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SESSÃO DE 22 DE ABRIL DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Segunda leitura e admissão dê três projectos de lei, sendo um do sr. Beirão, outro do sr. Luiz de Lencastre e outro do sr. Lamare. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Luiz de Lencastre e A. Carrilho. - Requerimento de interesse particular mandado para a mesa pelo sr. Reis Torgal. - Justificações de faltas dos srs. Lopes Vieira, M. Bento da Rocha Peixoto e Mariano de Carvalho. - O sr. Antonio Centeno pergunta se o governo tenciona occupar-se ainda n'esta sessão do projecto de melhoramentos do porto de Lisboa. - Reponde-lhe o sr. ministro do reino. - O sr. Cypriano Jardim manda para a mesa uma proposta que liça para segunda leitura. - O sr. Avila apresenta, para ser enviado á commissão de fazenda, um parecer da commissão de guerra. - Apresentam tambem pareceres de commissões os srs. Barbosa Centeno e Cunha Bellem. - O sr. Ferreira de Almeida deseja dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da marinha, mas para não prejudicar a ordem do dia, por ser já tarde, reserva as suas considerações para melhor opportunidade.
Na ordem do dia o sr. Luiz Osorio continua o seu discurso, combatendo algumas disposições do projecto de lei referente á reforma constitucional e sustentando a moção que apresentou. - O sr. presidente dá conhecimento de um requerimento do sr. Mariano da Carvalho, pedindo licença para se ausentar do reino; foi concedida. - Lê se uma participação do fallecimento de um irmão do sr. Thomás Bastos. - Segue-se na tribuna o sr. Alfredo da Rocha Peixoto, que apresenta e defende algumas propostas que manda para a mesa, fazendo ao mesmo tempo largas considerações em resposta ao discurso do sr. Dias Ferreira. - O sr. Laranjo usa da palavra para pedir a publicação de uns documentos. - Dão explicações os srs. presidente e primeiro secretario e tomam parte no incidente o Br. Barros Gomes e ministro do reino.

Abertura - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 59 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Cunha Bellem, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Seguier, Augusto Poppe, Pereira Leite, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Sanches de Castro, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Estevão de Oliveira, Vieira das Neves, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Guilherme de Abreu, Augusto Teixeira, João Arroyo, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Laranjo, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, Pinheiro Chagas, Guimarães Camões, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Cândido, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, E. Coelho, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Francisco Beirão, Mártens Ferrão, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Baima de Bastos, Franco Frazão, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado. J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Avellar Machado, José Borges, Elias Garcia, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz Jardim, Manuel de Medeiros, Mariano de Carvalho, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Visconde das Laranjeiras e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Anselmo Braamcamp, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Augusto Barjona de Freitas, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Conde de Villa Real, Emygdio Navarro, Góes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Castro Mattoso, Wanzeller, Frederico Arouca, Costa Pinto, J. A. Pinto, J. C. Valente, Melicio, Ribeiro dos Santos, J. A. Neves, Correia de Barros, Dias Ferreira, José Luciano, Ferreira Freire, Lourenço Malheiro, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Marcai Pacheco, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Roberto, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão e Visconde do Rio Sado.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Tenho a honra de apresentar á vossa deliberação o projecto de lei que abaixo segue, e cuja justificação se acha feita na representação de differentes juntas de parochias que, com este, mando para a mesa.
Art. 1.° É abolido o imposto de portagem que actualmente se cobra na ponte de Santa Marinha, sobre o rio Neiva, na estrada real da villa de Barcellos á cidade de Vianna do Castello.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = O deputado, Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores deputados da nação. - E bem certo que ao passo que as nações caminham na senda do seu desenvolvimento e progresso, nem sempre esse desenvolvimento e progresso se accentuam por igual e parallelamente no campo moral e no campo material; todavia é uma grande verdade que á medida que a civilisação se adianta e se fazem sentir mais as necessidades da vida material, mais sensiveis se tornam tambem as necessidades da ordem moral, ás quaes todos devem procurar acudir com remedios efficazes e energicos.
A estas leis, que todos os pensadores modernos procuram frisar bem na historia da civilisação, mais convém que attendam as nações, cuja autonomia conta seculos e foram as primeiras a servir de exemplo, pela sua fé e religião, a outras, que só mais tarde se agruparam e constituiram. Portugal póde dizer-se que ensinou a caridade aos outros povos, creando as suas admiraveis misericordias;

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mas a geração actual, continuando a proteger estas santas casas, cabe-lhe a obrigação de as completar, fundando novas instituições que concorram por meios diversos para o fim commum e evangelico do amor do proximo, levando mais outros soccorros indispensaveis ás variadas miserias que affligem a sociedade.
Entre as associações creadas modernamente distingue-se particularmente a associação de Santa Maria Magdalena, cujos estatutos foram approvados pelo alvará do governador civil de Lisboa, de 18 de julho de 1884, e que tem hoje a sua séde n'uma parte do convento de Nossa Senhora da Conceição, ao Grillo, concedida provisoriamente á mencionada associação por portaria de 24 de dezembro de 1884, tendo sido depois gasta uma avultada quantia para a appropriar para os fins a que é destinada. Receiam, porém, os associados, dar maior desenvolvimento ás obras do convento, por não ser a concessão definitiva, e poder ser prejudicada a associação nos seus escassos recursos financeiros, inutilisando-se os esforços empregados para a desenvolver, e nem mesmo n'este estado de situação provisoria poder-se-ha obter todos os auxilies desejados; portanto, é patriotico e honroso para o poder legislativo contribuir pela sua iniciativa, para que cesse este estado de interinidade, que impede o progresso de uma obra tão caridosa, como é a regeneração de desgraçadas mulheres, que vêem pedir á associação de Santa Maria Magdalena refugio contra a degradação em que jazem, salvando-se pela religião e pelo trabalho; n'este sentido senhores, e considerando a justiça das rasões expostas, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A associação denominada de Santa Maria Maria Magdalena, com estatutos approvados em 18 de julho de 1884, e que tem a sua séde em Lisboa, é concedido definitivamente o convento de Nossa Senhora da Conceição, ao Grillo, com a sua igreja, cerca e todas as mais dependencias.
Art. 2.° São igualmente concedidos á mesma associação todos os objectos necessarios para o culto, que se encontram no referido convento e que possam servir para os fins da associação.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, em 21 de abril de 1885. = Luiz de Lencastre = Santos Viegas.
Foi admittido e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - Sendo de urgente necessidade harmonisar o codigo de justiça militar com as alterações que ao codigo penal ordinario e lei de 1 de julho de 1867 foram feitas pela nova reforma penal approvada pela carta de lei de 14 de junho de 1884, a qual extinguiu, reduziu e substituiu algumas das penas maiores, adoptadas tambem no referido codigo de justiça militar; tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado á revisão do codigo de justiça militar em vigor, em harmonia com as alterações estabelecidas na nova reforma penal approvada pela carta de lei de 14 de junho de 1884 e com a nova publicação official do codigo penal ordinario a que se refere o artigo 5.° da mesma lei.
Art. 2.° Nos tribunaes militares serão desde já observadas, e na nova publicação do codigo de justiça militar comprehendidas, as beneficas disposições do artigo 4.° e § unico da citada lei, emquanto á prisão preventiva; considerando-se portanto a pena de prisão militar como equivalente de pena de prisão correccional.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, em 21 de abril de 1885.= José da Gama Lobo Lamare.
Foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de legislação criminal.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PURLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja com urgencia enviado a está camara o parecer da commissão encarregada de consultar ácerca do regimento dos defuntos e ausentes do ultramar. = Luiz de Lencastre.
Mandou-se expedir.

2.° Por parte da commissão de fazenda requeiro que seja ouvido o governo sobre o adjunto projecto de lei n.° 48-B.
Sala da commissão, 22 de abril de 1885. =A. Carrilho, secretario.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De D. Francisco de Sousa, pedindo que seja prorogado o praso estabelecido na lei de 21 de abril de 1866.
Apresentado pelo sr. deputado lieis Torgal e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de legislação civil.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que tenho faltado ás anteriores sessões d'esta camara no corrente mez por motivo justificado. = O deputado, Lopes Vieira.

2.ª O sr. deputado Manuel Bento da Rocha Peixoto tem faltado ás sessões por motivo justificado. = Alfredo da Rocha Peixoto.

3.ª Declaro que por motivo justificado deixei de comparecer a algumas sessões da camara durante este mez. = Mariano de Carvalho.

O sr. Antonio Centeno: - Sr. presidente, eu ha uns poucos de dias que mostrei desejos de dirigir umas perguntas ao sr. presidente do conselho e ministro das obras publicas. Por circumstancias alheias á minha vontade não me tem sido possivel o fazel-as, já porque temos entrado na ordem do dia logo que se abre a sessão, já porque não me tem sido dada a palavra antes da ordem do dia, em occasião que estivesse s. exa.
Como o sr. presidente do conselho está agora empenhado n'uma discussão bastante importante na outra casa do parlamento e não virá a esta camara senão finda ella, eu não posso demorar por mais tempo as perguntas que desejava fazer a s. exa.; por isso aproveito para as fazer a occasião de estarem presentes os srs. ministro do reino e da marinha, pedindo a s. exas. que lh'a communiquem.
Eu espero dever ao sr. presidente do conselho a honra de me responder ás perguntas que desejo fazer-lhe sobre um assumpto da mais alta gravidade e que politicamente tanta importancia teve ainda ha pouco tempo, que provocou uma crise no seio do actual gabinete, crise que se resolveu e liquidou com a saída de dois dos seus illustres membros.
Refiro-me aos melhoramentos do porto de Lisboa.
Antes, porém, de proseguir, desejo fazer ao sr. presidente do conselho uma declaração. Eu não venho aqui apreciar as palavras que alguns jornaes apresentaram como de s. exa., respondendo á associação commercial, para concluir que s. exa. tenha faltado ao que se comprometteu. Não trago para aqui nem as declarações que haja feito a esta associação, nem a outra qualquer, que sobre o assumpto se lhe tenha dirigido.
Respeito muito as pessoas collocadas na alta posição em que está o illustre presidente do conselho para que me atreva a duvidar das suas palavras, por quanto, a s. exa. muito especial e particularmente, considero como incapaz

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e faltar aos seus compromissos, e muito mais incapaz ainda, de os contrahir com a idéa reservada de faltar a elles.
O que eu desejava era ouvir a sua opinião franca e aberta, declarada aqui no parlamento, com respeito ao projecto de melhoramento do porto de Lisboa.
Estas- obras, cuja necessidade e urgencia são por todos reconhecidas, considero eu como inadiaveis, a fim de que o porto de Lisboa possa ter a importancia que lhe compete pela sua posição geographica e por muitas outras, que sabiamente aproveitadas, hão de concorrer para o augmento da nossa riqueza publica, fomentando todo o nosso commercio e desenvolvendo toda a nossa industria.
Não desconheço que tal emprehendimento, pela sua importancia e magnitude, ha de acarretar para o nosso thesouro, encargos mais ou menos graves, mas sempre grandes, mas não desconheço igualmente, antes estou d'isso convencido que a sua realisação compensará de futuro, e bem largamente, todos os sacrificios que se fizerem.
Devem, pois, as obras do porto de Lisboa, merecer toda a attenção dos poderes públicos, por quanto não interessam ellas só a Lisboa; mas a todo o paiz, não são só os interesses d'uma cidade que as reclamam, são os interesses de toda a nação.
Havendo presentemente alguns jornaes noticiado a apresentação de uma proposta, eu espero que o governo me declare qual a sua opinião ácerca da opportunidade de taes obras; se pensa em promover ainda n'esta sessão discussão sobre este assumpto n'esta casa do parlamento, e a tempo de poder ainda recaír discussão e votação sobre elle na outra camara.
Se os srs. ministros presentes me poderem esclarecer sobre este assumpto, muito reconhecido lhes ficaria pelas suas respostas.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Eu transmitirei ao sr. presidente do conselho as palavras do illustre deputado.
Pela minha parte só posso dizer o que já é conhecido por todos.
O sr. presidente do conselho declarou por mais de uma vez que empregaria todos os esforços para que seja apresentada á camara e discutido ainda n'esta sessão o projecto de lei sobre os melhoramentos do porto de Lisboa.
Esta é a idéa do sr. presidente do conselho e estou convencido que não se poupará a esforços para a levar a effeito.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Antonio Centeno: - Eu agradeço muitissimo a exa. a resposta que acaba de dar-me.
O sr. Cypriano Jardim: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que cada numero do Diario do governo seja, de futuro, acompanhado por um extracto da sessão do dia anterior, igual ao que é distribuido á imprensa periodica. = Cypriano Jardim.
Ficou para segunda leitura.

