 milhões, quasi uma terça parte desta quantia, era subscripção do estado.,

Já se vê portanto que em França tem-se feito proximamente o mesmo que nós queremos fazer aqui; o estado tem-se associado na terça parte, ou quasi na terça parte das obras dos caminhos de ferro; refiro-me á época anterior a estas ultimas concessões, que dobraram quasi a rêde dos caminhos de ferro nesse paiz. Mas o que não é exacto (peço perdão ao illustre deputado para lhe dizer) é que a somma porque se arbitrou cada um dos kilometros do caminho de

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ferro em Portugal seja superior ao que se faz em toda a parte...

O sr: Barão d Almeirim — Ha muitos dias.eu pedi aqui na camara, em um requerimento, que pela repartição das obras publicas fosse enviado a esta casa o documento, ou documentos, pelo qual se tinha estipulado esse preço; porque em uma portaria, mandada publicar por v. ex.ª em fevereiro passado, dizia-se que se tinha estipulado esse preço em relação aos mappas ou documentos, pelos quaes na Belgica se tinham contractado os caminhos de ferro, e tirado o termo medio, assim se tinha estabelecido o preço desse nosso caminho: eu pedi esses documentos e até hoje não veiu resposta nenhuma.

O Orador: — Peço perdão ao nobre deputado se acaso os não mandei mais depressa; mas em relação aos caminhos de ferro de França, e mesmo aos da Belgica, havia muito onde encontrar-esclarecimentos: no Jornal dos Economistas vem que em França o governo tinha contribuido com a quantia de 357 milhões de francos; o nobre deputado encontrava-os tambem nos Annaes de Pontes e Calçadas, não só em relação a França, mas em relação mesmo aos caminhos de ferro belgas, e em muitas outras obras. Eu sinto ter havido essa falla, de remessa ao nobre deputado, dos documentos que-pediu; mas o que vejo é que s. ex. não os precisava, porque visto ler declarado que o preço do kilometro do caminho de ferro portuguez era superior ao preço do kilometro lá fóra, é evidente que por alguma parte o sabia; provavelmente aquelles documentos que o nobre deputado pediu, viriam desenganal-o de que não era exacta a sua asserção, a menos que não suppozesse que não eram tambem exactos os documentos do modo porque foram confeccionados, mas não foram feitos por mim, foram feitos pela repartição das obras publicas, que é competente para isso. O illustre deputado veria que pelo menos a relação do nosso caminho aos caminhos de ferro inglezes, francezes, belgas, allemães, e hanoverianos não é-a mesma que s. ex.ª julga; nesses documentos, nessa consulta se acham exarados os diversos preços, porque nesses paizes se tem concedido cada um dos kilometros. (O sr. barão d Almeirim. — E tambem os de Hespanha?) A consulta não falla dos de Hespanha; mas eu poderei dizer alguma cousa a respeito dos de Hespanha que vem perfeitamente para o caso. O contracto do caminho de ferro de Hespanha de Madrid a Aranjuez, sabe o nobre deputado quanto custou? 311 contos por legoa, quer dizer 52 contos quasi por kilometro, isto é, uma somma superior áquella que nós precisamos para cada kilometro de caminho de ferro de Portugal. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — A casa Salamanca contractou agora um caminho de ferro por um preço lai que faz uma differença do preço porque v. ex. contractou, de 15 contos de réis em kilometro.) O nobre deputado é impaciente, eu tambem o sou, menos agora que sou fleugmatico. Mas se o nobre deputado quizesse esperar mais algum tempo, veria que eu já ía explicar como é que depois da primeira concessão em Hespanha de uma linha ferrea se linha reduzido o primeiro preço de cada um dos kilometros, e como eu tinha razão para esperar, segundo o exemplo desse paiz, que depois da primeira construcção de caminho de ferro entre nós, a qual é um tirocinio, que sempre se paga caro, haviamos de ler quem nos fizesse as nossas vias de ferro por preço mais rasoavel: era precisamente isto o que eu ia dizer ao nobre deputado. Não ha duvida, Salamanca propoz a construcção do caminho de ferro de Madrid a Irun (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Com um emprestimo inglez.) Isso é meio de que elle usou, é outra cousa. E faz até uma grande differença o preço das diversas partes desse caminho: na primeira secção, que é de Madrid a Burgos, cada um dos kilometros sae por 31 contos. E preciso advertir que nesta secção ha uma tunnel importante que o contractador não mette em conta, que ha de fazer conta áparte; e olhe o nobre deputado que isto-é objecto serio, é o tunnel que atravessa a Serra de Guadarrama. A segunda secção, que é a que vai de Burgos a Miranda do Ebro, foi adjudicada por 36 contos de réis por kilometro, preço ainda inferior ao nosso; e a terceira secção, que ai de Miranda do Ebro a Irun, foi adjudicada por 41 contos de réis, já-proximo da somma que nós precisamos por kilometro. Felizmente para aquelle paiz ainda são muito inferiores estas sommas ao custo do nosso, mas comparadas estas sommas com as que custou o caminho de ferro de Madrid a Aranjuez, que foi o primeiro ensaio que lá se fez, parece-me que poderemos esperar plausivelmente que depois do primeiro ensaio entre nós, depois.de termos pago esse tribulo que todos os paizes pagam ás primeiras emprezas desta ordem, o custo dos outros caminhos será menor. (O sr. Corrêa Caldeira; — Eu supponho que o governo podia obter muito melhor preço) A questão está admiravelmente collocada; peço perdão deste pequeno amor proprio, se o é; o nobre deputado tem occasião, qualquer dia proximo, para propôr isso aqui na camara 1 e discutir-se; porque não esta nada feito; fique s. ex.ª tranquillo que daqui a poucos dias apparecerá na camara o projecto auctorisando a concessão do caminho de ferro á empreza, e quando se apresentar, o illustre deputado póde dizer que a sua opinião é que não se deve fazer a adjudicação, e que se ponha novamente em praça, e se a camara assim resolver, ha de se fazer, porque o governo não tem compromettimentos com a companhia, uma vez que o contracto-não seja approvado por lei. (Vozes da direita: — Bem) Creiam os nobres deputados que eu só por grande fatalidade me collocarei nessa possição desgraçada de não ter que responder aos meus nobres adversarios, e responder para mim plausivelmente, porque em ficando tranquillo comigo mesmo, vou para casa satisfeito.

