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SESSÃO DE 22 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva

Secretarios - os srs.

Francico Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Leu-se no principio da sessão uma mensagem do parlamento italiano, agradecendo as demonstrações de sentimento dadas pelo parlamento portuguez por occasião do fallecimento de El-Rei Victor Manuel II. — Na ordem do dia foi votado por espheras e unanimemente approvado o parecer n.º 81 da commissão de legislação penal propondo que não continuasse o processo de policia correccional requerido por Augusto Duarte Marques Barreiros contra o dr. Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado da nação, por abuso da liberdade de imprensa; foi approvado o projecto n.º 156 de 1875, auctorisando o governo a mandar emittir pela junta do credito publico inscripções de assentamento a favor do banco lusitano. Foi tambem approvado o projecto n.º 44, auctorisando o governo a contrahir com o banco de Portugal um emprestimo de 36:000$000 réis, com applicação ás obras dos edificios da escola polytechnica e observatorio astronomico e á acquisição de mobilias, instrumentos, machinas, etc., de que carecerem os seus estabelecimentos. Continua a discussão do n.º 70, que ficou pendente da sessão de 16 de abril e pendente fica ainda por falta de numero para se votar.

Presentes á chamada 44 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Osorio de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Augusto Godinho, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Filippe de Carvalho, Francisco de Albuquerque, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Van-Zeller, Paula Medeiros, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, J. J. Alves, Matos Correia, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodrigues, Mexia Salema, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Freitas Branco, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello e Simas, Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Pedro Franco, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde da Azarujinha, Visconde de Carregoso, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Ferreira de Mesquita, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Illidio do Valle, J. M. de Magalhães, Lopo Vaz, Manuel d'Assumpção, Pedro Correia, Pedro Roberto, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Braamcamp, Pereira de Miranda, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Telles de Vasconcellos, Mello Gouveia, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Pinheiro Osorio, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Palma, J. Perdigão, Jayme Moniz, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, José Luciano, Ferreira Freire, Moraes Rego, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Nogueira, Pinto Basto, Julio de Vilhena, Luiz de Campos, Bivar, Faria e Mello, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Ricardo Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde da Arriaga, Visconde de Guedes Teixeira.

Abertura — ás tres horas da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Da camara dos dignos pares de reino, participando que áquella camara adoptou as seguintes proposições de lei, as quaes, depois de convertidas em decretos das côrtes geraes, serão opportunamente submettidas á real sancção.

Applicando a prescripção de trinta annos no julgamento das contas dos exactores o demais responsaveis sujeitas á jurisdicção do tribunal de contas.

Auctorisando o governo a adjudicar a construcção do caminho de ferro do Algarve.

Auctorisando o governo a despender até á quantia de 200:000$000 réis com a construcção e armamento de novas canhoneiras a vapor.

Auctorisando o governo a levantar até á quantia do réis 1.706:000$000 as sommas necessarias para a continuação e conclusão dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Auctorisando o governo a reformar a actual organisação da secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça.

Auctorisando o governo a reformar a secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar e as repartições de contabilidade em relação com a mesma secretaria.

Auctorisando o governo a emittir as obrigações necessarias para occorrer ás despezas com a construcção das obras do porto artificia e alfandega de Ponta Delgada, do porto artificial da Horta e outras.

Fixando o subsidio do presidente e deputados durante as sessões das côrtes geraes.

Creando na ilha das Flores um logar de subdelegado de saude publica e guarda mór, e um logar de pharmaceutico.

Enviado á secretaria.

2.° Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Carrilho, os documentos relativos ao contrato de illuminação da cidade, celebrado entro a camara municipal de Lisboa e a companhia de illuminação a gaz lisbonense.

Enviado á secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Pires de Lima, a informação prestada pela direcção geral das alfandegas e contribuições indirectas, ácerca da arrematação de madeiras para o porto de abrigo da cidade da Horta.

Enviado á secretaria.

Leu-se na mesa um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando uma mensagem do parlamento italiano, agradecendo as demonstrações de sentimento dadas pelo parlamento português por occasião do fallecimento de El-Rei Victor Manuel II.

O sr. Presidente: — Creio que interpreto bem os sentimentos da camara, mandando lançar na acta que foi recebida com especial apreço a communicação que acaba de ser lida. (Apoiados.)

A mensagem é a seguinte.

Traducção. — «Roma, 30 de março. — Honradissimo presidente. — A camara dos deputados portuguezes quiz dirigir á Italia um grande testemunho do seu affecto, approximando-se do venerando sepulchro do seu Rei, a fim de chorar com ella a acerbissima e irreparavel perda soffrida.

«A Italia conservará impressas no coração as gentis palavras com que a terra aventurosa dos Lusiadas quiz n'um dia da immensa dor dirigir-lhe este grande conforto.

«A nação portugueza sabe que as antigas tradições que uma vez associaram os destinos dos dois povos, deixaram no coração dos italianos vivas e profundas sympathias, e que estas se consolidaram com o vinculo dos communs interesses e das allianças, e acharam por ultimo a sua confirmação nos laços indissoluveis entre as familias dos seus soberanos.

«O augusto monarcha do que Portugal deve orgulhar-se, e cuja sympathica figura está ainda viva na lembrança dos

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italianos, achou no coração da filha de Victor Manuel um thesouro de virtude e de bondade, que não póde deixar de actuar na indole generosa do mancebo sobre o qual se reunem tantas esperanças, e para o qual se dirigem as supplicas e as bençãos do seu povo, e que ainda ha pouco veiu confundir as suas lagrimas com as da Italia sobre o tumulo do seu grande avô.

«Em nome da Italia, na qual vive eterna a grande alma de Victor Manuel, emnome d'este povo que saudou com o mais vivo enthusiasmo do coração o digno herdeiro de tão grande nome e de tanta virtude, e que está unida á familio dos seus principes com os mais indissoluveis laços de affecto, nós agradecemos aos illustres representantes de Portugal as manifestações que nos quizeram dar dos generosos sentimentos do seu coração, e pelo que será inalteravel e immorredouro o nosso reconhecimento.

«O presidente da camara dos deputados do reino de Italia. =(Assignado) Farini.

«Ao honradissimo presidente da camara dos deputados de Portugal.»

O sr. Francisco de Albuquerque: — Começo por participar a V. ex.ª que não tenho comparecido a algumas sessões por incommodo de saude.

N'uma d'essas sessões tratou-se de um assumpto, sobre o qual eu faria algumas observações, se tivesse estado presente; mas, como não estava, e se me depara agora esta occasião antes da ordem do dia, vou fazer a este respeito as mesmas considerações que teria feito então.

Na sessão de 12 d'este mez, o meu illustre collega e amigo, o sr. Bivar, em nome da commissão de inquerito á penitenciaria, fez n'esta camara algumas declarações, e entre ellas a mais importante é a seguinte:

(Leu.)

É necessario que não esqueçamos a historia de hontem.

Um dos principaes motivos de accusação ao governo transacto foi a questão da penitenciaria. (Apoiados.)

Eu nunca vi aqui uma questão tão violenta, tão acalorada, tão apaixonada como a da penitenciaria. Àppareciam ahi constantemente as victimas clamando justiça, protestando contra o rigor e contra as injustiças que se diziam praticadas pelo ministro das obras publicas, e pedindo que de uma vez se dissesse tudo o que havia sobre o assumpto!

Nós vimos aqui o sr. Thomás Ribeiro levantar-se irado, levado sem duvida por sentimentos nobres, para pedir ao sr. ministro das obras publicas, em nome da moralidade e em nome da dignidade dos empregados nas obras da penitenciaria, em nome da dignidade da camara, que apresentasse todos os documentos que possuísse sobre esta questão, e que não viesse aqui todos os dias apresentar um mais um. «Se ha ladrões, dizia o s. Thomás Ribeiro, apresentem-se os documentos e as provas todas; não estejamos aqui a apresentar todos os dias mais um documento, mais outro documento».

Não sei se o sr. Thomás Ribeiro tinha rasâo; sei que, se acaso havia e ha documentos que envolvam criminalidade e graves responsabilidades, e necessario que se faça toda a luz sobre esta questão; é necessario que aquelles que hontem aqui vinham dizer que se apresentassem aquelles documentos, sejam coherentes e não queiram hoje deixar nas trevas e no olvido uma questão que foi a primeira arma contra o governo passado!

Demais, esta legislatura está a findar, e eu não sei qual é a auctoridade da commissão quando findarem os nossos trabalhos, e como ha de dar á camara conta das suas investigações.

Vozes: — É a auctoridade que a camara lhe deu.

O Orador: — A camara deu-lhe essa auctoridade; mas, findando os nossos trabalhos, a commissão não póde vir a este parlamento dar conta dos seus trabalhos, porque v. ex.ª sabe que ha de vir outra camara em 2 de janeiro, por isso

que as funcções d'esta camara acabam em 31 de dezembro.

Ora, quem nos diz que os membros da camara actual hão do fazer parte da camara nova?

Pois a commissão parlamentar não é para dar conta a este parlamento do resultado dos seus trabalhos?

Uma voz: — É ao parlamento, não é a este parlamento.

O Orador: — Esta commissão é para dar conta a este parlamento. Pois esta commissão não é meramente parlamentar? Pois não foi nomeada outra commissão extra-parlamentar pelo actual ministro das obras publicas, da qual não sabemos ainda cousa alguma do que ella tem feito?!

Nós não sabemos que lá fóra, nos jornaes e nas praças, se acrescentam juizos que são desfavoraveis e alguns empregados?

Realmente, pelo interesse d'esses empregados e sobretudo pelo cumprimento do nosso dever e pelo uso do nosso direito, devemos pedir aos membros da commissão, que dêem explicações categoricas e explicitas sobre o que se tem passado ácerca d'esta questão, que creio é uma questâo de brio e dignidade d'esta camara. (Apoiados.)

É necessario que não se diga lá fóra que, com a pressa em se nomear esta commissão, o que se quiz fazer foi lançar poeira aos olhos do publico. (Apoiados.)

É necessario que a maioria se não opponha a que se faça luz n'esta questão, por isso que sobre ella pesa uma grande responsabilidade.

Não fallo só em meu nome, fallo em nome da dignidade do parlamento, e a maioria deve ser a primeira interessada em zelar essa dignidade e concorrer para que se elucide este assumpto.

Não é só quando estava sentado no banco dos ministros o sr. Barros e Cunha, que se devia dizer: «Venham as provas, se ha ladrões punam-se, e não venha agora mais um documento, logo mais outro. Eu digo hoje como hontem, que é necessario que venham todos os documentos, todos os esclarecimentos, toda a verdade, toda a luz, porque tudo é necessario, e se ha ladrões, é indispensavel que sejam castigados. (Apoiados.)

Quando n'esta camara se tratou de nomear uma commissão para examinar a questão da penitenciaria, os membros que foram eleitos eram todos governamentaes, entraram depois dois que pertencem á opposição, porque eu fiz um requerimento que foi acceite pela maioria, do que talvez mais tarde se arrependesse.

N'estas circumstancias, qual será o juizo do publico depois de se ter feito n'esta camara a declaração que fez o sr. Bivar?! Pois não parece que deseja evitar-se o descobrimento da verdade?! Pois não parece querer cobrir-se a penitenciaria com o manto do tempo e do esquecimento?! Todos sabem que um dos principaes motivos que deu logar o achar-se ali o governo actual, foi a questão da penitenciaria, pelo menos foi a primeira arma contra o gabinete caído; por consequencia, tanto a maioria como o governo têem rigorosa obrigação de zelar, mais que ninguem, não só a honra dos cidadãos sobre os quaes pesa um certo vacuo e indefinido, offensivo do seu caracter, mas destruir qualquer accusação que possa assentar-se sobre delapidações e roubos da penitenciaria.

A questão da penitenciaria que vos levantou, ha de tratar-se, ha de elucidar-se, mau grado de quem quer que seja, e ha de o publico poder bem avaliar o pedestal sobre que assenta este governo.

Tenho todo o interesse que se faça luz n'esta questão, porque e injusto que pesem graves accusações sobre individuos que porventura as não merecem, é injusto que se não castigue quem merecer o castigo.

Se estivesse presente quando o sr. Bivar fez a declaração a que me tenho referido, teria feito as reflexões que acabo de expender, porque entendo que o parlamento não podia nem devia ficar silencioso perante uma decloraçãc

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que não dizendo nada, significa muito e ácerca da qual é indispensavel pedir explicações categoricas. (Apoiados.)

Formulei por consequencia uma proposta que vou ler e é a seguinte.

(LEU.)

Peço a urgencia d'esta proposta.

O meu unico empenho é que se faça luz n'esta questão, e que se ha culpados e criminosos, estes sejam punidos, porque nem os membros da maioria nem os da opposição podem querer que os criminosos, se os ha, fiquem impunes, e se ha suspeitas injustas ácerca de alguns cidadãos funccionarios ou não funccionarios innocentes, restitua-se-lhes o seu credito e a sua honra.