O sr. Antonio José d'Avila: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra ácerca do projecto de lei n.° 105-A, que tem por fim auctorisar o governo a restituir á effectividade do serviço, na situação anterior á sua reforma, o general de divisão reformado, Placido Antonio da Cunha e Abreu.
Enviado á commissão de fazenda.
O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa dois pareceres; um da commissão do ultramar, ácerca da proposta n.° 6-M, auctorisando o governo a reintegrar no posto de tenente do exercito da Africa oriental a Francisco José Diniz e outro da commissão do ultramar, ácerca da proposta do governo n.° 35-F, que tem por fim transferir das juntas de fazenda para os juizes de direito a arrecadação e liquidação das heranças d'aquelles que morrem nas colónias, sem ahi deixarem herdeiros ou representantes.
Enviados, o primeiro á commissão de fazenda, e o segundo á commissão de legislação civil.
O sr. Presidente: - Vou dar agora a palavra ao sr. deputado Ferreira de Almeida, que a pediu para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha, mas pedia a s. exa. que não se alargasse muito nas suas considerações, porque ás tres horas temos de entrar na ordem do dia.
O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, é tão curto o espaço de tempo que v. exa. me dá, que me é inteiramente impossivel quasi que enunciar, quanto mais desenvolver, os assumptos de que desejo tratar.
Ha tempo já que espero a occasião de poder, antes da ordem do dia, chamar a attenção do governo para diversos assumptos de administração e, ou pela não comparencia dos srs. ministros antes da ordem do dia, ou por limitadíssimo tempo que se concede para estas discussões, a occasião ainda não chegou, e hoje, que se apresenta, v. exa. dá-me um espaço de tempo tão limitado, dez minutos, que quasi me não animo a apresentar qualquer ordem de considerações, por mais restrictas que podessem ser.
Tencionava fallar sobre vários assumptos de administração e sobre as medidas novas que se devem tomar contra a possivel invasão do cholera que assola já alguns pontos do reino vizinho, e o provavel estado belligerante entre a Russia e a Inglaterra, como já enunciei n'outra sessão, sem desenvolver, por se não achar presente, nenhum dos membros do gabinete.
Mas alem d'estes ha outros assumptos que dizem respeito ao ministerio da marinha, e mesmo da guerra, que passo a indicar, para que a camara os aprecie, e veja que só com este pequeno exordio levo os poucos minutos que me são concedidos, e que é justificado o empenho, alem do dever, que tenho de tratar d'estes assumptos.
Quando se discutiu o bill de indemnidade tive a occasião de chamar a attenção do governo para diversos ramos de serviço naval, e tendo occupado a attenção da camara já cinco quartos de hora, entendi dever deixar para outra opportunidado completar as minhas apreciações.
O governo, não se apresentando na camara antes da ordem do dia, senão por vezes muito raras, e por limitadissimo tempo, tem feito com que, a esses assumptos a tratar, acresçam outros que pedem a critica parlamentar; o governo, porém, com os expedientes que vae usando, colloca o parlamento nas condições de se discutir o que ao governo aprouver fazer dar para ordem do dia, o nada mais!
As questões, alem das duas já indicadas, dizem respeito ás fabricas navaes do estado, arsenal de marinha e cordoaria, operarios respectivos e guardas, escola naval, engenheiros hydrographos, machinistas, capellães, veteranos, companhia de torpedeiros, tirocinios, postos de accesso para o ultramar, etc.
Quando em tempo faltei sobre assumptos navaes, disse eu que seria regular e conveniente que pelo ministerio da marinha fosse presente á camara um relatorio, em que o respectivo ministro dissesse em que condições se achava o serviço e o material, e que providencias immediatas e economicas havia a adoptar.
O sr. ministro, por essa occasião, prometteu apresentar o seu relatorio com as competentes propostas de lei que fossem indispensaveis para regularisar os serviços dependentes do seu ministerio, mas tendo já passado o periodo regular da sessão legislativa, e indo já adiantado o período extraordinario, temo que o relatorio venha tão tarde que não possa ser approvado nesta sessão com as respectivas propostas que o acompanhem.
Para a camara fazer uma idéa rapida do estado das questões que me propunha tratar, bastará dizer-lhe, por exemplo, que a companhia e escola dos torpedos, que se

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compõem de setenta praças, com cinco officiaes de marinha, tem quatro de patente superior!
Sr. presidente, estando já apresentado á approvação do parlamento o tratado ou convenção de Berlim ácerca do Zaire, parecia que era urgente a apresentação ao parlamento da organisação geral dos dominios que vão estar sujeitos á nossa posse effectiva, dando assim mais um elemento por onde se aprecie e julgue das vantagens d'aquella convenção.
Vista a falta de tempo, sr. presidente, seria melhor que v. exa., de accordo com o sr. ministro, marcasse um dia para se effectuar esta palestra, como se resolveu para a interpellação do sr. Eduardo Coelho ao sr. ministro do reino.
Eu desejo tratar d'estes assumptos por dever do cargo e porque a elles estão ligados os melhores interesses dos contribuintes porque se trata do melhor aproveitamento da despeza publica; e chamo-lhe palestra, sr. presidente, e não interpellação, porque esta ultima palavra dava ao caso um caracter politico e de lucta, que destoaria da santa paz, ou paz podre, como vulgarmente se diz, em que nos achâmos, o que não me impedirá de pedir as devidas contas ao governo, apenas com menos apparato de fórma.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O illustre deputado disse muito bem que os numerosos assumptos para que deseja chamar a minha attenção, difficilmente poderão ser tratados antes da ordem do dia, quando de mais a mais ha necessidade de se proseguir na discussão de um assumpto tão importante, como é o das reformas politicas.
Estou prompto, ainda mesmo que o sr. Ferreira d'Almeida não queira dar ás suas perguntas a fórma de interpellação, e isto de accordo com o illustre deputado e com v. exa., a vir aqui no dia que for fixado, responder, quanto couber nas minhas forças, a todas as perguntas e observações do illustre deputado.
Com relação a um ponto a que s. exa. se referiu especialmente, á apresentação do meu relatorio, devo dizer ao illustre deputado que tenho já congregados todos os elementos, e não são elles pouco numerosos, que pedi para a elaboração d'esse relatorio. Vou tratar d'isso immediatamente, e espero puder ainda apresental-o durante esta sessão.
S. exa. sabe que não tenho descurado os assumptos do ministerio a meu cargo (Apoiados); tenho já apresentado algumas propostas de lei, e espero apresentar outras com as quaes procuro dar remedio a alguns dos males que existem na administração da marinha; e terei mesmo o prazer de poder contar com a collaboração illustradissima de s. exa., que já me deu provas de que deseja, afastando-se das questões politicas n'este terreno, auxiliar-me, debaixo do seu ponto de vista, em todos os esforços que se fizerem para levantar o nivel da classe a que o illustre deputado pertence o de que é um illustre ornamento.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Tenciono marcar um dia para as interpellação dos srs. Eduardo Coelho e Coelho de Campos. N'esse mesmo dia, se for possivel, ou noutro que tambem designarei, poderá então o sr. Ferreira d'Almeida tratar dos assumptos do que deseja occupar-se.
Ainda estão inscriptos alguns srs. deputados, mas a hora está muito adiantada, e por isso vae passar-se á ordem do dia, ficando inscripto o sr. Laranjo para antes de se fechar a sessão.
Se alguns srs. deputados têem papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.
O sr. Cunha Bellem: - Mando para a mesa o parecer da commissão de marinha, sobre a proposta do governo, tendente a melhorar as condições da classe medico-naval.
Mando tambem o parecer da commissão de saude, sobre o requerimento de Aleixo Justiniano Socrates da Costa, facultativo de 2.ª classe da provincia de Cabo Verde, protestando contra a disposição do § unico do artigo 9.° do decreto de com força lei de 2 de dezembro de 1869.
O primeiro foi á commissão de fazenda- o segundo á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 13

O sr. Luiz Osorio: - Continuando o seu discurso, começado na sessão anterior, disse que hontem, alem de notar os inconvenientes que podiam derivar de se encontrar a lei fundamental do paiz fragmentada em tres partes: carta constitucional, primeiro acto addicional e segundo acto addicional, tocára nas seguintes questões: a de saber quaes os artigos da carta que eram constitucionaes, para se saber o caminho a seguir na reforma; a de saber se a reforma devia ser feita só pela camara dos deputados ou se havia de collaborar n'ella a camara dos pares, decidindo-se pela primeira opinião, porque entendia que ella está no espirito da carta, ainda que não esteja na sua letra, e a do accordo.
Trataria agora de alguns artigos do projecto, reservando-se para tratar mais largamente no fim o 6.°, a respeito do qual divergia da proposta do governo. - Mostrou-se favoravel ao artigo 1.°, que diz que os pares e deputados são representantes da nação e não do Rei que os nomeia, ou dos circulos que os elegem; e ao seu paragrapho, que dispõe que a constituição não reconhece mandato imperativo.
Tambem entendia que era conveniente o artigo 2.° que marca tres annos para a duração de cada legislatura.
A carta constitucional marcava quatro annos para essa duração, mas na redacção d'este projecto attendêra-se, de certo, a que, de anno para anno, vae decaíndo a genuidade da representação nacional, porque deixam do ser eleitores alguns individuos que o eram, por morte e por outros motivos, e passam a ser eleitores individuos que o não eram; e attendêra-se provavelmente a que, por este meio, se evitavam eleições repetidas.
Concordava, portanto, com o artigo 2.°
A respeito dos artigos 3.°, 4.º e 5.°, reservava-se para ouvir o sr. Dias Ferreira, que, tendo assignado o parecer com declarações, não podia deixar de fallar a respeito d'elles na especialidade.
Só dizia, quanto ao artigo 3.°, que, tendo sido abolida a pena de morte, era necessario redigir a disposição constitucional a respeito da prisão dos membros do parlamento em harmonia com esse facto.
O artigo 7.° dispunha que o liei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus ministros.
Folgava de ver a responsabilidade ministerial inscripta no pacto fundamental.
Todos os empregados desde os mais humildes eram responsáveis, e a responsabilidade devia augmentar á medida que augmenta a importancia dos cargos. Portanto os ministros não podiam deixar de ser responsaveis.
Já a carta dizia isto, mas os ministros não eram effectivamente responsaveis, porque, sendo necessario para esse fim uma lei regulamentadora, essa lei nunca tinha apparecido.
Era necessario que apparecesse quanto antes essa lei, para os ministros se tornarem realmente responsaveis.
No § 2.° d'este artigo dispunha-se que o Rei tem a faculdade de prorogar, adiar e dissolver a camara dos deputados e a parte electiva da camara dos pares, convocando, n'este ultimo caso, as novas curtes dentro do praso de tres mezes.
E no § 3.° estatuía-se que o Rei tinha a faculdade de perdoar ou moderar as penas impostas aos réus condenmados por sentença.
Conformava-se com estas disposições. Só em relação á