Mas em Hespanha já depois disso se fizeram outras concessões ainda mais baratas, como é, por exemplo, a do caminho de ferro de Cordova a Madrid e outras; não quero estar fazendo agora dissertações sobre os caminhos de ferro em Hespanha. Mas respondendo ao nobre deputado, o sr. barão d'Almeirim, dir-lhe-hei que quando vierem aquelles documentos que o nobre deputado pediu — e isso dos caminhos de ferro de Hespanha não vem lá, mas vem lá a outra parte a que me referi, isto é, o que diz respeito a caminhos de ferro de outros paizes — ahi verá que em Inglaterra têem custado os caminhos de ferro 90 contos por kilometro, termo medio, em França 60 contos por kilometro; na Belgica 48 a 49 contos por kilometro; na Allemanha 27 contos por kilometro; e nos Estados Unidos 16. Mas não ha ninguem que lenha pensado meia hora sobre este objecto que não reconheça que sobre tudo o preço dos caminhos de ferro nos Estados-Unidos é devido a circumstancias tão excepcionaes,

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tão particulares, que é impossivel toma-los em consideração, comparando-os com os dos paizes da Europa: ha alli uma abundancia extraordinaria de madeiras quasi de graça, um terreno, geralmente fallando, facil, ou mais facil que em outros paizes, os meios de execução muitissimo diversos; e quanto aos meios de execução é este o ponto principal em que se distinguem os caminhos de ferro dos Estados Unidos; os meios de execução technicos são alli immensamente menos severos do que aquelles que se têem practicado em França e em Inglaterra, quero dizer, as inclinações são mais rapidas, e os raios das curvas mais curtos; com estes elementos, que só por si podem fazer descer de uma maneira espantosa o custo dos caminhos de ferro, é que nos Estados Unidos se tem podido conseguir que se tenha feito cada um dos kilometros por preço muito pequeno, comparativamente fallando. Ora em França não têem querido, apesar de todas as instancias dos homens technicos, dos homens da profissão, concordar nunca em que se desprendam de certas considerações rigorosas em relação á construcção de caminhos de ferro.

Eu passo adiante, porque me parece que o negocio do caminho de ferro já está saturado. (O sr. barão d'Almeirim: — Por ora, quanto a mim, estou satisfeito) E que não estivesse, eu não tinha mais que dizer; ha um certo limite alem do qual, mesmo quando o nobre deputado senão satisfaça, eu não vou, e passo para diante.

Sr. presidente, vou chegar a um daquelles pontos mais combatidos, mais acrimoniosamente combatidos da dictadura. — Passo ao decreto de 30 de agosto de 1852. A respeito deste decreto tem-se dicto ao governo, pela imprensa, pelo proprio banco de Portugal nas suas reuniões, cujos discursos teem sido impressos e publicados, e nas suas representações ao governo, na tribuna, e em fim em toda a parte, as cousas mais affrontosas, que jámais tenho lido e ouvido na minha vida!...

Sr. presidente, o illustre deputado a quem estou respondendo principalmente, o sr. Avila, que decerto não usou destes lermos, nem usa nunca, combateu fortemente, como intendeu que o devia fazer, o derreto de 30 de agosto de 1852, e procurou mostrar que o banco de Portugal tinha sido altamente prejudicado pelas disposições do governo, e que, na fraze, não do illustre deputado, que não usou della, mas de um outro illustre deputado, o sr. barão de Almeirim, essas disposições foram uma verdadeira espoliação!...