Todos nós temos interesse em que se esclareça esta questão, em que o paiz está empenhado o que foi por assim dizer a causa primaria da guerra feita ao governo transacto, por parte do partido regenerador agora seu alliado.

Parece-me portanto que a camara não póde deixar de acceitar a minha proposta, convidando com toda a delicadeza e cortezia os membros da commissão a virem dar as necessarias explicações sobre este assumpto, por isso que é da honra e brio d'esta camara que o parlamento se não encerre sem que se faça toda a luz que é precisa sobre uma questão tão importante como esta.

Tenho dito.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que sejam convidados os membros da commissão de inquerito á penitenciaria, para virem a esta camara, no dia em que a presidencia designar, dar conta dos resultados a que tenha chegado no exame dos differentes assumptos que lhe estão incumbidos.

Sala das sessões, 22 de abril de 1878. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

Consultada a camara sobre a urgencia d'esta proposta, re-rificou-se não haver vencimento, ficando por consequencia para, segunda leitura.

O sr. Mello e Simas. — Requeiro a v. ex.ª consulte a camara sobre se permitte que sejam publicados no Diario do governo os documentos que foram remettidos do ministerio da fazenda a requerimento meu.

E só acrescento que ao parecer do director da alfandega da Horta, de que é necessario escripto para provar uma sociedade, se oppõe o artigo 573.° do codigo commercial, que admitte a prova de testemunhas para as sociedades em conta de participação.

Decidiu-se que se publicassem no Diario do governo.

O sr. Godinho: — Mando para a mesa um requerimento do presbytero Joaquim Manuel Fernandes, pro-vigario capitular da diocese de S. Thomé e Principe, pedindo que lhe sejam pagos os vencimentos que lhe ficaram devendo desde março de 1875.

Peço a v. ex.ª que se digne remetter este requerimento á commissão competente.

O sr. Ferreira Braga: — Sr. presidente, o sr. Bivar, primeiro secretario da commissão de inquerito parlamentar á penitenciaria, deu conhecimento a V. ex.ª e á camara da resolução tomada em 11 do corrente pela mesma commissão: só agora tenho a acrescentar que hoje mesmo entreguei na secretaria e archivo da commissão varios esclarecimentos pedidos e entre elles a certidão ou copia do processo judicial.

Pretende o illustre deputado e meu amigo o sr. Francisco de Albuquerque que eu tivesse já dado parecer sobre esta questão mui importante.

Ha na verdade trabalhos feitos, mas isolados e nenhuns approvados pelas sub-commissões, que terão de ser estudados depois por todos os vogaes, que são quinze, como a camara muito bem sabe.

Esperemos que os differentes assumptos sejam madura e conscienciosamente examinados por cada um dos vogaes a que foram distribuidos, discutidos nas sub-commissões, e revistos na commissão em sessão plena.

Em virtude da resolução tomada pela commissão, e de que foi informada a camara, não posso nem devo fazer quaesquer outras declarações sobre negocios relativos ao inquerito da penitenciaria.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Pedi a palavra quando ouvi o meu illustre collega e amigo o sr. Francisco de Albuquerque declarar que a penitenciaria tinha sido a origem da guerra principal ao ministerio transacto.

Eu não discuto nem questiono o direito que o illustre deputado tem de exprimir livremente o seu pensamento e de avançar mesmo n'esta casa algumas proposições que eu reputo menos exactas. Porém n'este caso, e na parte em que as suas asserções me dizem respeito, s. ex.ª não levará de certo a mal que eu faça uma rectificação, declarando tanto a s. ex.ª como ao paiz que a guerra primaria ao ministerio passado, isto é, a guerra primeira, foi feita aqui pelos meus amigos e por mim, (Apoiados.) no primeiro dia em que esse ministerio se apresentou n'esta casa, quando nenhum dos espiritos mais perspicazes sonhava ainda com a possibilidade de abusos e de illegalidades na administração das obras da penitenciaria. (Apoiados.)

Portanto póde a s. ex.ª convir declinar o odioso da questão da penitenciaria sobre quem muito bem lhe parecer, comtanto que por mim não toque, nem pelos meus amigos.

Não estou disposto a tratar a questão da penitenciaria; nunca a tratei, e emquanto não forem apresentados todos os documentos e todos os relatorios, não desejo conquistar o louvor, a gloria ou a popularidade que de ahi possam resultar, nem me presto a incorrer em quaesquer censuras.

(Apoiados.)

Tenho apenas a declarar ao sr. Francisco de Albuquerque, que póde dirigir a sua argumentação de fórma que não indique como causa da guerra primaria ou secundaria, ao ministerio passado, a questão da penitenciaria.

D'essa guerra tivemos nós a iniciativa, eu e os meus amigos; fomos nós unica e exclusivamente, e ficámos em campo contra a camara inteira. Foi talvez acto de grande audacia da nossa-parte, audacia talvez insensata, mas em todo o caso, já que o praticámos não é muito que reclamemos toda a responsabilidade.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Van-Zeller: — Sr. presidente, eu submetto-me a qualquer censura que o illustre deputado queira fazer-me, salvo o meu direito de defeza, mas rejeito absolutamente, para os meus collegas da commissão, a censura que s. ex.ª lhes queira inflingir, (Apoiados.) porque outra cousa não é a moção que o illustre deputado mandou para a mesa.

Sr. presidente, eu não posso dar pela minha parte uma explicação cabal ácerca da declaração que foi aqui apresentada pelo illustre deputado o sr. Bivar, porque não pude assistir a essa sessão da commissão, e da acta respectiva ha de constar, e tudo a final ha de ser publicado pela imprensa, ha de constar, digo, que eu mandei parte de doente e por este motivo não pude comparecer á sessão da commissão n'esse dia; mas aproveito a occasião para declarar que me associo completamente ao pensamento que levou a maioria da commissão a tomar a deliberação que se pretende discutir. Quero dizer que, se tivesse predominado o voto que me parece ter sido emittido de trazer aqui á publicidade da discussão uma certa ordem de trabalhos que um ou outro vogal, ou uma parte da commissão tivesse podido concluir e apresentar, sem se ter previamente reunido a commissão plena, e sem a commissão toda ter manifestado o seu voto, e ter tomado, pelo exame e com a assignatura de todos os seus membros, a responsabilidade do juizo que ella tem de emittir, eu pela minha parte teria desistido de voltar á commissão. Já tinha dito isto mesmo

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particularmente, e aproveito a occasião para o declarar em publico. (Vozes: — Muito bem.)

Hoje mesmo, antes de me dirigir para a camara, fui, como tenho ido mais de uma vez, á sala do ministerio das obras publicas, onde a commissão trabalha. V. ex.ª sabe e sabe a camara, que a commissão se dividiu em tres sub-commissões, e que cada uma d'essas sub-commissões foi encarregada pelo seu digno presidente de diversos trabalhos.

Os empregados fornecidos pelo ministerio das obras publicas não são em tão grande numero que podessem, no curto espaço de tempo que têem tido, dar conta dos trabalhos de expediente de que cada vogal da commissão os encarregou.

A parte que me foi distribuida, e que eu mandei extractar convenientemente, ainda não estava completa. No mesmo caso, segundo me disseram, estavam os trabalhos de outros membros da commissão encarregados de outros assumptos.

E eu posso certificar a v. ex.ª e á camara, em meu nome e de certo em nome dos meus collegas, que logo que terminem os trabalhos da camara, occupar nos-hemmos ainda com mais assiduidade dos negocios da commissão.

v. ex.ª comprehende que a camara de certo não auctorisaria que os membros da commissão se abstivessem de comparecer na camara durante o tempo das sessões. (Apoiados.)

O illustre deputado poz em duvida a competencia da commissão para funccionar depois de encerradas as côrtes até terminar o mandato em 31 de dezembro. N'este ponto eu devo lembrar ao illustre deputado, e fui eu quem na commissão levantei a duvida, pela commissão já submottida á decisão do parlamento, devo lembrar ao illustre deputado que o parlamento, sob parecer da commissão de legislação civil, já declarou que a commissão de inquerito á penitenciaria podia funccionar legalmente até acabar o mandato legislativo em 31 de dezembro. (Apoiados.) E é muito provavel, é mesmo quasi certo, que a commissão terá os seus trabalhos concluidos muito antes do 1.º de janeiro do anno proximo.

Mas, disse o illustre deputado, que não é a este parlamento que hão de ser apresentados os trabalhos da commissão.

A isso respondo eu que o parlamento não é só o illustre deputado, nem eu sómente, nem outros dos presentes, o parlamento é a assembléa politica dos representantes da nação como ella os elegeu, como ámanhã os póde eleger. O parlamento não é esta camara sómente. A instituição politica, representante do suffragio popular, ha de, quaesquer que sejam os eleitos presentes ou futuros tomar conhecimento dos trabalhos que lhe forem apresentados. (Apoiados.)

Lembro ainda mais ao illustre deputado que não tem havido muitas commissões de inquerito em que os trabalhos, os exames, as inquirições tenham avultado como n'esta necessariamente ha de succeder.

Sr. presidente, na sessão legislativa de 1853 foi proposta pelo illustre deputado o sr. Arrobas a nomeação de uma commissão de inquerito ao ministerio de marinha. Só na sessão seguinte é que foi eleita a commissão, e começou de funccionar; levou dois annos a preparar os seus trabalhos, e sómente na sessão de 1856, no mez de julho, é que foram apresentados os relatorios da commissão.

E note o illustre deputado que a commissão de marinha tinha á sua disposição todos os elementos que o governo lhe fornecia, porque auctorisou ou ordenou a todos os empregados dependentes d'aquelle ministerio que prestassem todas as informações. E lembro ao illustre deputado que n'este ponto está uma das difficuldades com que lutâmos. Em qualquer dos capitulos em que hoje se dividem os trabalhos da commissão, raro será aquelle em que não tenha de ser ouvido o depoimento de certos e determinados individuos, e examinados os documentos, que nem todos existem em archivos publicos.

E como se trata de accusações que se fizeram, é necessario ouvir as partes, é necessario attender ajusta defeza, é necessario que tudo seja liquidado com a maior clareza e com todo o escrupulo de consciencia.

Para attingir a este resultado tambem já estamos habilitados, porque, tendo-se levantado duvida a esse respeito, já foi decidido pela camara que chamassemos ao seio da commissão qualquer auctoridade que tivesse competencia para deferir juramento.

Já vê o illustre deputado que era difficil se não impossivel durante o tempo da sessão legislativa fazer este trabalho, porque impossivel era tambem que em um ou dois mezes a commissão administrativa nomeada pelo governo se desempenhasse do seu encargo. Essa commissão, que tem trabalhado muito assiduamente, declarou desde o principio que da sua incumbencia não poderia desempenhar-se em menos de dois ou tres mezes; e o illustre deputado ha de comprehender que a commissão de inquerito parlamentar quer e necessita de certo examinar o resultado dos trabalhos d'essa commissão, porque são trabalhos technicos, e por isso não podia até hoje satisfazer em tão pequeno espaço do tempo ao desejo que tem de cumprir com o seu dever, e repugna-lhe que os seus trabalhos sáiam imperfeitos. Aqui tem o illustre deputado o motivo ou a rasâo pela qual nós nunca firmaríamos com a nossa assignatura a responsabilidade de quaesquer trabalhos isolados.

Vozes: — Muito bom.

O sr. Luiz de Lencastre: — Depois do que acaba de dizer o illustre deputado que me precedeu, cedo da palavra.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Sr. presidente, começo por fazer uma rectificação. Sei perfeitamente que nem o sr. visconde de Moreira de Rey, nem o meu amigo o sr. Dias Ferreira, têem responsabilidade alguma n'esta questão; porque, posto que o sr. Dias Ferreira fosse o auctor da moção de censura que fez caír o governo, é certo que s. ex.ª teve o tino e a habilidade politica de nunca tratar da questão da penitenciaria, porque conhecia as suas escabrosidades.

O partido regenerador, alliado do governo, é que levantou esta questão, e por tal fórma, que chegou a dizer que se pretendia inodoar um partido, pretendendo inodoar-sé um dos seus membros, pelo qual o partido regenerador quiz tomar a responsabilidade.

Portanto a responsabilidade não pertence á primitiva e genuina opposição do sr. Dias Ferreira e dos seus amigos. A opposição regeneradora é que fez a principal accusação ao governo do sr. duque d'Avila com a questão da penitenciaria.

Agora, sr. presidente, direi que eu não venho nem vim fazer accusações á commissão, longe de mim tal intenção. Pelo contrario, eu supponho que a commissão tem trabalhado muito, muito mais do que as commissões que se têem nomeado em identicas ou similhantes circumstancias.

Eu o que desejo é que em vista da anciedade publica; porque me não recordo de outro processo para que o paiz tivesse mais voltados os olhos do que para este...

Uma voz: — O paiz d'elle.

O Orador: —Não é o paiz d'elle, é o paiz de todos nós, é a moralidade.

A mesma voz: — Qual moralidade!

