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desse a crise por attenuada. Parece que esse relatorio é o causador da fome (riso), tanto desafia elle as iras dos zelosos. Todavia o relatorio é apenas a rigorosa expressão da verdade.

É certo que se attenuou a crise, pois que, tendo-se julgado eminente em todo o archipelago, se limitou ás ilhas de Sotavento. Quando em 23 de janeiro annunciava uma esperança, que desgraçadamente senão realisou em tudo, tinha recebido, em data de 6 do mesmo mez, do administrador do concelho de S. Vicente (que fôra auctorisado, como outros no mesmo caso, a corresponder-se directamente com o governo, para com mais celeridade poder avisar e obter providencias); recebi, digo, do administrador de S. Vicente o officio que passo a ler:

«Ill.mo e ex.mo sr. — Em meu officio do mez de dezembro do anno proximo findo, participava a v. ex.ª a grata noticia de terem as chuvas, que houveram no mez de novembro, posto que tardias, removido, senão de todo ao menos em grande parte, os effeitos e serios receios, que haviam da fome, pela falta total de uma colheita geral n'estas ilhas.

«Cumpre-me agora, em continuação e desempenho do meu dever, participar a v. ex.ª o que consta, e das informações que depois tenho colhido do estado, especialmente das ilhas, que formam o grupo das de Barlavento, não podendo dizer cousa alguma das de Sotavento, pela absoluta falta de noticias d'aquellas ilhas.

«As mui recentes noticias da ilha de Santo Antão, onde mais se poderia receiar e temer os effeitos da fome, pelo habito de viver d'aquelle povo, que acostumado á fartura, não é soffredor e mais depressa socumbe á falta de alimento, são que nos dias 4 e 5 do corrente mez por tempo de vinte e quatro horas houveram copiosas chuvas, o que muito deve aproveitar ás sementeiras de milho, que tinham feito com as chuvas de novembro, e que se dizia estarem muito lindas e bem vindas; é fóra de duvida que deve assegurar a producção em breve das diversas raizes, batatas canecas, de Demerara e da branca que é a do paiz, e que em grande escala ultimamente se plantaram; todavia julgo poder affirmar a v. ex.ª que o povo d'aquellas ilhas não tem o menor receio ou aprehensão de haver fome, pois que, devendo ser a classe baixa aquella que naturalmente devesse queixar-se de fome quando mesmo a não houvesse, é aquella que diz não haver falta ou fome.»

A redacção não é exemplar, mas o que importa são os factos. Continuo:

«Pelo officio original do administrador do concelho da ilha da Boa Vista, a quem pedi, como a todos os outros administradores de concelho das ilhas de Barlavento, informações sobre o estado da sua ilha, depois das chuvas de novembro, v. ex.ª entrará no conhecimento das rasões apresentadas pelo mesmo para a continuação da escassez.

«A ilha do Sal que nada produz ha alguns annos, que com a extagnação do commercio do sal, unica producção que tem, soffre, e desgraçadamente são os proprietarios, a falta de todos os recursos, por não terem o numerario com que os comprar. A ilha de S. Nicolau consta ter generos alimenticios para dois ou tres mezes mais.

«O patacho Constancia que a commissão de soccorros no Rio de Janeiro mandou com valiosos donativos obtidos n'aquella cidade para estas ilhas, chegou a 4 do corrente mez a este porto; já está descarregando o sou informado que a commissão encarregada de receber esses soccorros vae mandar parte d'elles para a cidade da Praia de S. Thiago. O sr. dr. juiz de direito d'esta comarca chegou a esta ilha hontem, õ do corrente. Por ultimo tenho a communicar a v. ex.ª a triste noticia da morte do sr. administrador do concelho, proprietario, que Deus foi servido chamar da vida presente no dia 29 de dezembro ultimo. O estado da ilha é o mais satisfactorio possivel.

«Deus guarde a v. ex.ª Administração do concelho da ilha de S. Vicente, 6 de janeiro de 1864. — Ill.mo ex.mo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar. = O administrador do concelho substituto, João Antonio Martins.»

