Página 1105
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José de Medeiros.
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Quatro officios do ministerio da guerra, acompanhando documentos requeridos pelos srs. Francisco Machado. Serpa Pinto, Dantas Baracho e Ribeiro Ferreira. - Segunda leitura e admissão do projecto de lei, apresentado pelo sr. Eduardo Coelho, auctorisando o provimento, sem dependencia de concurso, dos actuaes professores provisorios de desenho, que satisfaçam a umas certas condições. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Alfredo Mendes, Vicente Monteiro e Simões Dias. - Requerimentos de interesse particular apresentados pelos srs. D. Jorge do Mello, Vicente Monteiro e Poças Falcão - Considerações do sr. Alfredo Mendes em referencia á representação que mandou para a mesa e que, a seu pedido, se inundou publicar no Diario do governo.- Resolveu se do mesmo modo com respeito á representação dos agentes e immerciaes de casas estrangeiras residentes no Porto, apresentada pelo sr. Vicente Monteiro.
Na ordem do dia continua em discussão o parecer da commissão de fazenda ácerca das emendas ao projecto de lei que estabelece o systema da régie para o fabrico dos tabacos. - Usa em primeiro logar da palavra o sr. Vicente Monteiro, relator, que explica os motivos por que a commissão não acceitou a proposta do sr. Hintze Ribeiro. Responde-lhe o sr. Jacinto Candido, um dos signatarios da mesma proposta. - O sr. José de Azevedo Castello Branco combate o parecer, estranhando que a commissão não acceitasse integralmente as suas propostas. - Falla no mesmo sentido, em relação ás suas propostas, todas desattendidas pela commissão, o sr. Eduardo de Abreu. - Explicações do sr. relator. Responde-lhe o sr. José de Azevedo Castello Branco. - O sr. Hintze Ribeiro, depois de largas considerações em justificação da sua proposta, dirige uma pergunta ao sr. ministro da fazenda, que lhe responde immediatamente. - Esgotada a inscripção lê-se, e é approvado, o parecer. - O sr. Alfredo Pereira apresenta o parecer da commissão de verificação de poderes ácerca da vacatura do circulo de Macau. - Dispensado o regimento é approvado o parecer sem discussão.- O sr. Serpa Pinto, por concessão especial da camara, usa novamente da palavra para pedirão governo informações com respeito á noticia dada por um jornal inglez de que o explorador Stanley não foi, como se dizia, soccorrer Emir-Bey, mas sim dar execução ao plano de confederar os povos da Africa equatorial em um grande estado, que fique dependente do estado do Congo. Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - Segunda vez usam ambos da palavra sobre o mesmo assumpto. - É approvada a ultima redacção do projecto de lei n,° 23.- O sr. Carrilho apresenta um parecer da commissão de fazenda. - Entra em discussão o projecto de lei n.° 254 do anno passado, que auctorisa o governo a pagar a garantia de 6 por cento sobre o capital de £ 50:000 levantado pela companhia constructora do caminho de ferro de Mormugão. - Enceta o debate contra o projecto o sr. Fuschini. - Resolve-se, a requerimento do sr. Julio de Vilhena, que seja impresso o respectivo parecer da junta consultiva de obras publicas. - Responde ao gr. Fuschini o sr. ministro da marinha.
Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.
Presentes á chamada 44 srs. deputados. São os seguintes:- Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Miranda Montenegro, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Candido da Silva, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, José Castello Branco, Pereira de Matos. Ferreira de Almeida, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio Graça, Lopo Vaz, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Vieira, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Vicente Monteiro e Estrella Braga.
Entraram durante a sessão os srs.: - Albano de Mello, Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Pereira Borges, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Mazziotti, Jalles, Pereira Carrilho. Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Bernardo Machado, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilhermino de Barros, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Alfredo' Ribeiro, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Pinto Mascarenhas, Santos Moreira, Julio do Vilhena, Mancellos Ferraz, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marcai Pacheco, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Visconde de Monsaraz e Consiglieri Pedroso.
Não compareceram á sessão os srs.: - Antonio Candido, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Victor dos Santos, Barão de Combarjúa, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Góes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Silvo, Cordeiro, Joaquim Maria Leite, Ruivo Godinho, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Santos Reis, Julio Pires, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Pinheiro Chagas, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Visconde de Silves, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio da guerra, remettendo copia das actas da commissão de defeza de Lisboa e seu porto, pedida pelo sr. deputado Francisco José Machado.
A secretaria.
Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Serpa Pinto, notas do numero de officiaes e das praças de pret promptas para o serviço no dia 31 de janeiro de 1888.
Á secretaria.
Do mesmo ministerio, remettendo nota do numero de recrutas pertencentes ao contingente do anno de 1887, dos que se alistaram nos corpos do exercito e dos que foram remidos da obrigação do serviço effectivo, pedida pelo sr. deputado Dantas Baracho.
Á secretaria.
66
Página 1106
1106 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Do mesmo ministerio, satisfazendo ao requerimento feito na sessão de 4 do corrente mez pelo sr. deputado Ribeiro Ferreira.
Á secretaria.
Segunda leitura
Projecto de lei
Senhores. - Pela caria de lei de 25 de agosto de 1887, foi o governo auctorisado a prover, sem dependencia de provas publicas, os professores provisorias dos lyceus nacionaes que estivessem nas condições prescriptas na referida lei.
Não foram admittidos a participar d'aquella equitativa providencia os professores provisorios de desenho, porque as respectivas cadeiras estavam então a concurso documental, nos termos do auuuncio da direcção geral de instrucção publica de 25 de fevereiro do mesmo anno.
Nas condições do admissão ao concurso, sem duvida prudente, e visivelmente encaminhadas a garantir uma boa escolha, exigia-se aos candidatos a apresentação de um de varios diplomas, e entre elles o de nomeação do governo para o logar de desenhador em qualquer estabelecimento dependente do ministerio das obras publicas, da falta do qual resultou ficar excluido do concurso um professor provisorio que, actualmente com mais de sete annos de serviço, o não obstante ter sido desenhador de obras publicas districtaes.
Mas não é justo que, tendo-se adoptado um curto tempo do bom serviço como fundamento principal da generosa concessão feita aos professores provisorios de cadeiras de superior entidade, esse mesmo fundamento não baste para beneficiar de igual modo os professores de desenho, sendo aliás certo e indiscutivel que a lei deve ser igual para todos.
Por estes motivos e confiando respeitosamente na vossa rectidão e justiça, temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte:
Projecto de lei
Artigo 1.º É o governo auctorisado a prover definitivamente, sem dependencia de concurso, os actuaes professores provisorios de desenho, que, tendo completado seis annos de serviço até o dia 14 de outubro de 1887, tiverem boas informações e voto affirmativo da secção permanente do conselho superior de instrucção publica.
Art. 2.º Fica revogada a instrucção em contrario.
Sala das sessões, em 16 de abril de 1888. = Eduardo Coelho = J. A. Pires Villar.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de instrucção primeria e secundaria.
REPRESENTAÇÕES
Da associação industrial portugueza, pedindo que seja tomado na devida consideração o requerimento feito á camara dos senhores deputados pelos interessados na industria metallurgica.
Apresentada pelo sr. deputado Alfredo Mendes, enviada á commissão de commercio e artes ouvida a de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
Dos agentes commerciaes do casas estrangeiras, pedindo que seja alterada a lei da contribuição industrial na parte que lhes diz respeito.
Apresentada pelo sr. deputado Vicente Monteiro, enviada á commissão de fafenda e mandada publicar no Diario do governo.
Dos alumnos do lyceu nacional de Evora, pedindo que seja ampliado o artigo 10.º do decreto de 29 de julho de 1886, de modo que os alumnos internos dos lyceus possam fazer quaesquer exames em outubro.
Apresentada pelo sr. deputado Simões Dias e enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR
De D. Maria Eugeuia da Conceição Fernandes Leite, D. Maria da Piedade Leite e D. Adelaide das Dores Leite, viuva e filhas do ex-cirurgião mór de caçadores n.° 8, Francisco Leite de Almeida, pedindo uma pensão.
Apresentado pelo sr. deputado Vicente Monteiro e enviado á commissão da fazenda.
Do capitão reformado barão de Sabroso, pedindo melhor a de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado D. Jorge de Mello e enviado á commissão de guerra.
De José Pedro de Jesus, intendente de pecuaria ao serviço no ministerio das obras publicas, pedindo que os vencimentos dos intendentes e vice-intendentes de pecuaria sejam equiparados aos que recebem os agronomos chefes e subalternos.
Apresentada pelo sr. deputado Poças Falcão e enviado á commissão de agricultura, ouvida a de fazenda.
O sr. Poças Falcão: - Mando para a mesa um requerimento do sr. José Pedro de Jesus, intendente da pecuaria, pedindo que os vencimentos de exercício dos intendentes e vice-intendentes de pecuaria sejam equiparados aos dos agronomos em serviço no ministerio das obras publicas.
Parecem-me justas as rasões allegadas pelo requerente e por isso limito-me a envial-o para a mesa a fim de que v. exa. se digne dar-lhe o devido destino.
Vae, indicado no respectivo extracto.
O sr. Vicente Monteiro: - Mando para a mesa um requerimento da viuva e filhas do ex-cirurgião mór de caçadores n.º 8, Francisco Leite de Almeida, que pedem uma pensão. V. exa. se dignará envial-o á commissão de fazenda, a fim de seguir depois ao governo, a quem cumpre dar parecer sobre a pretensão.
Aproveitando a occasião de estar com a palavra mando tambem para a mesa uma representação dos agentes commerciaes de casas estrangeiras, residentes no Porto, que pedem seja reduzida a contribuição industrial que lhes é applicada.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
O regimento teve o destino indicado no respectivo extracto.
O sr. Simões Dias: - Mando para a mesa uma representação dos alumnos do lyceu nacional de Evora, pedindo que seja ampliado o artigo 10.° do decreto de 29 de julho de 1886, permittindo-se que em outubro na alumnos internos dos lyceus possam fazer qualquer exame seja ou não o unico que falte para conclusão de classe ou ainda para finalisar o curso.
Peço a v. exa. que se digne dar o devido destino a esta representação.
Teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 1106.
O sr. Alfredo Mendes da Silva: - Na sessão de 3 de março findo o sr. Oliveira Martins apresentou n'esta camara um projecto de lei, tendente a favorecer a industria nacional, dando-lhe preferencia em todos os fornecimentos do estado.
A associação industrial portugueza, que é representante e defensora nata dos interesses da industria nacional, reu-
Página 1107
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888 1107
niu em assembléa geral para tratar do assumpto, resolveu representar á camara, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. Oliveira Martins, encarregando-me do apresentar n'esta casa uma representação n'este sentido.
Repetidas vezes se tem dito, e já cousa assente e em que não vale a pena insistir, que os projectos de iniciativa particular seja qual for a auctoridade do apresentante, e que n'este caso é muito grande, são destinados a morrer nas commissões, se o governo os não protege.
Tenho rasões especiaes para acreditar que o governo está disposto a proteger este projecto; e ainda que as não tivesse, é tal o interesse que para a classe operaria ha de resultar polo alargamento de actividade para o trabalho nacional, se for convertido em lei o projecto a que me refiro, que não me póde restar a menor duvida de que elle será discutido.
Uma camara que approvou e um governo que apresentou o projecto dos tabacos, não negará, tambem a sua approvação a este projecto, que, como o outro, representa altas vantagens para o operario portuguez.
Sr. presidente, eu podia desde já fazer mais largas considerações sobre a conveniência da approvação d'este projecto; mas como elle está affecto a uma commissão a que tenho a honra de pertencer, limito-me a mandar a representação para a mesa e a pedir a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
Teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 1106.
O sr. D. Jorge de Mello: - Mando para a mesa um requerimento do sr. barão do Sabroso, capitão reformado, pedindo melhoria de reforma.
V. exa. se dignará enviar o ás commissões competentes.
Teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 1106.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do parecer da commissão de fazenda ácerca das emendas ao projecto de lei n.º 23 (novo regimen para o fabrico doa tabacos.)
O sr. Vicente Monteiro (relator): - Com quanto não veja presente o sr. Hintze Ribeiro, um dos deputados a quem me cabe a honra de responder, não posso deixar de expor os motivos que levaram a commissão a não acceitar a proposta de s. exa. e dos outros srs. deputados que a assignaram e ao mesmo tempo responder ás considerações apresentadas pelo illustre deputado e pelo sr. Jacinto Candido, em defeza d'essa proposta, que é a seguinte:
"Subsiste o que determina o § 1.° do artigo 1.° da lei de 18 de agosto de 1887, para o tabaco manipulado do continente do reino que entrar nas ilhas adjacentes.
"Se o importador do tabaco for o estado, não poderá expol-o á venda nas ilhas por preço inferior á importancia por que é entregue ao consumo no continente, addicionada da differença do imposto que paga o tabaco em rama paia o manipulado no estrangeiro.
"O governo fica auctorisado a indemnisar as fabricas insulanas das despezas extraordinarias que fizeram no intuito do, se habilitarem a usufruir as vantagens concedidas pela Sei de julho do 1885, e que pela actual são annulladas."
Pareceu á commissão que nenhuma das tres differentes disposições que se contém na proposta que acabo de ler, podia ser acceita, e a primeiro cousa que me cabe demonstrar é que são effectivamente tres essas disposições, por ter sido este o primeiro ponto contestado pelo sr. Hintze Ribeiro.
Talvez eu podesse dispensar-me de responder a s. exa, desde que o orador que se lhe seguiu, sr. Jacinto Candido, reconheceu que realmente havia na proposta não duas, como entendia o sr. Hintze, mas tres disposições, sendo a primeira para que ficasse substituido o disposto no § 1.° do artigo 1.° da lei do anno passado; a segunda,, conforme a propria classificação de s. exa., para impedir a fraude d'essa lei; e a terceira, auctorisando indemnisações ás fabricas açorianas; disposição esta ultima que todos confessam ser, pela sua natureza, urna disposição essencialmente nova.
Parece-me, portanto, injusta a censura feita pelo sr. Hintze Ribeiro á commissão de que ella andara levianamente, considerando como sendo tres as disposições contidas na sua proposta.
Isto posto, explicarei os motivos da rejeição das tres disposições.
A commissão não julgou necessario dizer na lei d'este anno que ficavam de pé as disposições do anno passado, que não lhe são contrarias, por lhe parecer que é isso principio geral de todo o direito, o que mesmo haveria periga em consignal-o agora como uma excepção que podia significar que uma lei qualquer não contraria a outra a revoga só pelo facto de ser posterior.
Eu comprehendia que os illustres deputados tivessem feito essa proposta no intuito de esclarecer pela discussão quaesquer duvidas, para que não podesse restar a menor hesitação sobre ficarem em vigor as disposições da lei do anno passado que não são contrariadas pelo projecto actual; mas quereria tambem que conseguido este fim desistissem d'essa parte da proposta como succedeu no anno passado.
Mas não foi só isto é que os illustres deputados pediram e que a commissão entendeu ser inacceitavel.
S. exas. queriam que se consignasse na lei uma disposição nova, que é a segunda da sua proposta, para que o tabaco produzido pela régie quando fosse introduzido pelo estado nas ilhas, não podesse ser vendido por preço inferior ao preço correspondente por que é vendido no reino, acrescido com os direitos que pelas disposições da lei anterior tinha que pagar ao entrar nas ilhas.
O sr. Hintze Ribeiro considerou esta disposição como não sendo mais do que a disposição da lei do anno passado; mas o sr. Jacinto Candido entendeu que não era assim e classificou-a de outra maneira; classificou-a como um meio de impedir a fraude e a commissão, até por isso a rejeitou, porque não podia imaginar que a lei se fizesse para não ter a mais fiel, a mais exacta, a mais sincera execução.
Esta opinião ha de parecer mais rasoavel.
Quiz o sr. Hintze Ribeiro admittir a possibilidade de haver uma administração qualquer, ou fosse a administração de um arrematante do monopolio ou fosse a da régie, que quizesse, em perda dos proprios interesses, hostilisar as fabricas das ilhas, introduzindo ali tabacos por preços inferiores aos dos tabacos manipulados n'essas fabricas, accrescido os direitos que lá tem a pagar.
Ora, eu digo que se o estado ou um arrematante de monopolio quizesse por este modo prejudicar essas fabricas, não era com a disposição proposta por s. exa. que isso se evitava.
De resto, não ha necessidade alguma de similhante disposição porque a administração da régie não póde deixar do ser séria; e nem me parece regular que na confecção de uma lei se parta da supposição de que ella não será rigorosamente cumprida.
O sr. Hintze Ribeiro, nas considerações que fez á camara, indiciou que a qualidade do tabaco consumido na ilha é inferior ao que se consome no reino. Basta isto para se reconhecer que o tabaco que deve ser remettido para lá podia ser no reino taxado por um preço de tal modo inferior que não satisfaria de modo nenhum ao fim a que a deposição proposta se destina.
Quer dizer esta segunda disposição, que pretendi introduzir no projecto, partindo de um falso presuposto nada remediaria para o caso de hypothese poder dar-se.
Resta-me tratar da terceira disposição que é uma aucto-
Página 1108
1108 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
risação ao governo, para que este possa indemnisar as fabricas das ilhas dos prejuizos que possam ter em virtude da lei que resultar do projecto que estamos discutindo.
Estimo devoras que esta proposta de auctorisação parta dos illustres deputados do lado esquerdo da camara; mas nem por isso, a commissão de fazenda julgou dever acceital-a.