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prorogação das côrtes diria que o praso de tres mezes estabelecido para a duração de cada sessão annual é curto e deveria ser elevado pelo menos a quatro mezes.
Quanto ao artigo 8.°, que trata do beneplacito regio, dizia que a questão estava emaranhadissima, porque as opiniões apresentadas são muito diversas.
Uns entendiam que a camara estava no direito de deixar de reformar qualquer artigo designado na lei que convocou estas côrtes, e outros entendiam que a camara tinha a, obrigação de reformar todos os artigos designados n'aquella lei.
Pela sua parte, se podesse suppor que do mandato que o trouxe á camara resultava a obrigação de reformar qualquer dos artigos d'este projecto, não viria aqui, porque acima de tudo está a sua inteligencia.
Nenhum poder do mundo o podia obrigar a reformar qualquer artigo da carta, quando entendesse que elle não carecia de reforma.
Não se podia obrigar uma camara differente d'aquella que decretou a necessidade das reformas a reformar qualquer dos artigos designados.
A camara estava, pois, no direito de deixar de reformar o artigo que se refere ao beneplacito; mas nas actuaes circunstancias do paiz podia fazel-o?
O sr. Arroyo apresentara uma grande porção de documentos respeitantes ás relações entre o governo e a santa sé para provar que nunca o beneplacito fôra posto em duvida; mas o sr. Silveira da Motta apresentara tambem muitos documentos em sentido contrario.
N'estas circunstancias entendia que o § 14.° do artigo 75.° da carta devia ser reformado de modo que fique bem expressa a necessidade do beneplacito não só para as bullas, mas tambem para as pastoraes dos bispos.
O sr. Marçal Pacheco disséra que não havia a minima cousa a receiar da igreja, o que não demonstrou, e de que portanto ha o direito de duvidar; e que, se se dá liberdade aos dynamitistas, aos socialistas e aos republicanos, tambem se devia dar liberdade á igreja.
Havia uma differença a que era preciso attender.
Se, por exemplo, um governador civil dynamitista ordenasse aos administradores de concelho, tambem dynamitistas, que fizessem explosir bombas de dynamite, seriam castigados.
Se um distincto tenente coronel e um illustre professor do curso superior de letras, que são republicanos, se servissem das suas respectivas posições para espalharem proclamações e defenderem as idéas republicanas, seriam castigados igualmente.
Não se dava isso com a igreja.
Pelo que respeitava aos artigos 9.°, 10.° e 11.° tinha a dizer que não lhes achava inconvenientes.
Com relação ao artigo 6.°, que correspondia ao artigo 39.° da carta, é que divergia muito do governo.
Este artigo da carta, que dizia que a camara dos pares seria composta de membros vitalicios e hereditarios, nomeados pelo Rei e sem numero fixo, era coherente, homogeneo e harmonico.
Tratava-se dos tres elementos do meio em que se vivia: clero, nobreza e povo.
Aberta a camara dos deputados para a representação da classe popular, devia abrir-se a outra camara para a representação das outras duas classes.
Para debellar os attrictos que apparecessem havia quanto ao governo a demissão, e quanto á camara dos deputados a dissolução.
Fôra preciso dar-se e dera-se aos membros do clero na camara alta a qualidade de vitalicios, e aos membros da nobreza a qualidade de hereditarios não se lhe limitando o numero.
Hoje os tempos eram outros. Acabaram-se os vinculos e os prazos de vida, e vieram as leis de desamortisação. Os privilegios acabaram e as classes fundiram-se. Hoje todos representavam o paiz, como dizia o proprio projecto; e, se todos representavam o paiz, todos deviam ser da eleição do paiz.
Marque-se um praso mais longo do que aquelle que vem no projecto para a duração d'aquella camara; mas, acabado esse praso, volte-se de novo a consultar o paiz.
Não desejava que fossem prejudicados os direitos adquiridos dos actuaes pares; uma disposição de caracter transitorio podia salvar esses direitos.
Nas nações modernamente constituidas, como a Servia, a Bulgaria e a Grecia encontrava exemplos a favor da sua opinião.
Na questão de hereditariedade não tocava porque a julgava uma questão morta. Qualquer defeza que se pretendesse fazer d'este principio havia de ser sempre mesquinha, por maior que fosse o talento do defensor, como se viu ainda ha pouco com o sr. conde do Casal Ribeiro, apesar das suas altas faculdades.
Era favoravel á existencia de uma segunda camara, porque a julgava um acto moral contra os excessos da camara dos deputados. Quizera que se marcasse a idade dos quarenta annos como minimo para qualquer individuo entrar na camara alta, porque n'essa idade se possue a virilidade intellectual necessaria para aquelle cargo.
Referindo-se ao artigo 40.° da carta, que determina que o Principe Real e os Infantes sejam pares por direito, desejaria que elle fosse eliminado, porque entendia, como o sr. Dias Ferreira, que a corôa deve conservar-se n'uma esphera de irresponsabilidade absoluta.
Tanto os proprios interessados têem reconhecido o melindroso d'esta disposição, que desde que ella se estabeleceu ate hoje só um tomára assento na camara dos pares, para lá não voltar.
Disse que approvava a generalidade do projecto, porque votava a generalidade das suas disposições; mas desejava uma reforma mais completa na camara dos pares.
Tinha sido apresentado um projecto de liberdade de cultos, e antes de tudo devia dizer que era catholico e que esperava morrer catholico. As rasões principaes que podia allegar em sua defeza, não tinham nenhum homem de sciencia que as patrocinasse; mas tinham a memoria de um grande tribuno, que dissera que era catholico porque bebera essas idéas com o leite, e porque tambem o foram seu pae e sua mãe. Pelos mesmos motivos era catholico; mas entendia que as commissões não tinham o direito de deixar morrer nos seus archivos um similhante projecto.
Approvava o projecto e isso não queria dizer que não desejasse reforma mais profunda, assim como queria a reforma na organisação de ensino na administração colonial e nas finanças do paiz, e devia dizer tambem que era doudamente cnthusiasta do alargamento da instrucção do paiz.
Terminando, disse que pedia á camara que se não esquecesse que a instrucção moral do povo estava acima de tudo, a fim de que elle comprehendesse os direitos e deveres do cidadão, e com dignidade os zelasse, e com dignidade os cumprisse.
(O discurso será publicado na. integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphisae.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, approvando a generalidade do projecto de lei que se discute, deixa salva a declaração de que mais funda reforma desejava, e continua na ordem do dia. - O deputado, Luiz Osorio.
Foi admittida.

O sr. Presidente: - Vae ler-se um requerimento apresentado pelo sr. Mariano de Carvalho.
É o seguinte

Requerimento

Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se me

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1268 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Aconcede licença por um mez, a fim de sair do reino para negocios urgentes. = Mariano de Carvalho.
Foi concedida a licença.

O sr. Presidente: - Agora vae ler-se um officio que acaba de ser recebido na mesa do sr. deputado Thomás Bastos.
Leu-se e é o seguinte

Officio

Illmo. e exmo. sr.- Participo a v. exa. que em consequencia de me ter fallecido um irmão não posso comparecer ás sessões da camara dos senhores deputados.
A v. exa. me dirijo sem procurar algum collega para fazer esta communicação, porque a benevola amisade com que v. exa. me distingue a isso me auctorisa.
De v. exa., att.° vor., collega ob.° - Lisboa 22 de abril de 1885.= Thomás Bastos.
Mandou-se desanojar.

O sr. Alfredo Peixoto (sobre a ordem): - Começo por ler as minhas propostas.
São as seguintes:
«Ao artigo 1.° proponho a substituição:
«Os pares e deputados são representantes só da nação.
«§ unico. É prohibido o mandato imperativo.
«Assim fica interpretado e additado o artigo 14.° da carta constitucional da monarchia.
«Proponho a seguinte redacção para o artigo 2.°:
«Cada legislatura é de tres annos; cada sessão annual é de tres mezes.
«Ao artigo 3.° proponho a alteração:
«Nenhum representante da nação, par ou deputado, póde ser preso, salvo por ordem da sua respectiva camara, ou em flagrante delicto punivel com a mais elevada pena do codigo criminal que estiver em vigor na epocha do delicto.
«Fica substituido assim o artigo 20.° da carta constitucional da monarchia.
«Ao § 2.° do artigo 6.° proponho o additamento:
«o presidente e os dois juizes mais antigos do supremo tribunal de justiça; os decanos das faculdades academicas.
«Proponho que no § 2.° do artigo 7.° seja declarado expressamente que o Rei só póde dissolver a camara dos deputados e a parte electiva da camara dos pares quando as côrtes estejam reunidas e a funccionar; excepto no caso em que, tendo sido convocadas, as côrtes se recusem a reunir-se, caso em que o Rei póde dissolver dentro de dez dias, depois do que tiver sido fixado para a abertura da sessão, a camara dos deputados, ou a parto electiva da camara dos pares, ou ambas.
«Proponho que no § 3.° do mesmo artigo, seja tambem declarado expressamente que nunca possam ser perdoadas nem moderadas as penas impostas pelos crimes de parricidio, filicidio e contra o pudor de uma menor commettido por seu pac.
22 de abril. = Alfredo da Rocha Peixoto.»
Foi para sustentar estas propostas que pedi a palavra sobre a ordem. Como v. exa. e a camara vêem, eu podia inscrever-me tanto a favor como contra, porque, approvando a generalidade e quasi todas as disposições do projecto, apenas me afasto de algumas.
Declaro á camara que me causou profunda satisfação ouvir o discurso do illustre deputado que acaba de fallar, não só pela muita consideração que tenho por s. exa., como por que veiu trazer-me doce consolação no pesar que sentia por se haver o partido progressista affastado da discussão.
Conheço ha muitos annos o sr. Luiz Osorio, a quem devo uma das mais distinctas finezas que tenho recebido; estava ancioso por ouvir a s. exa., porque para mim era certo que, como orador, havia de confirmar os seus credi-os de poeta distincto e mimoso.
Referem as letras sagradas que, por invocação de Josué, foi suspenso, por instantes, o andamento regular e eterno dos mundos, ha quem duvide do milagre; mas, por invocação do Josué do partido progressista, por invocação do sr. conselheiro Braamcamp, sabemos que a voz auctorisada eloquente do sr. Antonio Candido não póde auxiliar-nos agora.
Não quero saber os motivos que determinaram o partido progressista a proceder assim, porque não creio que haja motivo algum serio que leve um partido a abster-se da discussão, desde que tem no seu seio vozes como a do sr. Antonio Candido. Quem tem um orador assim, não póde tomar uma decisão para que os seus membros sejam prohibidos do fallar.
E eu leio na fisionomia angustiada do sr. Antonio Candido que s. exa., na sua consciencia, me dá rasão.
O sr. Antonio Candido sabe que não sou adulador. Ha muito tempo que o considero assim; conheço-o e estimo-o ha perto de quinze annos; conheci a s. exa., quando ainda nenhum membro do partido progressista o conhecia.
N'um dos primeiros dias de agosto de 1870, tive a fortuna de ouvir ao sr. dr. Antonio Candido uma oração, que me deu logo a esperança, até a certeza, de que s. exa. havia de ser um dos primeiros oradores do seu paiz e do seu tempo.
Sr. presidente, o chefe do meu partido tem sido injustamente accusado de exercer tyrannia, de ser despota para nós, os homens que o acompanhâmos e seguimos na politica. Posso asseverar que s. exa. é incapaz de impor o silencio ao mais obscuro dos membros do seu partido; e se, num futuro que Deus traga longe, chegar a ser chefe do meu partido alguem que pretenda exercer similhante violencia contra qualquer de nós, estou convencido de que esse homem ficará immediatamente isolado.
Sr. presidente, na constituição decretada pelas côrtes em 23 do setembro de 1822 e acceita pelo Rei em 1 de outubro do mesmo anno, encontrei o artigo 104.°, que diz o seguinte: «Lei é a vontade dos cidadãos declarada pela. unanimidade ou pluralidade dos votos de seus representantes juntos em côrtes, precedendo discussão publica.
«A lei obriga os cidadãos sem dependencia da sua acceitação.»
Como se vê, em 1822 já se affirmava que uma lei, para obrigar quaesquer cidadãos, não precisava de ser acceita por elles; bastava que os representantes em cortes, tendo precedido discussão publica, a tivessem decretado.
E é do estranhar que o partido progressista, que está persuadido, não sei porque motivo, de que é o mais liberal de todos os partidos monarchicos, esquecesse completamente este artigo 104.° e se mostre ou finja convencido de que lhe fica salvo o direito de não reconhecer qualquer alteração ou reforma que introduzirmos no codigo fundamental do paiz.
E, comtudo, eu lamento profundamente esta deliberação do partido progressista; na minha vida publica é este o facto que mais me tem maguado.
Esta deliberação privou-nos, como já disse, da cooperação da eloquencia do sr. Antonio Candido; privou-nos do auxilio que haviamos de encontrar na experiencia do sr. José Luciano de Castro. Por esta deliberação ficâmos sem o auxilio dos methodos de verdadeira philosophia positiva, de que tem dado muito brilhantes provas o sr. conselheiro Barros Gomes. Não temos tambem a auxiliar-nos e sobre tudo a encantar-nos as finas subtilezas do sr. Veiga Beirão; e a vontade energica do sr. Emygdio Navarro fica tambem a negar-nos a sua coadjuvação, que havia de ser poderosa.
Não obstante, a reforma creio que ha de ser feita. Ha de