Esta palavra espoliação já me não faz indignar contra ella, porque está ião geralmente recebida, que começo até a acreditar que ella já não é injuriosa; passa já na boa sociedade, e nas duas casas do parlamento! Entretanto não gosto della; não gosto della, porque eu não tomo estas cousas senão a serio, tanto mais, quando tenho a consciencia que não espoliei ninguem, nem individuos, nem corporação alguma; que não ataquei o direito de propriedade, nem prejudiquei o banco de Portugal. Eu proponho-me a demonstrar que, com o decreto de 30 de agosto, em todas as hypotheses possiveis applicadas ao banco de Portugal, beneficiei o banco, e nunca o prejudiquei; asserção talvez paradoxal para alguns dos meus illustres adversarios, mas pela qual me parece que posso responder.

A camara me permittirá, que eu entre em alguns detalhes, que são indispensaveis para a perfeita exactidão e apreciação da situação do banco de Portugal a respeito do fundo de amortisação, antes do decreto de 30 de agosto de 1852, e a situação daquelle estabelecimento depois da promulgação do referido decreto.

Sr. presidente, procurarei demonstrar, que o ministro da fazenda não assassinou o banco de Portugal, como disse o nobre deputado, o sr. Avila....

O sr. Avila: — Eu o que disse foi, que, continuando neste caminho, assassinava o banco.

O Orador: — Muito bem. Pois eu pretendo demonstrar o contrario — pretendo mostrar que, continuando neste caminho, salvo o banco, e não o assassino.

O sr. Cor lêa Caldeira: — E arrojada a proposição.

O Orador: — É verdade: sei que é arrojada a proposição, no intender dos nobres deputados que me combatem; mas hei de prova la. (O sr. Corrêa Caldeira: — Eris mihi magnus Appollo.) Sr. presidente, o banco de Portugal, antes da promulgação do decreto de 30 de agosto de 1852 tinha, por virtude das disposições do decreto de 19 de novembro de 1846, o fundo especial de amortisação destinado para o pagamento de juros e capital dos emprestimos contrahidos em 1815 a 1846. — O modo por que se realisava o embolso de juros e capital desses emprestimos, era o seguinte. Primeiramente pelas rendas proprias do fundo de amortisação; em segundo logar pelo producto das vendas e remissões de fóros, censos e pensões, e venda de bens nacionaes, que fazem parte da dotação daquelle fundo; em terceiro logar pela amortisação das acções com juro, que entravam na compra dos bens nacionaes, acções de que o banco era e é exclusivo possuidor; tambem pelo juro das inscripções, que estão depositadas na junta do credito publico, juro a que o banco tem incontestavel direito; porque não nego, nem negarei nunca o direito a quem o tem; juro que na conformidade do decreto de 19 de novembro de 1846, e carta de lei de 16 de abril de 1850, fazem parte integrante do fundo especial de amortisação.

E força, porém, confessar que esses juros nunca foram entregues ao banco de Portugal até ao momento em que eu entrei para o ministerio, e por consequencia se o banco tem aggravos a este respeito, não é só da administração actual, é d'outras anteriores a esta. — Sei quaes foram os motivos por que as administrações anteriores não entregaram ao banco os juros das inscripções; esses mesmos motivos me dirigiram por longo tempo, afim de não mandar fazer a entrega de taes juros. Já em outra occasião, no anno passado, expliquei á camara a rasão por que se não tinha feito aquella entrega. Havia uma grande questão entre o banco e o governo. — O banco de Portugal queria possuir os juros das inscripções, e as inscripções; e o procurador geral da fazenda intendia, que ao banco de Portugal só pertencia a posse dos juros, e não a posse de juros e titulos. Portanto repito que, se o banco tem aggravos a este respeito, não é só do ministerio actual, é tambem de ministerios anteriores e posteriores ao decreto de 19 de novembro de 1846.

Sr. presidente, eu asseverei no relatorio do decreto de 30 de agosto de 1852, que o banco de Portugal pelas disposições do mesmo decreto, não recebia me

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nos do que o termo medio daquillo que tinha recebido nos C annos que tinha de existencia o fundo especial de amortisação. — Procurei esta base, porque previ que podia suppor-se, que com aquelle decreto queria prejudicar o banco, ou colloca-lo em embaraços, sendo certo, porém, que elle não ficou prejudicado n'um só real; ao contrario tem pelo decreto de 30 de agosto mais algumas sommas, e mais seguras do que linha antes para o pagamento do juro e capital dos creditos, a que se refere o decreto de 19 de novembro de 1846.

O banco de Portugal poderá ter razão de se queixar de qualquer circumstancia de detalhe do decreto de 30 de agosto de 1852; póde pedir uma garantia mais efficaz, adduzindo o direito que suppunha assistir-lhe com relação aos juros e inscripções, que estão depositadas na junta do credito publico; mas dizer que o banco fica prejudicado com o decreto de 30 de agosto de 1852, que não póde gerir, que o impossibilitara na marcha ordinaria de seus negocios, isso é altamente injusto, porque é demasiadamente inexacto.