Quando a ilha de Santo Antão, uma das mais populosas, a de S. Nicolau uma das mais agricolas, e a de S. Vicente tão importante pela sua situação, se declaravam n'este estado, podia eu occultar similhante facto, facto que devia attenuar, e effectivamente attenuou o mal, já porque o limitou mais, já porque o excedente das colheitas de Santo Antão poderá offerecer alguns subsidios para as outras ilhas?

Com documentos á vista, como me cumpria, fiz então a minha exposição. Nada costumo asseverar, nem assevero, que não possa igualmente documentar. Se ha quem esqueça documentos graves, tanto peior para taes faltas de memoria. O paiz, tomando conhecimento, ha de julgar, como já disse. Apesar de tudo cresce o flagello em algumas das ilhas. Não occultei que assim poderia succeder. Relatei, como disse, uma esperança assim motivada e em parte justificada, não uma certeza que ninguem podia dar. Se nem todas as desgraças se podem remediar, será isso rasão para desconhecer as que effectivamente se têem atalhado?

Na activa, na oppulenta, na previdente Inglaterra, no centro da Europa, quantas vezes a Irlanda tem lutado com iguaes, e em tal caso inevitaveis horrores? Quantas catastrophes domesticas se não têem dado ali, que por ignoradas não têem sido soccorridas? Concluir se ha d'ahi que falta ao respectivo governo acção, energia e vontade? No proprio seio de Londres, regorgitando de riquezas, não ha bairros inteiros, asyllos da maxima penuria, em que, apesar da policia mais vigilante, dos soccorros mais solicitos, a miseria, a indolencia e o vicio produzem os seus tenebrosos effeitos? Diz-se por isso que de todas essas deformidades e imperfeições inherentes á humanidade é culpada a negligencia do governo?

O que em Inglaterra se não consentiria, nem consentirá aqui o governo, é que se faça estabelecer uma povoação ao pé de um pantano, dando em resultado augmento de mortalidade, como se diz que ultimamente succedeu na provincia, o que devidamente será averiguado e removido (apoiados).

Permitta-me ainda a camara que lhe leia outro documento, que ha pouco não tinha presente. É a portaria de 2 de março do corrente anno, expedida para Cabo Verde em 15 do mesmo mez:

«Manda Sua Magestade El-Rei, pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, declarar ao governador geral da provincia de Cabo Verde:

«1.° Que por bem do serviço é necessario que perante o governo accuse a recepção de todos os auxilios que têem sido enviados para a provincia, e successivamente dos que forem remettidos, quer directamente do memo governo, quer da commissão de soccorros em Lisboa, quer de outro qualquer ponto, sendo da maior importancia que este serviço seja prompta e invariavelmente desempenhado.

«2.° Que lhe cumpre dar opportunamente conta do emprego que tiverem quaesquer auxilios e subsidios, pois que mal se justificariam queixas e instancias sem se ter dado esta conta tão essencial á boa ordem, regularidade e devida fiscalisação.

«3.° Que no boletim official da provincia deve ser immediatamente publicada a nota dos soccorros que na provincia se tiverem recebido de qualquer externa procedencia, bem como o destino que se lhes der e for dando; para o que determinará o referido governador geral a todos os administradores de concelho, e mais auctoridades aquém competir, que sem de detença lhe dêem communicação de todos os auxilios d'esta natureza de que tiverem conhecimento.

«4.° Que dos soccorros colligidos na mesma provincia, se faça resenha mensal, e pela mesma fórma se publique no boletim official.

«O que tudo se ha por muito recommendado para sua prompta, fiel e inteira execução.

«Paço, em 2 de março de 1864. = José da Silva Mendes Leal.»

Ainda não recebi resposta. Não é de estranhar, porque o ultimo Boletim recebido em Lisboa é de 12 de março; é só de lamentar a necessidade da resolução, porque devia ser objecto de prompto cuidado, e que era tão evidente dever (apoiados). Limito me a estas succintas observações.