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ter a engrinaldal-a um discurso brilhante, que esta camara nunca ha de esquecer.
Refiro-me ao discurso do meu illustre amigo e collega, o sr. Luiz Osorio, a quem felicito pela sua brilhante estreia. (Apoiados..)
E aqui têm v. exa. e a camara, o motivo porque eu disse que o sr. Luiz Osorio veiu trazer me uma doce consolação.
Permitta-me v. exa., sr. presidente, permitta-me a camara e em especial o sr. Osorio, que eu, antes de responder a algumas considerações apresentadas por s. exa., e que não posso acceitar, responda ao distincto parlamentar a quem se toem dirigido mais alguns membros d'esta casa e que com magua sincera vejo ausente.
Desde que o sr. Dias Ferreira fez um discurso de tres, ou quatro horas, não tinha o direito de privar-nos da sua presença, tendo a certeza de que haviamos de responder-lhe.
Devia v. exa. lembrar-se de que fôra durante o seu discurso, manifestamente provocados por s. exa. que muitos pedimos a palavra sobre a ordem.
Caso notavel!
O unico que, respondendo a s. exa., teve a fortuna de o ver presente, foi o sr. ministro do reino; e naturalmente por ser ministro.
Mas é de estranhar, sr. presidente, que o chefe de um partido avançado, do partido constituinte, entenda que na camara da eleitos do povo só um ministro possa responder-lhe!
Pois respondeu-lhe triumphantemente o sr. Moraes de Carvalho.
E não era necessario grande esforço para responder ao que s. exa. aqui disse, com magua de quantos o ouviam, por uma fórma que não é propria nem da sua idade, nem da sua posição como deputado e homem de sciencia d'este paiz.
Sr. presidente, o sr. Dias Ferreira veiu assustar-nos com as dividas que viu por este paiz fóra. Repetindo a phrase do sr. Moraes de Carvalho, direi que s. exa. o sr. Dias Ferreira fez descobertas incriveis, sobretudo em questões de medias.
Descobriu por exemplo o juro médio 8 a 30 por cento e maximo de 55 por cento!
Juro medio de 8 a 30 por cento!
Esta é a media!
Vejam que limite para o calculo de uma media! 8 a 30!
Não venho criticar algumas das considerações desgraçadas de s. exa., que com certeza não exprimiam idéas suas, foram phrases que lhe escaparam.
Mas hei de criticar o seu modo de argumentar, que sem duvida foi por s. exa. bem reflectido e prudentemente pensado.
Ha um concelho onde s. exa. descobriu que a taxa media era de 20. Creio que foi em Pinhel; pouco importa o concelho; mas o que s. exa. não disse, e que era absolutamente indispensavel, foi o processo que seguiu no calculo d'esta media.
Assim não podemos apreciar os argumentos de s. exa., porque realmente nem sabemos por que fórma s. exa. fez os calculos.
Mas v. exas. vão ver que cautella é necessario ter para argumentar com as medias.
Apresentarei tres exemplos, pedindo á camara me desculpe, porque são realmente exemplos que occorrem a uma creança de quatorze annos, medianamente educada; e não o faria, se não tivesse observado, com grandissimo assombro, a impressão que as declarações de s. exa. fizeram, tanto aqui na camara, como lá fóra na imprensa.
Supponha v. exa. e a camara os tres seguintes casos:
Um concelho devo 28:000$000 réis; outro deve réis 21:000$000; e o outro deve 14:000$000 réis.
Quero assim dizer que sommam as quantias indicadas os capitães mutuados entre diversos individuos do mesmo concelho.
Supponhâmos estes tres concelhos com as mesmas forças productivas, com o mesmo rendimento. Estou persuadido de que, se eu perguntasse qual d'estes tres concelhos é o que está em melhores condições, ninguem me responderia, porque ninguem tomaria a serio a pergunta; e todavia, nas hypotheses que vou figurar, o sr. conselheiro Dias Ferreira, illustre presidente da commissão de fazenda n'esta camara, diria que em melhores condições estava o que devia 28:000$000 réis; depois o que devia 21:000$000 réis; e em ultimo logar o que devia 14:000$000 réis.
Supponhamos que no primeiro concelho, o dos réis 28:000$000, a divida está distribuida d'este modo: réis 4:000$000 a 20 por cento; 6:000$000 réis a 8 por conto; 10:000$000 réis a 7 por cento; 6:000$000 réis a 6 por cento; e 2:000$000 réis a 5 por cento.
Tive o cuidado de escolher os numeros por forma verosímil ; realmente não é natural que n'um concelho haja um capital importante, todo a juro de 20 por cento.
O juro mais frequentemente estabelecido é com a taxa de 7; por isto foi que, n'esta hypothese, considerei para esta um capital mais que qualquer dos que imagino mutuados com outras taxas.
Vejamos qual é, n'este caso, a taxa media lembro, porém, antes d'isso, que não é a media das taxas. É a que resulta da comparação da somma dos juros com a somma dos capitães.
Sem entrar em minuciosidades, que até poderiam parecer desconsideração por esta assembléa, procuremos a taxa media para cada um d'estes casos.
Na hypothese figurada, 28:000$000 réis rendem réis 2:440$000 réis; e portanto a taxa é de 8,71.
Vamos ao segundo concelho.
Este deve 21:000$000 réis: 3:500$000 a 20 por cento; 2:500$000 réis a 8; 8:000$000 réis a 7;5:000$000 réis a 6; e 2:000$000 réis a 5.
É facil de preceber se esta hypothese: os capitães emprestados a 20 por cento estão distribuidos por differentes devedores e a somma d'elles é 3:500$000 réis; o mesmo em relação ás outras quantias.
Como vêem, tambem n'esta hypothese, imagino que a taxa mais frequente é de 7.
A somma dos juros respectivos, por cada anno, é de 1:860$000 réis; sendo portanto a taxa media 8,86.
O sr. Dias Ferreira, que não sei como faz os calculos em questões d'esta ordem, havia de concluir que o concelho que devia 21:000$000 réis estava em peiores condições do que o que devia 28:000$000 réis; porque para o primeiro a taxa media é de 8,86 e para o outro é de 8,71.
Com relação ao terceiro concelho uma creança diria que este é o que está em melhores condições, sempre na hypothese de que os tres concelhos têem o mesmo rendimento; o que é evidente.
N'este ha indivíduos cujas dividas sommam 14:000$000 réis, com as taxas seguintes:

3:000$000 a .... 20
2:000$000 a .... 8
4:000$000 a .... 7
3:000$000 a .... 6
2:000$000 a .... 5

Note v. exa. que tambem n'este terceiro concelho, como nos outros, tive o cuidado de considerar, o que aliás é verosimil, a taxa de 7 a correspondente ao mais elevado capital. N'este caso os juros sommam em 1:320$000 réis; e a taxa media é 9,43.
Por consequencia, este concelho, no parecer do sr. Dias Ferreira, é o que está em condições mais desgraçadas.
De preposito, commetti um erro, para esclarecer mais a questão, aliás de extrema facilidade.

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Se olharmos para as differentes taxas veremos que uma d'ellas não póde ser incluida no calculo da media. Refiro-me á taxa de 20, que se desvia muito das outras.
Estas considerações elementares são de calculo mental; ensinam-se nas escolas de primeiras letras.
Por consequencia, para estes calculos, devemo-nos abster da taxa de 20 e considerar só as outras. Assim as taxas medias são no primeiro caso 6,82; no segundo 6,64; e no terceiro 6,55.
Mas este processo, com franqueza, ainda não é o rigoroso.
Para apreciar o estado de um concelho ou de uma casa, não temos de attender á taxa media dos juros que essa casa paga; mas sim á sua receita e aos seus encargos, nos quaes entram os juros; e comparar os saldos ou deficits com a receita total. A relação entre o saldo ou deficit e a receita representa o estado do concelho ou da casa.
Um outro sr. deputado, que foi discipulo muito distincto do sr. conselheiro José Dias Ferreira, o sr. dr. Avelino Calixto, deixou-se caír no mesmo erro, quando disse que era desgraçado o estado do paiz, porque temos orçamentos com deficits que tem augmentado successivamente. Para se ver que isto não é verdade, basta olhar para as contas do thesouro.
Já em outra occasião mostrei que realmente assim não tem sido; e não me demorarei agora em repetil-o.
Lerei apenas o quadro das relações entre os deficits e as receitas, deduzido do documento n.º 2 que acompanha o relatorio do sr. ministro da fazenda, considerando só a receita e a despeza total, e feitas as correcções indicadas ahi, que não são todas as que devemos fazer e com erros desfavoraveis para as administrações regeneradoras, como tambem já tive occasião de demonstrar.
O que se vê d'esse documento é o seguinte:
Relações entre os deficts e as receitas:

1879-1880 .... 1,44
1880-1881 .... 29,49
1881-1882 .... 20,37
1882-1883 .... 11,81
1883-1884 .... 3,59

É bom lembrar ao meu honrado amigo, o sr. Avelino Calixto, que este numero 29,49 corresponde a um anno economico quasi todo da responsabilidade do partido progressista e em especial do sr. conselheiro Barros Gomes.
Em presença do que acabo de ler, não sei como sr. dr. Avelino Calixto possa ver aqui um augmento, a não ser que parta do anno economico de 1883-1884 para o de 1879-1880; mas isto faz-me lembrar aquelle influente eleitoral que, pedindo a um ministro da justiça o despacho de um candidato para uma igreja, tendo sido esse candidato classificado em ultimo logar no concurso, dizia que era facil collocal-o em primeiro logar, bastando para isso voltar de baixo para cima a lista dos candidatos.
Foi este provavelmente o processo seguido pelo sr. Calixto, que talvez o aprendesse com o sr. conselheiro Dias Ferreira quando lhe ouviu fallar na tal media de 8 a 30.
Estas singelas reflexões devem convencer-nos do muito cuidado que convém ter na apreciação de uma administração financeira.
Sei que o sr. conselheiro José Dias Ferreira, que é um dos homens mais distinctos do meu paiz, como lente de direito, num mez só em que regeu, creio eu, a cadeira da theoria do processo, ensinou mais do que a maior parte dos seus collegas costumam ensinar n'um anno. Isto sei eu por me ter sido dito por um discipulo distincto de s. exa. n'esse tempo. Não recuso a s. exa. a justiça de consideral-o, como reputo, um dos mais eminentes e esperançosos estadistas da minha terra.
Mas o sr. conselheiro Dias Ferreira, depois que alcançou, e por justissimos titulos, esta reputação; julga-se no direito de affirmar quanto quer e de ser immediatamente acreditado.
Pensa s. exa. que n'esta casa muito poucos lêem o que apparece escripto; e que d'esses poucos quasi todos deixam de ter a coragem de apresentar quaesquer observações contra o que s. exa. tenha dito aqui.
Não posso explicar de outra fórma o que s. exa. disse a proposito do projecto que se discute.
Faz n'isso mal s. exa., porque, se ha quem, n'esta casa reconheça e mostre que não são exactas as suas affirmações, infelizmente lá fora são tidas na conta de verdadeiras.
Muitas vezes ouço apresentar e acceitar como argumento irrespondivel o seguinte: isto disse-o o sr. conselheiro Dias Ferreira.
Acredite s. exa. que, sempre que aqui affirma que o estado financeiro do paiz é desgraçado, prejudica mais a administração financeira do estado do que os muitos desperdicios que imagina e se lembra de accusar.
Só a declaração, feita por s. exa., de que o estado financeiro do paiz é desgraçado, é mais prejudicial para os verdadeiros interesses da nação do que o seriam os muitos desperdicios que lhe apraz phantasiar.
Mas o sr. conselheiro Dias Ferreira não foi infeliz só n'esta parte.
S. exa., como se esta questão das reformas politicas não lhe desse logar para discutir por quanto tempo quizesse, começou por fazer a historia das reformas politicas, desde que em 1871 o sympathico, nobre e honradissimo deputado o sr. Francisco Antonio da Silva Mendes, que tenho a fortuna de contar no numero dos meus amigos mais affeiçoados, veio apresentar um projecto, cujo relatorio, como todos affirmavam n'esse tempo e como todos sabem hoje, era devido a uma das mais brilhantes pennas do nosso paiz, a penna do sr. Latino Coelho.
Eu já estava n'esta casa quando foi apresentado aquelle projecto; e lembro-me de que todos ficaram desagradavelmente surprehendidos, menos os deputados que tinham assignado tal documento, que era aliás assignado por todos os deputados reformistas que então havia e por todos os cavalheiros d'esse partido que haviam pertencido á camara immediatamente anterior.
O sr. conselheiro Dias Ferreira foi, lembro-me bem, o que mais desagradavelmente surprehendido ficou, porque viu que o lemma da sua bandeira, isto é, da bandeira do partido constituinte, ficava pertencendo ao partido reformista.
Dizia s. exa. n'esta casa, ha pouco, na primeira parte do seu discurso: «O projecto de reformas politicas apresentado pelo sr. deputado Francisco Mendes, ou pelos deputados reformistas, não foi admittido á discussão; a discussão foi-lhe negada por grande maioria. Pela sua admissão á discussão votaram apenas os reformistas e votei eu.»
N'este ponto tomei a liberdade, tendo-me esquecido do que era o sr. conselheiro Dias Ferreira quem fallava, de lhe observar que não era rigorosamente exacta a sua affirmação; que bastava que olhasse para uma das cadeiras que tinha na sua frente e onde estava sentado o sr. bispo de Bethsaida para ver que estava enganado.
S. exa. então rectificou as suas palavras e disse: «O meu partido foi o unico que admittiu á discussão o projecto do sr. Francisco Mendes, alem do reformista.»
Mas o que era então o partido de s. exa. n'esta casa?
O seu numeroso partido d'esse tempo, ha perto de quatorze annos?
O numeroso partido á frente do qual s. exa. estava, na phrase do nobre estadista, o sr. duque d'Avila, então marquez e presidente do conselho de ministros, era constituido por s. exa., pelo sr. Wanzeller, pelo sr. visconde de Moreira de Rey, e, se não ha engano da minha parte, pelo sr. João Vasco Ferreira Leão.