Destas tres fontes de riqueza, digo tres, porque existe uma que são as acções sem juro; porque o banco de Portugal é possuidor de uma porção de acções sem juro, acções, que, na conformidade das leis vigente-, entravam na quarta parte da companhia dos bens nacionaes.

Em consequencia destas ires origens, quero dizer, das sommas que entram pelo producto da renda publica do fundo de amortisação; pela venda e remissão de fóros, e venda de bens nacionaes, pelas acções com juro que se amortisavam; pelas acções sem juro que eram propriedade do banco de Portugal, que se amortisavam tambem, tinha o banco no fim de seis annos recebido, termo medio annual, 157:908$917 réis. — Eu vou apresentará camara os respectivos calculos.

Para achar o valor, termo medio, da amortisação que se fez das acções com juro do fundo especial de amortisação, vou buscar uma auctoridade insuspeita, que é aquelle celebre requerimento, que foi com grande acompanhamento apresentar-se ao chefe do estado, em que o banco de Portugal fazendo considerações importantes, declarou que a somma resgatada de acções com juro era de 314:316$881 réis; e que nos seis annos de existencia do fundo de amortisação no banco recebeu este de juros das suas acções com vencimento de juro 651:423$952 réis.

Termo medio em um anno....... 109:103$992

Mas esta quantia que o banco amortisava pela venda no mercado das acções com juro, de que era possuidor, vendia-as a 80 (O sr. Avila: — E a 100). Vendia-as a 100, quando as notas estavam por um preço muito baixo, mas depois não só as não vendia a 100, mas mesmo não achava quem lhas comprasse a 80, e o banco queixa-se agora que as vendas se não faziam, como elle queria; mas porque? Porque o banco punha o preço ás suas acções, e dizia, não vendo senão a 80, e qual era o resultado? Era que não achava compradores. Deu-se este caso: houve um sujeito que quiz comprar uma capella, e precisava para isso comprar destas acções com juro; foi ao banco, e o banco não lhas quiz vender; o banco intendia que os seus interesses o levavam a não vender absolutamente, porque não vendendo senão por um preço muito elevado, era o mesmo que dizer, não quero Vender. Eis-aqui como aquelle estabelecimento intendia os seus interesses em relação á amortisação do seu capital!

Neste estado de cousas, o banco tinha recebido, termo medio, em seis annos por conta das acções do fundo de amortisação com juro 672:000$000. Por anno, termo medio, ou 2 ½ por cento 112:000$000

Acções com juro a 8 por cento...... 41:908$917

Dietas sem juro a 4 por cento....... 4:000$000

153:908$917

Este era o estado do banco antes do decreto de 30 de agosto. Agora vou comparar o que o banco teria recebido segundo o decreto de 30 de agosto. Importancia das acções sobre o fundo de amortisação com juro, que o banco possue 4.780.000$000

Juros em divida................. 740:000$000

Total..... 5.520.000/000

Juro desta somma a 2 por cento..... 110:400$000

Reducção na somma com que o banco contribue annualmente para a amortisação das notas................108:000$000

218:400$000

Ora comparada esta somma com a somma de 157:908$917 réis, que o banco tinha recebido até aqui, termo medio, acha-se a differença annual a favor do banco nos primeiros dois annos, de 60:191$083

No 3.º anno será de................74:291$083

No 4. anno,»............... 88:091$083

No 5. anno,»»................ 6:108$917

No 6. anno,»................ 7:691$083

E assim por diante.

Já se vê que no fim de seis annos o banco teria ganho em relação ao estado anterior desde que existio o fundo de amortisação, 281:915$118 réis, e d'ahi por diante ficaria lucrando por anno 7:691$083 réis.

Mas falla aqui uma parte importante, que podia fazer, e faz effectivamente, variar os calculos em relação ao estado do banco; fallo do juro das inscripções resgatadas, que eu aqui não computei; entretanto é de absoluta justiça que se o decreto de 19 de novembro e a lei de 16 de abril for cumprida rigorosamente ao banco de Portugal, sejam por parte do banco tambem eu cumpridas religiosamente as obrigações que pelo mesmo decreto de 19 de novembro lhe estão impostas; fallo da troca das acções da companhia das obras publicas, por inscripções a 62, que o banco não quiz nunca trocar, e o illustre deputado a quem me refiro, sabe perfeitamente que foi esta a causa principal do desaccôrdo de s. ex.com o banco, e o que deu logar a que s. ex. determinasse que o fundo de amortisação passasse para a junta do credito publico.

Mas desde que o governo satisfizer os juros das inscripções, hade a companhia trocar as acções da companhia das obras publicas, por inscripções a 62, isto é, aquellas a que tiver direito a companhia. Ora suppondo que se davam ao banco os juros das inscripções peilencent.es ao mesmo banco, e que estavam em deposito, suppondo ainda que o juro era de 3,75, porque estes calculos são todos em relação á época de 30 de agosto, segue-se que os juros das inscripções,

VOL. IV — ABRIL — 1853.