O Orador: — É aquella que vós desconheceis e não praticaes. Pois que! Vós que ainda hontem aqui estaveis com tanta soffeguidâo e vehemencia a dizer «venham para aqui os documentos, e se ha ladrões punam-se, faça se a luz», hoje não quereis a luz, hoje affugentaes a luz!

(Sussurro.)

Uma voz: —Todos a querem.

O Orador: — So a querem, não se opponham a que se apresente o resultado dos trabalhos. (Sussurro, pausa.)

Creia v. ex.ª que eu tenho conseguido o que desejava.

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A maioria incommodu-se com o que digo, tanto basta para que eu esteja plenamente satisfeito. O meu fim, porém, não era este, mas sim salvar a minha responsabilidade em questão de tão alta valia.

Sou hoje membro do parlamento, não sei se o serei ámanhã.

Não tenho a dita, como provavelmente a maior parte de s. ex.ª, de ter o apoio dos regeneradores; antes espero, em vista dos preparativos bellicos de que tenho noticia, que hei de ter por parte do governo uma guerra forte e energica, que eu acceito, e que hei de repellir quanto couber em meu esforço, e portanto não sei se lograrei a ventura de vir á futura camara; deixem-me, pois, varrer a minha testada, permittam-me que, no desempenho do meu dever e no uso do meu direito, eu diga a verdade como a entendo em minha curta intelligencia, mas sincera intenção.

Sinto que s. ex.ªs se inconunodem com isto, mas eu não tenho a culpa.

Não quero censurar a commissão. Fazem parte d'ella cavalheiros dos quaes todos sou amigo, e até alguns são meus amigos politicos. Creia v. ex.ª que eu levo a franqueza ao ponto de dizer que se eu tivesse de-censurar, talvez que tivesse mais que censurar ou antes de apreciar menos favoravelmente o procedimento dos membros da commissão que são meus amigos politicos, do que o d'aquelles que o não são.

Tenho esta franqueza. Não estou aqui senão para dizer o que sinto, porque entendo que antes de pertencer a um partido, pertenço a mim mesmo e á minha consciencia. (Apoiados.)

O sr. Pires de Lima: — Mas porque os censurava?

O Orador: — Por não virem aqui fazer as declarações convenientes, embora os outros membros da commissão pedissem a sua demissão, porque podiam substituir-se, e cada um cumpre o seu dever e os outros que cumpram o seu.

Entendo que no estado da anciedade publica por ver o desfecho d'esta questão, tendo sido nomeadas duas commissões, uma parlamentar o outra extra-parlamentar, para examinar este negocio, a commissão parlamentar devia dar conta a este parlamento do estado dos seus trabalhos, comquanto não estivessem ainda concluidos, porque ha muitos pontos dos mais importantes que deveriam, satisfazer já o desejo do publico.

Ainda ha pouco disse o sr. Braga que havia trabalhos feitos, mas que não se podia fazer um relatorio geral.

Pois prescinda-se do relatorio geral, reserve-se para outra occasião, mas apresente-se o resultado dos trabalhos já feitos, e para assim dizer completos, sobre algumas especialidades.

Outro dia, por acaso, pegando n'um jornal li que havia trabalhos completos sobre os principaes pontos da questão.

Da propria declaração da commissão se infere que o sr. Mariano de Carvalho tem já chegado a algum resultado ácerca de trabalhos de que foi incumbido.

(Interrupção que se não percebeu.)

Ha muito tempo que não fallo com o sr. Mariano de Carvalho, nem necessitava para este effeito, porque a declaração que aqui fez o sr. Bivar em nome da commissão é a affirmativa mais completa.

A maioria da commissão declarou que no caso de algum dos membros da commissão apresentar o resultado de alguns trabalhos, os outros membros da commissão se demittiriam.

Pois eu asseguro a v. ex.ª que se fosse membro da commissão e tivesse chegado a um resultado em relação a trabalhos de que tivesse sido incumbido, havia de apresental-o, embora tivesse de affrontar os odios dos meus collegas. (Apoiados.)

De mais a mais os trabalhos da commissão estão muito bem divididos; aproveitou-se a competencia dos membros da commissão para os differentes trabalhos, e creia s. ex.ª que o paiz ficaria muito mais satisfeito apresentando-se desde já algum resultado d'esses trabalhos de que esperar por tudo, que por fim podia traduzir-se em nada, o que não embaraçava que depois se apresentasse um relatorio geral.

O publico ha de com fundamento julgar que se pretende descurar e fazer esquecer este negocio. Emquanto poder eu o farei lembrado.

O nosso desejo pois é que, ao menos durante esta sessão, nós fizessemos um pouquinho de luz n'este assumpto.

Creia v. ex.ª que não tenho odio nem a nenhum membro do partido regenerador, nem a individuo algum que porventura possa vir a julgar-se implicado no processo da penitenciaria.

Sr. presidente, singular argumentação é esta! Pois porque não se póde fazer luz sobre todos os variadissimos assumptos que estão commettidos ao exame da commissão da penitenciaria, não se ha de fazer luz n'aquelles sobre que realmente se póde fazer?! Esta argumentação não é procedente. (Apoiados.)

(Interrupção.)

O que convence realmente são os votos, mas permittam-me s. ex.ª que fique satisfeito com o resultado que obtive, porque incommodei a s. ex.ª, e deixo varrida a minha testada.

Termino, pedindo a v. ex.ª que dê seguimento á minha proposta nos devidos termos.

O sr. Presidente: — A proposta terá ámanhã o devido andamento.

Vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Entra em discussão o parecer n.º 81.

É o seguinte:

Parecer n.º 81

Senhores. — Foi presente á vossa commissão de legislação penal o processo summario de policia correcional, requerido em agosto de 1877, n'esta cidade de Lisboa, por Antonio Duarte Marques Barreiros, então governador civil de Vianna do Castello, contra o dr. Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado da nação, por abuso de liberdade de imprensa, o qual foi remettido a esta camara para decidir se deve, ou não, continuar a haver, ou não, a suspensão de que trata o artigo 27.° da carta constitucional da monarchia.

Dos autos vê-se:

Que o dr. Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado da nação, remettendo ao redactor do jornal Revolução de setembro a copia de uma queixa que fazia ao ministerio do reino contra o procedimento do governador civil de Vianna do Castello, Marques Barreiros, escreveu na carta em que pediu a publicação da sua queixa palavras que o requerente Marques Barreiros julgou offensivas da sua honra e consideração;

Que citado para responder em 10 de dezembro de 1877 á acção da policia correccional, o dr. Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto declinou a jurisdicção dos tribunaes ordinarios e communs, e reclamou a excepcional dos artigos 27.° e 41.° da carta constitucional, e 1:003.° da novissima reforma judiciaria, como deputado que era e é da nação; e

Que oppondo-se á declinatoria, o requerente Marques Barreiros, foi ella comtudo julgada procedente e provada, em vista dos citados artigos 27.° e 41.° da carta constitucional, por sentença de 7 de dezembro de 1877, que transitou em julgado.

É incontestavel que o citado artigo 27.° da carta constitucional auctorisa esta camara, no caso sujeito, «a decidir se o processo deve, ou não, continuar e o deputado ser ou não suspenso no exercicio das suas funcções».

E a vossa commissão, attendendo a que esta disposição da carta tem por fim obstar a que os deputados sejam im-

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pedidos de exercer as suas funcções, quando a moral e o interesse publico imperiosamente o não exigem;

Considerando que Marques Barreiros apenas se queixa de uma injuria verbal publicada pela imprensa:

É de parecer que o alludido processo não deve continuar.

Sala das sessões da commissão de legislação penal, 13 de abril de 1878. = A. Cardoso Avelino = Visconde de Moreira de Rey (vencido) = F. A. Pinheiro Osorio = Carlos Vieira da Motta = Julio de Vilhena — Mello e Simas.

O sr. Presidente: —Peço a attenção da camara. A esphera que significa o parecer de cada um dos srs. deputados é lançada na urna da direita, lançando-se a outra na urna da esquerda.

Feita a chamada, verificou-se ter sido approvado unanimemente o parecer por 43 espheras brancas.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do projecto n.º 1Õ6 de 1875.

E o seguinte:

Projecto de lei n.º 156

Senhores. — Á vossa commissão do fazenda foi presente a proposta de lei n.º 73-A de iniciativa do governo, para serem substituidos, por inscripções de assentamento, £ 2:000 de bonds de divida externa com os coupons do 1.° de julho de 1873, que, segundo os documentos apresentados ao governo pelo banco Lusitano, foram destruidos pela facção em luta ao norte de Hespanha, conjuntamente com a mala do correio onde eram conduzidos;

Considerando que na proposta ficam acautelados os interesses do thesouro, muito mais sendo o banco Lusitano obrigado a restituir todos os juros que haja recebido, se porventura, o que não é provavel, appareçam os bonds tidos como queimados:

É de parecer que a proposta deve ser approvada e convertida no seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar emittir pela junta do credito publico inscripções de assentamento a favor do banco Lusitano, com vencimento de juros do 1.° semestre de 1873 inclusivè em diante, e com a clausula de intransmissiveis durante trinta annos contados do dia 1.° de janeiro de 1873, pela importancia correspondente ao cambio de 54, a vinte bonds extraviados de £ 100 cada um, n.° 256:322 a 256:341, do fundo de 1869, serie A. Art. 2.° Os juros das ditas inscripções só poderão ser pagos cinco annos depois do findo o semestre a que respeitarem, isto é, depois de prescriptos os juros dos titulos que se reputam destruidos, porque findo este praso está prescripto o direito aos juros.

Art. 3.° Se durante o praso indicado no artigo 1.° forem apresentados a pagamento os coupons dos bonds que desappareceram, proceder-se-ha á amortisação das inscripções creadas por esta lei, sem que o banco Lusitano tenha direito a indemnisação alguma da parte do estado.

§ unico. O banco, no caso d'este artigo, será obrigado a restituir ao estado todos os juros que houver recebido.

Art. 4.° Decorrido o praso marcado para a prescripção dos creditos representados nos bonds, será annullada a clausula da intransmissibilidade exarada nos novos titulos, e estes ficarão livres para todos os effeitos.

Art. 5.° Reciprocamente, se depois do praso da prescripção reapparecerem os bonds, serão estes considerados de nenhum valor e fóra das garantias que as leis da respectiva creação lhes conferiram.

Art. 6.° Annullada a clausula de intransmissibilidade a que se referem os artigos 1.° e 4.°, poderão ser pagos os juros vencidos e não satisfeitos em virtude do disposto no artigo 2.°

Sala da commissão, aos 27 de março de 1875. = José Dias Ferreira = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Jacinto Antonio Perdigão =Visconde de Guedes Teixeira=

José Maria dos Santos = Antonio José Teixeira = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

N.° 73-A

Senhores. — Em presença de documentos que foram entregues no ministerio a meu cargo pela direcção do banco Lusitano, prova-se ter ella mandado vir de Londres, via França, vinte bonds da divida externa portugueza de £ 100 cada um, n.º 256:322 a 256:341, do fundo de 1869, serie A, perfazendo o total de £ 2:000, com os coupons do 1.º do julho de 1873 o seguintes, os quaes suppõe terem sido queimados pela facção em luta nas provincias do norte de Hespanha, juntamente com a mala da correspondencia de Londres em que vinham, relativa ao 2.º despacho do dia 17 e 1.° de 18 de abril do dito anno de 1873, e da qual se apoderou violentamente aquella facção, como consta da nota postal de 8 de maio seguinte.

Comquanto não esteja incontestavelmente provada a destruição d'aquelles titulos, ha todas as presumpções para a julgar effectiva; e parecendo-me, em vista da jurisprudencia seguida em França com respeito ás acções e obrigações ao portador, que, pela creação de titulos de assentamento, cuja livre disposição fique sujeita á prescripção de trinta annos, é prevenida a hypothese de perda para o thesouro, tenho a honra do apresentar á vossa imparcial consideração um projecto de lei, no qual alem da hypothese citada são tambem attendidos os preceitos do artigo 47.° do regulamento da contabilidade publica de 4 de janeiro de 1870, e as ponderações do conselheiro procurador geral da corôa e fazenda, que foi ouvido sobre o assumpto.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar emittir pela junta do credito publico inscripções de assentamento a favor do banco Lusitano, com vencimento de juros do 1.º semestre de 1873 inclusivè em diante, e com a clausula do intransmissiveis durante trinta annos contados do dia 1.º de janeiro de 1873, pela importancia correspondente ao cambio de 54, a vinte bonds extraviados de £ 100 cada um, n.º 256:322 a 256:341, do fundo de 1869, serie A.

Art. 2.° Os juros das ditas inscripções só poderão ser pagos cinco annos depois de findo o semestre a que respeitarem, isto é, depois de prescriptos os juros dos titulos que se reputam destruidos.

Art. 3.° Se durante o praso indicado no artigo 1.° forem apresentados a pagamento os coupons dos bonds que desappareceram, proceder-se-ha á amortisação das inscripções creadas por esta lei, sem que o banco Lusitano tenha direito a indemnisação alguma.