Não ha necessidade d'isso, porque não ha nada que indemnisar. O projecto não altera do modo algum os direitos adquiridos pelas fabricas das ilhas; nada altera do actual regimen no que respeita aos Açores.
Hoje, pela lei do anno passado, o tabaco fabricado no reino e que for para as ilhas, assim como o tabaco que de lá vier para o reino, considera-se estrangeiro e paga portanto o respectivo direito.
Póde haver maior protecção do estado para as fabricas açorianas, do que ficarem garantidas contra a concorrencia do tabaco nacional do continente, como, ficam contra a do tabaco manipulado no estrangeiro?
E os impostos estabelecidos pelo decreto de 27 de janeiro, e ractificados pela lei do anno passado, são de tal modo protectores, que de certo bastam para animar e sustentar a industria do tabaco nos Açores. Se é bastante para cá, muito mais o será para as ilhas, assim defendidas, como acabo de indicar. (Apoiados.)
Bem sei que o sr. Hintze Ribeiro se preoccupava com o receio de não poderem vir ao continente os tabacos insulanos, para fazerem concorrência á administração do estado; mas se é essa a preoccupação dos oradores representantes das ilhas, creio que mais uma rasão tem a commissão em não acceitar as emendas de s. exa.
Podiamos nós, porventura, crear um regimen de administração pelo estado de modo tal que deixassemos gosar as fabricas insulanas de um previlegio, que lhes permittisse vir estabelecer uma concorrencia perigosa para essa administração? Evidentemente, não podia sor.
Mas se se quer dizer, como me parece, que ha direitos adquiridos á sombra da legislação anterior á do anno passado, n'este caso deveriam ter vindo no anno passado essas reclamações; e todavia é certo que s. exas. se deram então por satisfeitos com as disposições consignadas na lei que então votá0mos.
Mas seja ou não assim, é incontestavel que não estamos agora regulando o regimen do tabaco nas ilhas; simplesmente estamos fazendo umas modificações na lei do anno passado, relativas á administração do exclusivo no tabaco pelo estado em vez de o ser por qualquer arrematante.
Com relação ás ilhas fica precisamente o mesmo que eslava o anno passado.
Por ultimo, e para não alongar estas considerações, devo simplesmente lembrar que as fabricas das ilhas não exportam tabaco algum para o reino, o que me parece ser a demonstração mais cabal que se póde dar, de que effectivamente não ha, direito algum adquirido que devesse resalvar-se e garantir-se, para que tivessemos de auctorisar o governo a, pagar quaesquer indemnisações, alem das que o projecto indica.
São estas as brevissimas considerações que tinha a fazer, era resposta aos argumentos apresentados em defeza das propostas dos illustres deputados pelas ilhas, considerações que não são mais do que a ligeira desenvolução das rasões contidas no parecer que se discute. (Muitos apoiados. )
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O st. Jacinto Candido: - Sinto que este debate começasse sem estar presente o meu illustre collega e amigo o ar. Hintze Ribeiro, que, sem duvida por motivo muito justificado, não póde compadecer mais cedo a esta sessão, e por isso ficou privado de ouvir as reflexões feitas pelo sr. relator em resposta ás considerações apresentadas por s. exa.
Vou tratar de sustentar as propostas, que hontem já defendi n'esta casa, conjunctamente com aquelle meu illustre collega.
Começarei por pedir a v. exa. que na acta da sessão de hoje se faça uma pequena rectificação ao que vem no extracto da sessão do dia 14 d'este mez, que só agora notei e por isso também só agora faço este pedido.
Diz-se ahi:
"O sr. Jacinto Candido apresentou a seguinte proposta:
"Subsiste o que determina o § 1.º do artigo 1.° da lei de 18 de agosto do 1887, para o tabaco manipulado no continente do reino que entrar nas ilhas adjacentes."
Ora quem mandou as propostas, não fui eu, e sim o meu illustre amigo o sr. Arthur Hintze Ribeiro, embora eu tambem as tivesse assignado, e com ellas plenamente concorde.
Entrando agora no assumpto, começo por declarar a v. exa. e á camara que entendo, como já disse hontem, que esta questão da régie, como todas as questões, que vem ao debate parlamentar, não podo ser considerada simplesmente sob um ponto de vista. Não póde apresentar-se ao exame e á apreciação critica do parlamento e do publico simplesmente sob uma phase, ou sob um aspecto; é um problema social como qualquer outro, e por consequencia tem de ser encarado sob todos os pontos de vista por que póde e deve ser realmente apreciado.
A commissão, no seu relatorio, apresenta nol-o, porém, limitando, sem a menor rasão plausivel, o terreno da discussão no ponto de vista meramente fiscal.
Porque tal limitação? Qual o motivo por que a illustre commissão não estuda o assumpto tambem sob os aspectos politico, economico e social, e nos pretende impor á nossa critica apenas a sua feição fiscal?
Ignoro; nem de facto motivo algum se apresenta em abono de tão arbitraria limitação, nem eu descubro que a possa justificar.
Sr. presidente, se não parecesse deslocada agora tal discussão, eu mostraria a v. exa. e á camara, como, na verdade, a apreciação primaria e fundamental d'este projecto devia ser a que o estudasse sob o ponto de vista politico, isto é, nos principios geraes da sciencia da governação publica, em que elle se póde basear.
V. exa. sabe perfeitamente que estes principios constituem os programmas politicos dos partidos o dos governos, e que a logica e a coherencia pedem que se manifestem sempre os mesmos, na sua applicação pratica, seja qual for o assumpto a que se appliquem. Ha na politica geral duas correntes de opinião: uma que dá largas attribuições ao estado; outra que pretende cerceal-as. Ha os collectivistas, ou socialistas do estado, e ha os individualistas.
Politicamente, pois, devia cuidar de ver-se se este projecto traduz as idéas dos primeiros, se as dos segundos, e assim aferir qual o caracter politico do projecto, e se elle é coherente com os principios d'este governo, e do partido que elle representa no poder.
Economicamente o projecto devia ser apreciado em ordem a mostrar-se qual a influencia que vae exercer na riqueza publica do paiz, e como vae affectar as diversas industrias com que esta dos tabacos, está naturalmente relacionada.
Socialmente dever-se-ia estudar o projecto sob o ponto de vista das suas consequencias e effeitos immediatos o remotos, por fórma a accentuarem-se as alterações, que vae introduzir na nossa organisação social.
Sob o ponto de vista politico, sr. presidente, é manifesto que este projecto revela o caracter socialista.
Alargam-se as funcções do estado, á custa da limitação na actividade individual. Revela por consequencia a idéa de conferir ao estado muito mais vastas attribuições do que aquellas que elle actualmente possue.
Mas se esta é a doutrina, se esta é a idéa, se esta é a intenção do governo e da commissão, não sei quaes os motivos, quaes as rasões por que estes principios socialistas se manifestam simplesmente n'este problema e não em todos
Página 1109
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1880 1109
aquelles de que o governo se tem occupado, e que têem vindo ao debate parlamentar. Onde estão então a coherencia e a logica?
Se a questão se encara debaixo do ponto de vista economico, não vejo que se possa dizer que a régie seja o regimen mais apropriado para desenvolver as forças economicas do paiz e a riqueza nacional; só vejo que o governo procurou este regimen como um expediente financeiro para obter receita mais avultada, e que poz de parte completamente todas as considerações de outra ordem.
Se se conseguiu ou não este resultado, se o governo vae, ou não, augmentar a receita publica com este projecto, tal tem sido principalmente o ponto da discussão, de que se tratou ,por parte da opposição parlamentar, e demonstra-se á saciedade que outro systema mais coherente com os principios do economia, e mais em harmonia com as doutrinas sociaes, deveria ser de preferencia adoptado para se obter o resultado a que o governo mirava.
Não discuto já, sr. presidente, se é correcto, ou não, este proceder de apreciar um tão importante projecto, como este, apenas pelo seu lado final, e cuidando somente de buscar mais receita para o estado.
Ponho de parte todas as considerações d'esta ordem, e muitas eram, que podia apresentar á camara.
O que é certo, porém, é que quando simplesmente para augmentar as receitas publicas, como um expediente financeiro, e não como uma medida de alto alcance economico, politico ou social, se apresenta ao parlamento um projecto d'esta ordem, é mister que escrupulosamente se cuide de não offender direitos adquiridos, legitimos interesses á sombra da lei creados, e promettedoras industrias, que apenas começam a desenvolver-se, mas já são fundamentada esperança de um grande progresso economico.
Quando, como aqui, em vez de taes cautelas, desapiedadamente se vão ferir estas nascentes, mas já prosperas industrias, nos seus principaes elementos de vida, c do força, que é de estranhar que nós representantes d'essas localidades onde existem e prosperam essas industrias que vão ser offendidas, nos levantemos para zelar, confirme entendemos, em nossas consciencias, e segundo o nosso estudo sobre o assumpto, os legitimos direitos e justos interesses d'aquelles que nos confiaram é mandato, que é o nosso titulo de representação n'esta casa? (Apoiados}
O sr. relator começou por discutir as considerações do discurso do meu illustre amigo e correligionario o sr. Hintze Ribeiro, tratando de demonstrar que a proposta, rejeitada pela commissão, se compunha de tres partes, o não de uma só.
Esta questão é um pouco de casuistica escolastica, e digo isto á boa paz, e sem offensa para ninguem; e não me parece que se tire grande proveito na discussão sobre se ha tres elementos ou um só na proposta.
Eu dou de barato, que sejam um, ou dois, ou tres, os elementos constitutivos da proposta, á vontade do sr. relator; mas o que é certo é que entre a primeira parte e a segunda ha uma concatenação logica e necessaria; a segunda parte não faz senão tornar effectiva e efficaz a disposição contida na primeira.
Se fossemos a considerar isto em disposição legal, parece que se podia perfeitamente fazer da primeira parte um artigo e da segunda um § unico, o por consequencia um artigo sómente.
Qual a rasão d'esta segunda disposições? A rasão d'ella está na doutrina estabelecida na primeira.
S. exa. diz que não ha necessidade, quando se trata da confecção de uma lei, de dispor que a doutrina, que não está contida n'ella, continua em vigor; mas este é o principio geral que se observa na confecção de todas as leis, e que eu não contesto.
Aqui, porém, não se dá este caso. A régie é estabelecida effectivamente só para o continente, e a respeito dos Açores apenas em uma das bases se diz que lhe está garantido o consumo de 5 por cento do tabaco ali produzido.
Pergunto eu: se a administração da régie entender dever mandar para os Açores o seu tabaco, para o vender em concorrencia com o das fabricas ali estabelecidas, e que estão em começo que meio de defeza tem ali essa industria?
Dir-me-hão que é o direito protector, que é o direito que os tabacos da régie hão de pagar á sua entrada nas ilhas. Mas esse direito é pago ao estado e o estado é ao menino tempo o importador que o paga; por consequencia vae pagar a si proprio embora com o nome da administração da régie. Esta é uma defeza perfeitamente illusoria e phantastica, que não póde evitar a concorrencia damnosa, que á industria insulana póde fazer o tabaco manipulado pela régie.
Disso o sr. relator que a segunda disposição não era efficaz; porque não lhe parecia reunir os elementos precisos de defeza para a industria insulana, e eu apoiei s exa. porque effectivamente as minhas idéas pobre esse ponto são um pouco diversas, e vão alem da doutrina da proposta; mas eu que vejo que a commissão não quer acceitar a proposta nos termos em que ella está, melhor vejo ainda que muito menos acceitaria a outra idéa, que eu tinha, e que vou expor á camara, o que era realmente aquella que me parecia efficaz, vantajosa e completa.
Eu entendo que todas as vezes que a administração da régie entendesse dever invadir os mercados açorianos, deveria lá pagar um imposto igual áquelle que actualmente defende os tabacos manipulados nos Açores contra a concorrencia do estrangeiro, e mesmo do continente; mas este imposto não iria para o estado, o que seria perfeitamente sophistico, mas sim deveria ser encontrado, como compensação, na contribuição industrial, que pagam as fabricas de tabaco insulanas; e esta compensação de imposto é que determinava com efficacia a protecção de que carecem, o que têem direito a exigir as fabricas insulanas.
Foi reparado pelo sr. relator que n'uma proposta apresentada aqui por parte da opposição se pedisse, que se desse uma auctorisação ao governo, e applaudiu a exa. o governo por esta manifestação de confiança por parte da opposição.
Isto, sr. presidente, prova que, por parte da opposição, todas as vezes que se compenetra da importancia dos assumptos, que se discutem, e da necessidade urgente de acudir com providencias promptas a circumstancias tambem urgentes, e que não podem soffrer adiamento, providencias que são necessarias para occorrer a um estado precario e instante, ella não duvida dar uma auctorisação, para esse fim ao governo, esperando que elle saberá corresponder a essa confiança, não abulando d'essa auctorisação. (Apoiados.)
Todos sabem que, em assumptos d'esta ordem, que só relacionam com os importantissimos interesses geraes de uma região tambem importante, como são os Açores, quando os governos abusam da auctorisação, que lhes é concedida para acudir ás necessidades d'esses povos, elles sabem sair do seu espirito ordeiro c pacifico e corresponder com manifestações violentas, obrigando pela força as auctoridades a entrarem no caminho da lei, do dever e da cordura. (Apoiados.)
E isso ha pouco ainda se demonstrou, infelizmente, pelos lamentáveis successos que tiveram logar na Madeira. (Apoiados.)
Portanto não ha que admirar n'esta auctorisação, porque por parte da opposição tem-se concedido, tem-se pedido á camara que o governo fique auctorisado a acudir do prompto a situações deploraveis de qualquer ordem; e seria ficar abaixo de toda a critica suppor-se logo á priori que o governo pretendesse fazer d'essa auctorisação um uso menos legal. (Apoiados.)
Quanto á pretensão excessiva que o illustre relator
Página 1110
1110 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
disse que o sr. Hintze tem na questão do tabaco, direi que não me parece que haja rasão para se dizer que essa pretensão é demasiada.
Pois poderá crer se excessivo o que é apenas a manutenção de legitimos direitos o justos interesses creados e desenvolvidos á sombra das leis?
Pois póde porventura desrespeitar-se a propriedade de cada um, legalmente adquirida?
Póde uma lei de hoje ir affectar industrias creadas á sombra da lei de hontem?
Por fórma alguma, sr. presidente. V. exa. o a camara sabem perfeitamente que todo o cuidado é pouco no respeito, que deve guardar-se para com os direitos adquiridos.
E nós não pedimos mais do que a conservação do actual estado de cousas para os Açores; mas pedimol-o por fórma que não seja phantastica e sophistica a pretensão; mas sim real e efficaz.
Esta é a idéa e o pensamento geral das nossas propostas.
Que nos importa a nós a presumpção, justificada muito embora, da seriedade, que ha de revestir a administração da régie.
Não queremos presumpções, queremos certeza; não queremos hypotheses, muito provaveis que sejam, queremos theses, realidades, disposições claras, precisas, e terminantes.
O que só entende do que está no projecto é que a régie póde mandar vender os seus tabacos nos Açores, desde que lá pague o imposto que pagam os tabacos estrangeiros manipulados; mas como a régie é uma instituição do estado, e quem recebe esse imposto é o estado, é manifesto que a régie não terá o menor embaraço em lá ir fazer concorrencia, e dar cabo da industria insulana.
É evidente que uma tal protecção é perfeitamente illusoria.
Assim como os tabacos manipulados nos Açores têem fechados ao consumo os mercados do continente, justo é que aos tabacos manipulados no continente se fechem os mercados insulanos. O imposto para o estado servia de defeza quando os concorrentes á industria insulana eram fabricas ou companhias particulares, não póde servir quando o concorrente é o proprio estado, que a si mesmo paga o imposto.
Taes são, resumidamente, sr. presidente, as reflexões, que tenho a honra de apresentar a v. exa. e á camara, as quaes, me parece, ficam de pé, sem de leve as abalarem as considerações do illustre relator, que a camara acaba de ouvir, e que por fórma alguma atacaram a questão, na sua simplicidade, como a camara acaba de ver.
Em todo o caso a commissão fará o que entender. Desde que fique consignado nos annaes parlamentares que, nem a intenção do governo, nem da commissão de fazenda é effectivamente que a régie vá invadir os mercados açorianos, quando esse facto se dê, e a industria insulana tenha de queixar-se, não do uso de um direito, mas do abuso de uma disposição menos clara, fal o ha por fórma tal, penso eu, que a sua voz se ha de fazer ouvir, e não terá já que pedir um favor, mas sim que reclamar justiça, repressão de abusos e execução fiel da lei. Será menor a tarefa, e por isso alguma cousa conseguimos já n'este debate. Tenho dito.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Vou ser muito breve. Não desejo occupar mais tempo a attenção da camara, porque já está sufficientemente inteirada sobre este assumpto.
Eu tive a honra do apresentar á consideração da camara algumas emendas ao projecto dos tabacos. Começo por agradecer á commissão por ter-me honrado com a acceitação de algumas das minhas emendas.
Umas tinham por fim acautelar os interesses da região do Douro, que tenho muito a peito, pelo facto de reconhecer que são precárias as circumstancias d'aquella região, e outras, tendentes a acautelar a melhor fiscalisação dos serviços da régie, complicada como devo ser, em beneficio da administração do estado. Mas, entre as emendas que tive a honra de apresentar, ha uma que a commissão, acceitando o pensamento geral, a redigiu por fórma que alterou sensivelmente a minha ordena de idéas.