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que cresciam com o resgate das notas, suppondo-as tomo então eram de 3,75 por cento, produziam a favor do banco, no 1. anno 96 contos; no 2.º dicto 104; no 3. dicto 112, e no 4.º dicto 120; porem o encargo proveniente da troca á companhia das obras publicas, suppondo o rendimento do fundo o mesmo que tinha sido nos anteriores seis annos, seria de 51 contos annuaes. Desta sorte, comparado tudo isto com os lucros, que já mostrei que o banco tirava annualmente pelo decreto de 30 de agosto, resulta ainda um saldo a favor do banco, cumprindo-se tudo por parte do governo, de 15 contos no primeiro anno, de 7 contos no segundo, 13 contos no terceiro, e 19 no quarto, lucrando nos quatro annos 54 contos mais, pelo decreto de 30 de agosto, do que pelo estado anterior, quando mesmo se lhe tivesse entregue tudo que o banco não tinha recebido nunca até ali. Só no quinto anno, e d'ahi por diante é que o banco, nestas hypotheses, começaria a perder; mas é necessario considerar agora a natureza e limites deste pagamento pelo fundo de amortisação.

Os titulos com vencimento de juro que estão a cario do fundo de amortisação importam:

Banco.......... 4.780.000$000

Acções com juro Obras publicas 386:000$000

6.165:000$000

A cinco por cento, imporia sómente o

juro em réis................... 308:250$000

Mas o banco não podia receber cinco por cento, porque todo o fundo de amortisação não chega para isso, como logo mostrarei; portanto, suppondo que o juro era de 2 ½ como aconteceu nos annos anteriores, fazendo a comparação sobre o valor das inscripções que o banco deixava de receber, segue se que o banco linha contra si annualmente a quantia de 51 contos. Resta, pois, comparar este desfalque com a vantagem que resultava para o banco do juro das inscripções, que estavam em deposito na junta do credito publico. Ora feita esta comparação, repito, resulta que no primeiro anno, o lucro do banco é de 15 contos, no segundo é de 7 contos, no terceiro é de 13 contos, no quarto é de 19 contos, começando só a perder do quinto anno por diante: vindo, por consequencia, a lucrar nos quatro annos 54 contos mais pelo decreto de 30 de agosto do que pelo estado anterior, ainda mesmo quando se lhe tivesse entregue Indo que o banco até alli nunca tinha recebido.

Ora, pergunto eu á camara, como se póde considerar esta questão do fundo especial de amortisação, em relação ao pagamento devido ao banco? O fundo especial de amortisação está absolutamente destinado, sem reserva alguma, para pagar ao banco os juros e amortisação do capital, sem Ler o banco mais nenhuma obrigação para com o estado, ou está destinado para pagar o juro de quantias de que outros são credores? De todos os modos que a questão se considere, intendo que o banco não fica prejudicado. Se acaso o banco destinar para o pagamento dos seus juros as sommas que receber pelo fundo especial de amortisação, se se fizer o calculo na hypothese do que tem recebido, termo medio, nos ultimos seis annos, o que se segue é que no fim de alguns annos está esgotado o fundo, ficando a divida quasi no mesmo pé. Parece-me que eu não estou fallando muito claro, mas na verdade esta materia é muito arida (Apoiados) com tudo vou ver se posso coordenar melhor as minhas idéas.

Se o banco se limitar unicamente ao rendimento do fundo especial de amortisação, digo que este é insufficientissimo, para elle satisfazer ás despezas que tem a seu cargo; porque o banco recebendo o producto do fundo especial de amortisação, para pagamento do juro e capital dos creditos, dividas e encargos, a que se refere o decreto de 19 de novembro de 1841, fosse qual fosse o resultado ou sommas que produzisse o fundo, o banco de certo não ficava pago e satisfeito a respeito dessas dividas e encargos, porque o producto do fundo especial de amortisação não chegava para pagar o juro e o capital; e quando o rendimento desse fundo tivesse acabado, o resultado seria ficar em pé o capital quasi todo, o estado onerado com uma immensa divida sem ler por onde a pagar. Eu estou quasi vindo a uma transacção: se o banco quizesse o fundo de amortisação, acabando toda a responsabilidade do governo para com o banco a respeito dessas dividas, e intendendo-se que ficava tudo em conta corrente, eu não teria duvida em lhe dar o fundo de amortisação; mas o facto é que isto não póde ser, porque até onde chegasse o rendimento do fundo, pagavam-se as dividas, e as que restassem teria o estado de as pagar por algum meio.

Neste estado de cousas, é que o governo promulgou o decreto de 30 de agosto, creando para o banco, em virtude das ponderações que acabo de fazer, uma situação em resultado da qual não recebesse menos do que recebia até aqui.

Mas diz-se: se acaso se tivessem cumprido da parte do governo, todas as obrigações e disposições do decreto de 19 de novembro e da lei de 10 de abril, o banco ficava n'uma posição vantajosa por uns poucos de annos, para só soffrer alguma cousa depois do quinto anno em diante. É verdade; mas depois que se esgotar o fundo de amortisação, que resta ao banco Nada: em quanto que pelo decreto de 30 de agosto recebe 3 por cento do seu capital. O banco póde dizer que não tem garantia; póde ser mesmo que os poderes do estado lh'a queiram dar; mas dizer que as sommas que entrarem em seus cofres, em virtude do decreto de 30 de agosto, ficam sendo menores e inferiores áquellas que entravam d'antes, isto não é verdade.