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Eram estes os deputados constituintes que estavam na camara em 1871.
Quem quizer verificar quaes foram os outros deputados que admittiram á discussão o projecto a que mo refiro, encontrará os seguintes: Cerqueira Velloso, Claudio Nunes, Caldas Aulete, o meu antigo mestre Teixeira de Queiroz, Thomás Lisboa, já fallecidos; o nosso actual collega o sr. conde de Villa Real; os meus amigos José Tiberio e D. Miguel Pereira Coutinho; o presidente da camara dos deputados nesse tempo e hoje bispo de Bethsaida. E este até o caso unico, que conheço, de ter n'esta camara o seu presidente votado nominalmente contra a maioria.
Estes eram todos historicos. N'esse tempo não havia progressistas; chamavam-se historicos. Estou persuadido de que, se não tivesse sido feita a fusão de historicos com reformistas, nós não teriamos o pesar de assistir agora a esta discussão das reformas politicas, sem ouvir o sr. Antonio Candido, porque foi com os reformistas que os historicos desse tempo aprenderam a fugir das discussões.
V. exas. hão de lembrar-se de que os reformistas em 1869 entenderam que deviam não responder aos debates para que muito nobremente os convidava o partido historico e antes retirar-se d'esta casa.
O exemplo seguem-no agora e na parte principal; porque para mim a parte principal do papel que n'esta questão competia ao partido progressista, não era a presença de s. exas., era o auxilio da sua discussão.
O sr. conselheiro Dias Ferreira declarou que a unica reforma politica que s. exa. queria era a que se fizesse conforme á constituição de 1838; e, portanto, para eu responder a s. exa., tenho de ir comparar algumas das disposições propostas agora com as da constituição de 4 de abril de 1838, unica que agrada a s. exa.
Diz o artigo 2.° do projecto em discussão o seguinte no seu paragrapho:
A sessão que durar menos de tres mezes não será contada para o acto da duração da legislatura, salvo havendo no mesmo anno, nova sessão que dure o tempo preciso para completar aquelle praso.»
O § 3.° do artigo 6.° diz o seguinte:
«A parte electiva da camara dos pares terá seis annos de duração; mas poderá ser dissolvida, simultanea ou separadamente, com a camara dos deputados.»
Vejamos as disposições analogas da constituição de 4 de abril de 1838. O artigo 34,° estabelece tres poderes: o legislativo, o judicial e o executivo. A proposta actual do governo estabelece os mesmos tres poderes, legislativo, judicial o executivo, alem do poder moderador; mas este, desde que no artigo 7.° se declara que só Rei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus ministros», é evidente que é uma manifestação do poder ,executivo.
A constituição de 4 de abril de 1838, no artigo 81.°, lá ao poder executivo, entre outras, a seguinte attribuição.
«Dissolver a camara dos deputados quando assim o exigir a salvação do estado.
«§ 1.° Dissolvida a camara dos deputados, será renovada a dos senadores na forma do artigo 62.°
«§ 3.° O decreto da dissolução mandará necessariamente proceder a novas eleições dentro de trinta dias; e convocará as côrtes para se reunirem dentro de noventa dias; sem o que será nullo e de nenhum effeito.»
No antigo 62.° diz-se o seguinte:
« Todas as vezes que te houver de proceder a eleições geraes para deputados, a camara dos senadores será renovada em metade de seus membros. Se o numero total dos senadores for impar, sairá metade e mais um.
«§ unico. Na primeira renovação do senado decidirá a sorte os membros que devem sair e nas subsequentes a antiguidade da eleição dó cada um.»
Note-se; a constituição de 1838 dizia que, sempre que a camara dos deputados for dissolvida, os senadores serão renovados na forma do artigo 62.° A sorte é que havia de decidir, na primeira renovação quaes eram os que deviam sair em numero de metade e mais um.
Veja bem a camara o absurdo que nos apresenta a constituição de 1838. Se a camara dos deputados se mostrasse indigna de continuar a exercer o seu mandato e promovesse um conflicto sem motivo, pondo em risco os interesses publicos, uma parto do senado devia ser dissolvida; isto é, deviam sair metade e mais um dos senadores, sem se tratar de saber se realmente elles tinham acompanhado ou não a camara dos deputados no acto por cila praticado! A constituição do 1838 torna metade e mais um dos senadores responsavel pelo acto da camara dos deputados, na parte penal, note v. exa.! E é esta a constituição que o sr. Dias Ferreira julga superior a tudo e remedio efficaz para todos os males!
Mas invertamos a hypothese. Supponhâmos que o senado se tinha tornado faccioso, pondo em risco os grandes interesses publicos. Qual seria o remedio? Seria dissolver a camara dos deputados e metade e mais um dos senadores !
Como haviam de ser escolhidos os que tinham do sair? Pela sorte!
De modo que se entregava á cegueira da sorte o julgamento de um conflicto constitucional! E tão palpavel e manifesto este absurdo, que realmente não se acredita que jurisconsultos, por mais distinctos, talentosos e sabios que sejam, possam escurecei o a intelligencias menos lidas n'esta questão.
Vejâmos ainda o mais que diz o projecto era discussão.
O § 2.° do artigo 7.° confere ao Rei, no exercicio do poder moderador e com a responsabilidade dos seus ministros, a faculdade ou antes attribuição de prorogar ou adiar as cortes geraes e dissolver a camara dos deputados e a parte electiva da camara dos pares, nos casos em que o exigir o bem do estado.
Até aqui vae tambem a constituição de 1838; mas para diante fica silenciosa; a proposta do governo e o parecer da commissão acrescentam o periodo seguinte:
« Quando assim seja, as novas cortes serão convocadas e reunidas dentro de tres mezes; e, sem ter passado uma sessão de igual periodo de tempo, não poderá haver nova dissolução.»
Este principio, verdadeiramente liberal e valiosa garantia para os eleitos do povo, não tem analogo na constituição de 1838.
N'esta parte afasto-me do governo, porque venho propor ainda mais. Pretendo que o poder moderador só possa dissolver a camara dos deputados o a parte electiva da dos pares, ou separadamente cada um d'estes corpos legislativos, quando as cortes estiverem reunidas. Uma unica excepção admitto; e é quando as cortes, tendo sido convocadas, se recusem a reunir-se, porque n'esse caso entendo que deve ser dada ao rei a attribuição, que em minha opinião deve ser obrigatoria, do dissolver tudo quanto é electivo ou parte, conforme as circumstancias o aconselharem, no praso dez dias, a coutar d'aquelle para que tenham sido convocadas.
Esta minha proposta é determinada pelo facto, que ninguem esqueceu ainda, pelo verdadeiro attentado que tivemos occasião de presencear n'este paiz em 1879.
V. exa. ha do lembrar-se de que o governo presidido pelo sr. Fontes desappareceu um dia daqui, sendo substituido peio governo da presidencia do sr. Anselmo Braamcamp, sem que ninguem podesse dar do facto uma explicação constitucional!
Não discuto se foi conveniente para o paiz o acto do sr. Fontes; o que digo é que não havia facto algum constitucional que determinasse ou podesse justificar a queda da situação regeneradora n'aquella occasião e a assenção do sr. Braamcamp ao poder.

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Esta solução foi muito mal recebida por uma grandissima parte da maioria.
Lembro-me de que foram necessarios grandes esforços para conter muitos que queriam vir protestar contra similhante acto. Chegou-se a uma transacção; foi a apresentação immediata de uma moção, quebrando as relações entre a camara e o novo governo. Quem apresentou essa proposta foi o meu distinctissimo amigo o sr. conselheiro Lopo Vaz, que, tão novo ainda, tem já o seu nome entro os dos homens mais distinctos d'esta terra, pelo seu talento pela sua illustração e sobretudo pela sua honestidade de caracter.
Parecia que, declarado o conflicto, o governo devia trazer o decreto da dissolução, quando, de mais a mais, se tinha declarado que não lhe seria recusado qualquer dos meios indispensaveis para governar constitucionalmente.
E todavia o partido progressista não procedeu assim, nem fechou o parlamento um dia mais cedo do que estava designado no decreto da ultima prorogação!
Não tenho presente o dia em que appareceu aqui o governo progressista ; lembro-me apenas de que no dia 30 de maio foi que recebi essa noticia, estando fora de Lisboa, e que só no dia 20 de junho as côrtes foram encerradas.
O governo progressista, presidido pelo sr. conselheiro Braamcamp, continuou á frente dos negocios publicos por mais dez dias; e digo dez para tomar o praso minimo, porque assim, se eu correr o perigo da enganar-me, será contra mim. Esse governo, repito, teve a coragem de continuar á frente dos negocios publicos por mais dez dias, com uma camara que se lhe tinha manifestado em guerra aberta, declarando todavia que, pelo interesse do paiz, não duvidaria votar-lhe os meios indispensaveis para governar.
As cortes foram encerradas no dia 20 de junho. E sabe v. exa. quando appareceu o decreto da dissolução? Muito depois; não sei se em setembro ou em outubro; muito depois de terem sido demittidos em massa governadores civis e administradores de concelhos, depois de terem sido demittidos funccionarios que não tinham a confiança politica do partido progressista, que montara a machina eleitoral para triumphar na urna!
Vendo presente o sr. Barros Gomes, lembro-me de um facto praticado polo illustre deputado, que feriu profundamente as sympathias e o respeito que tenho por s. exa. desde o primeiro dia em que o vi, que foi quando s. exa. se apresentou aqui como ministro da fazenda.
Essas sympathias têem crescido até hoje. Sempre que ouço o sr. conselheiro Barros Gomes, sinto em mim o enthusiasmo que inspira o homem de trabalho. Mas está sempre diante dos meus olhos aquelle triste acto, praticado por s. exa., transferindo, por politica, e só por politica, dois thesoureiros pagadores, o de Evora e o de Portalegre.
Uma voz:- Horror!
O Orador: - Horror?! O illustre deputado acha o facto insignificante? Nunca o partido regenerador fez isso. (Apoiados.) Foi facto sem precedentes. Nunca o partido regenerador teve medo de um thesoureiro pagador, cujos favores politicos não podem passar de pagar mais cedo ou mais tarde vales de correio.
Quero ser justo; e para isso direi que é fora de duvida que o sr. Barros Gomes, transferindo os dois fuuccionarios a que me estou referindo, o sr. conselheiro Cândido Cau da Costa e o meu illustre amigo o sr. Henrique da Cunha Pimentel, de cujos nomes nunca me esqueço, porque, como disse, me feriu profundamente aquelle acto, é fora de duvida, digo, que s. exa., transferindo estes funccionarios, commetteu uma grande violencia sobre a sua consciencia.
Tenho a certeza disso, porque essas transferencias tinham sido annunciadas com uma grande antecipação por influentes politicos; não digo bem, por uns certos homens que facilmente transformara a politica em malquerenças,
Portanto, para que se não repita o attentado de 1879, sendo encerrada a camara dos deputados para ser escolhida a occasião mais commoda da dissolução; para evitar isso é que eu proponho que na reforma se declare que o rei só póde dissolver as cortes quando estiverem reunidas, no caso de uma camara se tornar facciosa, como tem havido algumas, e das quaes nos deu um exemplo a ultima do partido progressista.
Para o caso em que se recusem a reunir-se, proponho que ao Rei seja dada a attribuição de dissolvel-as no praso de dez dias, a contar d'aquelle em que deveria ter logar a abertura do parlamento.
Permittam-me v. exa. e a camara que eu continue a comparação entre algumas disposições da carta de 29 de abril de 1826 e a constituição de 4 de abril de 1838.
Diz o artigo 4.° do projecto o seguinte:
« Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado.»
Vejamos agora o que diz o artigo, 97.° da constituição decretada pelas cortes em 23 de setembro de 1822 e acceita pelo Rei no 1.° de outubro do mesmo anno:
«Se algum deputado for pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta os cortes, as quaes decidirão se o processo deve continuar e o deputado ter ou não suspenso do exercido de suas funcções.»
A constituição de 4 de abril de 1838 no seu artigo 48.º § unico, diz:
« Se algum senador ou deputado for pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á respectiva camara, a qual decidirá se o processo ha de continuar e se o deputado ou senador pronunciado deve ser ou não suspenso do exercido de suas funcções.»
Vemos, portanto, que a proposta do governo estabelece que o processo ha de seguir ou no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado.
Isto e claro, terminante e justissimo; e não apparece nas duas constituições de 1822 e 1838.
D'este modo, as camaras dos pares e dos deputados não podem mais subtrahir á acção da justiça qualquer dos seus membros.
Podem demorar o processo; e isto é quanto basta para a manutenção da inviolabilidade parlamentar; mas não podem subtrahir os seus membros á acção da justiça.
A camara tem só a decidir se o processo ha de continuar no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções de deputado ou par temporario; mas o processo ha de continuar.
É certo que aqui parece haver um defeito ácerca dos pares vitalicios. Para estes a camara respectiva tem a decidir só que o processo continue no intervallo das sessões, visto que as suas funcções só findam por sua morte. Convém, todavia, que isto fique expresso.
O sr. Dias Ferreira insurgiu-se tambem contra o artigo 9.º, que tem sido commentado por quasi todos os oradores que têem entrado n'esta discussão.
Pois comparemos tambem este artigo com a constituição de 1838.
Vejamos o que esta diz nos artigos 138.° e 139.°
« Artigo 138.° A constituição só poderá ser alterada em virtude de proposta feita na camara dos deputados.
«.Artigo 139.° Se a proposta for approvada por ambas as camaras e sanccionada pelo rei, será submettida á deliberação das cortes seguintes; e o que por ellas for approvado será considerado como parte da constituição e n'ella incluido sem dependencia de sancção real.
Por esta constituição era necessario que a maioria da, camara, da deputados apoiasse a proposta feita para ser