Art. 4.° Decorrido o praso marcado para a prescripção dos creditos representados nos bonds, será annullada a clausula de intransmissibilidade exarada nos novos titulos, e estes ficarão livres para todos os effeitos.

Art. 5.° Reciprocamente, se depois do praso da prescripção reapparecerem os bonds, serão estes considerados de nenhum valor e fóra das garantias que as leis da respectiva creação lhes conferiram.

Art. 6.° Annullada a clausula de intransmissibilidade a que se referem os artigos 1.° e 4.°, poderão ser pagos os juros vencidos e não satisfeitos em virtude do disposto no artigo 2.°

Ministerio dos negocios da fazenda, 27 de fevereiro de ]875. — Antonio de Serpa Pimentel.

Foi approvado sem discussão na generalidade e na especialidade.

O sr. Carrilho (por parte da commissão): — Mando para a mesa, para se addicionar a este projecto, o artigo 7.°, que esqueceu «Fica revogada a legislação em contrario ».

Foi admittido e approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Entra em discussão o projecto n.º 44.

É o seguinte:

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Projecto de lei n.º 44

Senhores. — A vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei do governo n.º 30-L, auctorisando um emprestimo de 36:000$00 réis para completar as obras do edificio da escola polytechnica de Lisboa;

Considerando que é urgente a ultimação das obras de que se trata, e que do emprestimo proposto não resultará augmento de encargos, em relação ao actual orçamento, porque os juros e amortisação do mesmo emprestimo devem ser custeados pela verba de 16:000$000 reis, já descripta para este fim na tabella de despeza em vigor;

É de parecer que a proposta seja approvada e convertida no seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.º É o governo auctorisado a contrahir com o banco de Portugal um emprestimo de 36:000$000 réis, com juro que não exceda 6 por cento, hypothecando para esse fim os bens e fundos que a escola polytechnica administra.

Art. 2.° O producto d'esse emprestimo, realisavel em prestações ou series, conforme se convencionar, será exclusivamente applicado ás obras dos edificios da escola polytechnica e observatorio astronomico, e á acquisição de mobilia, instrumentos, machinas, apparelhos e collecções de que carecerem os seus estabelecimentos.

Art. 3.° A importancia do emprestimo addicionada ao saldo em divida ao banco de Portugal pelos emprestimos com o mesmo banco, contratados em virtude das cartas de lei de 19 de março de 1873, 11 de abril de 1876 e 5 de abril de 1877, formará um capital, ao juro e amortisação do qual fica o governo auctorisado a applicar a verba de 16:000$000 réis, designada nas referidas cartas de lei.

Art. 4.° Se os bens e fundos que a escola polytechnica administra não forem sufficientes para a hypotheca a que se refere, o artigo 1.°, é o governo igualmente auctorisado a completar a somma necessaria com os titulos de divida consolidada na posse da fazenda nacional.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 29 de março de 1878. = J. Dias Ferreira = Joaquim de Matos Correi=Custodio José Vieira = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = A. C. Ferreira de Mesquita= Visconde da Azarujinha = Illidio do Valle. = Visconde de Guedes Teixeira=Antonio José Teixeira = Antonio M. P. Carrilho,

N.°30-L

Senhores. — Pela carta de lei de 5 de abril do anno passados auctorisastes o governo a contrahir com o banco de Portugal um emprestimo de 40:000$000 réis para ser applicado ás obras de reconstrucção do edificio, fundação do observatorio astronomico e jardim botânico da escola polytechnica.

Concluiram-se com áquella somma as obras do edificio principal da escola, ficaram porém ainda incompletas, se bem que em estado de grande adiantamento, as casas do edificio annexo destinadas para bibliotheca, secretaria, sala das sessões do conselho, archivo e officina lithographica, e bem assim as officinas do observatorio astronomico, e a casa para as observações magnéticas do observatorio meteorologico.

Alem d'isto os muitos o importantes estabelecimentos da escola — os gabinetes de mechanica, de geometria descriptiva e de physica, o laboratório de chimica, as secções mineralógica, zoologica e botanica do museu nacional, hoje convenientemente distribuidos pelas vastas salas do edificio principal, carecem de mobilia adequada e de muitos instrumentos, apparelhos, machinas e collecções indispensaveis para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da instrucção pratica dos alumnos.

Acresce que n'uma parte do edificio principal, aquella cuja reconstrucção data de mais de vinte annos, se torna de urgente necessidade proceder a custosas reparações orçadas em perto de 10:000$000 réis.

A somma necessaria para acudir a estas reparações, acabar as obras em andamento, e occorrer ás mais urgentes necessidades dos estabelecimentos está calculada em 36:000$000 réis.

Espera o governo obter do banco de Portugal a referida importancia para ser addicionada ao saldo em divida pelos emprestimos com o mesmo banco contratados, sem augmento da verba já votada para satisfazer aos respectivos encargos.

Por esta fórma, sem nenhum acrescimo de despeza no presente e só com a prolongação por mais alguns poucos annos d'aquella que se acha auctorisada, ficará o governo habilitado para ministrar á escola polytechnica os recursos de que carece para se desempenhar cabalmente da alta missão que lhe incumbe como o primeiro estabelecimento de instrucção da capital.

Fundado n'estas considerações, espera o governo que vos não recusareis, senhores, a conceder este novo e ultimo auxilio a uma instituição que tantos serviços tem prestado á instrucção publica, approvando a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1,° É o governo auctorisado a contrahir com o banco de Portugal um emprestimo de 36:000$000 réis, com juro que não exceda 6 por cento, hypothecando para esse fim os bens e fundos que a escola administra.

Art. 2.° O producto d'esse emprestimo, realisavel em prestações ou series,conforme se convencionar, será exclusivamente applicado ás obras dos edificios da escola polytechnica e observatorio astronomico, e á acquisição de mobilia, instrumentos, machinas, apparelhos e collecções de que carecerem os seus estabelecimentos.

Art. 3.° A importancia do emprestimo addicionada ao saldo em divida ao banco de Portugal pelos emprestimos com o mesmo banco, contratados em virtude das cartas de lei de 19 de março de 1873, 11 de abril de 1876 e 5 de abril de 1877, formará um capital ao juro e amortisação do qual fica o governo auctorisado a applicar a verba de 16:000$000 réis, designadas nas referidas cartas de lei.

Art. 4.º Se os bens e fundos que a escola polytechnica administra não forem sufficientes para a hypotheca a que se refere o artigo 1.°, é o governo igualmente auctorisado a completar a somma necessaria com os titulos de divida consolidada na posse da fazenda nacional.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 22 de março de 1878. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Foi approvado na generalidade e na especialidade.

O sr. Presidente: - Continua a discussão do proiecto n.°70._ '

Foi já publicado e jicou pendente da sessão de 16 do corrente.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Não sei se V. ex.ª se recorda, como ainda não estava na presidencia, de uma resolução que a camara tomou para que se não discutisse projecto algum que trouxesse augmento de despeza, que não fosse de iniciativa do governo, ou em que se não declarasse que era de accordo com o proprio governo.

Ora, este projecto não foi feitod e accordo com o governo, ou pelo menos não se declara, alem d'isso não é de iniciativa do governo, e portanto, como questão previa, dirijo estas palavras a v. ex.ª, porque é possivel que não tenha conhecimento da resolução que a camara tomou a este respeito.

E permitta-me v. ex.ª que acrescente, que me parece de toda a conveniencia que se mantenha esta resolução, porque, como v. ex.ª sabe, ao fechar da sessão costumam-se aqui votar projectos de toda a ordem com pouco escrupulo e exame, e fazendo esta asseveração, tomo para mim a mesma responsabilidade que attribuo aos meus collegas.

Portanto, parecia-me de summa conveniencia que se mantivesse essa resolução, para se não pôr em discussão

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projeto algum que traga augmento de despeza, que não seja de iniciativa do governo ou do accordo com o mesmo governo, porque assim, não se evitando tudo, evila-se muito.

O sr. Cunha Monteiro: — Não toco na materia do pro jecto que se discute, porque o orador que me precedeu tambem não entrou n'ella, apenas se referiu á camara ter aqui votado uma resolução pela qual se oppunha a que fossem discutidos projectos que não fossem de accordo com o governo, ou que não fossem de sua iniciativa.

Pedi apenas a palavra para refutar a asserção do sr. Francisco de Albuquerque, dizendo á camara que estou auctorisado pelo sr. ministro do reino para declarar que s. ex.ª está de accordo com este projecto.

O sr. Ministro da Fazenda: — Pedi a palavra unicamente para declarar que este parecer foi dado do accordo com o governo.

O sr. J. J. Alves: — Pedi a palavra para fazer simplesmente uma declaração.

Eu votei o projecto que dizia respeito á ilha das Flores, no qual se creava um logar de facultativo e outro de pharmaceutico, e n'essa occasião fiz sentir no seio da commissão, que dava o meu voto áquelle projecto, certo de que nunca ficariam prejudicadas as outras ilhas em que se dessem iguaes circumstancias; portanto, em cumprimento da minha palavra, declaro que voto da melhor vontade o projecto em questão, porque me parece que n'estas ilhas se dão as mesmas necessidades que na ilha das Flores. Sinto, porém, que os illustres deputados que n'este momento se apresentam contrarios ao projecto que se discute, não manifestassem as suas tendencias, quando os dignos deputados pelas ilhas apresentaram a proposta, o que deu logar a que a maioria fosse benevola para com o da ilha das Flores.

Sr. presidente, eu não admitto que a politica se colloque acima dos interesses dos povos: eu ponho de parte a politica sempre que se trata do beneficiar esta ou aquella localidade com quaesquer melhoramentos de que careça, sobretudo quando dizem, como este, respeito á saude publica.

(Apoiados.)

Tenho dito.

O sr. Visconde de Moreira do Rey: — Combato o projecto e voto contra elle porque augmenta a despeza, sem que rasâo nenhuma torno esse augmento urgente e indispensavel.

Mas alem d'isso devo submetter a v. ex.ª e á camara, como simples observação, a natureza das disposições que estão sujeitas á votação d'esta camara.

Um projecto de lei qualquer, que demonstrando a necessidade da creação de uma despeza ou de um logar, trata concretamente do ponto sobre que se pretende realisar uma votação, quando se não justifique, explica-se e entende, se.

Mas o parecer que está actualmente sujeito á apreciação da camara, longe de ter este requisito essencial e indispensavel, é por tal fórma generico e absoluto, que parece que os auctores do projecto não sabiam o que queriam, e com certeza os membros d'esta camara não fazem idéa d'aquillo que votam.

O artigo 1.° diz.

(Leu.)

Ora as ilhas dos Açores são muitas; aqui não se diz quaes as ilhas a que se refere o projecto. Mandam-se crear aquelles logares n'aquellas ilhas; mas quantos e em quaes?

Uma voz: — Em todas.

O Orador: — Mas quaes são ellas?

Uma voz: — Onde não os houver.

O Orador: — Então vamos ao mundo inteiro. (Apoiados.)

Pois os illustres deputados representantes d'estas localidades não podiam informar a camara de quaes são as localidades que se acham nas circumstancias de aproveitar do beneficio que é concedido n'este projecto?!

Temos nós porventura a certeza de que estas condições se dão ou não?! (Apoiados.)

Isto não tem explicação possivel, perdoem-me os illustres deputados, a não se explicar por um furor excessivo, de quem já não pensa nem raciocina, para augmentar toda a despeza a todo o pretexto e como questão de salvação publica.

O orçamento do estado não me consta que esteja em circumstancias taes, que necessite este furor irreflectido e inexplicavel de augmentar a torto e a direito todas as despezas, e em todos os casos. (Apoiados.)

Se algum dos illustres deputados, signatarios d'este projecto do lei, viesse affirmar e comprovar precisa e determinadamente perante a camara que havia uma ilha, ou n'essa ilha um municipio, pobre, sem recursos, que não tinha nem medico, nem cirurgião, nem pharmaceutico, e que não os podia ter por não lhes poder pagar, então era explicavel, quando não fosse acccitavel, um projecto de lei que ereasse estes logares, ou estes empregos, para essa parte da monarchia.

Os representantes dos circulos, porém, são os primeiros que, ou estão inhabililados para declararem se se dão estas circumstancias...

O sr. Pedro Roberto: — Peço a palavra.

O Orador: — Pois se estão habilitados, a sua obrigação é declararem isso no projecto e provar ahi tudo o que sabem; não é quererem arrebatar a esta camara um voto inconsciente, sem esclarecimento de qualidade alguma; não é quererem apenas que se augmente a despeza, sem se saber em quanto, nem como, nem para quê.

Nas circumstancias actuaes do nosso thesouro, não sei que furor, que verdadeira furia, que paixão é esta de se augmentar a despeza publica, inventando se necessidades que não se justificam, nem se comprovam, e que, emquanto não se justificarem, nem se comprovarem, eu posso acreditar, e acredito, que não têem justificação, nem comprovação possivel.

Propõe-se simplesmente a creação de certos logares, mas não nos dizem onde são precisos, nem quantos são.