Ora, offereceu-se uma consideração, que á primeira vista faz algum pezo na opinião dos que a escutam, e vem u ser: se o banco não recebe menos do que até aqui recebia, para que lhe tiraste, vós governo, o fundo de amortisação? Em primeiro logar, o governo por esta operação conjuncta, tirou partido do imposto para a amortisação em proveito do mesmo governo; isto não é novo, porque quando dois individuos contractam, quasi sempre vem a um accordo que convem a ambos os contractantes; é precisamente o caso em que nos achamos: e em segundo logar, o banco não só pedia, em consequencia da legislação vigente, o producto da venda e remissão dos foros, legislação que precisava ser modificada, mas pedia tambem que se activasse a venda desses bens nacionaes, que se não podia verificar, por isso que entrando nestas vendas acções com juro do fundo especial de amortisação, e estas sendo possuidas unicamente pelo banco, que que dellas faz monopolio, tem resultado um prejuiso porque não apparecendo essas acções á venda, não se tem podido vender grande parte dos foros, censos,

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e pensões, e a maior parte dos foreiros vem remir, e a renda dos foros e menor. Todas estas cousas se encadeiam; são todas correlativas, não e possivel abstrair umas das outras. Calculando as inscripções a 3 por cento de juro não é possivel poder contar-se com mais de 3:000 contos disponiveis para o caminho de ferro álem do que póde produzir a alta das inscripções e da diminuição de juro, que está considerado na hypothese mais desfavoravel; Mas eu, sr. presidente, não me limitei, quando se promulgou o decreto de 30 de agosto, a estes calculos por parte do banco, porque fallaria ao meu primeiro dever, se eu não calculasse, quaes eram Os interesses do thesouro: os 3:000 contos que o governo obtem, considero eu como um emprestimo (O sr. Avila: — Apoiado) o governo levantou um emprestimo, e eu calculei, e parece-me que poderei mostra-lo, que não sae a mais do que 7 por cento ao thesouro; e sem fazer violencia ao estabelecimento que possuia o fundo de amortisação. O meu pensamento-foi receber o banco á por cento de juro sobre 5.450:000$000 réis: e verá a camara que ou calculei tudo no sentido mais desfavoravel. Ora, o governo pelo decreto de 30 de agosto collocou o banco em melhor situação, e devo confessar, que se ha aqui violencia para alguem, para o banco absolutamente não ha nenhuma: se eu fosse director do banco abraçava com ambas as mãos o decreto de 30 de agosto; portanto não póde haver queixa da parte do banco, porque não recebe menos do que tem recebido até aqui. Talvez queira melhor garantia. (O sr. Avila: — É verdade, apoiado) mas isso é outra questão, não confundamos a questão de garantias, com a questão de interesses reaes; não me digam, que o governo assassina o banco, indo por este caminho; o governo dá-lhe uma garantia segura para serem pagos os creditos em questão, que tem sobre o thesouro, e direi francamente que a garantia sobre o caminho de ferro do norte, ou qualquer caminho de ferro que seja, é melhor que a garantia dos foros, apezar dê que o banco não tem esta opinião; mas não admira, porque o banco não faz idéa, do que são os caminhos de ferro, porque além de outras cousas, até sustentou que os generos pesados não podiam ser transportados nos wagons!... Não admira, pois, que não queira aquella garantia, que é efficacissima. Ora, eu vou apresentar a camara, quaes foram os calculos que o governo fez antes da promulgação do decreto de 30 de agosto (Leu).

Aqui tem v. ex.ª e a camara, quaes são as considerações, que me parecem obvias, e que eu fiz e o governo antes da promulgação do decreto do 30 de agosto; destas ponderações resultava que o governo não espoliava o banco de Portugal, porque em ioda as hypotheses que eu já mencionei, o lucro do banco ainda era infallivel. Eu sei, que esta não é a opinião de muitos cavalheiros, que eu respeito; mas eu pedir-lhes-hei, e estou certo de que elles não são capazes de fazer outra cousa, que me combatam neste terreno, e que mostrem que estes algarismos não são exactos, ou que as consequencias que eu dellas tiro, não são logicas.

Mas, disse o illustre deputado, pede se ao banco parte dos seus capitaes, e dá-se-lhe em troca obrigações do thesouro que quando muito podem ler um juro de 6 por cento definitivo. Peço perdão ao meu illustre amigo e adversario para lhe dizer que neste calculo houve um sofisma: e não digo isto com má

Intenção, lhas não me lembra agora outra expressão; não desejo nunca, nem levemente, ferir a susceptibilidade dos cavalheiros com quem combato. (O sr. Avila: — Não ha motivo para isso.) Pois pergunto eu: o banco póde realisar o seu capital a 80? Isto é uma cousa ideal! Quer v. ex.ª e a camara saber quanto elle realisou em 6 annos? Realisou 314 contos, e tem de pagar além disto o juro de todo o capital. E então pergunto eu, quanto é que lhe ha de ficar depois de pagos estes juros, para a amortisação do capital? Não lhe fica nada, ou quasi nada.