O sr. Francisco Manuel da Costa: — Pedi a palavra para declarar que approvo todas as medidas que foram tomadas em favor d'aquelles infelizes habitantes.

Como entendo, que não devemos poupar meios de lhes valer, convido cada um dos srs. deputados para que concorram com o donativo de dois dias do seu subsidio (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada; portanto passa-se á ordem do dia.

Os srs. deputados que tiverem demandar para a mesa algumas representações ou requerimentos queiram envia-los.

O sr. Paulo Medeiros: — Envio para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, para que s. ex.ª se digne declarar o motivo por que não tem dado providencias opportunas, a fim de não continuar a ser interrompida (como o foi agora), a partida mensal para os Açores de um vapor: e mais reparavel se torna esta irregularidade quando é certo achar-se o governo habilitado, pela carta de lei de 13 de julho do anno passado, com os devidos meios, para poder subsidiar qualquer empreza que queira provisoriamente tomar a seu cargo a gerencia d'aquella navegação, emquanto se não constitue a companhia que devo ficar definitivamente.

A união mercantil no mez de janeiro ultimo comprometteu se com o publico, annunciando pela imprensa, que ía partir no dia 5 de cada mez um vapor para as ilhas, e sendo hoje o dia da partida, nem ha navio proposto, nem até contra annuncio, como era do seu dever previnir.

De tudo isto resultam graves transtornos para os muitos interessados n'aquella navegação, como para o serviço do estado.

Mais considerações poderia apresentar sobre este negocio importante, porém como o nobre ministro não se acha presente, aguardo pelas propostas e energicas providencias que s. ex.ª tem de tomar, a fim de se pôr cobro a este estado anomalo em que se acha a navegação a vapor para os Açores.

O sr. Figueiredo de Faria (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me concede a palavra para um negocio importante, que não tem nada com a politica.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada.

Vozes: — Não póde ser.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos (sobre a ordem): — Como o nobre deputado o sr. Francisco Manuel da Costa fez uma proposta para que concorramos com o donativo de dois dia do nosso subsidio, em beneficio dos infelizes habitantes de Cabo Verde, peço a v. ex.ª que tenha a bondade de o convidar a manda-la para a mesa, a fim de se votar.

O sr. Presidente: — Entendo que não ha precisão da proposta vir para a mesa, porque a sua especialidade basta para se considerar desde já votada. Está no coração de todos (apoiados geraes).

O sr. Ministro da Marinha: — Quanto a este incidente, abundando nas idéas que ouvi, acrescentarei sómente: para que é necessario votar? A votação está feita no coração de todos (apoiados geraes).

Pedi unicamente a palavra para em nome dos desgraçados daquella provincia agradecer a s. ex.ª e ao parlamento o beneficio que lhes acabam de fazer. Agradeço o pois, e agradeço vivamente. O exemplo é nobre, o beneficio é grande, mas a sua significação é ainda maior (apoiados geraes.)

Nada mais direi.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, depois do acto meritorio que acabam de praticar os legitimos representantes do pais, faltam-me pela commoção as expressões para agradecer, em nome dos habitantes de Cabo Verde que tenho a honra de representar, este honroso testemunho de affeição, de patriotismo e de caridade christã, que tanta significação ha de ter na historia, para bem claramente patentear o nobre caracter do povo portuguez.

O sr. F. L. Gomes: — Mando para a mesa um requerimento.

O sr. Bispo Eleito de Macau: — Mando para a mesa uma representação dos parochos do concelho de Chaves, pedindo o lei da dotação do clero.

O sr. Figueiredo de Faria: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Não dou explicações, porque não é agora occasião opportuna: ha de ter segunda leitura. Só o que digo é que não tem nada de politico, e tanto assim é que não dei conhecimento d'elle a nenhum dos meus amigos politicos.