Eu declaro a v. ex.ª que, cansado de combater todos os augmentos de despeza, espero explicações que me satisfaçam.

Prometto tambem discutir este projecto de lei quanto possa, empregar todas as diligencias para que sobre estas disposições, ainda que pareçam insignificantes, recaiam votações nominaes, e, finalmente, empregar todos os esforços para que sobre mim não fique responsabilidade alguma d'este procedimento que nos leva infallivelmente á ruina, na minha opinião, e que, se não nos levar á ruina, nos leva de certo ao descredito e á desconsideração perante o paiz. (Apoiados.)

O sr. Cunha Monteiro: — Á commissão de saude publica, a que tenho a honra de pertencer, chegou em tempo o projecto de lei n.º 49, que foi já approvado por esta camara, o qual tinha por fim crear um logar de facultativo, com attribuições de guarda mór e sub-delegado de saude, e um logar de pharmaceutico na ilha das Flores.

Declaro a v. ex.ª e á assembléa que não só não assignei esse parecer, mas até me oppuz a elle no seio da commissão quando lá se discutiu.

Lavrado o parecer, o assignado pela maioria dos membros da commissão, que não por mim, foi sujeito á illustrada apreciação da camara, e contra a minha expectativa, por ella approvado e convertido em lei sem discussão.

Mais tarde, e depois da approvação do referido projecto, teve a commissão de avaliar o projecto dos srs. deputados pelos Açores, pedindo ao parlamento que auctorisasse o governo a tornar extensivo ás ilhas d'aquelle archipelago, que não tivessem facultativos nem pharmaecuticos, o beneficio concedido por aquelle projecto á ilha das Flores,

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creando nas outras que estivessem em identicas circumsiancias que esta, tambem um logar de sub-delegado de saude e guarda mór e outro do pharmaceutico, em cada uma.

A commissão, tomando conhecimento d'este projecto, foi de opinião que elle devia ser convertido em lei, e eu que me oppuz ao outro fui o relator d'este.

Levou-me a isso o ter a camara em sessão de 4 do corrente approvado o outro sem reparo nem discussão (tanta justiça reconheceu n'elle)! Ser assignado pelos srs. deputados por aquelle archipelago: Paula Medeiros, Pedro Roberto Dias da Silva, Pedro Jacome Correia, Filippe de Carvalho, visconde de Sieuve de Menezes e Mello o Simas, sem duvida todos elles muito conhecedores das necessidades dos seus constituintes; e o eu considerar, que aberto o precedente deve tornar-se extensivo a todas as ilhas onde houver circumstancias e condições iguaes áquellas que por esta mesma assembléa foram attendidas, que o contrario seria um favoritismo odioso, improprio de quem se propõe fazer leis justas, porque uma lei é tanto mais justa quanto é mais geral. (Apoiados.)

Deixem-me confessar á camara que cheguei a capacitar-me que este projecto, assim como o outro, tambem passava sem discussão; pois sendo os membros da commissão de saude os mesmos que elaboraram o projecto n.º 49, e por isso merecedores hoje como hontem da confiança da camara, muito dignos a todos os respeitos os seis srs. deputados representantes das ilhas que apresentaram n'esta casa este projecto, a doutrina identica, pedindo-se providencia igual onde iguaes circumstancias a reclamarem, não era de esperar por estas considerações que este projecto motivasse tão acalorado debate (Apoiados.)

Desde que a camara converteu em lei um projecto dando á ilha das Flores um facultativo e um pharmaceutico, pelo facto de não os haver ali, não é coherente nem justa se recuse o mesmo beneficio para as ilhas que estiverem em identicas circumstancias. (Apoiados.)

Concluindo, direi que a commissão entendeu que este projecto era de justiça, não só porque o mesmo principio foi já estabelecido para a ilha das Flores, mas porque estes facultativos que se pretendem crear, ficam com a obrigação de curar gratuitamente os pobres, como se consigna no artigo 2.° do projecto. (Apoiados.)

O sr. Francisco de Albuquerque: —Quem impugnou o projecto em discussão, foi o proprio relator da commissão.

O unico argumento apresentado por s. ex.ª, que se fôra verdadeiro, seria concludente, foi o de que tendo a camara votado para a ilha das Flores um projecto de lei a fim de se crear ali um logar de guarda mór de saude e de pharmaceutico, devia agora votar-se o mesmo beneficio para as ilhas que estivessem nas mesmas circumstancias, e s. ex.ª repetiu este argumento por duas ou tres vezes.

Ora, as ilhas para as quaes se quer applicar o projecto que se discute, não estão nas mesmas circumstancias em que estava a ilha das Flores, e vou demonstrar isto a s. ex.ªs com algarismos.

Se acaso entendesse que aquellas ilhas estavam nas mesmas condições em que estava a ilha das Flores, declaro a v. ex.ª que não votaria este projecto, mas um outro analogo ao que se votou para esta ilha.

Desde que não estão nas mesmas circumstancias, parece-me que a camara não póde votar o projecto, que alem de ser injusto, vae conceder áquellas ilhas o que não se concede no continente, em parte alguma, (Apoiados.) sem proveito publico, vae unicamente alliviar os municipios de um encargo a que eram obrigados em conformidade das leis.

Antes de provar a asserção que apresentei, como vejo que se trata de dispensar graças, peço para o districto de Vizeu, que pertence ao circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, se tornem extensivas as disposições do artigo 1.°

Devo declarar a v. ex.ª que, quando se tratou de discutir o projecto que dizia respeito á ilha das Flores, apresentou-se aqui a seguinte estatistica ultimamente publicada dos navios estrangeiros entrados em differentes portos das ilhas. Na ilha das Flores entraram 62, S. Jorge 13, Graciosa 2, Pico 1, e Santa Maria 10.

Parece-me, quando se trata de estabelecer logar do guarda mór para um porto cuja missão especial é visitar os navios que entram, crear um logar para visitar um navio ou nenhum, é uma semrasão.

Argumentou-se mais que nos proprios relatorios dos governadores civis, os srs. Santa Rita e visconde de Castilho, se pedia um logar de guarda mór para a ilha das Flores, e em parte nenhuma se pedia para as outras ilhas.

Creio que s. ex.ª não tinham aversão alguma aos beneficios que se podem conceder para as ilhas; mas o que não se póde argumentar é que todas as ilhas estão nas mesmas circumstancias em que está a ilha das Flores.

A camara, votando o outro projecto, praticou um acto do justiça de que nunca se ha de arrepender.

Desde que não se dão as mesmas circumstancias para, as outras ilhas que para as Flores, escuso de estar a apresentar mais argumentos.

Podia dizer a v. ex.ª, por exemplo, que na ilha de S. Jorge ha um facultativo da escola do reino, cujo nome se bem me lembro é José Antonio de Almeida, ha um hospital e duas misericordias.

Na ilha Graciosa ha um facultativo chamado Theophilo da Silveira, dois hospitaes e duas misericordias...

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Essas informações não são exactas.

O Orador: — Pôde ser que não sejam verdadeiras; mas quem m'as deu é pessoa competente, conhecedora da localidade o outras são officiaes.

Na ilha de Santa Maria ha um facultativo por nome João de Deus Vieira.

O sr. Paula Medeiros: —E um outro que já morreu.

O Orador: — Quer haja, quer não, o que é certo é que a camara não póde votar o projecto pelas rasões que apresentou o meu amigo e collega o sr. Cunha Monteiro; porque não está nas mesmas circumstancias em que está o projecto da ilha das Flores.

Este projecto alem d'isso é vago e indefinido.

Como não se apresentou mais argumento algum, escuso de estar a esgrimir contra moinhos de vento.

Tenho dito.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que as disposições do artigo 1.° sejam extensivas a todo o districto de Vizeu. = Francisco de Albuquerque.

Foi admittida.

O sr. Cunha Monteiro: — Quero só dizer ao sr. deputado Francisco de Albuquerque, que s. ex.ª apresentando a estatistica dos navios estrangeiros aportados á ilha das Flores, estatistica que não tomo como official, nada corroborou o seu argumento. Isso o que prova é que a ilha das Flores tem mais commercio, mais industria e por isso mais recursos, para os seus municipios occorrerem por si proprios ás suas necessidades.

Pelo argumento de s. ex.ª iríamos subsidiar quem não precisa e negaríamos o subsidio a quem elle é indispensavel. (Apoiados.)

Nas outras ilhas tocam tambem navios estrangeiros, em menor escala é verdade, porque não é exemplo para tentar o negociar com a pobreza; mas, se a parte official que o facultativo ali tem é menor quanto ao serviço de saude do porto, essa parte é compensada por um serviço não me-

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nos arduo e não menos necessario, por isso que os facultativos são obrigados a curar gratuitamente os pobres; n'essas ilhas onde os recursos das camaras não estão nas condições da commercial ilha das Flores. (Apoiados.)

Quando se diz no projecto que são creados um logar de facultativo e um de pharmaceutico em todas as ilhas onde não os houver, isto tem apenas applicação a quatro ilhas, que são a do Pico, a de S. Jorge, a de Santa Maria e a Graciosa.

Na ilha Graciosa annunciou-se ha pouco o concurso do de um partido medico municipal: ha dois mezes que o annuncio anda nos jornaes, e até agora ainda não appareceu ninguem a pedir o logar; logo porém que seja provido, ficam tres ilhas ás quaes o projecto póde aproveitar.

Já vê o sr. deputado que quando eu disse que a disposição do projecto era applicavel ás ilhas que estivessem nas condições da ilha das Flores, sabia bem quaes as ilhas a que uma tal disposição devia ser applicada.

Direi ao illustre deputado tambem que muitas vezes póde uma só embarcação estrangeira aportar a uma das nossas ilhas, e essa embarcação só, exigir mais serviço o mais trabalho, e soccorro mais prompto da parte do facultativo, do que se fossem muitos navios que ali aportassem. A quantidade de navios aportados a qualquer ilha não serve para mim para justificar a necessidade de um facultativo e de um pharmaceutico subsidiado pelo governo. Póde apresentar se uma só embarcação, na qual se tenha desenvolvido uma molestia contagiosa ou infectante, e podem aportar muitos em óptimas condições de salubridade, onde o facultativo não tem que fazer.

Uma voz: — Para esses casos ha providencias extraordinarias.

O Orador: — Não havendo facultativos, onde estão as providencias extraordinarias? Estão nas ordens, nas palavras? Isso só não extingue epidemias. É nas providencias, e as providencias é necessario que haja quem as pratique competentemente. (Apoiados.)

Como não quero demorar a discussão e não havendo outros argumentos a que tenha que responder, termino aqui as minhas reflexões.

O sr. Camara Leme: — Sobre as necessidades dos Açores, que não tenho a honra de representar, não posso esclarecer a camara; mas em relação á parte do projecto que exclue a ilha de Porto Santo, que fica distante um grau da ilha da Madeira, posso afiançar que essa ilha tambem não tem cirurgião nem medico, e então peço á camara que, no caso de votar este projecto, se lhe addicione as palavras «Madeira e Porto Santo», porque eu, conhecedor d'estas localidades posso affirmar á camara que o Porto Santo está de certo nas mesmas circumstancias que as outras ilhas, e provavelmente foi por lapso que a commissão não o incluiu.

Mando uma proposta n'este sentido.

É a seguinte:

Proposta

«Proponho que ao artigo 1.°, depois das palavras ilhas dos Açores, se acrescente Madeira e Porto Santo. = Camara Leme.

Foi admittida.

O sr. Paula Medeiros: — Comquanto eu pugne pela reducção dos encargos publicos, sempre que se trata de melhorar o bem estar dos povos, não regateio despezas que tenham de fazer-se para conseguir esse fim.

A ilha de Santa Maria, isolada no meio dos mares, a distancia de 18 leguas de S. Miguel, é uma paragem por onde transita um grande numero de navios que vem da America para a Europa, e que em muitos casos aportariam áquella ilha, se ali tivessem quem lhes désse livre pratica e encontrassem o que procuram; por outro lado a sua população será de 6:000 a 7:000 habitantes, os quaes estão privados de medico e botica, recursos indispensaveis, mas que elles não podem sustentar por falta de meios, e d'aqui

segue-se que morrem privados d'estes soccorros que em toda a outra parte existem.

O facultativo que este projecto cria, reune duas obrigações, a de um guarda mór de saude e medico da população.

Ora, pergunto eu, sr. presidente, se uma ilha portugueza isolada no oceano com 6:000 ou 7:000 habitantes, nem terá direito a que o estado a que pertence, lhes dê um medico e um boticario para as suas enfermidades e para que sejam visitados os navios que ali aportarem?

Não será isto uma necessidade urgente, que os poderes publicos devem prover? Não serão aquelles habitantes dignos de ser comtemplados com este beneficio?

Vejo o parlamento votar centos e centos de contos para despezas que eu não julgo necessarias, mas superfluas, e ha de esta camara ter escrupulos em gastar uns centos de mil réis para garantir a saude publica em uma das nossas possessões dos Açores?