Por tanto, o banco não amortisa, porque não póde amortisar, e o que faz é ir vendendo algumas dessas acções a 80 por cento; mas note-se bem que o que recebe, não é como amortisação dos juros, porque uma de duas, ou ha de attender á divida ou ha de pagar os juros. Se paga a divida, ficam os juros em pé; se paga primeiro os juros que o capital, não amortisa a divida, e o remanescente que houver, é que tem de ser applicado para a amortisação, mas este remanescente não é nada.

Depois estes bens não se podem comprar, em consequencia do monopolio a que já me referi, porque o banco põe o preço que quer ás suas acções, o que é contra o seu proprio interesse. O banco não barateia as acções com juro, e a verdade é que elle não lucra com este systema; mas como isto é questão com o banco, não tenho nada com ella.

Por tanto, não se póde dizer de modo nenhum que o capital do banco fica reduzido, em consequencia de se lhe darem acções do thesouro. O nobre deputado não sabe (sube e sabe de mais) que o banco emittia notas para a circulação, quando s. ex. como ministro as recolhia? E para que fazia o banco isso? Fazia-o para que o preço das suas acções subisse. Estes estabelecimentos teem um certo monopolio legal e vivem deste mesmo estado de artificio, de que se não podem separar. (O sr. Avila: — Não o fazia por esse motivo.) O Orador: — E a idéa que tenho, e nem sei mesmo como se possa justificar uma similhante cousa, e similhante proceder. A idéa que tenho é esta, mas seja assim ou não, isto não altera em nada a questão do fundo de amortisação.

Ora, sr. presidente, o illustre deputado disse que. a sua opinião, era que o banco devia liquidar os seus creditos com o thesouro, e depois rehabilitar-se, reduzindo mesmo o seu capital. Eu tambem sou desta opinião, mas intendi que com quanto fossem estas as minhas idéas, não o devia lazer, visto que já eram tantas as arguições que se me faziam. Não quiz que depois do que tem havido entre o governo e o banco, alguem se persuadisse que da minha parte principalmente, havia alguma indisposição contra o banco, e se procedesse da maneira porque o illustre deputado intende, e com que eu concordo, havia de certo haver muita gente que pensasse que da minha parte não havia outra cousa senão um interesse em prejudicar o banco. Eu, sr. presidente, tenho mesmo algumas opiniões que me parece não são muito prejudiciaes ao banco, mas não quiz com tudo leval-as á execução, porque não quiz que sobre mim se lançassem suspeitas. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Lá está a commissão de inquerito.) O Orador: — É verdade, felizmente nomeou-se a commissão de inquerito, e ella tem, de se occupar, não só do estado em que se acha o banco, mas até mesmo das relações que o prendem ou devem prender com a economia publica.

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A commissão tem uma grande missão diante de si, porque não póde tambem deixar de ler em appreciação as contas entre o governo e o banco de Portugal.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Nesse ponto estamos de accôrdo.

O Orador: — Estamos muitas mais vezes do que o illustre deputado pensa. E do resultado dos trabalhos da commissão, sr. presidente, que nós devemos esperar todas as luzes necessarias para a discussão, a fim da camara poder-se inclinar a resolver este negocio grave e importante da maneira que fôr mais justa e conveniente. Não gosto de prejudicar as questões e se algumas vezes tenho expressado a minha opinião a respeito do banco, se tenho feito alguma declaração em relação ás transacções antigas ou modernas entre o banco e o governo, e porque tenho constantemente sido provocado a isso, e é porque depois da provocação, não posso nem quero deixar de responder aos meus adversarios. Não faço accusações a ninguem: póde ser que tenha sido irreflectido no meu modo de proceder; eu creio que não; no entretanto, é á sabedoria da camara e do parlamento que cumpre resolver este negocio grave.

O decreto de 30 de agosto, sr. presidente, tem sido a pedra de escandalo do ministerio; tem sido o argumento mais fulminante com que temos sido combatidos e accusados em toda a parte. Tem-se dicto que destruimos a propriedade, que lançamos mão do alheio, que rasgámos contractos, que calcámos as leis aos pés, e que não respeitámos cousa nenhuma neste paiz. Peço ao illustre deputado que se encarregou nesta discussão de fazer sua esta argumentação, que me diga qual foi o contracto que rasguei? Qual o preceito da lei violado? Onde está elle?