Devo dizer que essa emenda está em harmonia com o pensamento do projecto, e que é da minha inteira responsabilidade, não prende a responsabilidade nem a solidariedade de ninguem, tendia pela sua natureza a acautelar a fiscalisação do serviço da régie.
Pela leitura da proposta primitiva do governo vê-se que ella estabelecia que o conselho fiscal, ao qual pela disposição das leis das sociedades anonymas que regem n'estes casos, incumbe a fiscalisação dos serviços do conselho de administração fosse composto de cinco membros. O projecto da commissão, não sei por que motivo, reduziu esse numero a tres.
Claro é que cinco homens fiscalisam melhor do que tres, mas eu não duvidaria, na realidade, da boa fiscalisação dos tres se porventura no projecto estivesse a circumstancia de não ser compativel esto logar com outro emprego do estado; desde o momento em que a cargo de membro do conselho fiscal seja compativel com outro emprego, é fácil dar-se a circumstancia do conselho fiscal ficar em condições de não poder funccionar pela falta de numero frequentemente.
N'estas circumstancias eu propuz a doutrina, o pensamento do governo, e que fosse elevado de três a cinco os membros do conselho fiscal. Mas evidentemente ou não poderia propor uma elevação d'esta ordem, que parece á primeira vista que importa um grande encargo para o thesouro, sem de algum modo lhe dar o correctivo necessario, que consistiu em diminuir a quota. O governo estabelecia 4 libras por cada cedula de presença o que para os tres membros nas vinte e quatro sessões do anno traz a despeza de 288 libras.
Eu propuz a elevação do numero a cinco, reduzi a quota a 9$000 réis, isto para as mesmas vinte e quatro sessões importa em £ 240 ou uma economia de £ 48 annuaes.
A commissão acceitou o meu alvitre, mas elevou o numero de sessões do duas a quatro, de modo que a despeza complicou-se de fórma, que aquillo que era uma diminuição de despeza tornou-se um augmento.
Eu estou a ver desde já responder-se-me que, na minha proposta, o numero não estava fixado; e não o fixei, por que eu conheço os costumes da terra. Se eu fixasse numero menor, não me era acceita a proposta. Deixava isso ao tino e boa administração do conselho administrativo, que procederia como se faz em companhias poderosas como a do norte e leste, onde os membros do conselho fiscal têem um ordenado fixo, e no emtanto tem apenas uma sessão ordinaria mensal.
N'estas circumstancias, a minha emenda não tinha inconveniente algum, que obstasse á sua approvação; mas, desde que a commissão alterou tão fundamentalmente a minha proposta, eu peco licença, não para estranhar, mas para declarar que não posso acceitar o parecer, embora mantenha o pensamento que presidiu áquella proposta.
O sr. Vicente Monteiro: - Pedi a palavra para responder ao que acaba de dizer o illustre deputado, o sr. José Castello Branco, e para sustentar a modificação introduzida pela commissão na proposta que s. exa. mandou para a mesa.
Essa proposta parecia querer que o numero dos vogaes do conselho fiscal passasse de tres para cinco, diminuindo-se o valor das senhas de presença em cada sessão, sem se limitar o numero de sessões annuaes que o conselho fiscal devia ter, e a commissão julgou indispensavel manter o correctivo do projecto para evitar qualquer abuso, fixando o numero maximo d'essas reuniões.
Página 1111
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888 1111
Mas, observou s. exa que não devemos ser os primeiros a por suspeitos aos membros que forem eleitos para a administração da régie, e eu devo dizer ao illustre deputado que não foi nenhuma especie de suspeição, lançada sobre os vogaes, o que levou a commissão a não acceitar a proposta de s. exa.
Foi uma outra consideração.
Pareceu á commissão que a ultima parte d'essa proposta não deve ser acceita, por não se coadunar bem com as funcções de membro do conselho fiscal, o ficar dependente da administração, que elle pôde fiscalisar, a fixação do numero de suas sessões.
Foi por este unico motivo que se manteve a pratica geral, quanto ás reuniões mensaes, deixando-se ao proprio concelho o reunir-se quantas vezes fosse necessario; mas entendeu ao mesmo tempo a commissão que devia manter correctivo para obstar a quaesquer abusos que se podessem dar.
Foi esta a rasão por que póde acceitar, por completo, a commissão de fazenda, não si maneira do ver do illustre deputado; mas a proposta, de s. exa. ficou acceita na essencia.
Emquanto á segunda parte da mesma proposta a commissão manteve-se no principio de não augmentar a despeza, e as emendas que trouxe a camara tendem todas a esse fim.
É isto o que me cumpria dizer em resposta ás observações do illustre deputado.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
Ó sr. Eduardo de Abreu: - Faz notar que este projecto dos tabacos, que ha um anno levantava lá foi a tremenda indignação na imprensa regeneradora, e cá dentro levantava tremendas ameaças por parte da opposição, foi votado sem que houvesse um só protesto contra aquillo que a opposição dizia, ser a maior calamidade nacional.
Na outra casa do parlamento ha de naturalmente succeder o mesmo, porque tambem ha lá legisladores, que têem as cosas forradas do papel da companhia nacional, que têem botões do camisa de Santa Justa e algibeiras de Xabregas.
Pretendendo justificar as emendas que apresentou muito conscienciosamente: não tenciona tomar muito tempo á camara, porque reconhece que é preciso trabalhar. Já lá vão tres mezes do sessão parlamentar, e ha só um projecto, que foi viavel através da discussão das duas casas do parlamento: foi a resposta ao discurso da corôa.
A sympathica saudação, dirigida pelo chefe do estado aos legisladores, responderam elles, como era do seu dever, o mais cortezmente possivel. Mas esta cortezia levou tres mezes, e custou 30:000$000 réis ao paiz. Projectos do iniciativa da camara, esses não são discutidos. Do anno passado, para cá, acrescentou o orador, estão pesando sobre as nossas responsabilidades, duzentos e setenta ou duzentos e oitenta projectos.
Parece lhe portanto, que é tempo de responder agora a uma outra cortezia não menos importante, qual é a de attender aos justos pedidos do paiz, e de zelar pelos seus interesses.
Das emendas que apresentou, não fez, nem faz questão politica, nem tambem da questão dos tabacos, porque entendo que o menos que com ella se póde fazer é partir uma carteira. (Riso.) Portanto, longe de si a idéa de fazer politica.
Entre as suas emendas, havia uma tendente a destinar, da base 10.ª do projecto, a quantia de 50:000$000 réis para o hospital de alienados.
E apresentando esta idéa fundou-se nas nobilissimas intenções com que o sr. Barros Gomes, quando era opposição, dizia ali ser necessario quanto antes attender ás pessimas circumstancias em que se achava o nosso hospital de Rilhafolles.
Resigna-se, porém, a ver esta proposta rejeitada, e pediria ao sr. Carrilho que procurasse encontrar n'outro ponto do orçamento a verba necessaria para esta indispensavel obra.
São acceitou tambem a commissão uma emenda relativa ao saneamento das fabricas; e todavia o saneamento é um acto que todos praticam quando vão habitar uma casa.
O inquerito ás fabricas provou que ellas eram umas verdadeiras montureiras.
E montureiras o são ainda, conforme foi informado por um dos medicos das fabricas.
Parecia-lhe portanto rasoavel que o governo mandasse saneal-as, e tirar d'ali todos os estrumes que se acham acumulados, a fim de collocar os operarios, que hl tenham de trabalhar, em melhores condições hygenicas.
Propozera mais que os medicos ao serviço das fabricas apresentassem relatorios trimestraes.
Nada mais rasoavel, porque d'esta fórma o paiz sabia qual e o numero de doenças que ali se dão e quaes as providencias que se devem adoptar.
Propozera tambem que nas fabricas não fossem admittidos menores de, idade inferior a dez annos quando fossem do sexo masculino, e inferior a doze annos quando fossem do sexo feminino.
E isto o que está hoje geralmente admittido, e todos sabem a conveniencia que ha em se adoptar esta providencia.
A sua proposta, para que os menores de ambos os sexos, os operarios que soffram de molestias no apparelho respiratorio e as mulheres gravidas não possam ser empregadas na manufactura do rapé, tambem lhe pareceu inteiramente acceitavel, porque o desenvolvimento de gazes deleterios, a que dava logar aquelle fabrico, era fatal para os individuos que estivessem n'este caso.
Finalmente, não lhe parecia que alguma rasão só podesse oppor á creação, que tambem indicará, de escolas e creches fora do recinto das fabricas.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa, o restituir.)
O sr. Vicente Monteiro: - Pedi-a palavra simplesmente para restabelecer a verdade dos factos e corrigir uma pequena injustiça que á commissão foi feita pelo meu illustre amigo o sr. Eduardo de Abreu.
Nem eu, nem a commissão de que tenho a honra de fazer parte, desconhecemos n que ha de justo na defeza quer tão brilhantemente s. exa. acaba de fazer da sua proposta. Não a combatemos, nem a regeitamos por não concordarmos com as emendas que ella contem e que são similhantes ás do sr. Fuschini. O empenho da commissão, como creio que o de toda a camara, é que quanto antes se convertam em leis disposições analogas a estas; mas em leis geraes.
Não é conveniente, nem regular, que se esteja a inserir em medidas especiaes aquillo que por sua natureza deve fazer parte de medidas geraes.
Não foram outras as rasões que aconselharam a commissão a não acceitar as propostas dos srs. deputados Eduardo de Abreu e Fuschini, e com cujas ideias concordo em principio.
Tenho dito. ,
O sr. José Castello Branco: - Sr. presidente, direi duas palavras apenas. Com quando eu esteja de accordo com duas das observações feitas pelo illustre relator da commissão, tenho entretanto que fazer ainda uma rectificação ao que aventou s. exa.
Diz s. exa. que o conselho administrador podia elevar o numero a mais de quatro: isso é estranho. Pois o primeiro juizo que aqui se formula sobre a competencia e probidade dos membros nomeados ha de ser logo uma suspeição? Não póde ser, não deve ser. Elles certamente marcariam as sessões que reputassem necessarias e quando abusassem, ao governo era facil pôr cobro ao abuso.
Ha, porém, um contrasenso. Se a commissão entende, que para bem fiscalisar o serviço do conselho de adminis-
Página 1112
1112 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
trarão, na hypothese de ser este conselho composto do tres membros, são só precisas duas sessões mensaes, hoje, que o numero foi elevado a cinco, a mesma commissão entende que devem ser quatro as sessões. Isto é evidentemente um disparate.
No mais estou plenamente do accordo.
O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, sinto não ter estado presente ao começo da sessão, para poder ter ouvido a resposta que o sr. relator do projecto em discussão se dignou dar às considerações que hontem fiz; motivos particulares, porém, obstaram a isso. Alem de que, suppondo não se entraria na ordem do dia antes tres horas e meia, como sempre tem succedido, julguei poder dispor de mais tempo, e não ser necessario comparecer mais cedo, e não esperava se entrasse desde logo n'esta discussão por não haver outro assumpto a tratar antes.
Entrando na camara ha pouco, e informando me do que se passou, soube, pouco mais ou menos, o seguinte:
Que s. exa. dissera, em relação á primeira parte da proposta que eu mandara para a mesa, que não a podia admittir, porque não sabia qual o seu fundamento, e que, persistindo a disposição do § 1.° do artigo 1.° da lei de 18 de agosto de 1887, escusado era entrar em maiores explicações a este respeito, e que o tabaco das ilhas, pela sua qualidade inferior, estava collocado em circumstancias especiaes.
Não insistirei mais n'este ponto. O meu fim, fazendo algumas observações a este respeito, era esclarecei- esta questão, tendo em vista o interesse das duas partes que n'ella ha a attender, pois que de ura lado temos o consumidor, e do outro os productores e fabricantes de tabacos, que são antagonistas. O que se desejava era equidade para ambas as partes, e que o tabaco estranho ás ilhas não ficasse em condições taes, que por assim dizer fosse prohibida a sua entrada ali. Era a isso que tendia a nossa proposta, para sustentar a qual fiz hontem as considerações, que á minha mente occorreram como mais conducentes a comprovar o que se pretendia.
Visto, porém, que essas considerações lhes não mereceram sufficiente attenção, e que s. exas. declaram manter o que está expresso no § 1.° do artigo 1.° da lei do 18 de agosto de 1887, teremos de nos satisfazer com isso, não obstante julgarmos mais equitativo o que propunhamos, pois que assim se dará, como hontem dissemos, uma verdadeira duplicação de imposto, que recairá sobre o tabaco manipulado no reino que para lá foi exportado; pagando aqui a importancia em que for computado para supprir este rendimento do estado, e á sua entrada lá um direito igual ao estrangeiro.
Como estas considerações lhes não mereceram importância, e vista a pouca vontade que ha da parte de s. exas. em attendel-as, apesar de serem perfeitamente fundamentadas e justas, limitar-me-hei a fazer uma pergunta ao sr. ministro da fazenda, de que desejo resposta, que é a seguinte:
Está ou não na mento do governo permittir que a régie vá fazer concorrencia ás fabricas das ilhas, destruindo uma industria que ali existe, já importante nas suas actuaes circumstancias, e que mais o podia vir a ser, se não lhe cortassem os voos, se não lhe restringissem á area de exploração que lhe facultava a lei de 18852
É isto o que nós desejamos saber, pois d'ahi depende a subsistencia futura de tal industria.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Se o illustre deputado me dá licença, eu direi que o governo não tem nenhuma intenção de prejudicar as fabricas dos Açores, nem tem motivo plausivel para isso.
O Orador: - Agradeço a declaração do sr. ministro da fazenda, e peço fique consignada.
Em vista d'ella, não insistirei mais n'este ponto, e passarei á segunda parte da proposta, que diz respeito ás indemnisações ás fabricas das ilhas que soffrerem prejuizos com esta lei.
O sr. relator julgo ter dito não haver motivo algum para tal condição, visto que a protecção que existe com relação a tabacos estrangeiros dá ás fabricas insulanas a faculdade de poderem continuar a subsistir e a florescer, sem terem qualquer receio.
Mas não foi esse o sentido do que eu expuz.
O que eu disse cifra-se no seguinte:
Antes de lei de 1880 as fabricas dos Açores produziam simplesmente para o consumo das proprias ilhas.
Não podiam mandar cousa alguma para o continente, porque, á sua entrada aqui, pesavam sobre os seus productos impostos taes, que a concorrencia dos tabacos estrangeiros, de qualidade muito superior á dos das ilhas, tornavam impossivel a sua exportação para cá.
Veiu, porém, a lei de julho do 1885, que reparou a injustiça que até então se dava, como eu hontem disse, injustiça evidente e flagrante, pois que era nada menos do que sobrecarregar com um imposto elevado uma industria que no continente era livre.
Ato ali, como as fabricas não podiam mandar para cá os seus productos, viram-se obrigadas a produzir simplesmente o tabaco que podia ser consumido nas ilhas.
Ora, como dos consumidores açorianos, 97 por cento são das classes inferiores, está claro que o tabaco produzido era quasi na sua totalidade, de inferior qualidade.
Tanto assim que a cultura do tabaco n'aquellas terras conota principalmente da variedade mais ordinaria, á nicotiana rusticu que, resistindo mais ao tempo, e exigindo menos cuidadas, apesar das suas propriedades acres, é a que mais extracção tem.
E como o povo attende mais á barateza do que á qualidade, e esta o satisfaz, d'ahi a rasão da preferencia que lhe dão.
Sendo concedida uma área de exploração muitissimo mais vasta, foi necessario modificar a sua producção, tanto na quantidade como na qualidade, em attenção ao fim a que era destinada.
Ora dir-se ha, como já por vezes tenho ouvido, que a lei do 1880 não foi aproveitada pelas fabricas das ilhas, pois que tabaco algum, debaixo d'essa faculdade, se exportou para o continente; é necessario, porém, explicar a rasão por que isso succedeu.
Quando foi decretada a lei de 1885, que prometteu ampliar a área de exploração concedida ás fabricas das ilhas, estava já feita a plantação d'aquelle anno e não havia logar já para a modificar, não só na especie de tabaco plantado, mas ainda pelos cuidados que é necessario ter para o tornar melhor, e poder soffrer manipulação mais perfeita que dê em resultado qualidades mais aperfeiçoadas.
Portanto é evidente que em relação á colheita de 1885 pouco se podia fazer para lhe dar feição mais apropriada á exploração a que era destinada.
Na colheita de 1886 é certo que se podiam fazer, e fizeram-se, mais amplos estudos e desenvolvidos trabalhos. E se o sr. relator tivesse lido a representação que n'uma das sessões passadas mandei para a mesa, e que devia ter ido á respectiva commissão, teria sabido as rasões que n'ella eram expendidas, fundamentando a justiça que havia em defender tal pretensão. (Apoiados.)
A cultura do tabaco é um assumpto muitissimo complicado e não póde entrar n'elle qualquer, como eu, que não tenha conhecimentos especiaes da materia.
Entretanto, pelo que tenho ouvido, sei que exige, desde o começo, muitos cuidados e processos para os seus productos se tornarem aptos a poderem ser depois empregados em artigos mais perfeitos, cujo consumo só é feito pelas classes mais abastadas, por serem os seus preços mais elevados.