A conservação da saude dos povos é um dos objectos mais importantes que deve merecer a attenção dos poderes publicos. (Apoiados.)

Está demonstrado que não vae para aquella ilha estabelecer-se um medico, nem um pharmaceutico sem lhes garantirem certos interesses. Os seus habitantes não têem os precisos recursos para lhes pagarem, quem tem obrigação de contribuir para esta despeza senão o estado?

Parece me, portanto, mais que justificado que a ilha de Santa Maria seja equiparada á ilha das Flores, porque n'isto satisfaz-se uma necessidade e preenche-se um fim humanitario, e alem d'isso estou persuadido que o estabelecimento de um guarda mór de saúde em Santa Maria ha de dar logar a que seja aquella ilha mais demandada por embarcações de longas viagens, o que tem de contribuir para a sua prosperidade, pois os seus habitantes são dignos da protecção do estado. (Apoiados.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu, pela quantidade de ilhas que vejo irem-se enfileirando na disposição do projecto, estava com algum receio de que nos escapasse alguma, porém basta, para me tranquillisar, a circumstancia de ver o districto de Vizeu reclamar já os fóros insulares; cumpre não esquecer as Berlengas, nem o archipelago de Cabo Verde.

Debaixo da disposição generica em que o sr. relator da commissão defende este projecto, todas as vezes que se derem as mesmas circumstancias que se dão na ilha das Flores, deve dar-se a mesma disposição em toda a parte.

O sr. Paula Medeiros: —As ilhas de Cabo Verde todas têem.

O Orador: — Admittidos estes principios, nós podemos legislar de um modo absoluto e illimitado, declarando apenas, para satisfazer as nossas consciencias e as prescripções da justiça, que, como muito bem disse o sr. relator, é tanto mais apreciavel, quanto mais extensiva se tornar, declarando simplesmente que todas as localidades onde se derem as mesmas circumstancias que se deram na ilha das Flores, ficariam incluidos nas disposições do actual projecto. Por este systema todas as povoações do paiz, ou sejam ilhas ou sejam continente...

(Sussurro.)

Eu vou já ao projecto n.º 49. Mas creio que, desde que se requer para o districto de Vizeu...

(Interrupção.)

Desde que se requer que Vizeu seja equiparado ás ilhas, realmente quando tomâmos uma posição tão generica, seria cruel excluir Vizeu...

(Interrupção.)

Póde ficar equiparado ás ilhas para este effeito.

Mas não é por estas considerações que eu venho impugnar o projecto; eu impugno o projecto pelo augmento de despeza, augmento de despeza sem uma necessidade rigorosa e indispensavel.

Os illustres deputados sabem que o orçamento do estado,

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tendo um deficit para as despezas indispensaveis, não póde com despezas que não seja rigorosamente impossivel evitar ou adiar.

Temos, porém, a comparação do projecto actual com o projecto relativo á ilha das Flores, a cuja discussão não assisti, e de que não cheguei mesmo a ter noticia; não sei se este projecto foi discutido n'um dos dias que estive ausente dos trabalhos da camara, ou em qualquer occasião em que eu me não achasse presente.

Declaro a v. ex.ª que tive conhecimento anteriormente d'esse projecto, como creio que tiveram muitos dos meus collegas n'esta casa, e como tive do projecto que se discute, pelos esforços particulares e individuaes das pessoas interessadas em que passe um certo e determinado projecto, em que se nos pede, com grande instancia, o obsequio, o favor, do não combater o projecto, e de o votar.

Eu vivo em tão boas relações com todos os meus collegas, e mesmo com os membros do governo, que s. ex.ª facilmente acreditam que me seria mais agradavel defender um projecto de augmento de despeza, quando algum collega se mostrasse interessado por elle, do que tomar uma posição intransigente e quasi selvagem, que escandalisa, com grande mágua minha, os meus collegas, e que póde desgostar, ás vezes, os membros do governo. Esse papel que represento é um papel muito desagradavel a todos os meus collegas.

O sr. Paula Medeiros: —Eu invejo-o.

O Orador: — Creia v. ex.ª que é com grande pezar meu, e com grande sacrificio, que tenho sustentado a posição que adoptei, não por desejo de me oppor á votação das leis, mas apenas por conhecer e reflectir nas circumstancias precarias em que eu vejo as nossas finanças, e pela necessidade que tenho proclamado, como a primeira e mais instante, que é o equilibrio orçamental.

Portanto, em relação ao projecto da ilha das Flores, de cuja discussão não tive conhecimento algum, respondi a todos os cavalheiros que se interessavam por elle, que eu não votava projecto algum que trouxesse augmento de despeza emquanto tivesse deficit o orçamento, exceptuando, já se vê, aquellas despezas que, por sua natureza, não podem ser adiadas nem dispensadas.

Portanto, se eu tivesse assistido á votação do projecto relativo á ilha das Flores, teria votado contra elle.

Depois de feitas estas considerações, demonstrarei seguramente a v. ex.ª e á camara quão diversas são as condições do projecto relativo á ilha das Flores, comparado com as disposições do projecto actual. Esse projecto está annexo ao que se discute, em primeiro logar esse projecto de lei dizia concretamente o que era que se creava, que era o seguinte.

(Leu.)

Quem votava este projecto sabia sem duvida alguma o que é que votava, sabia que creava um logar de sub.delegado de saude na ilha das Flores, e um logar de pharmaceutico na mesma ilha; pelo projecto actual nós não sabemos quantos sub-delegados de saude creâmos, nem quantos logares de phannaceuticos; esta é que é a differença.

O sr. Filippe de Carvalho: — Estão no orçamento.

O sr. Paula Medeiros: — E só nas ilhas onde os não ha.

O Orador: — Eu desejava que o meu illustre collega explicasse o que queria dizer.

Quem votou o projecto para a ilha das Flores sabia que votava uma despeza fixa e determinada de 1:000$000 réis para um sub-delegado de saude e para um pharmaceutico na ilha das Flores, quem vota o projecto actual não sabe o que vota, porque o artigo 1.° diz.

(Leu.)

Pergunto eu, em quaes das ilhas dos Açores é que se dão estas circumstancias? Quantos são os logares que nós vamos crear?

É isto o que o projecto não diz.

É por isso que eu affirmo á camara que votando este artigo não sabia quantos logares creava, não sabia aonde elles eram precisos, nem sabia a despeza com que ía sobrecarregar o orçamento.

Esta differença é a meu ver importantissima. Mas ha mais alguma cousa, prescindindo mesmo da posição geographica da ilha das Flores, e de outras circumstancias, eu vejo que o relatorio que precedeu esse projecto de lei affirmou o seguinte.

(Leu.)

Portanto temos aqui uma circumstancia, a meu ver importantissima, circumstancia que ninguem combateu, e que por consequencia passou com o assentimento geral de toda a camara, e como uma verdade indiscutivel, de que ninguem duvidava. Pergunto eu, ha mais ilhas n'estas condições?

O sr. Pedro Roberto: — Ha, sim, senhor.

O Orador: —Pois se as ha, eu não creio que essas ilhas aonde não haja quem tenha as minimas noções da arte do curar, tenham tambem a infelicidade de não terem lá quem tenha a minima noção da operação de votar; hão de ter necessariamente representantes n'esta casa; e se têem esses representantes venham elles, em projectos de lei especiaes, dizer: a ilha de tal, como eu disse da ilha das Flores, não tem pessoa alguma que tenha a mais simples noção da arte de curar, que está n'estas ou n'aquellas circumstancias publicas, e reclama que se lhe faça o mesmo beneficio que se fez á ilha das Flores. Mas uma disposição generica, vaga, porque nem ao menos fazem o favor de nos dizer quaes são os pontos n'aquellas ilhas onde não ha quem possua a minima noção da arte de curar...

O sr. Paula Medeiros: —A ilha de Santa Maria é uma d'ellas.

O Orador: — Mas diga s. ex.ª isso n'um projecto especial; não queira que votemos uma disposição generica que augmenta a despeza publica sem se saber com quanto a augmenta, nem as localidades em que a medida ha de ser applicada.

Já vê o nobre relator da commissão a differença que ha entre o que a camara fez, não eu, e portanto não tenho a menor responsabilidade d'esse acto, á ilha das Flores e o que se pretende agora fazer em relação aos pontos das outras ilhas que por um estudo posterior se averigue que estão nas mesmas circumstancias em que está aquella ilha.

(Aparte do sr. Cunha Monteiro.)

O que diz o illustre relator da commissão é exactamente o mesmo que eu digo; mas eu digo tambem que ha uma grande differença entre o facto de se ter concedido a uma ilha que se mostrava em certas e determinadas circumstancias a creação de certos e determinados logares, que toda a gente sabe o que são, e as disposições que se diz simplesmente que serão applicadas a todas as ilhas que se acharem em circumstancias identicas.

O sr. Paula Medeiros: — Não passam de duas talvez.

O Orador: — Mas diga-o o illustre deputado n'um procjecto ,de lei especial.

(Aparte do sr. Cunha Monteiro.)

Não posso acceitar a rasão do illustre relator da commissão, porque não fui eleito representante do povo para legislar por essa fórma.

Não fui eleito representante do povo para auctorisar o governo a fazer o que quizer, em certas circumstancias, sem lhe impor a obrigação de dar conta minuciosa das rasões que determinaram a necessidade da creação de logares que representam despeza publica.

(Aparte do sr. Paula Medeiros.)

Era talvez uma grande perda nacional!... Se se acabasse com essas auctorisações tinhamos talvez um prejuizo enorme!...

Eu por minha parte tenho insistido sempre para que se acabe com esse systema.

Sr. presidente, o que eu digo a v. ex.ª é que me parece

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absolutamente impossivel votar-se uma disposição que cria despezas que não se podem avaliar. Por esta disposição não se sabe quantos são os logares que se criam, e por consequencia não se póde saber qual é a despeza que se vota.

Isto parece-me absolutamente impossivel. E o negocio não se apresenta nem tão urgente nem tão indispensavel que não haja tempo de que os illustres representantes d'aquellas ilhas possam apresentar projectos especiaes em que declarem as circumstancias que se dão em cada uma das localidades, e em que por censequencia proponham os meios de se remediarem quaesquer inconvenientes.

Emquanto á falta de medicos, emquanto á falta de facultativos, v. ex.ª sabe muito bem, e era escusado mesmo eu dizel-o, que todos os municipios do reino estão obrigados a crear os partidos e a pagar á sua custa os soccorros medicos de que precisem as diversas circumscripções municipaes.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — N'essas circumstancias estava o municipio da ilha das Flores.

O Orador: —Eu não votei o projecto para a ilha das Flores e, não o votando, esse argumento não póde servir para mim.

Votar a disposição do projecto actual, é levar longe o arbitrio que podemos ter de dispor dos dinheiros publicos.

O sr. Mello e Simas: — Poucas palavras direi.

Para mim é altamente sympathica a posição do sr. visconde de Moreira de Rey. S. ex.ª, desde o principio desta sessão, póde dizer-se, tem levado constantemente a impugnar os augmentos da despeza, não estava aqui quando se votou o projecto para a ilha das Flores, e eu não posso imputar-lhe a responsabilidade por esse projecto; mas o que me custa a comprehender é a posição em que se collocaram os illustres deputados que impugnam este projecto, tendo, não só votado, mas sido verdadeiros campeões do projecto da ilha das Flores. (Apoiados.)

A posição do sr. visconde de Moreira de Rey explica-se muito bem. Combate todos os augmentos de despeza e combateria tambem o projecto das Flores, se estivesse na camara. Mas os srs. deputados que apresentaram esse projecto, que tiveram até a iniciativa d'elle, e que vem hoje aqui impugnar este?... Não tem explicação o seu procedimento! (Apoiados.)

Ha nas observações do sr. visconde de Moreira de Rey uma com que não posso conformar-me. Creio que s. ex.ª está em contradicção com os principios que tem proclamado por mais de uma vez n'esta casa. O parlamento faz leis e não faz despachos. Lei, é uma regra geral, cujas disposições devem applicar-se aos factos que estiverem em identicas circumstancias.

S. ex.ª já nos disse que estavam as cousas invertidas, que o parlamento fazia despachos e o poder executivo fazia leis...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: —Se me dá licença, não é o parlamento, são os deputados e os pares.

O Orador: — S. ex.ª disse que o poder legislativo, em vez de fazer leis, fazia despachos, e o poder executivo, em vez de fazer despachos, fazia leis; e effectivamente na pratica é algumas vezes o que succede.

Este projecto estabelece uma disposição geral para todas as ilhas em identicas circumstancias, e não offende os princios da sciencia da legislação. Na universidade ensinaram-me que a lei deve ser uma regra geral, e que não devemos estar a fazer leis para localidades ou para individuos.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Dá-me licença? Eu não digo que a lei não deva ser igual para as localidades nas mesmas circumstancias; o que não posso é dispensar essas localidades da prova previa de que se acham nas mesmas circumstancias; e não posso querer obrigar o governo a fazer despezas, sem ter recebido receita para ellas e sem poder avaliar sequer em quanto importam. Isto é que não me ensinaram na universidade.