O sr. Faria Guimarães: — Mando para a mesa um projecto de lei com relação á contribuição lançada aos donos de estabelecimentos fabris e de distillação de aguardente.

Mando tambem uma representação assignada por trinta e tres commerciantes dos mais respeitaveis do Rio de Janeiro, em que pedem que se decrete a livre exportação dos vinhos de qualquer procedencia pela barra do Porto, acabando por esta fórma com o exclusivo da demarcação do Douro para a exportação. Peço a v. ex.ª que me mantenha a palavra, que tenho pedida desde o dia 11, a fim de dizer alguma cousa mais a respeito tanto d'esta representação como de outras, porque agora estando a hora muito adiantada, não quero concorrer para a demora da passagem á ordem do dia.

Peço que a representação seja publicada no Diario de Lisboa.

Posto a votos este requerimento, foi approvado.

O sr. Mello Breyner: — Mando para a mesa 292 requerimentos de musicos militares, pedindo melhoramento de posição.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO ORÇAMENTO DO MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA FAZENDA

Capitulo 7.° Secretaria d'estado — 18:714$000.

Foi logo approvado.

Capitulo 8.° Thesouro publico — 96:625$690 réis.

Foi logo approvado.

Capitulo 9.° Tribunal de contas — 60:060$000 réis.

Foi logo approvado.

Capitulo 10.° Procuradoria geral da fazenda — 4:988$400 réis.

Foi logo approvado.

Capitulo 11.° Alfandegas — 497:889$112 réis.

Foi logo approvado.

Capitulo 12.° Administração geral da casa da moeda e papel sellado — 58:135$833 réis.

O sr. José de Moraes: — Peço a attenção do sr. ministro da fazenda para o seguinte objecto. O artigo 1.° da lei do 26 de abril de 1861 diz o seguinte:

«O governo poderá decretar a cobrança do imposto, por meio de estampilha, para quaesquer diplomas, actos e papeis sujeitos ao mesmo imposto, antes ou depois de escriptos.»

Como s. ex.ª mandou executar esta lei, adoptando as estampilhas nas cidades de Lisboa e Porto, eu pedia a s. ex.ª que fizesse estender esta disposição da lei á cidade de Coimbra. Ainda ha muito pouco tempo quiz ali alguem letras selladas e não as havia; isto traz graves inconvenientes para o commercio, e parece-me que não póde haver inconveniente em se mandar estabelecer a adopção das estampilhas n'aquella cidade.

Eu lembraria tambem a s. ex.ª uma economia que se podia fazer importante para o thesouro, que era acabar com o papel sellado, e adoptar-se a estampilha para os processos...

O sr. Levy: — Não é possivel.

O Orador: — Diz o illustre deputado que não é possivel, eu entendo que é; e tanto que em 1861 se discutiu aqui a lei do sêllo, e o sr. Antonio José d'Avila, então ministro da fazenda, disse que era conveniente não se fazer essa reforma, e que de futuro se attenderia a ella. Poupavam-se assim 30:000$000 réis que se pagam ao estanco por vender papel sellado.

Chama a attenção do sr. ministro da fazenda para este ponto, e sobretudo para mandar applicar a disposição da lei de 26 de abril de 1861 á cidade de Coimbra.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Esta disposição relativa ao sêllo tem sido applicada a Lisboa e Porto, e mandei tambem applica-la ás ilhas. Devo dizer ao illustre deputado que na pratica se tem visto que é necessario tomar algumas precauções para evitar a fraude, porque o imposto tem experimentado algum decrescimento, em consequencia d'esta applicação.

Tenho mandado colher informações a este respeito para ver a precaução que póde tomar-se, sem tolher o uso legal da estampilha, que evite as fraudes que á sombra da lei se fazem; e por isso que eu tenho visto que do resultado pratico na applicação da estampilha tem havido fraude, é que eu tenho hesitado em tornar tão geral a applicação. Ha certos principios que á primeira vista são seductores, são bons, mas é necessario estudar bem a pratica e ver o melhor modo de os applicar.