Foi justamente em relação á colheita de 1886, que se fizeram esses estudos, que exigiram grande despendio e de
Página 1113
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888 1113
pois de recolhido o tabaco passou pelos differentes processos tendentes a poder ser empregado em artigos de superior qualidade, para o que era necessario tempo. Só no fim de dois annos é que se póde avaliar completamente a qualidade do tabaco de cada colheita. Em 1887, não tendo ainda decorrido esse praso, não havia tempo sufficiente para avaliar a importancia da colheita de 1886; nem os fabricantes que tinham tido a intenção de a aproveitar e obter artigos de qualidade suficiente para os exportarem para o continente, tiveram occasião de poder fazel-o, estando ainda armazenados, o passando pelos processos proprios para que isso só podesse effectuar nas condições devidas.
D'ahi resultou, alem das grandes despezas que fizeram na cultura, uma producção muito maior de tabaco de qualidade superior, que não póde ter facilmente consumo rápido nas ilhas, tendo talvez de esperar-se um grande numero de annos para isso se realisar. Foi necessario construir para esse fim, como se dizia tambem na tal representação, um grande numero de barracões apropriados para seccadouros e todas as outras operações de fabrico, barracões que occupam cerca de l kilometro de terreno em extensão, e que ficam completamente inutilisados. Visto d'aqui por diante as fabricas voltarem ás suas condições primitivas, isto é, áquellas em que estavam antes da lei de 1885, inutil lhes será produzir essa qualidade superior de tabaco, para a qual não têem extracção.
Portanto, relativamente ao que deixo dito n'esta parte, é clara e manifesta a justiça que assiste á representação feita pela fabrica a que me referi.
Mas ha mais, é manifesta a má vontade em admittir a proposta que mandei para a mesa, pois que recusaram in limine mesmo uma auctorisação, que os não obrigava a cousa alguma.
O que dizia a minha proposta? Fica auctorisado o governo a indemnisar as fabricas dos prejuizos causados pela annullação das vantagens que eram concedidas pela lei de 1885. Fica auctorisado. Se entendessem em sua consciencia que nada lhes era devido, nada lhes daria; mas para isso o que era regular? Que fossem nomeados arbitros competentes, que avaliassem as reclamações, e, se depois julgassem não haver motivo para indemnisação, recusassem-a.
Não comprehendo, portanto, por que só não acceitou essa auctorisação, que era facultativa para o governo, a não ser por uma animadversão e má vontade inqualificaveis.
Repito, o meu fim emquanto á primeira parte da proposta era simplesmente esclarecer e tornar esta questão o mais regular e equitativa possivel. Em relação á segunda, era dar uma auctorisação graciosa, por assim dizer, ao governo, de que elle não usaria se entendesse não dever fazel-o.
O governo, pois, recusando acceitar a proposta, mostrou só que não desejava attender áquillo que era justo e equitativo.
Mas, quando se falia sustentando direitos adquiridos, é grande a força que nos assiste e nem eu tomaria a palavra sobre este assumpto, se não estivesse convencido da sua justiça.
As ilhas estão pouco acostumadas a serem attendidas nas suas reclamações; e muitas vezes quando se tomam medidas para lá é isso feito de uma maneira impensada de que depois resultam consequencias verdadeiramente funestas.
Foi o que succedeu ainda o anno passado com uma medida que foi aqui promulgada, que teve por fim a conclusão em curto praso da construcção da doca de Ponta Delgada. O resultado é que estas obras estão-se arruinando cada vez mais, por incúria e falta dos devidos reparos, corno já aqui disse n'uma das sessões passadas, e correm grave risco de se perderem os avultados capitães que ali se têem empregado.
E para frisai a pouca attenção que se tem prestado ás reclamações das ilhas basta dizer que, sendo as dos Açores realmente importantes, ainda hoje não estão ligadas com o continente por meio do cabo submarino, e todos os esforços feitos n'este sentido têem ficado inuteis, e as ilhas vão vivendo desterradas do convivio social, não podendo ter a communicação directa que presentemente usufruem todas as partes do inundo. Mas infelizmente só quando as circumstancias se tornam angustiosas é que os governos se lembram de attender ás reclamações impostas então á força.
Termino, rectificando a minha declaração. Eu não me teria occupado d'este assumpto se não entendesse que elle era de toda a justiça, e que devia ser attendido, sentindo assim não succedesse.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae ler-se o parecer para se votar.
Leu-se. É o seguinte:
PARECER
Senhores. - As seis propostas, mandadas para a mese depois de encerrada a discussão do projecto de lei referente ao tabaco, sobre as quaes a camará deliberou que desse parecer com urgencia a commissão de fazenda, são firmadas pelos srs. deputados Eduardo de Abreu, Candido da Silva e outros, Silva Cordeiro, Alves Matheus, J. A. Castello Branco e D. José de Saldanha, e a cada uma passa a vossa commissão a referir-se.
A primeira proposta destina-se a regulamentar as condições hygienicas das fabricas de tabacos e as do trabalho n'ellas, principalmente quanto a menores e mulheres.
Muito de considerar pela importancia do assumpto e auctoridade estas disposições, como algumas das propostas do sr. deputado Fuschini, sobre que a camara já deliberou, pareço preferivel que sejam reservadas para a discussão das propostas de lei pendentes sobre estes pontos, podendo o governo, como sabemos que tenciona, attendel-as nos regulamentos de administração, que tem de fazer.
Pela mesma rasão de não parecer proprio, nem opportuno n'este projecto desviar para applicação especial parte da receita, que d'elle ha de resultar, não póde a vossa commissão concordar com a creação do fundo para dotar o estabelecimento, embora muito conveniente, a que se refere por ultimo esta proposta.
Não póde, pois, a vossa commissão acceitar as disposições da primeira proposta, o que igualmente succede quanto á segunda, que comprehende tres disposições referentes ás ilhas adjacentes.
Desnecessario, senão perigoso, seria dizer que subsiste qualquer lei do reino que não seja contraria ou revogada por outra posterior e não encontrâmos motivo para acrescentar condições de beneficio ou protecção ás fabricas das ilhas, nem para lhes assegurar qualquer indemnisação, porque com a mudança do regimen conservam-se as suas condições de cultura e fabrico, assegurando-se até o consumo do reino de uma parte do tabaco ali produzido.
A terceira proposta é para alterar a participação nos lucros, a organisação da caixa de soccorros, a garantia do legado Paulo Cordeiro e para completar o projecto com regras applicaveis aos administradores e ao trabalho de menores e mulheres.
Dispensada de repetir quanto a esta ultima disposição o que acima fica dito, não póde tambem a vossa commissão acceitar estas indicações porque entende não dever augmentar mais os encargos, já elevados, do projecto; não convir tirar á caixa dos soccorros o beneficio da mutualidade, transformando-a em caixa economica; não deverem alargar-se convertendo em direito os simples principios de equidade, que garantiram no presente o beneficio do legado Paulo Cordeiro; e, finalmente, não poder fazer-se referencia a um codigo, que ainda não é lei do reino.
A quarta proposta do sr. deputado Alves Matheus, acla-
66 *
Página 1114
1114 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
rando uma disposição do projecto para tirar qualquer duvida que nos direitos assegurados aos actuaes revendedores se comprehendem os depositarios, propõe a vossa commissão que seja acceita por esse motivo, cumprindo-lho apenas mencionar que era esse o sentido da disposição (base 9.ª § 6.°), que assim ficará mais clara, para o que convém igualmente dizer que a garantia se refere aos bonus ordinarios e percentagens.
A quinta proposta augmentaria o encargo das percentagens de participação nos lucros, no que não podo a vossa commissão acceital-a, mas no mais, e conciliada com esta recusa de augmento de despeza não duvidâmos acceital-a. A elevação de quarenta a cincoenta annos do praso maximo da amortisação e a fixação em peio menos 10 por cento o consumo do tabaco nacional do Douro, já vos declarou o relator d'este parecer, que a commissão acceitava, alem d'isso não duvida tambem esta passar de tres para cinco o numero de vogaes do conselho fiscal e reduzir a metade o quantum das senhas de presença, melhorando assim a fiscalisação pelo augmento de pessoas e de sessões, mas conservando a limitação d'estas, quando remuneradas, ao numero de quarenta e oito por anno.
Tambem concordou a vossa commissão com a proposta de ampliar a auctorisação para modificar o serviço da venda, porque, sem prejuízo dos interesses creados, dá ao governo maior latitude para ir melhorando successivamente o serviço.
Empregue, pois, o governo os recebedores de comarca, sem prejuizo dos actuaes revendedores e depositarios, e modifique como mais conveniente for e mais o poder simplificar o serviço da venda, que de tudo advirá maior receita, fim principal do projecto.
Acceita, pois, a vossa commissão a substituição do sr. deputado J. A. Castello Branco do § 1.° da base 6.ª annexa ao projecto, eliminando a parte transitoria, por estar na base l.ª, mas não concorda com a substituição ao § 2.°, que importaria uma restricção que podia ser prejudicial.
A sexta proposta, finalmente pretende reduzir a indemnisação a pagar pelas expropriações, limitar a participação dos administradores e operarios e suscitar a observância de um preceito do codigo penal.
Ora desnecessario será mostrar aqui de novo que aquella restricção não seria justa, a limitação tolheria presentemente o fim da disposição, e que não ha que repetir aqui o que é das leis geraes do reino. Não podemos, pois, acceitar esta ultima proposta.
Taes são as rasões summarias do parecer da vossa commissão do fazenda, de que a sabedoria da camara supprirá as deficiencias.
Em resumo e conclusão vos expomos que as propostas, que, de accordo com o governo, nos parecem attendiveis, são as seguintes:
No artigo 2.°, § l.° do projecto dizer-se, "cincoenta annos", em vez de "quarenta annos" ;
Na base 2.ª, principio, dizer-se que o conselho fiscal será composto de cinco membros em vez de tres, e nos paragraphos indicar-se no 2.° que o governo nomeia ires vogaes, no 5.° que as senhas de presença são de 9$000 réis até ao numero de quarenta e oito.
Na base 4.ª a referencia e ás leis de 12 de março de 1884 e 28 de abril de 1886, e obrigatorio o consumo pelo menos de 10 por cento do tabaco produzido no Douro, quando o haja.
Na base 6.ª substituir-se o § 1.° pelo seguinte: "A administração do estado poderá todavia modificar os serviços de fórma a simplificar a venda, cobrança e arrecadação dos rendimentos dos tabacos." Finalmente:
Na base 9.ª, § 5.° dizer-se que aquelle paragrapho não prejudicara os actuaes depositarios e revendedores, sendo em regra os bonus ordinarios e percentagens d'estes, etc. Foi approvado.
O sr. Alfredo Pereira: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes declarando vago o circulo de Macau, e propondo que seja chamado para preencher a vacatura, emquanto se não proceder a nova eleição, o sr. Julio Ferreira Pinto Bastos.
Roqueiro dispensa do regimento, para entrar desde já em discussão o parecer.
Leu-se na mesa, E o seguinte:
PARECER
Senhores. - Tendo sido presente á vossa commissão de verificação de poderes a communicação do fallecimento do sr. João Eduardo Scarnichia, deputado pelo circulo de Macau, vem a mesma commissão declarar vago o referido circulo, devendo, nos termos do artigo 5.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884, proceder-se á eleição supplementar para o preenchimento de um logar de deputado por Macau.
A vossa commissão foi igualmente presente a proposta do deputado sr. Avellar Machado, apresentada em sessão de 20 de março ultimo, para que emquanto se não preenchesse a vagatura do circulo de Macau fosse chamado a tomar assento na camara o deputado que anteriormente ao fallecido havia representado o circulo de que se trata.
Tendo em attenção a praxe inalteravel em todos os casos similhantes, a vossa commissão tem a honra de propor-vos:
Que seja chamado o cidadão Julio Ferreira Pinto Bastos para substituir o fallecido até que chegue á camara o processo da nova eleição a que se vae proceder.
Sala das sessões da commissão, em 16 de abril de 1888.= José Maria de Andrade = A. L. Tavares Crespo = Alves da Fonseca - Alfredo Pereira.
Dispensado o regimento, foi posto em discussão, e não havendo quem pedisse a palavra foi logo approvado.
O sr. Presidente: - O sr. Serpa Pinto pediu a palavra para um assumpto urgente, declarando que era para pedir esclarecimentos ao sr. ministro da marinha sobre uma noticia que appareceu em jornaes estrangeiros a respeito das nossas possessões africanas.
Vou consultar a camara.
Permittiu-se que usasse da palavra.
O sr. Serpa Pinto: - N'um jornal francez chegado esta manhã, leio a seguinte noticia:
"O plano de Stanley. Um jornal inglez assegura que Stanley não partiu unicamente com o fim de soccorrer Emin-Bey. O seu plano, approvado pelo Rei dos belgas e provavelmente tambem pelo governo inglez, seria muito mais grandioso. O soccorro de Emin seria unicamente a cortina que encobria este plano. Não se trataria nada menos do que de pôr nas mãos do estado independente do Congo a região dos grandes lagos e de confederar os povos da Africa equatorial em um grande estado dependente do Congo."
Considero de tal gravidade para nós e para as nossas colonias (Apoiados.) esta noticia, que entendi dever pedir a v. exa. que me concedesse a palavra para uma communicação urgente, visto que a não tinha pedi antes da ordem do dia, por não ter podido chegar a tempo.
Ha poucos dias o sr. ministro dos negocios estrangeiros, não pelos meus merecimentos proprios, mas apenas pelo interesse que tenho nas questões coloniaes, fez-me a honra de me mostrar o Times de 4 de abril, em que vinha um largo artigo sobre uma questão que nos interessa altamente.
Este artigo e aquella noticia ligam-se, com certeza, como se ligam muitas outras cousas cm relação ao mesmo assumpto.
Lá fóra trabalha-se e conspira-se contra nós; e nós dormimos.
Página 1115
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888 1115
Peço a v. exa. e á camara que me ouçam por um instante, porque mais occupados, com certeza, com os negocios internos do que com os negocios coloniaes, de momento não podem alcançar a altissima importancia d'esta noticia, que se liga, como já disse, com aquella que ou li no jornal inglez a que já me referi.
No jornal inglez trata-se da questão do Zambeze, como a entrada da Africa central. Ora toda a camara conhece bem a geographia africana e sabe que na região equatorial o grande futuro pertence ao Zambeze, que ainda é nosso e que nos querem tirar.
Pela conferencia de Berlim o estado livre do Congo ficou pefeitamente limitado pela bacia hydrographica do Congo e essa bacia foi marcada geographicamente pela conferencia.
Esta pretensão de se estender aos grandes lagos o estado livre do Congo importa ir buscar mais do que foi dado pela conferencia de Berlim; é querer entrar no que é nosso, em virtude de um tratado leito o anno passado pelo sr. Barros Gomes com a Allemanha.
Estamos a ver já os grandes inconvenientes d'esse tratado pela maneira por que foi feito. Quando se trata de uma questão d'estas, quando o mais interessado é uma nação pequena, como a nossa ha sempre grande perigo em tratar com uma nação grande sem o assentimento das outras potencias. É o que estamos vendo em relação ao tratado feito com a Allemanha que nos marca largos territorios, que nos dá grandes dominios, como s. exa. o anno passado nos quiz demonstrar, mas que, tendo sido feito entre duas potencias, sem o consentimento das outras, estas, que não ficaram ligadas comnosco por tratado algum, e estando certamente despeitadas por se ter tratado exclusivamente com a Allemanha,, trabalham surdamente para conquistar aquillo que á nosso do direito, e que deva ser nosso de facto. Sobretudo ha n'esta questão africana um principio que é preciso nunca esquecer; é que a linha recta nunca é o caminho mais curto entre dom pontos na Africa. Tanto as manobras de Stanley como as dos paizes que se servem d'elle ou de outros agentes, tendem a desviar o commercio interior para outros pontos.
Esta questão, que este jornal francez levanta e que eu acredito piamente, porque, emquanto nós dormimos, os outros estão acordados, essa questão vae ligar-se ás outras já levantadas e está fazendo opinião em Inglaterra, depois de a ter feito completamente na Escocia.
Estas duas questões ligadas podem ser a morte e a ruina da nossa provincia de Moçambique, porque por um caminho mais longo vão fazer derivar o commercio para os portos estranhos, tornando mais faceis as comunicações com as suas costas.
Que terá feito o sr. ministro da marinha a este respeito? Creio na boa vantade de s. exa. com relação ás questões coloniaes; mas creio que a sua elevada intelligencia lhe faz prever tudo isto, mas creio tambem que tem deante de si um obstaculo insuperavel de que eu espero ainda este anno tratar largamente quando fallar na questão colonial.
Esse obstaculo não é outro senão o sr. Marianno de Carvalho; (Apoiados.) s. exa. o sr. ministro da marinha nada tem podido fazer, porque o sr. Marianno de Carvalho responde a todos os ministros, parece que com excepção do sr. Navarro, que não tem dinheiro; mas s. exa. vae gastando á larga, como lhe parece, em tabacos, e em muitas cousas mais. (Apoiados.)
Creio que só por effeito d'este obstaculo é que o sr. ministro da marinha não tem feito o que deveria fazer a bem das nossas possessões africanas; porque a verdade é que pouco ou nada tem feito, occupando-se quasi exclusivamente das questões de expediente.
Eu desejava, portanto, perguntar a s. exa. se tem conhecimento do facto a que alludi, e o que tenciona fazer, ou se já fez alguma cousa, visto que s. exa. deve conhecer o que dia o Times de 4 de abril. Desejo saber só já tem algum projecto para contraminar a mim que nos preparavam os inglezes, e qual é o seu plano.
Repito; a culpa principal d'este estado de cousas recáe sobre o sr. ministro dos negocios estrangeiros. (Apoiados.)