O sr. Cunha Sotto-Maior. — Os mandamentos da lei de Deos. (Riso)

O Orador: — Esses talvez o illustre deputado os infrinja algumas vezes. Qual é pois o contracto, pergunto eu? Mas ninguem me responde porque não ha contracto nenhum rasgado, nem o governo calcou aos pés nenhum direito; o digo-o bem alto. Desde o momento em que me apresentarem um contracto, em virtude do qual o fundo de amortisação estava no banco de Portugal, eu saio por aquella poria, e vou depositar a minha pasta aos pés do throno. Aqui entrego ao nobre deputado um bello terreno para combater o governo; venha q, contracto, cite-se. (O sr. Cunha Sotto-Maior; — E o decreto de 19 de novembro)

O Orador: — O decreto de 19 de novembro não é um contracto; e se pois é contracto, porque foi elle alterado pela lei de 16 de abril de 1850? Então ninguem disse que se rasgava um contracto; tambem então ninguem disse que se espoliou o banco (Apoiados) e note-se de mais a mais, que nesta camara havia dois illustres deputados, que eram directores do banco, e estes illustres deputados, nem uma palavra disseram nessa occcasião em sentido de sustentar que o decreto de 19 de novembro era um contracto, e que era rasgado pela alteração que se pertendia fazer. Se é contracto, onde foi feito? Não está em nenhum archivo do thesouro; nem nas notas de tabellião algum, então onde está esse contracto? É bom vir aqui apresentar estes argumentos ad odium contra o governo; e os nobres deputados não calculam a posição difficil em que se collocam, quando chamados ao campo dos factos e a apresentar as provas das suas asserções, guardam silencio completo!!! (O sr. Barão de Almeirim: — Peço a palavra)

O Orador: — Era melhor dizer desde já que contracto é, para lhe responder tambem desde já. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Nós temos a palavra, e responderemos, senão fôr abafada a discussão; e o que eu peço ao sr. ministro, é que faça o seu discurso na íntegra no Diario do Governo, especialmente nesta parte, porque quero responder completamente a s. ex., citando primeiro as suas palavras.

O Orador: — Declaro que não me posso comprometter a que o meu discurso venha na sua integra, porque eu ainda não revi um só discurso neste anno, fallo diante dos srs. tachygrafos, nem tenho tempo para isso, já no anno passado se deu a mesma cousa, portanto amanhã ha-de apparecer no Diario do Governo o que os redactores da sessão me quizerem pôr; não posso pois, comprometter-me em cousa alguma acêrca do pedido do illustre deputado.

Sr. presidente, se o decreto de 19 de novembro é um contracto, como é que póde ser alterado, como foi pela lei de 16 de abril de 1850? Se estabelece direitos entre partes, e se esses direitos tem de ser decididos pelos tribunaes judiciaes, como pôde a lei de 16 de abril de 1850 rasgar esse contracto n'uma parte importante, qual foi a suppressão da dotação de 120 contos, que segundo o decreto de 19 de novembro o banco de Portugal devia receber pelos rendimentos das alfandegas? (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Houve nisso accôrdo com o banco) O Orador: — Não houve, não senhor; é verdade que estavam aqui dois directores do banco, mas esses directores não tinham aqui outro caracter que o de representantes da nação portugueza: (Apoiados) qualquer declaração pois que podesse existir da parte delles, não podia intender-se como feita ou dimanada authenticamente do banco; (Apoia los) eu não vi cá o banco.. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — E o protesto?) Diz o illustre deputado que se proteste contra: pois eu, como ministro da fazenda hei de agora vir protestar contra o que se fez então? Protestasse a quem pertencia protestar. Sr. presidente, é necessario ver bem esta questão; é necessario vêr quem são os espoliadores, porque nesse caso tenho muitos companheiros de espoliação, inclusivamente os nobres deputados, que me combatem, menos o sr. Cunha Sotto-Maior, que declarou sempre que votava contra a lei de 16 de abril de 1850; mas quando se tractou desta lei. ninguem então lhe chamou espoliação; disse-se então que até era muito regular; que era uma lei alterando outra lei. O decreto de 19 de novembro não tem artigo nenhum em que se diga, que o governo contractou com o banco, por consequencia os poderes do estado estavam no seu direito alterando por uma lei o que outra lei estabelecia.

Agora pergunto, eu, depois deste acto o que resta? Resta o acto da dictadura: esse sim; tem razão o nobre deputado que o combate; porque o nobre deputado diz que não quer a dictadura: está n'um terreno constitucional; mas para não reconhecer o direito que o governo tinha de fazer aquella alteração, é necessario tambem que não reconheça o direito que leve o ministerio e a camara de 1850 para fazer aquella alteração ao decreto de 19 de novembro. O illustre deputado, o sr. Avila, não disse que se tinha atacado, ou rasgado nenhum contracto: S. ex. sabe bem os contractos que ha lá in thesouro desse tem-

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po... (Vozes: — Deu a hora) Ouço dizer que deu a hora. Eu queria continuar, mas estou cançado, e na verdade sinto não poder acabar, porque pouco me resta, mas não posso e não me é possivel, e sinto de ter ainda ámanhã de incommodar a camara (O sr. Corrêa Caldeira: — Temos muito gosto nisso) Peço então que se me reserve a palavra.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã, é a continuação da mesma de hoje. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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