O Orador: — Eu ouvi o sr. visconde de Moreira de Rey com toda a attenção, e não o interrompi, mas declaro a V. ex.ª, ao sr. Moreira de Rey e á camara, que são muito agradaveis as interrupções de s. ex.ª

S. ex.ª diz que me não ensinaram na universidade a fazer despezas sem votar ao mesmo tempo os meios necessarios para ellas. Permitta-me s. ex'.a que lhe digam que o seu systema n'essa parte me parece completamente absurdo. O governo propõe os meios para fazer face a todas as despezas do paiz. Ainda este anno se votaram aqui o projecto do real de agua e outros n'este sentido.

S. ex.ª queria que, por cada projecto que augmentasse 100$000 ou 200$000 réis a despeza, se votasse um projecto augmentando a receita correspondente? Isso é completamente impossivel.

O sr. Visconde de Moreira de Rey (com vehmencia): — Peço a palavra.

O Orador: — A observação que o sr. visconde de Moreira do Rey me fez n'um áparte, não póde de modo nenhum acceitar-se.

Não é perante a camara que se faz a prova das circumstancias para se crear um logar de facultativo; é perante o governo; o ao parlamento fica o direito de pedir contas ao governo do uso que fez do principio consignado na lei.

Não é perante o parlamento que se diz: tal e tal ilha está n'estas circumstancias; estabelece-se o principio generico, o governo applica-o; se o applicou mal, o parlamento lhe pedirá contas.

Ha nos Açores nove ilhas; e permitta-se-me que eu tenha mais conhecimento do que ali se passa, do que têem o sr. visconde de Moreira de Rey e o sr. Francisco de Albuquerque.

S. ex.ªs podem conhecer muito bem o districto do Vizeu, a Beira e o que se passa em Fafe; mas não conhecem melhor do que eu os Açores.

Ha nove ilhas nos Açores, divididas em tres districtos administrativos e em tres grupos distinctos. O districto que fica mais ao oriente, é o districto de Ponta Delgada, composto das duas ilhas, S. Miguel e Santa Maria.

Com S. Miguel não se fará despeza nenhuma.

Tem muitos facultativos, e de sobra, e por isso se lhe não dá facultativo por esta lei, que é só para onde não os houver.

Santa Maria, não é do meu districto, e eu não posso afiançar á camara se tem ou não tem facultativo. Esta é a verdade.

Não sou d'esse districto, não posso dizer nada a este respeito.

O grupo central que forma o districto de Angra, é composto das ilhas Terceira, S. Jorge e Graciosa.

Na Terceira, onde vivi tres annos, estudando preparatorios, e que é uma terra importante, posso afiançar que não se faz despeza com este projecto, porque tem Já facultativos.

De S. Jorge e Graciosa não posso dar informação á camara, porque conheço pouco essas ilhas.

O districto da Horta, a que pertenço, é composto das quatro ilhas, Pico, Faial, Flores e Corvo; e assevero a V. ex.ª que ha annos não existe facultativo no Pico, que tem perto de 30:000 habitantes, emquanto que Flores tem 10:000 a 12:000!

E são dignos de mais consideração 10:000 a 12:000 habitantes do que 30:000!

Esta é a justiça do sr. Francisco de Albuquerque!

S. ex.ª veiu com uma estatistica em que não deposite confiança dizendo que na ilha das Flores tocavam no anno cento e tantos navios, emquanto que no Pico tocavsm só 20.

Por este modo de fallar vê-se que devemos ter mais consideração pela saude dos estrangeiros do que pela saude dos proprios portuguezes!

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Mas, sr. presidente, por maior consideração que eu tenha pelos estrangeiros (Susurro e ápartes.)

O sr. Presidente: — Peco que não interrompam o orador.

O Orador: — Por mais consideração que tenha pelos estrangeiros, e tenho toda, não quero que sejam collocados acima dos nacionaes. (Apoiados.)

A ilha das Flores teve sempre um facultativo, e até ha muito pouco tempo houve ali um facultativo inglez.

O projecto de lei que passou aqui para as Flores, é fundado no falso presupposto de não haver ali quem tenha a mais simples noção de arte de curar.

Ora, não ha terra nenhuma em que não haja um individeo que não tenha mais ou menos conhecimento da arte de curar.

Sabe s. ex.ª que o que abunda mais no paiz são advogados e medicos.

Qualquer individuo, mesmo não tendo conhecimentos medicos, se alguem se lhe queixa de alguma doença, indica logo um remedio.

A ilha das Flores teve sempre medico até ha muito pouco tempo. O Corvo é que nunca teve facultativo, e tem apenas 800 habitantes.

E cousa notavel, o Corvo apenas chega a 1:000 habitantes, diminue de população e não desce tambem de 800.

Ainda que o corpo legislativo votasse uma larga remuneração a um facultativo que para ali fosse, não haveria nenhum que quizesse ir.

É uma ilha pequenissima, onde não pode viver ninguem do fóra, onde não ha commodidade alguma.

Diz o sr. Francisco de Albuquerque n'um áparte: «Mas os logares que se criam não é para facultativos que vão tratar as povoações, mas para serem guardas-móres.

O que é certo é que a ilha das Flores, como ultimamente ali se estabeleceu um hospital, veiu pedir um facultativo para lançar sobre o estado a despeza que pertence á camara municipal.

E esta a quarta sessão legislativa a que tenho concorrido e nunca fiz proposta nenhuma n'este sentido, e declaro a v. ex.ª que não assignaria esta se não fosse o precedente, porque entendo que as camaras municipaes é que têem obrigação de pagar aos seus facultativos.

Ainda assim não argumente o illustre deputado com o que se pratica no resto do paiz. As ilhas não estão nas circumstancias de quaesquer concelhos, que não estão cercados de mar por toda a parte.

A ilha das Flores está mais distante dos recursos medicos do que qualquer outra ilha, é verdade; mas note v. ex.ª que o Pico tem a mesma communicação regular com o Faial, por meio de paquetes que têem as Flores; e se no verão communica quasi todos os dias com a ilha fronteira, no inverno passam-se semanas em que não póde haver comunicação com o Faial.

Se não fosse o precedente que se estabeleceu a respeito da ilha das Flores, entendo que a camara estava no seu direito em não votar este projecto; mas tendo estabelecido esse precedente, que não prende o sr. visconde de Moreira de Rey, porque o não votou, entendo que a camara ficaria em pessima situação rejeitando este projecto.

O sr. visconde de Moreira do Rey acabou de dizer que nós aqui não votâmos segundo a nossa consciencia, e que elle teve conhecimento do projecto relativo á ilha das Flores, porque foi muito solicitado para votar a favor d'esse projecto.

Pois os deputados das ilhas dos Açores não se curvam a pedir aos seus collegas que votem a favor d'este projecto; pelo menos não lhes peço eu.

Votem como entenderem, mas repugna-me que estejam a fazer leis d'este modo, isto é, por pedidos o instancias. (Apoiados.) Isto é desacreditar o parlamento.

O sr. Paula Medeiros: — É verdade.

O Orador: — Envergonho-me de que se façam leis assim. As povoações que se acham nas mesma circumstancias devem ser igualmente tratadas.

Creio que n'outro tempo não se faziam leis d'este modo.

Na universidade dizia-se que as palavras da lei deviam pesar-se como diamante; mas hoje as palavras da lei levam sobrescripto e os srs. deputados votam porque lhes pede Pedro, Paulo, Sancho ou Martinho! Isso é completamente intoleravel. (Apoiados.)

Podem os illustres deputados votar ou deixar de votar o projecto, mas eu, que conheço o districto da Horta, afianço que a ilha das Flores não está em melhores condições que a do Pico, na questão do que se trata.

A camara que votou um projecto póde rejeitar outro em identicas circumstancias, que está no seu direito, mas eu não posso votar assim!

O sr. Pedro Roberto: — Na qualidade de representante de um dos circulos dos Açores, no qual se comprehendem as ilhas de S. Jorge e Graciosa, vou responder em breves palavras ás observações que fez o sr. visconde de Moreira de Rey.

Na ilha Graciosa não ha um medico, não ha uma botica!

Commissionado pela camara municipal d'aquelle concelho, tenho annunciado concurso para um medico ir exercer clinica n'aquella ilha, offerecendo-se a retribuição de réis 450$000 fortes, pagos pela camara municipal, pois até hoje ainda não tem sido possivel encontrar quem lá queira ir exercer essas funcções.

Por consequencia, a ilha Graciosa está nas mesmas circumstancias em que se acha a ilha das Flores. (Apoiados.)

É verdade que tem um hospital, mas é o mesmo que o não possuísse, porque não tem medico nem boticário!

Ha muito tempo pude alcançar para lá um medico approvado pela escola de Goa, mas chegou áquella ilha, não fez nada, e aquella população está entregue a si, não tem mesmo um curandeiro, morre completamente á mingua!

Já aconteceu, que tendo adoecido um cavalheiro da ilha, mandou buscar um medico á ilha Terceira, e póde-se calcular quanto dinheiro gastou este homem para poder chegar a vel o!

Por consequencia, repito, as mesmas circumstancias que se dão para com a ilha das Flores, existem igualmente para com a Graciosa.

Não foi por causa dos cincoenta navios que vão á ilha das Flores, que se votou o projecto que lhe diz respeito; votou-se, porque tambem n'esta ilha não se podia, com o ordenado que dava a camara, adquirir para lá um medico, e são estas as mesmas circumstancias que militam na ilha Graciosa. (Apoiados.)

Na ilha de S. Jorge ha um medico que tem ali interesses crescidos, segundo me consta, e que exerce a clinica, mas em esse medico morrendo, ou ausentando-se da ilha, tambem lá se ha de lutar com difficuldades a este respeito, porque o partido da camara é insignificante.

Na ilha Graciosa, a camara não póde dar mais de réis 600$000, e não ha facultativo devidamente habilitado que por essa retribuição queira para lá ir exercer clinica.

Aquella ilha, repito, está nas mesmas circumstancias da das Flores, e creando-se um logar de sub-delegado de saude com o ordenado de 6OO$OOO réis, e dando a camara municipal outros 600$000 réis, haverá então um facultativo devidamento habilitado para curar os 11:000 habitantes que ali ha. (Apoiados.)

Este projecto não aproveita em nada á ilha Terceira, porque ha lá um medico, nem a Ponta Delgada, nem ao Faial, porque é a cabeça do districto da Horta; mas aproveita á ilha Graciosa, que tem tanto direito a ser soccorri-da como a ilha das Flores. (Apoiados.)

Votou-se aqui um projecto creando um logar de sub-delegado de saude publica na ilha das Flores, e por conse-

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quencia espero que a camara tambem approvará este projecto, praticando assim um acto de equidade, igualdade e justiça.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Pedi a palavra principalmente para não deixar deslocar esta questão, como me pareceu que em relação a mim a deslocava o meu illustre collega e amigo sr. Mello e Simas, e não só a deslocou, mas até no calor do seu enthusiasmo não duvidou classificar de absurdo um systema que me attribuiu e que sigo, mas que todavia não é meu, a não me terem enganado os livros sobre os systemas que se seguem em todos os paizes bem administrados.

Portanto, para não deixar deslocada esta questão, declaro a V. ex.ª que submetto e sacrifico o meu voto á necessidade que reputo impreterivel de não aggravar mais o desquilibrio do orçamento.

Este é o principio que principal ou quasi unicamente me determina, o resto são questões secundarias, mas n'ellas tambem ha differença profunda entre o meu modo de ver as cousas publicas e o do sr. Mello e Simas, ainda que no fundo ou em relação aos principios fundamentaes nos achâmos de accordo.

Por exemplo, s. ex.ª declarou que onde houver a mesma rasão deve haver a mesma disposição. Estou plenamente de accordo, mas lembro a s. ex.ª que é exactamente esta doutrina que tem levado o nosso orçamento ao desequilibrio em que se acha, e a administração ao estado rediculo e incrivel em que a temos. (Apoiados.) O meu systema é outro.

Se se dão n'outras localidades as mesmas rasões para se darem as mesmas disposições, essas localidades, pelos seus legaes procuradores, pelos seus municipios, pelas juntas geraes de districto, mostrem perante o governo que se dão as mesmas circumstancias, e venha então o governo, com a demonstração exactissima de que se dão as mesmas circumstancias, propor á camara a legislação indispensavel para ser auctorisado a fazer essa despeza, mas uma despeza certa e determinada, o que é muito differente e o que é inteiramente opposto á disposição que se pretende votar pelo artigo 1.° do projecto, porque n'elle nem sequer se determina quantia de qualidade alguma, do fórma que os illustres deputados não podem dizer quantos logares é necessario crear, nem qual a despeza que se tem a fazer.

O sr. Mello e Simas: — No districto da Horta apenas é preciso um.

O Orador: —Então é o que a lei deve dizer em relação a cada districto.