O anno passado discuti e combati largamente o tratado com a Allemanha, que nos dava a Africa quasi toda; apontei os seus grandes inconvenientes e agora já esses se vão vendo, e melhor hão de ver se de futuro.
Depois da resposta do sr. ministro peço a v. exa. que me reserve a palavra para lhe replicar.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - O illustre deputado, mais que todos, pelo menos mais do que muitos, conhecedor dos nossos interesses coloniaes e dos nossos assumptos africanos, chamou a minha attenção para uma noticia que veiu n'um jornal francez, reportada de jornaes inglezes, e que mais ou menos interessa ao nosso dominio colonial, a ser verdadeira.
Devo dizer que essa noticia tambem me não tinha passado desapercebida, porque tambem a li transcripta no jornal que o illustre deputado citou.
Devo dizer mais: como todos os homens que, por deveres de posição, por enthusiasmo ou por interesse proprio ou politico, se occupam das cousas africana?, nunca o meu espirito se inclinou a acreditar que a expedição de Stanley tivesse como destino real o ir salvar Emir Pachá. Sempre procurei no meu espirito explicar por uma fórma mais pratica e em harmonia com o espirito d'aquelle explorador e da mão que o guiava, quaes seriam as suas intenções.
Portanto a noticia, alem de a conhecer, não veiu surprehender-me completamente.
Perguntou o illustre deputado o que é que o ministro da marinha faz ou pensa fazer a este respeito.
S. exa. comprehende que, ainda quando o ministro da marinha tivesse um projecto definido, perfeitamente caracterisado para oppor a esta invasão directa dos nossos interesses, desde que esse projecto fosse esplanado no parlamento, ficavam por isso mesmo prejudicados os seus resultados. A minha obrigação era proceder dentro dos meios legaes, mas sem vir declarar ao parlamento qual o meu projecto ou modo de ver, ou quaes os meios que pretendia oppor a um facto que não e uma invasão do nosso direito, mas que é uma invasão dos nossos interesses contra a qual devemos estar de sobreaviso
S. exa. diz, e muito bem, que os interesses importantissimos das diversas nações da Europa e juntamente os grupos individuaes, commerciaes ou politicos que tambem têem na Africa os seus interesses, conspiram naturalmente contra nós. E isso naturalissimo; nem o podemos estranhar. É a lucta internacional dos interesses politicos ou commerciaes que temos obrigação de prevenir e defender; mas não me parece que s. exa. possa afirmar, sobretudo em relação á provincia de Moçambique, como s. exa affirmou, que o governo ou antes os seus agentes nada tinham feito n'aquella provincia para consolidar, estender e alargar o nosso dominio.
(Os factos são conhecidos de todos, e eu escuso de citar aqui os que demonstram o contrario d'esta affirmação.
O governo alguma cousa tem feito, e esta Censura parece-me exagerada e injusta.
O governo não tem dormido.
Não digo que tenhamos feito quanto desejariamos; mas dizer-se que não fizemos nada. que se dorme, que se abandona o alargamento e a effectividade do nosso dominio n'aquella parte da Africa, não me parece censura justa e fundamentada. (Apoiados.)
Disse mais s. exa., que o conhecimento que tinha do meu caracter e das minhas intenções, o levavam a acreditar que eu tinha idéas definidas para fazer alguma cousa; e se alguma cousa mais não tinha feito, era porque teria encontrado diante de mim, como obstaculo, um dos meus collegas que, em nome de um interesse, bem ou mal entendido, do thesouro publico, d'isso me impedia.
Desde que s. exa. fez mais do que justiça, fez o elogio
Página 1116
1116 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
exagerado do meu caracter o boas intenções, peço-lhe que me faça tambem a justiça de acreditar que eu teria a isenção necessaria para abandonar este logar, se reconhecesse, em relação a um projecto qualquer, reputado por mim como sendo de uma utilidade instante e urgente para o nosso dominio colonial, e para a sua prosperidade, que encontrava como obstaculo a maioria ou qualquer dos meus collegas. (Apoiados.)
Referiu-se s. exa. tambem ao tratado com a Allemanha, e aos inconvenientes que se íam manifestando, como consequências d'esse tratado.
Ainda que este assumpto não me diga propriamente respeito, e o tratado com a Allemanha seja hoje uma convenção assignada, discutida e votada pelo parlamento, nem, seria opportuno, nem s. exa. de corto quereria travar agora, sobre esse tratado, uma larga discussão, eu lembrar-lhe-hei que elle não é para nós senão uma garantia; porque não nos dá propriamente dominio; mas garante-nos que a Allemanha não se opporá á nossa livre expansão n'uma larga facha de territorio n'aquelle ponto. O facto de estar garantida por uma potencia, hoje importantissima na Europa, e que tem largos interesses africanos, a nossa expansão, não me parece que seja um facto inconveniente.
Quanto a dizer-se que os inconvenientes d'esse tratado provem de termos contratado unicamente com uma potencia, sem tratarmos ao mesmo tempo com as outras que têem interesses coloniaes, e influencia na Africa, permitta-me s. exa. ponderar-lhe que isso importa o mesmo que negar a utilidade do toda a nossa historia diplomatica.
Nós fomos tratar com o Allemanha, na occasião em que O fizemos, porque achámos favoravel o ensejo para obtermos d'aquella potencia a garantia que pretendiamos; mas nada nos impede de contratarmos nas mesmas bases, ou similhantes, com outras potencias.
Alem d'isto devo lembrar que a nossa larga historia diplomatica diz-nos que sempre tratámos exclusivamente com a Inglaterra.
O tratarmos agora exclusivamente com a Allemanha, que nos dava occasião para isso, não desmente as nossas tradições diplomaticas.
Referiu-se ainda s. exa. a um facto que me foi communicado pelo sr. ministro dos negocias estrangeiros e que depois li n'um jornal. Consiste elle n'uns artigos publicados no Times a respeito da importancia e do papel que deve representar no futuro, e representa já, o Zambeze n'aquella região de Africa. E foi a proposito d'esses artigos que exclamou: - querem tirar-nos o Zambeze!
Ora, a camara poderia suppor, por estas palavras, que o facto tem ainda maior importancia do que aquella que realmente tem, e que se não é de uma noticia official que se trata, ao menos poderá ser de alguma informação com certa base de segurança que possa levar os illustres deputados a acreditarem que effectivamente nos querem tirar o Zambeze.
O que ha não é nada d'isso nem cousa mesmo que com tal se pareça.
O caso diz respeito a um navio que, com bandeira ingleza, tinha pretendido navegar Zambeze acima, ao que se oppoz o governador geral de Moçambique.
Foram feitas algumas perguntas ao governador portuguez, e este respondeu como devia, attendendo a que o procedimento do governador do Moçambique fora conforme aos nossos direitos e ás nossas leis. Tanto assim que o governo inglez não teve resposta para contrariar a do governo portuguez.
Ora, é evidente que uma simples pergunta do governo inglez sobre as causas e fundamentos, que teria tido o governador de Moçambique para proceder, como procedeu, e uma resposta perfeitamente categorica, indicando o nosso direito e a perfeita auctoridade com que elle procedeu, não póde ser motivo para se fazer acreditar que nos querem tirar o Zambeze.
De resto s. exa. disse muito bem, que o Zambeze ne estava sujeito, e que nós podiamos ter respondido ao governo inglez, por occasião d'esse acontecimento, dizend que estavamos no nosso direito não declarando livre a navegação do Zambeze.
Tenho dito.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Simões Ferreira: - Por parte da commissão de redacção, mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 23, que estabelece o novo regimen do fabrico dos tabacos.
Lida na mesa foi logo approvada.
O sr. Presidente: - O sr. Serpa Pinto pediu que lhe fosse dada a palavra depois de fallar o sr. ministro. Consulto a camara sobre este pedido.
Permittiu-se que usasse da palavra.
O sr. Serpa Pinto: - Disse o sr. ministro que a questão levantada em relação ao Zambeze era simples o se limitara ao facto da passagem de um pequeno vapor inglez por aquelle rio: mas não me parece que seja um caso tão simples como a s. exa. se afigurou; e para o provar bastaria dizer que a Inglaterra só pensa na posse do Zambeze...
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Eu referi-mo simplesmente ao que se dizia no jornal.
O Orador: - É necessario que s. exa. saiba que o Times em Inglaterra faz propaganda; e o Times não é o Diario popular em Portugal. Quando se levanta um jornal d'aquella ordem a fazer propaganda, fal-a de tal modo, que muitas vezes o governo inglez vê-se forçado a attender ás idéas defendidas e sustentadas por esse jornal.
É necessario que a camara saiba tambem que a questão da navegação do Zambeze, a que se referiu o artigo do Times de 4 de abril, está perfeitamente ligada com a noticia a que hoje alludi, relativamente a Stanley, e que foi tirada tambem de um jornal inglez.
Aquillo, que não representa para elles, nem para nós, um dominio directo effectivo, representa para nós um desvio de riqueza em favor do estrangeiro, porque estamos a deixar desviar para o estrangeiro o commercio das nossas possessões. Era isto o que nós deviamos combater com grande esforço e é sobre este ponto que nada fazemos.
E contra esta inercia que eu levanto um protesto, como o tenho levantado sempre, sem fazer questão politica de qualidade alguma.
Olho para o terreno que é nosso e que se deixa perder, e é contra isto que me revolto.
Eram estas as considerações que eu queria fazer.
O sr. Carrilho: - Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer sobre a proposta de lei n.° 17-B, relativa á fixação da força do exercito, em pé de paz, para o anno de 1888-1889.
Mandou-se imprimir.
O sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão o projecto n.° 254 do anno passado.
É o seguinte:
PROJECTO DE LEI N.° 25-4
Senhores. - Á vossa commissão do ultramar foi enviada a proposta de lei em que o governo pede auctorisação ao parlamento para pagar a garantia de 6 por cento sobre o capital de £ 50:000 que a "The West of India Guaranteed Railway Company, limited", julga necessario levantar para applicar ás obras do caminho de ferro c porto de Mormugão.
Pelo artigo 21.° do contrato de 18 de abril de 1881 foi auctorisado o governo a garantir o juro de 5 por cento sobre o capital de £ 800:000, devendo solicitar do parlamento auctorisação para garantir qualquer capital addicional que se mostrasse ser necessario, e que seria a garantia de 6 por cento.
Página 1117
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888 1117
Nos termos d'este artigo foi em 1885 apresentada ao parlamento uma proposta de lei auctorisando o governo a garantir um capital addicional de £ 550:000; não se julgando, porém, perfeitamente justificada a necessidade de parte d'esta quantia, só foi concedida a auctorisação para a garantia de £ 500:000, parecendo mais acertado não ir alem das verbas comprehendidas nos orçamentos que haviam sido submettidos á approvação do governo.
A companhia veiu ultimamente justificar o levantamento do capital addicional de £ 50:000, apresentando um orçamento supplementar que foi sujeito á apreciação da junta consultiva de obras publicas e minas. As conclusões d'esse parecer são conhecidas, porque vem transcriptas na proposta de lei do governo.
Em presença das disposições do contrato de 18 de abril de 1881 e do referido parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, julgariamos desnecessario acrescentar quaesquer considerações para justificar a approvação que julgâmos merece a proposta cujo exame nos foi commettido; a importancia, porém, das obras e dos melhoramentos para levar a cabo os quaes se reclama a garantia de juro do capital addicional de £ 50:000, persuade-nos a acrescentar algumas observações sobre este assumpto.
A differença entre os orçamentos apresentados pela companhia em 1885 e 1886 é de £ 75:000, e o capital cuja garantia se pede é de £ 50:000.
Para explicar esta differença, e sem entrarmos na analyse minuciosa dos orçamentos, devemos lembrar-nos que a companhia terá, depois de concluidas as obras, uma quantidade valiosa de machinas e utensilios, cuja conservação se lhe tornará desnecessaria e que ella poderá vender, servindo as quantias assim realisadas para occorrer a quaesquer despezas a que por acaso não baste o capital addicional que ella tem de levantar.
A importancia d'esse material estava avaliada no orçamento de 1885 era 284:329 rupias ou £ 23:694.
Alem d'isso, como acertadamente se dispõe na proposta de lei, tem de proceder-se a uma liquidação geral para se determinarem com rigor as importancias de todas as obras segundo as circumstancias especiaes de cada uma. Esta liquidação, indicada pela junta consultiva de obras publicas e minas, é preceito que a vossa commissão inteiramente approva, como indispensavel para se fixarem bases seguras para a determinação exacta do custo da via ferrea e do porto, indo d'este modo ao encontro de difficuldades e duvidas futuras.
E tanto mais necessaria era esta liquidação que o orçamento ultimo foi largamente discutido e em alguns pontos contestado pelo engenheiro director da fiscalisação, e que a junta consultiva na sua consulta de 30 de junho ultimo diz que parece effectivamente que as obras executadas e a executar excedem em quantidade e em preço as previstas no projecto approvado em 1885, não contestando formalmente o engenheiro fiscal o augmento de diversas quantidades de trabalho, negando, porém, que os preços medios unitarios das mesmas sejam inferiores aos do ultimo orçamento.
Os encargos que traz para o thesouro a garantia do novo capital addicional obrigavam a inscrever no orçamento a quantia de 13:500$000 réis. Já nas despezas da metropole figuravam para complemento da garantia réis 11:000$000.
Como sabeis, para occorrer aos pagamentos resultantes dos encargos contrahidos em virtude do contrato de 18 de abril de 1881 está destinado o subsidio annual de 400:000 rupias, que o governo britannico paga a Portugal em virtude do tratado de 26 de dezembro de 1878, e só quando este subsidio não seja sufficiente tem o estado de occorrer com outras receitas ao complemento dos encargos.
Felizmente o estado de adiantamento das obras, tanto do caminho de ferro como do porto, a abertura já realisada de parte do caminho de ferro e a probabilidade de que dentro de poucos mezes ambas estas obras estejam abertas á exploração publica e possam começar a produzir os seus beneficos resultados, asseguram-nos, não só que a inscripção no orçamento da metrópole d'aquellas verbas extraordinarias não terá de repetir-se por muito tempo, como tambem que parte se não todo o subsidio annual de 400:000 rupias deixará de ter a applicação exclusiva que até agora lhe foi dada, e poderá servir á realisação de outros melhoramentos na nossaIndia.
É tudo nos indica que o rendimento do caminho de ferro será muito valioso. Ligado com uma rede extensissima de caminhos de ferro da India britannica, servindo uma região vastissima e muito fertil, e tendo por terminus o melhor porto talvez da costa do Malabar, o caminho de ferro de Mormugão terá necessariamente um movimento consideravel de passageiros e mercadorias, o que se traduzirá em uma receita avultada.
O pequeno troço do caminho de ferro aberto provisoriamente á exploração publica não nos póde dar elementos seguros para julgar do movimento que deve ter a linha quando completa. Sem ligação facil com o territorio indo-britannico, sem conjuncção com a rede ferroviaria d'este territorio, limitado quasi ao trafico da pequena região, que atravessa, e que infelizmente não tem condições para alimentar um grande movimento commercial, esse pequeno troço, ainda n'estas circumstancias, tem apresentado um movimento animador e até muito superior ao que era natural calcular-se.
Estas considerações não têem por fim de nenhum modo apreciar as condições, quer do tratado de 26 de dezembro de 1878, quer do contrato de 18 de abril de 1881, nem pretendem por qualquer fórma avaliar a execução que tem tido um e outro sob o ponto de vista da administração publica. Não é d'isto que se trata n'este momento. Unicamente visam a manifestar a opinião que ternos de que o caminho do ferro e o porto de Mormugão são duas obras de uma altissima importancia, destinadas a transformar completamente a nossa India, e que os resultados d'ellas hão de compensar, directa e indirectamente, os sacrificios que se têem feito para as realisar. E se não temos hesitado até agora em empenhar todos os esforços para as levar a cabo, não nos parece que possamos arreceiar-nos ante o sacrificio relativamente pequeno que ainda é indispensavel para que se ponha o remate a tão grandioso emprehendimento.
A vossa commissão entende, pois, que merece a approvação do parlamento a proposta que lhe foi presente, convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo l.º E o governo auctorisado a pagar a garantia de 6 por cento sobre o capital de 50$000 réis que for levantado pela "West of India Guaranteed Railway Company limited", na conformidade do artigo 21 do contrato de 18 de abril de 1881.
§ 1.° Quando o subsidio annual de 400:000 rupias que o governo britannico paga ao governo portuguez em virtude do tratado de 26 de dezembro de 1878 não for sufficiente para garantir o juro das sommas já auctorisadas e das £ 50:000 a que se refere a presente lei, recorrerá o governo ao levantamento das quantias necessarias para esse fim.
§ 2.° O governo, de accordo com a companhia, procederá á liquidação geral de todas as despezas de construcção, organisando o cadastro de todas as obras do porto e caminho de ferro, com todos os seus accessorios e dependencias, material fixo c circulante, mobilia e utensilios, a fim de se determinar o capital sobre o qual, na conformidade do artigo 24.° do mencionado contrato, se garante o juro estipulado no artigo 21.°
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala da commissão, em 10 de agosto de 188l. = Antonio Ennes = Alfredo Pereira = Oliveira Martins = Hen-
Página 1118
1118 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
rique de Sá Nogueira = Alfredo Ribeiro = José de Saldanha Oliveira e Sousa = Augusto Ribeiro = Augusto Pinto de Miranda Montenegro = João Eduardo Scarnichia = José Frederico Laranjo = Tito Augusto de Carvalho, relator.