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decretada a necessidade de qualquer reforma da mesma constituição.
E é certo que a proposta do governo, mantendo o que estabelece a carta de 29 de abril de 1826, exige apenas o apoio da terça parte dos deputados para que a proposição para a reforma possa ter seguimento na camara dos deputados.
E a constituição de 1822 diz o seguinte no artigo 28.º:
« A constituição., uma vez feita pelas presentes cortes extraordinarias e constituintes, somente poderá ser reformada ou alterada depois de haverem passado quatro annos, contados desde a sua publicação; e, quanto aos artigos cuja execução depende de leis regulamentares, contados desde a publicações d'essas leis.»
Estas reformas e alterações se farão pela maneira seguinte :
«.Passados que sejam os ditos quatro annos, se poderá propor em cortes a reforma ou alteração que se pretender. A proposta será lida tres vezes, com intervallo de oito dias; e, se fôr admittida á discussão e concordarem na sua necessidade as duas terças partes dos deputados presentes, será reduzida a decreto, no qual se ordene aos eleitores dos deputados para a seguinte legislatura que nas procurações lhes confiram especial faculdade para poderem fazer a pretendida alteração ou reforma, obrigando-se a reconhecel-a como constitucional no cato de chegar a ser approvada.»
Permittam me que repita.
Tanto pela carta de 1826, como pela proposta do governo, para que possa ter seguimento na camara dos deputados a proposta para qualquer reforma da constituição, basta que seja apoiada pela terça parte; e pela constituição de 1822 são necessarios dois terços; e a de 1838, não lixando condição sobre este ponto, e claro que exige o apoio da maioria.
E note-se que a constituição de 1838 já conhecia esta disposição da constituição de 1826; mas não a inscreveu em artigo seu.
O artigo transitorio da constituição de 1838 diz o seguinte :
«As cortes ordinarias que primeiro se reunirem, depois de dissolvido o actual congresso constituinte, poderão decidir se a camara dos senadores ha de continuar a ser de simples eleição popular ou se de futuro os senadores hão de ser encolhidos pelo rei sobre lista triplice proposta pelos circulos eleitorais.»
O congresso constituinte não quiz pois a responsabilidade, que o sr. conselheiro Dias Ferreira quer que com s. exa. nós assumamos, de decidir que a outra casa do parlamento seja toda de simples eleição popular!
Duvidas como esta creio que não deixaremos para as seguintes cortes ordinarias.
Pelo que respeita ao praso de quatro annos, antes dos quaes nenhuma outra reforma constitucional se possa emprehender, o actual projecto está de accordo com as constituições de 1822 1838 e com a carta de 1826.
E ainda assim o sr. Dias Ferreira quer metter na reforma actual a constituição de 1838, revogando ao mesmo tempo esta constituição!
E o que é ainda mais singular é que s. exa. acredite que pode incluir n'este projecto todas as propostas que mandou para a mesa!
É outro engano.
Uma d'essas propostas é a que se refere á constituição do conselho d'estado.
O artigo 107.° da carta, fixando uma attribuição para o Rei, a da nomeação dos conselheiros d'estado, é evidentemente constitucional: não está comprehendido na lei de 10 de maio de 1884; não póde por isso ser alterado por estas côrtes; logo a proposta de s. exa. nem podia ter sido admittida á discussão.
Mas onde queria s. exa. ir estabelecer que o conselho d'estado fosse electivo?
No artigo 5.º? Mas n'este diz se o seguinte:
«Os pares e deputados poderá ser nomeados para o cargo de ministro deitado ou de conselheiro d'estado sem que por isso percam os lugares que occuparem nas respectivas camaras, accumulando os duas funcções.»
Pois alguem, que não seja jurisconsulto, e digo isto porque tenho percebido que a missão, hoje, de muitos jurisconsultos é tornar obscuro aquillo que é realmente simples e claro para quem ler com attenção; mas, digo, poderá alguem affirmar que se trata aqui da constituição do conselho d'estado?! Do que se trata simplesmente é da prescrever que, se um deputado ou um par do reino for nomeado ministro d'estado ou conselheiro d'estado, não perde o logar, ou de deputado ou de par. Não se trata portanto da constituição do conselho d'estado. E, se tivessemos auctorisação para isso, se podessemos tambem reformar o artigo 107.° da carta, desde já declaro que havia de propor algumas modificações; e uma d'ellas seria que no conselho d'estado tivesse logar por direito proprio o presidente do supremo tribunal de justiça.
Paro aqui na resposta ao sr. Dias Ferreira e no que entendi que tinha a dizer á camara com relação às considerações por s. exa. feitas; mesmo porque não desejo cansar a attenção da camara.
Referindo-me ainda ao sr. dr. Avelino Calixto, quero apenas significar-lhe o meu profundo pesar pela noticia, que s. exa. nos deu, de que, sempre que n'esta casa se tratar de questões de instrucção publica, s. exa. nos negará o seu auxilio!
Digo isto porque s. exa. declarou que só a camara dos deputados era competente para fazer as reformas politicas, sem intervenção da camara dos pares, porque sendo a principal reforma a fazer a da outra camara, não podia ella intervir, para não ser juiz e parte ao mesmo tempo.
Ora, se este argumento podesse ter valor, se a camara dos pares não podesse tratar da sua reforma, simplesmente porque esta poderia ferir os interesses dos seus membros, é claro que tambem nós não podemos tratar de projectos que possam dizer respeito aos nossos officios, às nossas profissões ; não podemos, emfim, tratar de quaesquer projectos em que individualmente tenhamos interesses.
Se, portanto, o sr. dr. Avelino Calixto tem em sua consciencia esta opinião, s. exa., que é um distinctissimo professor pelo talento o saber, mais ainda pela energia da sua rectidão, não póde, como deputado, entrar em questões sobre instrucção publica.
E do mesmo modo aquelles que tenham a fortuna de ser proprietarios, com logar nesta assembléa, têem de retirar-se d'esta casa quando se tratar da discussão do orçamento do estado, porque têem tambem interesses, como contribuintes, nas questões de fazenda!
Agora vejo que o sr. Avelino Calixto justificou os nossos distinctos collegas os srs. Alves Matheus e Simões Dias, eximios theologos, entendendo que eram os primeiros que deviam tratar da questão militar; e vejo que fez muito bem o sr. Ehas Garcia, abstendo-se de entrar na mesma questão, não obstante ter para isso uma competencia incontestavel.
Quem póde, porém, acceitar similhante rasão?
Nem mesmo em referencia a um homem ella é acceitavel; quanto mais a respeito de um corpo tão importante, como é a camara dos dignos pares.
Não póde acceitar-se que o individuo não possa concorrer com a sua cooperação para fazer uma lei em que tenha interesse. O que seriam as leis se fossem feitas por homens não tivessem interesses n'ellas!
Já presenceei aqui um tacto tão extraordinario, direi mesmo, tão engraçado, que apesar do não ter a honra de estar encarregado do ensino de direito publico, tenho-o contado aos meus discipulos. Vou narral o a v. exa.
O meu distincto mestre, que durante muitos annos illus-

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trou esta assombra com os seus trabalhos, o sr. conselheiro dr. Antonio José Teixeira, apresentou aqui um projecto muitissimo bem elaborado, embora eu não acceite todas as suas disposições, reformando as faculdades de mathematica e plylosophia da universidade e o curso superior de letras. Esse projecto foi remettido á commissão de instrucção publica.
Não havia então esta distincção pomposa de commissão de instrucção primaria e secundaria e de commissão de infracção superior e especial. Havia apenas uma commissão do instrucção publica, que era bastante; e bom será que as actuaes commissões de instrucção sigam os exemplos d'aquella.
Bem seria que as duas actuaes commissões tivessem seguido o exemplo que lhes deu a commissão de instrucção publica de 1852, á qual pertencia o venerando pae, de saudosissima memoria, do actual sr. ministro do reino, porque não teriamos assistido a esse espectaculo que me tem maguado profundamente, e que nos está dando a commissão de instrucção superior, deixando de dar o seu parecer sobre o projecto do sr. Bazilio Alberto de Sousa Pinto, ao passo que tem dado parecer sobre projectos que não são de interesse publico.
Quando havia uma commissão de instrucção publica, que tinha muito que fazer, não havia necessidade de separar es projectos, pondo para o lado esquerdo os de interesso publico, os projectos de moralidade para aniquilar os contrabandistas ao ensino, e para o lado direito os projectos que vão accudir a emprezas infelizes!
(Pausa.)
Sr. presidente, fallo com franqueza; obedeci n'este momento a um impulso do consciencia. Procedendo assim, seria inconveniente?
Talvez; mas em todo o caso fui justo; e dominado por esse impulso de consciencia, quasi me esqueci do caso que ia contando, sendo preciso que um collega m'o lembrasse.
Volto a elle.
O projecto do sr. conselheiro dr. Antonio José Teixeira, reformando as faculdades de mathematica e a de philosophia da universidade de Coimbra e o curso superior de letras, foi enviado á commissão de instrucção publica.
Sabe a camara quem estava na commissão de instrucção publica ?
Estava o primeiro mathematico de Portugal e de Hespanha, um homem cujo nome é bastante para honrar o seu paiz e a sua epocha.
Refiro me ao meu excellente amigo o sr. dr. Francisco Gomes Teixeira, o unico homem de genio que conheço em Portugal.
Pois este eminente mathematico, quando se tratou da reforma da faculdade do mathematica, não foi encarregado de relatar o projecto!
Não quero pôr em duvida os talentos, nem a competencia do illustre ministro da marinha, o sr. conselheiro Pinheiro Chagas, a quem tributo as homenagens do meu profundo respeito e da minha mais alta consideração. Pelo contrario, entendo que devia ser, como foi, encarregado de relatar o projecto na parte que, se referia ao curso superior de letras ; mas não offendo do certo o illustre ministro, dizendo que não se podia comparar a competencia de s. exa. com a do sr. Gomes Teixeira, para a reforma da faculdade de mathematica.
O sr. Pinhero Chagas foi encarregado do relatar esta reforma; mas creio que s. exa. fez o que devia; nem leu o projecto.
Passados dias, veiu aqui um requerimento dos actores do theatro do D. Maria II.
Na mesma commissão do instrucção publica, a quem foi enviado esse requerimento, estava um dos primeiros dramaturgos portuguezes na minha opinião o primeiro, o festejado auctor da Morgadinha de Valflo.
Pensam que foi commettido ao sr. Pinheiro Chagas este assumpto ?
Não, senhores; foi commettido ao sr. dr. Gomes Teixeira, que tinha até pouca eympathia pelos theatros de declamação. (Riso.)
O sr. Gomes Teixeira fez o que devia; nem sequer abriu o officio que lhe foi dirigido d'aqui.
E aqui está como muitas vezes só passam as cousas nas commissões d'esta casa!
Voltando, porem, como me parece que v. exa. deseja, ao projecto de reformas politicas, preciso de responder a uma parte importante do discurso do sr. Luiz Osorio, que realmente me deixou assombrado, por que n'essa parte s. exa. foi um jurisconsulto eximio, no sentido do confundir o obscurecer.
S. exa. sustentou a opinião, que não classificarei, do que, pelo espirito da carta constitucional, só a camara da deputados podia fazer estas reformas.
S. exa. disse, e disse muito bem, nem podia deixar do o dizer, que a letra da carta não estabelecia este preceito ; s. exa. disse que a sua opinião não encontrava fundamento na letra da carta, mas no seu espirito.
S. exa., querendo justificar a sua opinião polo espirito da carta, na mesma occasião em que apresentava esta theoria singular, que eu sei que não é só do illustre deputado, apresentava um artigo do nosso codigo fundamental, que mostra não só que é falso o seu parecer, mas tambem que esta, questão não é, nem póde ser assumpto de discussão, porque não póde haver duvida alguma a este respeito.
O artigo citado é o 35.°, que diz assim:
«É privativa da camara dos deputados a iniciativa:
«§ 1.° Sobre impostos.
«§ 2.° Sobre recrutamentos.»
O artigo 140.° diz :
«Se, passados quatro annos, depois de jurada a constituição do reino, se conhecer que algum dos seus artigos merece, reforma, se fará a proposição por escrito, a qual deve ter origem na camara dos deputados e ser apoiado pela terça parte d'elles.»
Por conseguinte, á camara dos deputados compete a iniciativa exclusiva de tres assumptos: questões de impostos, questões de recrutamento e a declaração da necessidade da reforma.
Esta iniciativa está marcada expressamente na carta constitucional.
Ora, se o augusto dador da carta tivesse a idéa de conferir só á camara dos deputados a faculdade do fazer a reforma sem a intervenção dos outros dois ramos do poder legislativo, teria feito essa declaração na mesma carta, como fez a respeito da iniciativa nas questões dos impostos e recutamentos !
Pois é expressa a iniciativa da camara dos deputados para estas; está clara na lettra; e ha de ser tácita, escondida no espirito da carta, e intervenção unica da mesma camara!
São importantissimas as questões dos impostos e recrutamentos; mas uma reforma da carta é mais importante ainda e de mais grave responsabilidade, porque póde esta reforma ser feita para tirar-se a mesma camara popular a iniciativa sobre as outras duas questões, impostos e recrutamentos.
Isto é tão claro, que não comprehendo que haja quem possa ter duvidas em similhante assumpto.
Comprehendo um genio que seja capaz de produzir muita; mas não sei quem possa descobrir duvidas n'esta questão! A simples leitura da carta é bastante.
O sr. Dias Ferreira, mestre de quasi todos os que aqui estamos, em questões de direito, veiu dizer-nos que na proposta do governo podia introduzir-se uma disposição da constituição de 1838, que se refere ao concelho d'estado; mas