Eu poderia votar qualquer despeza sem duvida alguma, logo que tivessemos equilibrado o orçamento. De tal equilibrio não se trata, e, pelo contrario, vejo que as ilhas que têem procuradores muito solicitos para reclamarem todos os beneficios e auxilios pecuniarios do estado, não os têem menos solicitos para reclamarem a reducção das contribuições que ellas pagam para o estado.

E todavia, os representantes das ilhas são muito illustrados e muito esclarecidos para ignorarem que com os recursos actuaes do nosso orçamento é absolutamente impossivel satisfazer aos encargos ordinarios da nação.

Portanto, é indispensavel, ou reduzir as despezas, ou augmentar as receitas.

Se s. ex.ª, movidos pelo seu patriotismo, augmentam as despezas em beneficio das ilhas, sem quererem saber de onde hão de vir as receitas, e ao mesmo tempo não só pugnam por que se reduzam as contribuições que são pagas pelas ilhas, mas tambem conseguem o seu fim a esse respeito, eu pergunto o que é que s. ex.ª pretendem a final, e com que especie de recursos é que esperam que se paguem os beneficios, feitos ás ilhas e as despezas do continente.

(Apartes dos srs. visconde de Sieuve de Menezes e Paula Medeiros.)

A não ser que as ilhas queiram formar uma nação independente, provavelmente os estados unidos do Atlântico,

para o que não duvido de que tenham os recursos e os meios precisos, é bom que se lembrem de que, emquanto fazem parte do reino de Portugal, estão sujeitas ás leis d'este reino, e que não duvidem de que têem de concorrer para as despezas do estado como todas as outras partes da monarchia.

É bom que se recordem de que não se podem collocar, em relação ao pagamento do imposto, na condição de pagarem menos, e em relação a receberem auxilios e subsidios, na condição de receberem tudo, quando o continente não recebo nada.

O systema de sustentar estas idéas é um zêlo que eu posso louvar e admirar particularmente, mas em todo o caso é um zêlo anti-patriotico, porque as ilhas não representam um estado distincto, fazem parte do reino de Portugal.

Portanto, sr. presidente, as duvidas que eu expuz em relação a esta disposição subsistem ainda, porque nem ao menos o projecto diz quantos são os logares que se criam nem a despeza que se vae fazer.

(Aparte do sr. Paula Medeiros.)

É preciso que se diga isso na lei; e portanto é indispensavel, que se apresente uma substituição.

(Áparte do sr. Pavia Medeiros.)

Não esperava que o meu illustre collega e amigo o sr. Paula Medeiros, que nas questões mais importantes tenho tido muitas vezes o prazer de ver a meu lado, agora, só porque sopra o vento do mar, a brisa das ilhas, navegasse em direcção opposta e não tremesse já pelas difficuldades do orçamento.

(Áparte do sr. Paula Medeiros.)

Creia. s. ex.ª que não ha despeza que não seja insignificante considerada isoladamente. Comparada com os recursos do paiz, cada despeza isoladamente é insignificante, por maior que pareça; mas, como vae reunir-se a todas as outras, o resultado é o que s. ex.ª sabe, porque o tem apreciado tão bem como eu.

Ha ainda umas theorias da governação do estado, expostas pelo sr. Mello e Simas, com as as quaes eu não posso estar de accordo.

O illustre deputado parece que tomou muito á letra a declaração que eu fiz, de que não votava despeza alguma sem que se creasse a receita correspondente.

Parece-me que o illustre deputado viu esta minha declaração debaixo de um ponto muito restricto, e imaginou que quando eu dizia isto, queria que, creando-se uma despeza de 2OO$000 réis, viesse logo ao lado a receita necessaria para fazer face a essa despeza.

Declaro que ainda não descobri e menos apregoei a necessidade de se fazer uma escripturação por partidas dobradas nos diversos projectos que discutimos, nem que a receita venha a par da despeza. Para mim é sufficiente que a receita exista, para que não tenha duvida alguma votar qualquer despeza.

Se no orçamento do estado, em vez de haver um deficit, tivessemos um saldo, não tinha duvida em votar as despezas que podesseni ser pagas pelo saldo já existente.

Creio que isto é de primeira intuição, e debaixo d'este ponto de vista o 'meu illustre collega far-me-ha a justiça de acreditar que eu não exijo minuciosidades que não tivessem defeza.

Por ultimo, parece tambem que o sr. Mello e Simas entendeu que eu tinha affirmado que a camara votava por pedidos. Declaro que não disse similhante cousa.

Eu disse que vnão tivera conhecimento do projecto relativo á ilha das Flores senão pelos pedidos que me tinham sido feitos por collegas nossos, que se interessavam em que passasse áquella disposição.

Declaro a V. ex.ª que ninguem veiu curvar a cabeça, nem eu resolvi o meu voto por esses pedidos.

Depois que o sr. Mello e Simas declarou que os deputados pelos Açores não curvam a cabeça, eu declaro tambem

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que foi mais instado para não combater o projecto que se discute, do que o foi para não combater o projecto relativo á ilha das Flores.

(Interrupção.)

E note a camara que estes pedidos nada têem de desairoso, nem para quem pede, nem para quem attende o pedido, quando o pedido é attendivel.

Creia o illustre deputado que para mim não se dão as mesmas circumstancias entre este projecto e o projecto da ilha das Flores, porque lhe falta, a meu ver, a circumstancia indispensavel de declarar quaes são as ilhas em que é preciso crear esses logares, e qual a despeza que d'ahi resulta.

Posso affirmar a v. ex.ª e á camara que o meu desejo seria votar, e ser agradevel a todos.

(Interrupção.)

Essa é a differença que ha entre os dois projectos; para mim ha a differença de que no projecto da ilha das Flores sabia-se que se votava a despeza de 1:000$000 de réis, e n'este obriga-se a votar uma despeza que não se indica, nem se limita. (Apoiados.)

Eu que não votei o projecto da ilha das Flores, que se estivesse presente tinha votado contra elle, e eu não costumo vir para aqui fazer declarações do voto, muito menos posso votar o projecto actual.

A rasão principal que me leva a impugnar este projecto é á falta de meios no orçamento para attender a estas despezas, despezas que tanto podem ser adiadas que o illustre deputado, o sr. Mello e Simas, apoiado pelos seus collegas, foi o primeiro a declarar que insistia n'esta disposição apenas por se ter votado uma disposição analoga em relação a ilha das Flores.

Portanto, s. ex.ª são os primeiros a reconhecer que as despezas de que se trata, não são a tal ponto urgentes e indispensaveis que não possam ser adiadas para outra qualquer occasião, e declaram que se se não tivessem votado em relação á ilha das Flores, não teriam apresentado esta reclamação, nem esta proposta.

Para mim subsiste a rasão primaria, e os illustres deputados sabem que desejo manter com s. ex.ª as relações mais cordeaes e ter occasião de lhes ser agradavel, mas não posso votar augmento de despezas que podem ser rassoavelmente adiadas, emquanto existir o nosso orçamento desequilibrado.

Tenho dito.

O sr. Pedro Jacome: — O augmento de despeza que traz o projecto em discussão é tão necessario e urgente como aquelle que a camara votou para a ilha das Flores. (Apoiados.)

Não sei a rasão por que o illustre deputado que acabou de fallar se preoccupa tanto com o numero dos logares que vão ser creados em consequencia da approvação d'este projecto, quando o governo só póde usar d'esta auctorisação nas ilhas em que por igualdade de circumstancias tem os mesmos direitos e devem gosar dos mesmos beneficios que a camara concedeu á ilha das Flores quasi sem impugnação. As auctorisações d'esta natureza são sempre concedidas sem o conhecimento previo de uma despeza certa e determinada, não é portanto esta uma rasão para ser rejeitado o parecer em discussão. O sr. visconde de Moreira de Rey não só não vota augmento algum de despeza, mas quer tambem saber qual a despeza certa para a poder votar.

Parece-me que s. ex.ª não votando augmento algum de despeza, dispensa perfeitamente saber qual é áquella que se vae votar com a approvação d'este projecto.

Referindo me á ilha de Santa Maria, que faz parte do circulo que tenho a honra de representar, direi que existe ali um hospital que apenas se conserva aberto dois ou tres mezes por anno, porque o seu rendimento annual é de 150$000 réis.

Não tendo a camara municipal rendimento superior a 4:000$000 réis, não está em circumstancias de remunerar sufficientemente um medico que ali permaneça com estabilidade.

A sessão está adiantada, e levar-me-ía muito longe responder a todas as reflexões que se produziram alheias ao debate; concluo portanto esperando que a camara dará, com rectidão e justiça, a sua approvação ao projecto em discussão.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Não pedi a palavra para fallar sobre o projecto, mas unicamente como me pareceu que o sr. Mello e Simas queria guardar para si só a honra de votar com independencia, quando, sr. presidente, eu cuido que aqui, todos têem a nobreza de caracter precisa para votarem como entendem, sem consideração por pedidos de qualquer ordem. (Apoiados.)

Faço igual declaração á que fez o sr. visconde de Moreira de Rey, e que consiste em que, se tivesse de votar por pedidos tinha votado a favor do projecto que se discute; mas senti não o poder fazer, por isso que o projecto que hoje serve de combate é uma cousa muito differente do outro projecto que n'esta casa se votou para a ilha das Flores. (Apoiados.)

Se s. ex.ª tivesse apresentado um projecto em relação a certas ilhas onde não existe serviço algum de saude, muito bem; mas não foi isto o que se fez. Mas eu não trato agora de discutir o projecto que está no debate: trato de repellir as insinuações feitas a todos os deputados de que vinham para aqui rebaixar o parlamento, votando por pedidos.

O parlamento rebaixa-se quando se colloca qualquer sr. deputado na necessidade de vir aqui repellir taes assersões. Se eu tivesse de votar por pedidos, tinha votado a favor d'este projecto.

O sr. Paula Medeiros: — Não por mim.

O Orador: — Não quero dizer por quem, mas por pedidos de collegas nossos e de amigos meus...

O sr. Filippe de Carvalho: — Eu fui um dos que pedi.

O Orador: — E não devia ter duvida em o pedir, desde que tinha a convicção de que se empenhava por um melhoramento para a terra onde nasceu.

Sr. presidente, eu declaro a v. ex.ª que se o projecto viesse concebido em outros termos; se pedisse um guarda mór de saude e um pharmaceutico para a ilha do Pico, por exemplo, que está em circumstancias excepcionaes, eu não tinha duvida em votar o mesmo que votei para as Flores; mas o projecto está concebido em termos genéricos, e sinceramente o digo, não me era possivel approvar o projecto como está. Portanto, se s. ex.ª tinha desejo e interesse de proteger aquella ilha ou aquellas ilhas, fizesse um projecto especial, mas não apresentar uma disposição generica que não se justifica, em relação a todas as ilhas.

O projecto concede uma auctorisação ampla ao governo, e o governo póde abusar, e as maiorias são sempre complacentes em conceder a sua benevolencia aos actos do governo, mesmo quando injustos e illegaes.

Portanto, o mais curial antes de s. ex.ª se queixar contra os que combatem o projecto, era queixar-se da precipitação com que fez o projecto para proteger as suas ilhas; sendo para notar que este desejo protector só se desenvolvesse depois de ser approvado o projecto relativo á ilha das Flores.

O sr. Mello e Simas: — Eu quero dar uma explicação ao sr. Francisco de Albuquerque.

S. ex.ª na sua primeira impugnação ao projecto, e que me collocou na necessidade de dizer o que disse, não mandou para a mesa uma substituição ao artigo 1.° dizendo: «são creados guarda mores na ilha do Pico e na de Santa Maria», disse: são applicadas as disposições do projecto a todo o districto de Vizeu.

Este modo de argumentar é que eu impugnei; este modo

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de argumentar é que me levou a dizer algumas palavras talvez mais asperas, no calor da discussão.

Disse o illustre deputado que lhe pediram muitas vezes o voto a favor d'este projecto. S. ex.ª sabe que ainda hoje fallou muito amigavelmente commigo e eu não lhe pedi nada.

O sr. Francisco de Albuquerque censura que eu dissesse que a camara faz leis por pedidos. Referi-me ao que disse o sr. visconde de Moreira de Rey. Mas o sr. Albuquerque foi quem deu logar ao que disse.

S. ex.ª olhou para a maioria e disse: eu talvez não venha cá, porque tenho de vencer a influencia dos regedores, e desejava que viesse a questão da penitenciaria, mostrando assim que era o unico deputado eleito só pela sua influencia.

Dadas estas explicações, póde a camara votar como entender, approvando ou rejeitando o projecto que se discute.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Vae votar-se.

O sr. Carrilho: — Peço a V. ex.ª que mande verificar se ha numero na sala.

Procedendo-se á contagem dos srs. deputados presentes, verificou-se não haver numero legal.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

Rectificação

Na sessão de 13 do corrente, discurso do sr. Pedro Franco, pag. 1104, col. 1.ª, linha 27, onde se lê=que e na verdade com 4000 réis por dia não se podem fiscalisar milhares de contos—leia-se=que na verdade com 400 réis por dia, etc..

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