Senhores. - A vossa commissão de fazenda, em vista do parecer largamente desenvolvido da illustre commissão do ultramar, concorda com o projecto.
Sala da commissão, aos 9 de fevereiro de 1887. = Antonio Baptista de Sousa = Alves da Fonseca = J. M. dos Santos = Antonio Eduardo Villaça = Oliveira Martins = José Frederico Laranja = Carlos Lobo d'Avila = Antonio Candido - Marianno Prezado = Antonio M. P. Carrilho.
N.º 208-C
Senhores. - A West of India Guaranteed Railway Company submetteu á approvação do governo um orçamento supplementar das despezas a fazer a mais com as obras da via ferrea e porto de Mormugão.
Este orçamento, comparado com o que foi approvado em 1885 e que serviu de base á proposta de lei de l de julho do dito anno, apresenta uma differença de 905:919 rupias ou £ 75:493. Em vista d'este orçamento pede a mencionada companhia que, de accordo com o artigo 21.° do contrato de 18 de abril de 1881, o governo solicite do parlamento auctorisação necessaria para garantir o capital de £ 50:000 que ella julga ainda necessario levantar para complemento das obras tanto do caminho do ferro como do porto de Mormugão.
Tendo ouvido a junta consultiva de obras publicas acerca do orçamento supplementar ultimamente apresentado pela companhia, aquella illustrada corporação, depois de examinar detidamente o dito orçamento, concluo a sua consulta do seguinte modo:
"N'estas circumstancias e sendo indispensavel tomar uma resolução tendente a segurar a conclusão de taes obras, salvaguardando tanto quanto possivel os interesses do thesouro publico, e attendendo a que o artigo 21.° do contrato de 18 de abril de 1881 exige apenas que os orçamentos supplementares sejam submettidos á approvação do governo, condição que a companhia agora cumpriu;
"Considerando que da suspensão dos trabalhos do caminho de ferro e porto resultariam gravissimos inconvenientes para o governo, inconvenientes que seriam aggravados provavelmente pelo recurso á arbitragem, prevista pelo mesmo artigo 21.° do contrato;
"Considerando que o proprio engenheiro fiscal não contesta em geral o augmento de trabalhos executados e a executar para se conseguir a conclusão das obras em relação ao projecto approvado, recusando-se somente a acceitar a elevação de certos preços unitarios applicados pela companhia no seu ultimo orçamento supplementar, sendo de opinião que se proceda a uma liquidação geral para se determinar com rigor as importancias de todas as obras, segundo as circumstancias especiaes de cada uma e os preços que justamente lhe devem ser applicados, é a junta consultiva de obras publicas e minas de parecer de que poderá ser approvado o orçamento supplementar datado de 3 de julho de 1886, na importancia total liquida de 905:919 rupias, elaborado e apresentado pela companhia concessionaria do porto artificial de Mormugão e do caminho de ferro que do mesmo porto se dirige á fronteira luso-britannica na India, sómente para o fim de garantir o juro indicado no contrato relativamente á importancia de £ 50:000, como pede a mesma companhia, devendo, porém, as importancias do mesmo orçamento ser rectificadas, procedendo-se á liquidação geral proposta pelo engenheiro director fiscal por parte do governo portuguez junto a mesma companhia."
Em presença d'este parecer e das disposições do artigo 21.° do contrato já citado, não póde o governo deixar de vir ao parlamento solicitar a auctorisação para garantir o capital de £ 50:000 que a companhia tem necessidade de levantar para o complemento das duas obras importantes do caminho de ferro e porto de Mormugão, e por isso confia que merecerá a vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a pagar a garantia de 6 por cento sobre o capital de £ 50:000 que for levantado pela "West of India Guaranteed Railway Company, limited", na conformidade do artigo 21.° do contrato de 18 de abril de 1881.
§ 1.° Quando o subsidio annual de 400:000 rupias que o governo britannico paga ao governo portuguez em virtude do tratado de 26 de dezembro de 1878 não for sufficiente para garantir o juro das sommas já auctorisadas e das £ 50:000 a que se refere a presente lei, recorrerá o governo ao levantamento das quantias necessarias para esse fim.
§ 2.° O governo, de accordo com a companhia procederá á liquidação geral de todas as despezas de construcção, organisando o cadastro de todas as obras do porto e caminho de ferro, com todos os seus accessorios e dependencias, material fixo e circulante, mobilia e utensilios, a fim de se determinar o capital sobre o qual, na conformidade do artigo 24.° do mencionado contrato, se garante o juro estipulado no artigo 21.°
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 26 de julho de 1887. = Henrique de Sarros Gomes.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. Augusto Montenegro (relator): - Por parte da commissão declaro que no projecto que vae entrar em discussão ha um erro typographico. Em vez de 50$000 réis, como se lê no artigo 1.°, o que se pede é a garantia de 6 por cento para um capital de £ 50:000.
O sr. Fuschini (sobre a ordem): - A minha exposição vae ser singela.
Na proposta, que vou ter a honra de mandar para a mesa, apresento as rasões com que me parece que fica perfeitamente fundamentada; não obstante, permitta-me v. exa. que muito, succintamente as desenvolva perante a camara por ser este assumpto da maxima importancia.
"Considerando que o engenheiro fiscal é de opinião que a apresentação de simples orçamentos, desacompanhados das peças que são indispensaveis em qualquer projecto, não póde servir de base segura para a concessão que envolve o artigo 21." do contrato de 18 de abril de 1881, isto é, para a garantia do juro de 6 por cento sobre o capital addicional necessario para a construcção do porto e caminho de ferro de Mormugão, que exceder £ 800:000 ou réis 3.600:000$000;
"Considerando que a interpretação do artigo 21.° do citado contrato não póde ser differente d'aquella que lhe dá o engenheiro fiscal, muito embora a junta consultiva lhe attribua outra;
"Considerando que o proprio governo, propondo uma liquidação geral das obras, reconhece a necessidade de salvaguardar os interesses nacionaes, e admitte duvidas sobre o que até agora se tem concedido á companhia;
"Considerando que as obras do porto e do caminho de ferro estão já em exploração e por isso é improcedente o receio de suspensão dos trabalhos;
"Considerando que a negação de qualquer nova garantia, como se pede, simplificará e abreviará a liquidação, que todos reconhecem como indispensavel:
"Proponho que a camara não approve a garantia pedida, nem qualquer outra que se peça, antes de realisada a liquidação geral dos trabalhos, visto que até hoje o paiz garantiu 5 por cento sobre £ 800:000 e 6 por cento sobre
Página 1119
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1880 1119
£ 500:000, o que representa um encargo annual de réis 315:000$000 para o orçamento da colonia da India."
Todos devem conhecer o contrato celebrado em 18 de abril de 1881 entre Portugal e a companhia constructora do caminho de ferro de Mormugão.
N'este contrato garante se 5 por cento de juro sobre quantias que forem despendidas até £ 800:000, e 6 por cento sobre as que excederem esta somma.
Não é occasião de discutir este contrato, e se alguma causa disser acerca das suas disposições, é unicamente para defender a minha proposta e para elucidar a discussão.
O artigo 21.° do contrato diz o que acabo de expor á camara, mas acrescenta algumas palavras, que têem a maior importancia, e carecem de boa interpretação.
"Se for necessario um capital maior, o governo portuguez concorda igualmente em dar 6 por cento sobre o capital addicional que se mostrar ser preciso para a terminação do caminho de ferro e das obras do porto, obrigando-se o governo portuguez, quando tal necessidade se manifeste, a solicitar do parlamento a auctorisação necessaria para este fim. A importancia d'este capital addicional será determinada depois da companhia ter submettido á approvação do governo os orçamentos, logo que as obras estiverem em tal estado de adiantamento que possam permittir aos engenheiros da companhia computar com certa approximação o teu custo exacto. Estes orçamentos deverão ser submettidos á approvação do governo portuguez, e caso este os não approve, reccorrer-se ha a arbitragem, na conformidade do artigo 31.° d'este contrato."
É preciso interpretar por fórma conveniente o que seja a apresentação d'estes orçamentos.
O sr. ministro sabe perfeitamente, e a commissão tambem não ignora, que sobre este assumpto se tem trocado uma larga correspondencia entre o fiscal da construcção, o sr. engenheiro Mousinho de Albuquerque, e o governo, affirmando o sr. fiscal que os orçamentos apresentados pela companhia não offerecem sufficientes elementos para qualquer augmento de garantia de juro, que corresponde, como é sabido, ao augmento de despeza da construcção.
Francamente, permitta-me s. exa. que eu diga que a opinião do fiscal me parece indiscutivel.
O sr. ministro deve ter dentro da sua pasta um documento muito importante, cuja publicação eu pedi e depois d'ella desisti, visto que s. exa. me fez o obsequio de entregar-m'o particularmente; é o parecer da junta consultiva acerca dos novos pedidos da companhia constructora dos caminhos de ferro e porto de Mormugão.
Peço, n'este momento ao sr. ministro que me mande esse documento, se n'isto não tiver duvida, porque desejo ler alguns periodos á camara.
(O sr. ministro da marinha mandou ao orador o documento pedido.}
Dispendeu-se primeiro a somma de £ 800:000 ou réis 3.600:000$000, a que o estado concedeu garantia na taxa de 5 por cento.
Esta somma não chegou e por isso a companhia veiu mais tarde pedir augmento de capital para a construcção, portanto nova garantia que, como disse, será calculada na taxa de 6 por cento.
Pelas condições do artigo 21.° do contrato devia fundamentar o seu pedido, e para isso apresentou orçamentos, que o fiscal do governo, o sr. Mousinho de Albuquerque, disse em documentos officiaes ao governo serem tão incompletos, que não podiam inspirar confiança.
Não contesta elle de forma alguma os direitos da companhia, mas tambem não os affirma, diz apenas, e terminantemente, que os orçamentos, em que a companhia funda os seus pedidos, não dão garantia alguma.
Todos sabem, e eu appello para os engenheiros que estão na camara, que o orçamento propriamente dito é uma peça do projecto, que tem uma certa importancia, mas que só por si pouco representa.
Quando n'um contrato como este se lê a palavra orçamento, é claro, que não se refere unica e exclusivamente áquella peça escripta que se chama orçamento; mas a projecto completo com memoria descriptiva, cadernos de medições, obras de arte, series de preço, etc., etc., isto é, com todos os elementos definidos e exigidos pelos regulamentos das obras publicas.
Em duas palavras, um orçamento é um simples resumo, onde se descreve a quantidade de trabalho e os preços correspondentes; mas as peças mais importantes são aquellas em que se fundam e defendem as verbas orçamentaes, que por si só nada esclarecem, a não ser a verba da despeza total.
Do documento, que tenho presente, consta que não foram enviados ao governo portuguez projectos completos, mas simples relações ou memeranduns, como lhe chama o engenheiro fiscal, das despezas feitas e da previsão d'aquellas que se deviam ainda fazer, depois da data dos chamados orçamentos.
Por muita consideração que possa merecer a companhia, é evidente que, como homem publico e como deputado, não posto por fórma alguma confiar em taes elementos, que não podem corresponder a interpretação do contrato, e que são condemnados pelo fiscal do governo.
Para v. exa. e a camara conhecerem as grandes duvidas, que o fiscal do governo tem a este respeito, vou ler uma parte do parecer da junta consultiva.
"Fazendo largas considerações, opina o engenheiro fiscal que, quanto ao augmento do preços, o tirocinio dos que dirigem e são dirigidos produz em toda a parte diminuição dos preços, devendo as obras sair actualmente e para o futuro melhores, mais rapidas e mais baratas do que noa primeiros tempos da construcção, em vista do que diz não poder deixar de informar contra todos os augmentos de preço propostos pelo engenheiro Sawyer, preços que deveriam mesmo ser inferiores aos da execução até hoje; mas quando assim não fosse, se conservassem iguaes, e que admittir a proposta do orçamento teria, a seu ver, consequências onerosissimas para o governo, e ato mesmo para o bom nome e credito da companhia."
Ora aqui está como o nosso fiscal, junto d'aquella companhia, aprecia um elemento do orçamento, isto é, o augmento dos preços, que no seu entender não é defendido por circumstancia alguma, e que pelo contrario o sr. Mousinho de Albuquerque demonstra e prova que não devem ser superiores aos do orçamento primitivo.
Continua dizendo o mesmo engenheiro.
"Quanto aos augmentos do custo das obras provenientes de alterações, diz o engenheiro fiscal nada lhe constar sobre taes alterações, e que a companhia não tem direito ao augmento de preço que pede sem previamente apresentar-os seus projectos modificados para que sejam examinados e approvados ou rejeitados, acrescentando que a companhia nunca lhe enviou projectos devidamente organisados, mas só desenhos e memoranda mais ou menos completos, que não podem bastar, estando mesmo convencido que a companhia não possuo os projectos e orçamentos a que possa dar-se este nome.
"O engenheiro fiscal não tem duvida em admittir as quantidades do trabalho logo que a companhia dê cumprimento ao que lhe é determinado no artigo 3.° do contrato, assistindo ao governo o direito de verificar se o trabalho realmente executado é ou não o que se apresenta nos orçamentos, verificação que é possivel e até facil nas partes mais importantes das obras do porto, sendo porem hoje inteiramente impossivel em outras por não se ter feito medição alguma em tempo opportuno e terem hoje desapparecido todos os vestigios."
Basta ler estes excerptos para demonstrar a importan-
Página 1120
1120 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
cia que tem a medida proposta pelo governo, isto é, a liquidação geral dos trabalhos.
Mas francamente, o que não comprehendo é que se conceda qualquer augmento de garantia sem se proceder previamente a essa liquidação! (Apoiados.)
Isto tem tanto maior importancia, quanto pela letra do contrato o maximo da quantia, sobre que póde recair a garantia de 6 por cento, não está determinado por fórma alguma; fixa-se é certo, o maximo de £ 800:000 com a garantia de 5 por cento, mas depois deixa-se ao livre arbitrio da companhia pedir garantia de 6 por cento sobre um capital indifinido no contrato, unica e exclusivamente determinado mais tarde pelos orçamentos, isto é, pelos projectou completos que forem apresentados.
Ora exactamente esses projectos é que não foram apresentados, como diz o engenheiro fiscal; quasi que não podem hoje ser apresentados acrescento eu; logo o governo deve mandar proceder, em primeiro logar á liquidação, e depois ver se tem rasão para acceitar o augmento do capital da construcção sobre que recae a garantia de juro, ou se porventura tem de tomar á companhia sérias, gravissimas responsabilidades, por ter pedido mais capital do que realmente despendeu.
Não culpo ninguem, não quero saber n'este momento d'onde provém este defeito, se deleito é, do contrato; o que sei, é que nas condições actuaes devemos proceder com methodo, com cautela e não acrescentar uma libra, que seja, á garantia, que temos dado; proceda-se immediatamente á liquidação geral para só verificar se devemos á companhia, ou se porventura a companhia despendeu quantias ou sommas, que não devia ter despendido. Porque faço notar a v. exa., que se a companhia lhe convinha a garantia de 5 por cento, mais remuneradora é ainda a garantia de 6 por cento.
Se no contrato se "estabeleceu garantia de 5 por cento até ao maximo de £ 800:000 e depois 6 por cento, pode admittir-se que ha grande interesse da companhia em augmentar o capital da construcção.
Parece que o contrario se devia ter feito; o primeiro capital limitado teria a garantia de 5 por cento, o capital excedente a £ 800:000 uma garantia inferior. Assim se evitaria a tendencia para gastar.
Devo dizer a v. exa. que confio muito, que confio plenamente, em todos os homens, que têem mais ou menos directamente fiscalisado a construção do caminho de ferro de Mormugão e a traducção d'este contrato, mas affirmo tambem á camara, com o pleno conhecimento que se pôde ter de um individuo, com a plena certeza que se póde ter humanamente, que o actual fiscal, o sr. Mousinho de Albuquerque, é um engenheiro distinctissimo. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo):- Apoiado.
O Orador: - É um trabalhador infatigavel, um dos homens mais dedicados e honrados, d'entre os que honram o paiz. Sem querer trazer para esta discussão elemento algum, que a possa afastar da serenidade e imparcialidade, com que desejo que ella corra, affirmo que foi preciso que dois homens dignos, que se sentaram nas cadeiras do poder, e cito só dois, porque foi um que o nomeou e outro que o conserva, o sr. Pinheiro Chagas e o sr. Henrique de Macedo; foi preciso, digo, que dois homens dignos sustentassem aquelle engenheiro fiscal contra imposições e perseguições, que lhe quizeram inutilisar.
Ora se eu tenho confiança n'esse engenheiro, mais corrobora ella no meu espirito a conveniencia de uma liquidação geral de trabalhos a que elle proceda, e que deve ser immediatamente ordenada.
Eu sei que os trabalhos na India são difficeis por muitas rasões, entre outras pelas condições climatericas; não direi tambem pela falta absoluta, mas pela falta relativa de pessoal; por isso, no caso do actual sr. ministro da marinha, não teria a menor duvida em mandar de Portugal engenheiro", que, ás ordens do sr. Mousinho de Albuquerque, procedessem á liquidação geral dos trabalhos do caminho de ferro e porto de Mormugão.
Poder-me-hão responder que isto traz despeza importante.
Trará; mas a despeza de umas dezenas de contos de réis nada representa n'uma questão, em que podem salvar-se centenas de mil libras.