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essa disposição não se encontra na constituição de 1838; vem na de 1822.
N'esta é que se preceitua que o conselho d'estado seja constituido por eleição.
Na constituição de 1838 não se falla n'isso.
O sr. conselheiro José Dias Ferreira mandou para a mesa uma proposta tendente a reformar um artigo, embora não tenhamos para isso poderes; e essa proposta foi admittida á discussão, com grande espanto meu.
Vêem outros illustres deputados dizer-nos que não podemos deixar de reformar todos os artigos para cuja reforma nos foram dados poderes.
Não conhecem a grande lei da continuidade os que pretendem sustentar esta opinião?
Nós temos que reformar uns artigos da carta. Em que sentido? No sentido liberal ou no sentido opposto? Ampliando ou restringindo? Como entendermos. Ora, desde que podemos ir para a direita ou para a esquerda; desde que podemos, digamol-o assim, adoptar o signal + ou - na nossa reforma; é claro que podemos ficar no signal que não seja mais nem menos, no zero.
Para resolver-se esta questão basta reflectir na lei da continuidade, tão fecunda em processos de investigação.
Sr. presidente, sinto-me muito cansado; mas isto não me assusta; o que não desejo é fatigar a attenção da camara. Não sou um egoista que se julgue com direito de incommodar...
Vozes:- Não incommoda.
O Orador: - Farei, portanto, uma rapida justificação das propostas que apresentei.
A primeira é uma questão de redacção. Não me agrada a que está no projecto.
Diz o artigo l.º:
« Os pares e deputados são representantes da nação; e não do Rei que os nomeia ou dos circulos que os elegem.»
A redacção que indico, na minha primeira proposta, approxima-se da que foi adoptada ao artigo 94.° da constituição de 1 de outubro de 1822, e que diz assim:
«Cada deputado é procurador e representante de toda a nação; e não o é sómente da divisão que o elegeu.»
A redacção do projecto, n'este ponto, alem de não ser portugueza de lei, e deficiente, parecendo excluir os pares por direito proprio, porque esses não são eleitos, nem nomeados pelo rei.
O artigo 1.° do projecto diz... não do rei que os nomeia, ou dos circulos que os elege. Parece-me, pois, mais conveniente a redacção da minha proposta.
Devo declarar que este artigo, embora seja d* uma doutrina que ninguem póde contestar, tem logar proprio na constituição actual, como já o teve na de 1 de outubro de 1822.
O que não posso acceitar é que seja um axioma, como disse o meu illustre amigo o sr. Luiz Osorio.

rata-se de uma questão de direito publico; e n'esta, como nas outras sciencias positivas, não ha axiomas.
Axiomas ha unica e exclusivamente em mathematicas puras. Axioma é não só uma proposição que se evidenceia por si mesma; é uma verdade que se impõe, e não é susceptivel de demonstração, por mais simples que seja essa demonstração.
Sei que é muito frequento dizer-se nesta casa: isto é um facto de que ninguem póde duvidar; é um axioma; como eu podia dizer d'este modo que é um axioma o facto de estar agora vendo o meu illustre amigo o sr. Tito de Carvalho.
No § unico da minha primeira proposta digo: «E prohibido o mandato imperativo.» D'este modo parece me que fica mais claro. O paragrapho do projecto tem a forma negativa, o que é inconveniente.

parte da proposta em que me refiro ao artigo 2.° é uma simples questão de redacção, como é tambem o que proponho em referencia ao artigo 3.°
Ao § 2.° do artigo 6.° proponho o seguinte additamento: «O presidente e os dois juizes mais antigos do supremo tribunal de justiça; os decanos das faculdades academicas».
Sr. presidente, hesitei muito antes de apresentar esta proposta, porque me seduzia tambem a idéa de que a camara dos pares ou dos senadores, fosse toda de eleição; e devo declarar a v. exa., que até num jornal do Porto, de que v. exa. talvez não tenha noticia, foi publicado um artigo meu a sustentar que a camara dos pares convinha que fosse de eleição por classes, previamente estabelecidas e reguladas. Mas, depois de ter escripto esse artigo, occorreram-me duvidas; no meio d'essas duvidas, appareceu-me o receio de uma reforma radical; de modo que, unicamente por motivo de prudencia, e direi com a mesma franqueza com que fallou o sr. Moraes Carvalho, unicamente por conveniencias legitimas para o paiz, entendo que devemos transigir e conservar os actuaes pares e a prerogativa para o Rei poder ainda nomear pares em numero limitado.
A este respeito vou tambem responder ao sr. Dias Ferreira. Não receio a hypothese, imaginada por s. exa., de se poder reunir na outra camara um grande numero de homens apostados a dar cabo d'este paiz!
A esta consideração de s. exa. sobre o coflicto que os pares nomeados pelo Rei podem provocar na outra casa do parlamento, sem que a corôa nem a nação tenham meio de resolvel-o, respondo que não é assim que entendo a proposta do governo.
Segundo o projecto que só discute, o Rei tem a faculdade de nomear cem pares; mas disto não se concluo que fica com a obrigação de ter sempre preenchido esse numero.
Supponhamos que existem oitenta e dois pares de nomeação regia, faltando por isso dezoito para os cem que o Rei póde nomear.
Póde dar-se a hypothese, que não me parece inverosimil em relação ao nosso paiz, de que nessa occasião não haja 18 homens que mereçam confiança bastante para exercer as altas funcções de pares do reino. É claro que n'este caso o Rei não póde nomear; seria imprudente se o fizesse. Portanto, se a nomeação fosse obrigatoria, poderia resultar um erro politico; e, como v. exa. sabe, para se rejeitar uma disposição, basta que ella permitia uma hypothese absurda ou inconveniente.
Se dessemos ao Rei a attribuição de nomear cem pares, com a obrigação de ter preenchido sempre esse numero, iriamos com isso introduzir na constituição da camara dos pares o, elemento do acaso; o por consequencia o aproveitamento das capacidades n'aquella assembléa legislativa ficaria dependente de circumstancias fortuitas.
Parece-me que esse perigo imaginado pelo sr. Dias Ferreira, perigo para o qual já foi indicado remedio pelo sr. Moraes Carvalho, póde ser prevenido pelo poder executivo; porque, diga-se a verdade, comquanto esta funcção seja do poder moderador, a responsabilidade do seu exercicio pertence inteira aos ministros.
Como já disse, eu proponho que sejam pares por direito proprio o presidente e os dois juizes mais antigos do supremo tribunal de justiça.
Sei que esta proposta contraria as idéas do sr. Luiz Osorio, que não quer a magistratura judicial envolvida nas lutas politicas; mas contraria apenas na forma.
Abster-me-hei do discutir se os membros do poder judicial devem ou não ser declarados inelegiveis.
E essa uma questão em que desejo ainda pensar; mas não vejo inconveniente algum em que sejam pares por direito proprio o presidente e es dois juizes mais antigos do supremo tribunal de justiça, os quaes já pela experiencia dos negocios, já pela idade, estão completamente ao abrigo de todas as paixões politicas; antes julgo de manifesta justiça e necessidade evidente que este direito lhes

