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1280 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

publicado a pag. 1260 e 1261 d'este Diario, publica-se agora correcto e completo.

O sr. Bernardino Machado:- Continuando o seu discurso, começado na sessão anterior, tornou a ler a sua moção:
«A camara reconhece que a proposta do governo traduz lealmente a reforma constitucional estipulada no accordo dos partidos, e que encerra um pensamento de incontestavel progresso politico, quaesquer que sejam as modificações que na especialidade importe fazer-lhe, e continua na ordem do dia.»
Disse que na vespera não poderá entrar na demonstração d'esta moção; ia fazel-a, começando por se occupar do accordo.
Recordou o accordo em que, havia muito, se achavam os partidos sobre a necessidade da reforma da constituição, e ao mesmo tempo a dissidencia que viera a manifestar-se entre elles quanto ao processo de se realisar, entendendo uns que a devia realisar com as suas idéas, intransigentemente, o partido que estivesse no governo, e entendendo os regeneradores que só devia realisar-se pelo voto de todos os partidos monarchicos.
O primeiro processo era sem duvida mais expedito, mas o outro era de certo mais prudente e seguro, tirava á reforma toda feição partidaria, dava-lhe uma indiscutivel auctoridade. Esta divergencia foi retardando a reforma; não a emprehendiam os regeneradores, e depois o partido progressista não se achou com força de a promover.
Voltou, porém, ao governo o partido regenerador, e os factos das ultimas promoções de pares levaram-no ao reconhecimento de que não era possivel continuar o paiz a governar-se com a camara alta de nomeação regia. Assim se originou a ultima proposta regeneradora para a reforma constitucional.
A principio os progressistas, surprehendidos, imaginaram-se roubados no seu programma, como se a idéa do senado de origem mixta, de eleição popular e de nomeação regia, fosse privilegio seu, como se a missão dos governos fosse crear idéas e não applical-as. Era o momento de applicar esta, não por interesse partidario, mas por interesse geral da nação. Este foi o merito dos regeneradores. A opinião publica deu-lhes rasão e elles mantiveram-se por conseguinte no poder.
A proposta regeneradora correspondia a uma formula que podia satisfazer á media das aspirações dos partidos. Era pouco menos que a proposta historica, adoptada pelos progressistas, e, se na formação do pariato era um pouco mais conservadora do que a dos constituintes, na organisação do poder moderador era um pouco mais democratica.
Por isso sobre ella se estabeleceu o accordo. O orador historiou então as estipulações dos regeneradores com os constituintes e com os progressistas. Mostrou como foram dignas de parte a parte, e poz em relevo por um lado as declarações ministeriaes e por outro as dos chefes dos outros partidos.
Assim se chegara á lei de 15 de maio, que declarou a necessidade da reforma constitucional.
Disse que desde então havia já responsabilidades não só moraes, mas tambem legaes. Examinou-as.
D'essa lei decorreram duas obrigações: a do paiz eleger os deputados com faculdades constituintes, e a desta legislatura não exceder, querendo usar d'essas faculdades, os limites impostos á revisão pela legislatura precedente. A primeira obrigação era evidente. Para reconhecer a segunda basta observar que a carta exige para a sua revisão que duas legislaturas consecutivas concordem na necessidade d'ella. Ora, este accordo limita forçosamente o numero de artigos sobre que possa decidir-se a segunda legislatura. Senão succederia querer a primeira a reforma de um artigo, e vir a outra reformar todos, menos esse. Mas esta limitação não coarcta, é claro, a liberdade de decisão d'esta legislatura sobre cada um dos artigos, cuja reforma ambas julguem necessaria.
Da lei de l5 de maio não resulta outra obrigação. Nem do mandato constituinte que foi conferido aos deputados por virtude d'ella. Toda legislatura póde revogar uma lei ordinaria e esta á fortiori póde revogar a de l5 de maio. E póde, apesar do mandato constituinte, porque elle não é imperativo. Demais, ser necessario para a revisão o accordo de duas legislaturas consecutivas sobre a sua necessidade é o mesmo que dizer que a segunda póde estar por elle ou não. Senão o processo da carta, que tem por fim dar tempo á reflexão antes que se faça uma reforma constitucional, que não quer que em materia tão grave decida logo o voto de uma legislatura, que deseja que primeiro se forme a opinião do paiz, e julga que só depois os mandatarios da nação poderão dar um voto com verdadeira consciencia das necessidades publicas, este processo malograr-se-ia, pois que a necessidade da reforma vinha a ficar decidida logo á primeira legislatura, e a segunda tinha de rever a carta, ainda que o não julgasse necessario. Não póde ser.
Entendo tambem que a lei de l5 de maio não impunha ao governo a obrigação de apresentar uma proposta de reformas politicas, porque nenhuma lei ordinaria lhe póde tolher a liberdade de iniciativa, que lhe está garantida na carta. Elle apresentou-a por dever do cargo e por se achar a isso obrigado moralmente.
Alem das obrigações legaes resultantes da lei de 15 de maio havia as obrigações moraes provenientes do accordo dos partidos. O partido regenerador tinha a de apresentar uma proposta vasada nos moldes do accordo; assim fez. Para o verificar basta comparar a proposta com as declarações do sr. Fontes na commissão da camara dos pares, as quaes constam do relatorio do sr. Thomás Ribeivo. Este foi o procedimento leal do partido regenerador. Qual o dos outros partidos, ou antes do partido progressista e do chefe dos constituintes ? O sr. José Dias Ferreira que achava boa a reforma, senão optima, passou a achal-a pessima; os progressistas, que a tinham approvado na generalidade e affirmado que collaborariam n'ella até final, vieram agora declarar que a não consideravam uma base seria para a discussão. Pois soubessem que o seu dever era discutir todas as propostas do governo, ainda que para isso não tivessem tomado para com elle compromisso. Os deputados não têem só de votar, a propria palavra parlamento indica que devem discutir. Se não discutem todos e cada um é porque estão distribuidos em partidos e não tem cada um uma opinião individual, mas cada partido tem obrigação de intervir nas discussões. Pretendia o partido progressista que o seu procedimento anormal fora provocado pela dictadura inter-parlamentar do governo ? O orador não attenua a gravidade de tal acto, não é como o sr. José Luciano de Castro, que deu assento a esses abusos no nosso codigo politico, não; entende mesmo que não só as dictaduras são anti-constitucionaes - a não serem para as provincias ultramarinas, em que as tolera o acto adicional e a não serem para se suspender apenas alguma das formalidades que garantem a liberdade individual, e isto nos casos de rebellião ou invasão de inimigos, e pedindo-o a segurança do estado - que nunca podem suspender a independencia do poder legislativo que, como a de todos os poderes é, na expressão da carta, o meio mais seguro de tornar effectivas as garantias constitucionaes; mas entende igualmente que o parlamento nem o rei têem o direito de conceder um bill de indemnidade a taes excessos do poder executivo. Aonde está consignado esse direito? Mas a conclusão logica do acto dictatorial do governo, da praxe estabelecida das dictaduras, seria reformar ainda mais depressa a constituição e não a apotheose da dictadura, como a fez a voz mais eloquente do paiz, o deputado progressista, sr. Antonio Candido.