Se se estabelece o principio de que um simples memorandum, ou orçamento, não acompanhado das peças justificativas, é sufficiente para pedir um augmento de garantia, então não sei onde poderemos parar.
Primeiramente foram £ 800:000; depois mais £ 500:000; agora vão £ 50:000; e admittida esta interpretação da clausula do contrato, aberto o caminho e dado o exemplo, não ha rasão nenhuma para parar; nem ha mesmo meio de pôr um prego n'esta roda de pedidos de decidida vantagem para a companhia constructora.
Ha cousas singulares n'este contrato; e portanto, é preciso tambem olhar singularmente a questão, e resolvel-a com muitissima cautela e com muitissima energia.
Sei perfeitamente que a lucta contra uma companhia poderosa, como é a companhia constructora do caminho de ferro de Mormugão, é delicada, e que porventura nem sempre poderá ser coroada de bons resultados: mas deve tentar-se.
Pelo tratado da India, não cito á camara senão este exemplo, que nós fizemos com o governo inglez, em 26 de dezembro de 1878, devemos receber 4 laques de rupias annualmente.
Estas 400:000 rupias suo-nos pagas em Goa, aonde a rupia vale 400 réis, isto é, representam 160:000$000 réis. Note a camara, que o caminho de ferro de Mormugão se construiu sobre a base d'esta annuidade, que não chegava, mas que já compensava de alguma forma a annuidade precisa para a garantia de juro. Ora, pelo contrato, embora a sedo legal da companhia seja na India, as sommas, que o estado tem de lhe entregar por conta da garantia, têem de ser pagas em Londres; e como o cambio da índia sobre Londres é de 75 por cento cada rupia perde l/4, e transforma-se em Londres em 300 réis. Nós recebemos l60:000$000 réis em Goa e ternos de os transferir para Londres, onde se transformam em 120:000$000 réis!
Não te comprehende bem a rasão porque, recebendo nós dinheiro em Goa, e tendo de fazer pagamentos á companhia, cuja sede é tambem em Goa, esses quatro laques de rupias tenham de ser trasferidos para Londres, aonde pelo facto do cambio perdemos 40:000$000 réis!
Mas as cousas são o que são; e pela clausula addicional 3.aª do contrato, a companhia póde exigir todos os seus pagamentos em Londres; ora o contrato ha de ser cumprido.
É claro que para as sommas excedentes a 160:000$000 réis, provavelmente o governo faz transferencias de fundos do continente e paga com o dinheiro da metropole, e por consequencia não soffre a perda enorme do cambio; mas
para os quatro laques de rupias, do tratado da India, a acção do cambio é nefasta.
Feitas estas observações, no meu espirito não ficou a menor duvida de que o caminho a seguir era a prévia liquidação geral dos trabalhos. Não o entendeu assim o governo, e não o entendeu porque? Porque se fundou no parecer da junta consultiva.
Ora, vejamos, e com isto termino a minha exposição, quaes são os fundamentos do parecer da junta consultiva; corporação respeitavel, composta de superiores meus na ordem intellectual, scientifica e hierarchica, mas que como homens, se podem enganar como eu. N'isto é que elles não me são superiores.
Diz a junta consultiva:
"N'estas circumstancias e sendo indispensavel tomar uma resolução tendente a segurar a conclusão de taes obras, salvaguardando tanto quanto possivel os interesses
Página 1121
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888 1121
do thesouro publico, e attendendo a que o artigo 21.° do contrato de 21 de abril do 1881 exige apenas que os orçamentos supplementares sejam submettidos á approvação do governo, condição que a companhia agora, cumpriu."
Ora vamos a discutir estes tres pontos.
"Assegurar a conclusão das obras?"
Não assegura a conclusão das obras, porque as obras já estão concluidas.
"Salvaguardar os interesses do thesouro?"
Não se salvaguardam os interesses do thesouro, porque estes só se salvaguardariam quando se tivesse feito a previa liquidação dos trabalhos, e essa liquidação não está ainda feita.
"O artigo 21.° do contracto exige apenas que se apresente o orçamento?"
Não exige tal.
Quem é que diz a um engenheiro, que a simples peça escripta de um projecto, chamado orçamento, póde ter o valor traduzido pela palavra "orçamento" do contrato, principalmente em obras d'esta natureza?
Quem é que diz isto?
Appello para o br. relator, que é engenheiro. Diga-me s. exa. se a quarta peça escripta de um projecto, que, por signal, costuma ter capa amarella, (Riso) offerece o valor de um projecto completo, com todas as peças que a lei determina e os regulamentos exigem?
"Condição que a companhia cumpriu?"
Não cumpriu tal. Mandou, como disse o sr. fiscal, memoranda e desenhos, mas lá apanhar-lhe medições, de fórma que se podessem fazer verificações no terreno, lá apanhar lhe as rasões por que pediu o augmento dos preços e dos volumes, quando o sr. fiscal diz, e muito bem, que a experiencia da construcção devia fazer descer esses preços, isso é que não foi possivel.
No seu primeiro considerando a junta consultiva não diz, salvo o devido respeito pelos meus superiores na ordem hierarchica, na ordem intellectual, e na ordem scientifica, cousa que me parece acceitavel.
Continua a junta consultiva:
"Considerando que da suspensão dos trabalhos do caminho de ferro e porto resultariam gravissimos inconvenientes para o governo, inconvenientes que seriam aggravados provavelmente pelo recurso a arbitragem, prevista pelo mesmo artigo 21.° do Contrato."
Ora, sr. presidente, em relação aos inconvenientes, que proviriam para o estudo da suspensão dos trabalhos devo dizer que maiores deviam ser para a companhia.
Mas d'este lado não ha rasão para temer, porque a construcção está completamente terminada e até em exploração.
Emquanto a encontrar-se maior inconveniente em que a lucta dos interesses, que se levantarem entre o governo e a companhia, seja resolvida pelo tribunal arbitral creado no contrato, esta rasão não me parece acceitavel; não posso deixar de suppor que o tribunal arbitral está bem constituido, não posso deixar de admittir que elle ha de julgar conforme o stricto direito e conformo a stricta equidade.
É certo, todavia, que a sua constituição é propria para suscitar duvidas. Um tribunal arbitral, composto de tres membros, um nomeado pela companhia, outro nomeado pelo governo, e o terceiro nomeado pelo governo e pela companhia, de accordo, mas sempre inglez e advogado, é para deixar o espirito perplexo; mas antes recorrer a elle do que resolver as questões por projectos de lei, que se não fundam em elementos positivos e indiscutiveis.
"Considerando que o proprio engenheiro fiscal não contesta em geral o augmento de trabalhos executados e a executar para se conseguir a conclusão das obras em relação ao projecto approvado, recusando-se sómente a acceitar a elevação de certos preços unitarios applicados pela Companhia no seu ultimo orçamento supplementar, sendo de opinião que se proceda a uma: liquidação geral para
se determinar com rigor as importancias de todas as obras, segundo as circumstancias especiaes de cada uma e os preços que justamente lhe devem ser applicados, e a junta consultiva de obras publicas e minas do parecer de que poderá ser approvado o orçamento supplementar datado de 3 de julho de 1886, na importancia total liquida de 905:919 rupias, elaborado e apresentado pela companhia concessionaria do porto artificial do Mormugão e do caminho de ferro que do mesmo porto se dirige á fronteira luso-britannica na India, sómente para o fim de garantir o juro indicado no contrato relativamente á importancia de £ 50:000, como pede a mesma companhia, devendo, porém, as importancias do mesmo orçamento ser rectificadas, procedendo-se á liquidação geral proposta pelo engenheiro director fiscal por parte do governo portuguez junto á mesma companhia."
Ora o que o sr. Mousinho diz, é que em principio não contesta, mas tambem não affirma que haja augmento de despeza; o que elle diz com sinceridade, que classifiquei de estoica, porque deve ter lhe sido causa de grandes incommodos, é que não têm elementos para apreciar os pedidos da companhia.
"O salario estará mais alto é portanto o preço da mão de obra será superior actualmente? Póde ser, mas tudo me leva a crer o contrario", responde o sr. Mousinho.
"Terá havido augmento de volume, quer de terraplanagens, quer de alvenaria, ou de qualquer material de construcção?" Terá não contesto, mas não tenho elementos para o apreciar, responde o sr. Mousinho.
Não contenta, mas tambem não affirma.
E note v. exa., que são taes as duvidas do fiscal, que propõe a liquidação geral dos trabalhos! Todos os engenheiros que se sentam n'estas cadeiras sabem o que c uma liquidação geral; operação delicada, fallivel certamente, mas muito mais infallivel do que o processo adoptado, e que é indispensavel no caso presente para eliminar a responsabilidade do governo, e sobretudo para provar á companhia e aos engenheiros inglezes, que em Portugal ha engenheiros que sabem o que é um orçamento.
Não nego nem affirmo a veracidade dos orçamentos da companhia, louvo-me no fiscal do governo, e o governo deve louvar-se no seu fiscal tambem, porque se não, demitte-o ou transfere o, visto que é um empregado de confiança.
Louvo-me no fiscal do governo; sem a menor discussão, porque é um dos mais integros e intelligentes engenheiros portuguezes.
Como deputado da nação combato, pois, o projecto, não para o rejeitar, mas para o adiar até que haja elementos sufficientes para se julgar das responsabilidades do estado para com a companhia.
Bem sei, sr. presidente, o que são as companhias inglezas da India, e que o governo inglez está atrás d'essas companhias poderosas; mas eu, sr. presidente, tenho uma vantagem n'este momento: sou como aquelles animaes que por serem pequeninos passam por toda a parte! Mão ha do ser a Inglaterra nem as companhias poderasas que me hão de esmagar, emquanto no legitimo uso dos meus direitos e pela responsabilidade do meu cargo tiver voz no parlamento.
É realmente superior a, lucta do sr. Mousinho de Albuquerque contra a companhia ingleza para a obrigar a restringir-se ás normas e principios do contrato; é simplesmente sublime de abnegação.
Devo dizer a v. exa. a á camara que se têem empregado contra este honestissimo empregado todas as armas! Até se mandou dizer para a metropole que estava doido !... Doido, realmente, parece o homem que, a milhares de léguas do seu paiz, sustenta os interesses do thesouro, procura a melhor interpretação do contrato feito pelo governo, quando aliás lhe seria facil dormir sobre todas estas cousas e comer o seu ordenado, quando não enriquecer! Mas ao funccionario integro e ao amigo ausente não faltará
Página 1122
1122 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
tortamente, n'esta casa, uma voz para o sustentar; essa voz será a minha. Não sei o que ella vale, mas tanto quanto vale elevar-se-ha em favor d'elle. (Apoiados.)
Não me intimidam nem a pressão do fortes companhias, patrocinadas pelo governo inglez, nem os grandes interesses que Se podem pôr em actividade para dominar tudo e todos. (Apoiados.)
Não me importa, hei de luctar sempre pelas doutrinas de boa administrarão e hei de sustentar que não se dei nem mais uma libra de garantia, sem se saber o que se tom feito na India, relativamente ao caminho de ferro de Mormugão. (Apoiados.}
Sou o primeiro a reconhecer, que o paiz deve satisfazer me á ultima extremidade os seus compromissos honesta e honradamente, embora fique pobre; mas para satisfazel-os é preciso elementos positivos, o que os que têem interesses ligados comnosco não se eximam a apresental-os. Se os não apresentam é porque não os têem, ou porque podem ser contestados. (Apoiados.)
Em resumo, ninguem póde demonstrar o direito indiscutivel da companhia a exigir um augmento de capital, sobre que incida garantia de juro. Aquelle que mais deve conhecer este assumpto, o fiscal do governo, empregado de plena confiança do sr. ministro da marinha, e empregado que foi tambem da plena confiança do sr. Pinheiro Chagas, que o nomeou, diz que duvida d'elle e que é preciso uma liquidação geral dos trabalhos. A junta consultiva diz tambem que se proceda a uma liquidação geral dos trabalhos; pois bem, invertamos os termos, primeiro essa liquidação, e dê o que der, milhões ou libras, o paiz ha de cumprir rigorosamente o contrato que fez; antes d'isso não. (Apoiados.)
O sr. ministro acha-se certamente em difficuldades para mandar proceder a esta liquidação. A meu ver, não deve hesitar um momento, mande engenheiros competentes, e tem-nos no quadro competentissimos, como o sr. Mousinho de Albuquerque, para proceder a uma liquidação geral; o resultado que o paiz ha de tirar será tão grande, financeiramente fallando, que não vale a pena discutir meia duzia de contos, mais ou menos, uma que possa custar a ida á India de uma commissão.
Mas quando se perdesse essa somma, aliás diminuta?
Sr. ministro, esta phrase não se dirige a v. exa. nem aos seus antecessores, é empregada como principio geral e não com applicação especial, ha tambem deficits de moralidade o de boa administração, como ha deficits financeiros. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
Considerando que o engenheiro fiscal é de opinião que a apresentação de um simples orçamento, desacompanhado de peças que são indispensaveis a um projecto, não póde servir de base segura para a concessão, que envolve o artigo 21.° do contrato do 18 de abril de 1881, isto é, para a garantia do juro de 6 por cento sobre o capital addicional necessario para a construcção do porto c caminho de ferro de Mormugão, que excede a £ 800:000, isto é, 3.000:000$000 réis;
Considerando que a interpretação do artigo 21.° do citado contrato não póde ser differente d'aquella que lhe dá o engenheiro fiscal, muito embora a junta consultiva lho attribua outra;
Considerando que o proprio governo propondo uma liquidação geral das obras, reconhece a necessidade de salvaguardar os interesses nacionaes, e admitte duvidas sobre o que até agora se tem concedido á companhia;
Considerando que as obras do porto e caminho de ferro estão já em exploração, e por isso é improcedente o receio da suspensão dos trabalhos;
Considerando que a negação de qualquer nova garantia, como se pede, simplificaria e abreviaria a liquidação que o governo reconhece como indispensavel:
Proponho que a camara não approve a garantia pedida, nem qualquer outra que se peça, antes do se realisar a liquidação geral dos trabalhos, visto que até hoje o paiz garantia 5 por cento sobre £ 800:000 e 6 por cento sobre £ 500:000, o que representa o encargo annual de 3l5:000$000 réis, para o orçamento da colonia da India. = Augusto Fuschini.
Foi admittida, ficando em discussão com o projecto.
O sr. Julio de Vilhena (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que o parecer da junta consultiva seja impresso e distribuido, para nos acompanhar n'esta discussão.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Eu pela minha parte não me opponho por fórma alguma a que o parecer da junta consultiva seja publicado.
O requerimento do sr. Julio de Vilhena foi approvado.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Nas considerações feitas pelo sr. Fuschini, ha dois pontos com que concorda plenamente. E um d'elles a justa apreciação que s. exa. fez do zêlo, intelligencia, hombridade e honradez com que se distingue o cavalheiro que foi nomeado para o logar de fiscal do governo na construcção do caminho de ferro de Mormugão, e que ainda hoje o exerce com plena confiança d'elle, orador. O outro ponto é a necessidade de se fazer, segundo a opinião do governo, do fiscal e da junta consultiva de obras publicas, uma liquidação geral para os effeitos indicados no projecto que se discute.
Deve porém dizer, se concorda com s. exa. n'estas duas ordens de considerações, uma inteiramente pessoal, e outra de interesse publico e de administração, não póde por modo algum concordar com a conclusão da sua proposta, nem nos considerandos em que ella se funda.
O illustre deputado, n'uma das partes do seu discurso, contestou, um a um, os fundamentos em que se baseou a junta consultiva de obras publicas e minas; e elle, orador, aproveita o ensejo para dizer que, se não tem rasão senão para se louvar das qualidades de honradez, intelligencia e seriedade do fiscal do governo junto da construcção do caminho de ferro de Mormugão, tambem não tem rasão senão para se louvar da existencia d'essas mesmas qualidades em todos os. membros da junta consultiva de obras publicas e minas, com a qual tem tido relações officiaes, o numerosas, porque o ministerio do ultramar tem de a consultar com frequencia.
Se tivesse, portanto, de se regular somente pela apreciação d'estas qualidades, tanto se poderia decidir pela opinião de um, como pela opinião da outra.
Quanto á consulta da junta, que termina por aconselhar o governo a que approve o orçamento supplementar para o fim de garantir á companhia o juro sobre mais £ 50:000, nos termos do artigo 21.° do contrato de 18 de abril de 1881, o sr. Fuschini contestou os fundamentos que induziram a mesma junta consultiva a esta conclusão; mas é preciso ver se a apreciação que o sr. deputado fez d'esses fundamentos é ou não exacta.
Começou s. exa. dizendo que o artigo 21.° de modo nenhum podia ser interpretado como ella o interpretou, porque se a letra d'esse artigo só referia unicamente ao orçamento, que era a quarta peça do projecto, e, portanto, a parte essencial, mas não unica, para a apreciação que devia recair sobre o projecto e orçamento, o espirito do contrato, o seu teor geral conduziam naturalmente a suppor que os auctores d'esse contrato onde disseram orçamento, queriam dizer mais alguma cousa.
Esqueceu-se, porém, s. exa. de uma cousa; e é que os diversos artigos do contrato, naturalmente e pela boa jurisprudencia, devem ser interpretados e ligados uns com
Página 1123
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888 1123
outros para poderem ser bem entendidos; esqueceu-se de que ha artigos, o 3.°, por exemplo, onde se diz expressamente que os projectos em relação á directriz, e o orçamento, deverão ser submettidos ao governo; e, portanto, que, se no artigo 21.°, quando se trata de garantia supplementar, se quizesse dizer "projectos e orçamento", ter-se-ia dito isso, como se disse no artigo 3.°
Mas ha mais.
Supponha-se que s. exa. tem rasão; que a interpretação mais legitima e genuina do contrato é a que s. exa. apresentou. Ha uma consideração que não póde esquecer a nenhum membro da camara, e é que, quando em 1881 se concedeu á companhia a garantia de 6 por cento, não sobre a bagatella, relativamente, de £ 50:000, mas sobre £ 500:000, tendo o governo d'essa epocha pedido, não a garantia de £ 500:000, mas de £ 550:000, o formulario que serviu de base a esta concessão foi exactamente o mesmo que serviu agora. A companhia não apresentou em 1881 ao governo, nem este submetteu á junta consultiva, os projectos detalhados, mas sim apenas o orçamento.
Portanto, acrescenta o orador, a votação d'esse projecto, convertido na lei de 1885, constituiu só por si uma interpretação, por assim dizer, authentica do artigo 21.° então applicado.
S. exa, contestou agora, um anno depois da apresentação do projecto, a primeira parte d'esse fundamento do parecer da junta; mas esqueceu-se de que ella o exarou na sua consulta, no momento em que a companhia não tinha ainda as suas obras completas o que, dentro do seu direito, ameaçava o governo de suspendel-as, se elle não concordasse em submetter á approvação do parlamento a garantia por ella pedida.
E certamente se ella as não suspendeu, foi porque o governo apresentou a proposta ao parlamento; se mão a apresentasse, a companhia, que se declarara desprovida de quaesquer capitães para continuar as obras, havia de suspendel-as necessariamente.
E que a companhia estava desprovida de capitães para continuar essas obras, acrescenta o orador, sabia-o o governo; tinha mesmo obrigação de sabel-o porque, segundo o organismo e mechanismo d'este contrato, elle não tem só um fiscal technico junto da companhia na India, como s. exa. não ignora; tem tambem um fiscal financeiro, director ex officio junto da companhia em Londres, que tem obrigação e direito de examinar toda a escripturação da companhia, excepto a sua correspondencia com os seus advogados.
Do exame a que esse cavalheiro procedeu, e elle não lhe merece menos conceito pelo seu caracter, seriedade e probidade de que o fiscal technico a que se referiu, o de que os membros da junta; d'esse exame, feito pelo sr. barão da Costa Ricci, á escripturação da companhia, resultava que a ameaça ou antes a affirmativa da companhia de que ía suspender as obras, se não se lhe fizesse nova garantia, porque se achava sem meios para as continuar, correspondia á realidade, e não era simplesmente um meio de obter um excesso de garantia, de que não precisava.
Repete que não deve a camara esquecer-se de que este fundamento do parecer da junta consultiva foi exarado no momento em que as obras ainda não estavam completas, e que a companhia indicava que as não podia concluir por falta de capital.
Mas, dir-se-ha: se a companhia tinha faltado capital, se não podia continuar as obras, como é que, sem ter sido votado este projecto, sem ter sido convertido em lei, e sem essa lei ter sido publicada, ella obteve dinheiro para as continuar?
É um facto conhecido por todos, e que nem envolve deshonra para a companhia nem para o governo, que, desde que este projecto se apresentou no parlamento, e a companhia podo dizer ao publico financeiro que o governo portuguez tinha concordado em apresentar ao parlamento o pedido de garantia de mais £ 50:000, que fossem levantadas, ella não teve difficuldade em obter essa quantia de alguns banqueiros, podendo assim proseguir nas obras.
A companhia não descontou nada, nem o governo portuguez tem por ora responsabilidade de qualquer especie. O que affirma é que a companhia, desde que obteve do governo a promessa de ser apresentado ao parlamento este projecto, tal era o credito d'essa promessa, ainda condicional, para o publico financeiro inglez, que a companhia não teve difficuldade em obter de alguem, sob responsabilidade dos seus proprios directores, o adiantamento d'essa dinheiro para a conclusão das obras.
N'estas circunstancias, e antes de concluir a analyse dos fundamentos da junta consultiva e a contradita de s. exa., pergunta: quaes seriara as consequencias se o governo portuguez, em logar de se conformar com o parecer da junta, declarasse á companhia que não estava disposto a garantir mais nenhum capital, em vista dos documentos apresentados, porque os reputava mais ou menos deficientes? Se recorresse a companhia á arbitragem e suspendesse as obras, visto que, se não tinha capital, não podia proceder de outra maneira, quaes seriam as consequencias? - Teria sem duvida deixado de existir todo o rendimento do caminho de ferro, que resulta da abertura provisoria de uma secção que se realisou no mez de julho; teria deixado de existir esse rendimento, porque estas arbitragens levam tempo, por mais perfeita que seja a constituição do tribunal, e teria deixado de existir esse rendimento não por pouco tempo, mas durante muitos mezes, o mesmo durante um anno inteiro, até que a camara podesse tomar conta do resultado da arbitragem. Teria deixado de existir, não só tudo que tem rendido até ao presente a exploração do caminho de ferro de Mormugão, mas naturalmente ainda uma somma não inferior a esse rendimento e que, por effeito d'essa mesma exploração, tem accrescido á receita do estado da India.
Elle, orador, já teve occasião de dizer na outra casa do parlamento que essa elevação da receita não era inferior a 120:000$000 réis, e que ella se podia attribuir ao facto de se ter aberto á exploração uma parte do caminho de ferro de Mormugão.
Deduz-se isto das informações do fiscal, em quem o sr. Fuschini, como elle, orador, têem plena confiança, porque esse engenheiro diz que o rendimento liquido da exploração do caminho de ferro até ao fim d'este anno civil, é de 300:000 rupias ou 120:000$000 réis.
Vê-se, portanto, quaes seriam os resultados da falta da approvação do projecto que se discute; seria uma perda irremediavel para o estado, não inferior a 180:000$000 ou a 200:000$000 réis approximadamente.
É, pois, evidente que o ministro que apresentou este projecto, longe de luctar com interesses de quaesquer companhias, deixou-se dominar exclusivamente pela idéa de salvaguardar os interesses do estado.
É a esse facto que se refere o fundamento do parecer da junta consultiva quando diz; Convinha salvaguardar os interesses do estado.
Por isso o governo, apesar da opinião contraria do fiscal, entendera que fazia muito bem em conformar-se com os fundamentos do parecer da junta consultiva. É por isso que elle, orador, sustenta o projecto, e o julga digno da approvação do parlamento.
O que se diria se o governo acceitasse agora a proposta do illustre deputado? Dir-se-ía que isso seria da parte do governo um acto de má fé, a que elle, orador, nunca se prestaria, cumprindo-lhe desde já declarar que, se fosse obrigado a retirar o projecto, retirar-se-la do governo. Apesar de não ter sido quem o apresentou, mas sim o seu collega dos estrangeiros, tem a responsabilidade solidaria, e do mesmo modo que s. exa. tel-o-ía apresentado, se n'essa epocha estivesse n'aquelle logar.
Acrescenta o orador que o sr. Fuschini não apreciou
Página 1124
1124 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
bem uma circumstancia. Será licito ao governo que apresentou esta proposta, baseado no parecer da junta consultiva de obras publicas, e depois de prometter, condicionalmente, á companhia que fazia todos os esforços para que esta garantia lhe fosse concedida, será licito, pergunta, vir ali acceitar uma emenda que adia a concessão d'esta garantia, Deus sabe para quando?
Pela sua parte não póde concordar com similhante alvitre, principalmente depois que a companhia, fundada na seriedade da promessa, levantou capitães para proseguir na construcção da obra. Não é possivel que por parte do governo se proceda por similhante fórma.
O orador, referindo-se em seguida á questão da arbitragem, pondera que este recurso podia ter conveniencia n'outras occasiões, mau que n'aquella occasião, era pessimo; o recurso á arbitragem n'aquella por melhor e mais perfeito que fosse o organismo creado pelo contrato, trazia comsigo o inconveniente da demora da construcção e da perda irreparavel do producto da exploração.
Não podem ter outro sentido as palavras do parecer da junta consultiva com referencia á arbitragem. A interpretação que elle, orador, lhe dá, parece lhe clara e a que melhor se capa com todo o parecer, não vendo por isso motivo para as observações do sr. Fuschini em relação a este ponto.
Diz mais que s. exa. não quiz discutir largamente o contrato, o apenas se referiu ao seu organismo, limitando-se a perguntar-lhe se o achava bom ou mau.
O contrato tem a responsabilidade de todos os homens publicos de quasi todos os partidos politicos que militam no paiz.
Os primeiros trabalhos foram iniciados pelo sr. Andrade Corvo, tomando em seguida o sr. Braamcamp conta d'elles, servindo de delegado em Londres o sempre chorado estadista Antonio Augusto do Aguiar.
Depois, saindo o sr. Braamcamp do ministerio, o sr. Julio de Vilhena foi quem firmou propriamente o contrato que em grande parte estava elaborado, acceitando algumas condições que, a elle, orador, parecem justas e uteis, e no nenhuma d'ellas inconveniente, como á primeira vista se afigura ao illustre deputado.
S. exa. attribuiu, como elle tambem a principio, á clausula 3.ª do contrato a obrigação de se pagar em libras, em Londres, quantias que recebiamos na India em rupias; mas deve notar que o cambio d'aquella epocha não era o de, hoje o não se podia prever com exactidão que a relação entre a producção do oiro e a producção da prata tivesse para o cambio da rupia para a libra uma differenca tão grande em tão poucos annos.
Não é da clausula 3.ª a do contrato que dimana o fado do pagamento ser feito em libras, porque, ou fosse feito em Londres ou na India, já isso se tenha estabelecido pelo artigo 21.°, e a differença é pequena. Esse defeito não dimana da clausula 3.ª; é um defeito geral.
As 160 ou 161 rupias, não sei bom ao certo o numero, não foram fixadas no contrato de 26 de dezembro de 1878 em vista das necessidades do caminho de ferro, mas sim em harmonia com entras bases, como compensação da perda dos direitos do sal e caril, direitos que eram cobrados em rupias.
Vendo só, o orçamento da India, onde foi feito o contrato, encontrava-se lá que o rendimento do sal e caril tinha dado umas cento sessenta e cinco mil e quatro laques do rupias.
A indemnisação que o governo inglez nos devia pagar, enquanto durasse o contrato, fixou se em quantia igual do rupias.
Não sabe se faz bem ou mal : não discute o contrato de 1878 nem se o rendimento do sal e caril tendia então a crescer, o se, acceitando uma indemnisação fixa por doze annos, o estado perdeu ou não. Não vale a pena discutir isso.
O que é certo é que não se fixou essa quantia em harmonia com a necessidade do capital a levantar para a construcção do caminho de ferro; fixou-se sobre outra base, a base do direito que o governo inglez recebia do sal e caril calculada em JuO:000, 101:000 ou 162 000 e 4 laques de rupias. Não quer saber se foi ou não mal feito, nem o sr. Fuschini de certo quereria agora, como elle, orador, não quer, discutir o contrato de 1878.
O que precisa é dizer que esse inconveniente de se receber em rupias e pagar em libras não vem na clausula 3.ª do contrato, mas que nem uma só das 160:000 rupias foi fixada a priori com a idéa de uma indemnisação das despezas a fazer com o caminho de ferro.
Passando á apreciação da opinião manifestada pelo fiscal do governo contra a garantia do mais £ 50:000, observa o orador que de modo algum contesta que o fiscal, expondo aquella opinião, não tenha rasão em muitos pontos; mas não póde deixar de discordar em relação a outros.
O que afirma elle, em relação á unidade de trabalho? Na maior parte dos casos não tem elementos para affirmar ou contestar que ella se realisasse.
O que affirma elle por outra parte em relação á elevação na serie de preços?
Contesta-a absolutamente, porque tem para isso uma rasão geral e porque não lhe forneceram elemento algum que desfizesse no seu espirito o effeito que naturalmente produziu essa rasão geral.
Ora, qual é a rasão geral? E que os salarios devem ter decrescido á proporção que as obras se íam adiantando.
Será isto exacto? Não lhe parece. Esta rasão geral é exactamente um dos pontos com que elle, orador, não póde conformar-se.
O preço dos salarios e o preço das obras correspondentes não estão subordinados, exclusiva e unicamente, a esta idéa do operario ter ou não ter uma aprendizagem mais perfeita; o preço do salario depende de muitas outras circumstancias economicas que podem variar, e que effectivamente variaram na India portugueza, no periodo que decorreu desde a epocha em que se começou a construir o caminho de ferro até que elle se concluiu, exactamente como resultado da prosperidade introduzida n'aquelle estado e resultante d'aquelle melhoramento.
Toda a gente que tem relações com a India portugueza, ou que para lá foi recentemente, não ignora que ali, de ha muitos poucos annos para cá, o preço da alimentação e da renda das casas, e principalmente nos pontos que estão em ligação mais directa com o caminho de ferro, tem crescido consideravelmente, o que tanto basta para explicar naturalmente o augmento de salarios.
De mais, acrescenta o orador, o illustre deputado sabe, porque é muito versado e conhecedor d'estes assumptos, e porque estudou este detidamente, que a ultima parto da construcção do caminho de ferro ora feita por uma parte n'um valle que é bastante doentio, o por outra nos Ghates. Era portanto necessario pagar largamente aos operarios que se mandavam fazer trabalho n'aquelle valle; ora preciso, alem d'isso, contar com a percentagem d'aquelles que, aliás pagos, nenhum trabalho podiam fazer, porque estavam atacados do febres, e tudo isso elevava naturalmente a Folha dos salarios.
Nos Ghates, deve saber o illustre deputado, que se tratava especialmente de perfurar tunneis de rocha viva, vendo-se a companhia obrigada a mandar ir, mestres, contramestres e mesmo simples operarios da Europa, porque os operarios indigenas não sabiam nem podiam fazer aquelle trabalho, principalmente usando dos machinismos que a companhia adquirira n'estes, ultimos tempos para esse effeito.
Comprehende-se portanto, que esse trabalho representasse salarios maiores, e que a rasão geral dada pelo engenheiro não podesse ser applicavel áquella linha.
O engenheiro, cuja capacidade e zêlo elle louva bastante, o engenheiro fiscal, sem contestar a maior parte dos au-
Página 1125
SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1888 1125
gmentos da unidade trabalho, contestava comtudo aumento de preço.
O que d'aqui podia seguir-se era que o orçamento apresentado pelo engenheiro nãos seria de um vigor e exactidão completa, mas não se seguia que ellee devesse ser reduzido a zero.
Ora o que propõe ajunta consultiva de obras publicas? Propõe porventura que o governo garanta á companhia, a proposta do governo e o parecer da junta consultiva, teria visto a companhia apresentou um orçamento supplementar em excesso com despeza de 971:000 rupias, e uma fracção que o cambio mesmo reduzido, daria pouco mais ou menos, entre £ 80:000 ou 90:000.
A junta consultiva veiu aconselhar agora, e a companhia com isto se conformava, que d'estas £ 80:000 a 90:000 se deduzissem £ 23:000, quantia que poderia obter-se da venda do material de construcção depois de estar tudo completo.
Esta venda poderia effectuar-se a tempo e antecipadamente, de modo a produzir o dinheiro necessario para continuar a construção.
Deduzidas portanto das £ 90:000 estas £ 23:000, ainda ficam £ 67:000.
Era o que pedia a companhia.
Proseguindo n'esta ordem de considerações, o orador, de eis de se referir a outros pontos das declarações do engenheiro fiscal e do parecer da junta consultiva, para mostrar que tudo aconselhava o governo a adoptar a resolução que adoptou, no intuito de salvaguardar os interesse do estado, declara que em taes circumstancias não póde acceitar a proposta do sr. Fuschini, e que ha sufficiente fundamento para a camara poder adoptar o projecto elaborado pelo governo em harmonia com o parecer da junta consultiva de obras publicas.
Refere-se, por ultimo a um outro ponto, em que concorda plenamente com illustre
Deputado; e é que a liquidação seja feita, como deve ser, com o maximo cuidado, porque o seu resultado póde ser muito importante para o estado.
Entende que não nos devemos poupar a despezas, que nos podem depois dar fortes economias.
Não tem, por isso, duvida alguma, quando se tratar liquidação, em empregar todos os meios para que ella seja feita por pessoas e com elementos tão competentes, que possa obter-se um resultado tão proximo da verdade, quanto n'estes casos se póde exigir
Assegura que assim proverá.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, e portanto vae ler-se o projecto.
O sr. Julio de Vilhena: - Eu peço a palavra.
Vozes: - Deu a hora.
O sr. Presidente: - Não deu, mas está quasi a dar.
Reservo por isso no sr. deputado a palavra para ámanhã.
A ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.
Está levanta a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Rectificação
Na sessão de 14 d'este mez. a pag. 1061, depois do extracto do discurso do sr. ministro da fazenda., lêem-se estas palavras: "s. exa. não reviu", e depois do discurso do sr. Arroyo lê-se a declaração de que "o discurso será publicado quando s. exa. o restituir".
Houve troca, por equivoco. Esta ultima declaração diz respeito ao extracto do discurso, do sr. ministro, e aquella ao discurso, que está completo, do sr. Arroyo.
Na mesma sessão, a pag. 1063, col. 1.ª, lin. 38.ª, em vez de "folga", leia se "folgou".
Redactor = S. Rego.