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seja conferido em homenagem á magestade do seu poder.
Creio que s. exa. não se assustará com as paixões politicas que possam dominar um homem de mais de setenta annos.
E digo isto porque, como v. exa. sabe, não são muitos os homens que chegam ao supremo tribunal de justiça com menos de setenta annos.
Eu poderia desenvolver largamente esta parte da minha proposta; mas limitar-me hei apenas a apresentar duas considerações que a justificam.
A primeira é que n'este caso a concessão do direito proprio ao pariato significa uma homenagem ao poder judicial, como acabei de observar; e a segunda é fornecida pelo artigo 104.° da constituição de 1838, que diz:
«Emquanto se não eleger regente, governará o reino uma regencia provisoria, composta dos dois ministros e secreta rios d'estado mais velhos em idade e presidida pela rainha viuva; na falta d'ella, pelo irmão mais velho do rei defunto; e, na falta d'ambos pelo presidente do supremo tribunal de justiça.»
Ora, se a constituição de 4 de abril de 1838 confere esta attribuição ao presidente do supremo tribunal de justiça, não é muito que vamos conferir-lhe o direito proprio do pariato.
Tambem proponho que seja concedido igual direito aos decanos das faculdades academicas; e, quando se tratar da lei eleitoral dos pares, hei de propor que cada escola de instrucção superior eleja um.
A bulla Scientiarum Omnium, do pontifice Clemente XIV, expedida aos 22 de abril de 1774, erigiu em commendas da ordem de Christo duas conesias magistraes secularisadas, uma na só de Eivas e outra na de Portalegre, para que fossem providas em dois lentes seculares da faculdade de mathematica. Uniu a esta mesma faculdade duas cadeiras magistraes nas cathedraes de Leiria e de Miranda, das quaes a ultima foi transferida depois para Bragança; estas haviam de ser apresentadas pela universidade e confirmadas por Sua Magestade e seus successores em dois professores ecclesiasticos da mesma faculdade.
O aviso regio de 9 de agosto de 1785 declara ter Sua Magestade accordado o seu regio beneplacito e mandado dar execução a esta bulla.
Outro aviso regio, de 26 de junho de 1786, declara que Sua Magestade foi servida resolver que o conselho dos decanos póde propor e apresentar, nos termos desta mesma bulia, á sua real approvação os lentes da faculdade de mathematica que houverem de ser providos nas duas primeiras commendas da ordem de Christo, sempre que houverem de ser providas.
Á faculdade de philosophia tambem foi concedida assim uma commenda.
A bulia Cogitantibus Nobis, de 13 de agosto de 1803, dada por Pio VI, supprimiu uma tercenaria na cathedral de Coimbra, para ser erigida, com todos os seus rendimentos, em commenda da ordem de Christo e conferida, por apresentação da universidade, a um lente da faculdade de philosophia, effectivo ou jubilado, ecclesiastico ou secular.
Esta graça foi confirmada pela bulla de Pio VII Christus Dominus Dei Filius, a qual foi mandada executar por alvará do Principe Regente de 8 de novembro de 1803.
O primeiro lente desta faculdade agraciado com esta commenda foi o dr. Domingos Vandelli; o segundo o dr. José de Sá Ferreira Santos do Valle, tio do actual presidente do supremo tribunal de justiça.
Mais privilegios foram concedidos á universidade de Coimbra, depois da grande reforma do marquez de Pombal.
Lembram me agora os seguintes :
O decreto de 13 de julho de 1775 isentou da leitura no desembargo do paço os doutores, licenciados e bachareis graduados depois da reforma.
O decreto de 10 de junho de 1795 declarou isentos de fazer exame vago os lentes da universidade despachados para desembargadores honorarios, extravagantes ou aggravistas.
Não foi a universidade a unica corporação a que foram conferidos privilegios. O aviso regio de 20 de janeiro de 1798 concedeu á academia real das sciencias uma isenção de valor, isentando da censura as obras mandadas imprimir pela mesma academia.
Estes privilegios, dos quaes dão noticia segura os annaes da nossa universidade, lembraram-me o direito que tenho a honra de propor para os decanos das faculdades academicas.
Mas ha mais uma outra rasão, que vou apresentar rapidamente.
A proposta do governo confere ao patriarcha de Lisboa, aos arcebispos de Braga e de Evora e aos bispos de todas as dioceses do nosso continente o direito proprio do pariato.
Se eu me inspirasse unicamente dos dictames da minha consciencia, sem attender aos interesses do paiz e da epocha, eu pediria a suppressão d'esta parte; proporia que não houvesse pares por direito proprio; e n'este caso não teria rasão de ser o meu additamento; mas, desde que as conveniencias da occasião e as circumstancias do paiz recommendam que na carta constitucional seja inserto este privilegio para o episcopado do continente, entendo que pelas mesmas rasões este privilegio deve ser dado ao decano da faculdade de theologia, que ha de ter sido mestre de muitos bispos portuguezes. Sendo, por estas rasões, o decano da faculdade de theologia par por direito proprio, é manifesto que, attendendo á igualdade de direitos que têem, nas suas funcções academicas, é justo conceder-se aos decanos das outras faculdades o direito proprio do pariato.
A minha quinta proposta já está justificada; foi-me sugerida pelo attentado que o partido progressista commetteu em 1879.
O que proponho em seguida parece-me tambem que não precisa de ser justificado.
São tão monstruosos os crimes que menciono, o parricidio, o fillicidio, o attentado contra o pudor de uma menor commettido pelo proprio pão, que declaro que, se não proponho a pena de morte para a expiação d'estes crimes, é porque tenho a certeza de que a maioria da camara não está disposta a esquecer uma falsa inspiração do coração. Não accredito na regeneração de um homem que é capaz de praticar estes crimes. E evidente que não me refiro aos momentos de allucinação, porque n'esses casos não ha crime.
Refiro-me aos crimes provados de parricidio, fillicidio e de attentado contra o pudor de uma menor commettido por seu pae; julgo tão monstruoso qualquer d'estes crimes, que, tendo tido idéa de inserir n'esta proposta, para nunca se lhes conceder o perdão, os d'infanticidio e incendio em casa habitada, crimes horrorosos, repugnou-me, ainda assim, equiparal-os aos tres crimes que menciono na proposta.
E, ao terminar, permitta me v. exa., a camara e o governo, que não póde duvidar da minha dedicação, que eu signifique n'este momento o meu profundissimo pesar por não ter sido declarada a necessidade da reforma do § 3.° do artigo 75.° da carta constitucional.
É muito importante a reforma que se discute; sem duvida. Para ella ser importante, basta que ella acabe essa monstruosidade da heriditarieclade, para cuja conservação ninguem acceita essa singela desculpa dos naturalistas, que hontem aqui foi apresentada.
A heriditariedade chegou ao que vou dizer, com toda a franqueza, permittindo-se-me n'este ponto acompanhar o sr. Dias Ferreira, que muitas vezes divaga para fazer-se mais facilmente comprehender dos que o escutam.
Lembro-me de ter ouvido recommendar a examinadores de instrucção secundaria alumnos que tinham de fazer exame de uma disciplina preparatoria, para matricular-se n'um curso superior; dizendo os protectores que o exame era só

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para, o alumno poder arranjar um curso superior, que lhe abrisse as portas da camara dos pares!
Repito que basta o principio da extincção da heriditariedade para que esta reforma seja importante. Mas para mim havia um outro ponto, não menos importante a reformar. Era a disposição do artigo 75.°, § 3.°, que dá ao Rei, como uma das suas principaes attribuições, a de nomear os magistrados judiciaes.
Desejava que se estabelecesse que a nomeação dos magistrados judiciaes seja attribuição do poder judicial. Isto era extremamente facil. Bastava consignar a seguinte disposição:
As nomeações de juizes de primeira instancia serão feitas, por concurso, pelas relações judiciaes, com recurso para o supremo tribunal de justiça, podendo ser admittidos a este concurso os delegados dos procuradores regios, os administradores dos concelhos, os advogados bachareis formados na faculdade de direito.
Os magistrados de segunda instancia seriam, segundo o projecto que imagino justo e de alta conveniencia, nomeados pelo supremo tribunal, e este mesmo faria as nomeações dos juizes que haviam de subir a seus collegas.
Vejamos as rasões.
O poder moderador tem a sua origem marcada na carta, independente dos outros poderes, embora tenha de ser reconhecido pelas curtes, as quaes têem de verificar se são satisfeitas as condições marcadas pela carta constitucional; mas não dão esse poder a quem é chamado a succeder no throno vago.
O governo executivo não póde deixar de ter a sua origem dependente do poder moderador, nem o poder moderador seria preciso sem essa intervenção. De mais a mais, o poder moderador desapparece desde que se declare que a sua responsabilidade pertence exclusivamente aos ministros. Por conseguinte só o poder judicial fica, dependente na sua constituição e na sua origem, do poder executivo.
Isto será apenas uma phantasia minha?
Como é triste ver um juiz errante pelas areadas das se cretarias de estado, á porta do ministerio da justiça, quando está proximo a terminar o seu sexennio, ou quando está a chegar a sua promoção, que muitas vezes para elle é uma verdadeira desgraça!
Independencia do poder judicial! Sabe v. exa. quando principia essa independencia? V. exa. sabe-o muito melhor do que eu. V. exa. teve sempre, não a independencia marcada pela carta, mas a independencia do seu caracter. (Apoiados.)
Conhecendo eu muitos juizes, sei que apenas um teve a criminosa fraqueza de converter a vara da justiça em batuta de orchestra eleitoral.
Dos juizes que conheço, em todos tenho reconhecido a independencia de caracter; e essa independencia dos juizes é um exemplo que os pães extremosos devem citar aos seus filhos.
Mas a independencia da carta conquistou-a v. exa., sr. presidente, ha pouco tempo, quando foi transferido para a relação de Lisboa.
Não sei como a camara transacta, que declarou de absoluta necessidade e urgencia a reforma de alguns artigos da carta, e da qual faziam parte magistrados muito distinctos, esqueceu incluir o § 3.° do artigo 75.°, como lhe devia impor a sua consciencia.
Sr. presidente, fui mais longe do que tencionava; e, para expiar o meu erro em ter-me demorado tanto, aproveitarei os poucos minutos que faltam, para o encerramento da sessão, em justificar os applausos que tive a satisfarão de dar, em parto do seu discurso magnifico, ao distincto deputado e meu excellente amigo, o sr. Santos Viegas.
Quando s. exa. tratava da questão do beneplacito, e quando reclamava para a igreja plena liberdade em materia de dogma e moral, apoiei-o por mais de uma vez.
Essa liberdade quizera eu que fosse completa.
Se n'isto sou retrogrado, é certo que o sou em excellente companhia, porque fico ao lado do patriarcha da liberdade portugueza, Manuel Fernandes Thomás.
Como v. exa. sabe, a primeira lei de liberdade de imprensa n'este paiz foi apresentada em 1851.
Hão de estar lembrados de que o relator d'essa lei, o cidadão que mais cooperou para ella, foi o fallecido dr. Basilio Alberto de Sousa Pinto.
Lembro me de que, nos ultimos annos da sua vida, em que tive a fortuna de manter relações com aquelle eminente cidadão, de saudosa memoria, tendo elle então perto de oitenta annos, ainda queria justificar a audacia, dizia elle, que tivera de apresentar a primeira lei sobre a liberdade de imprensa.
Todos a desejavam, mas ninguem tinha a coragem de apresental-a : dizia. Teve-a elle, animado pelo seu amigo Carlos Durão, porque, sendo muito novo, tinha a desculpa da sua ousadia no verdor dos annos; e com isto responderia mais tarde áquelles que lha exigissem a responsabilidade d'esse acto.
Pois, nas mesmas cortes em que foi apresentado o primeiro projecto para a lei da liberdade de imprensa, havia quem quizesse para a igreja plena liberdade no dogma e na moral.
Na base 18.ª da constituição politica da monarchia portugueza, decretada em 9 de maio de 1821, encontra-se o seguinte:
«A livre communicação dos pensamentos é um dos mais precios os direitos do homem. Todo o cidadão pude conseguintemente, sem dependencia de censura, manifestar suas opiniões em qualquer materia, comtanto que haja de responder pelo abuso d'esta liberdade, nos casos e na forma que a lei determinar.»
A seguinte acrescenta:
«As cortes farão logo esta lei e nomearão um tribunal especial para proteger a liberdade de imprensa e cohibir os delidos resultantes do seu abuso.»
E a decima apresenta a bella, sensata e justa doutrina:
« Quanto porém áquelle abuso que se póde fazer d'esta liberdade em materias religiosas, fica salva aos bispos a censura dos escriptos publicados sobre o dogma e moral; e o governo auxiliará os mesmos bispos para serem castigados os culpados.»
Foi esta a doutrina das cortes constituintes, geraes e extraordinarias da nação portugueza em 1821; deixavam os liberaes do congresso soberano aos bispos salva a censura dos escriptos publicados sobre o dogma e moral.
E eram estas as mesmas côrtes patrioticas que, pouco, depois mandavam expulsar o cardeal patriarcha de Lisboa, D. Carlos da Cunha, para o convento do Bussaco e depois para fora do reino, por não querer jurar as bases da constituição sem restricções ácerca de questões religiosas !
Como as cortes de 1821 deixaram salva aos bispos a censura de escriptos sobre dogma e moral, quizera eu que as côrtes actuaes a deixassem tambem; assim como quizera igualmente que se repetisse agora o castigo que foi então infligido ao cardeal patriarcha de Lisboa, se algum prelado se tornasse merecedor d'elle.
Eu desejára que, quando um prelado, com a capa arregaçada e jogando o cajado de uma penna rude, procurasse deprimir os caracteres mais honestos d'este paiz, ou tentasse offender as instituições patrias, encontrasse, não guarida, não protecção, mas o rigor da lei e dos processos na alta magistratura do ministerio publico, cuja responsabilidade, que é tremenda, nós podemos exigir n'esta casa.
Mas, se apoiei o sr. Santos Viegas, quando s. exa. pedia esta liberdade para a igreja, declaro a v. exa., sr. presidente, e declaro á camara, que voto o que a commissão propoz; e que, se tivesse tido a honra de pertencer á camara que cooperou para que fosse decretada a necessidade das reformas politicas, eu teria negado o meu voto á

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parte da lei que declarava a necessidade da reforma do artigo da carta, que trata do beneplacito.
Podia eu apresentar a favor do meu modo de pensar varias rasões, e todas mais ou menos convincentes; mas não as apresentaria de certo tão boas, nem tão elegantemente deduzidas, como as que encontro no parecer da commissão, que diz assim:
«Não se apagam voluntariamente as tradições; não se reformam rapido os costumes; não se alteram facilmente as crenças; não se quebram a capricho as relações sociaes; nem o caracter nacional se modifica de um para outro instante: e d'estas tradições, costumes, crenças, relações sociaes e tudo emfim que forma o caracter nacional de um povo, e que naturalmente hão de resultar as instituições da sua constituição politica, sob pena de ficarem como letra morta ou causarem incalculaveis perturbações e enormes perigos.
Entendo, com franqueza, que foi uma imprudencia chamar a attenção do paiz para esta questão do beneplacito. (Apoiados.)
Poder-me-hão dizer que estou tornando essa imprudencia maior ainda, porque me estou demorando n'este assumpto.
Mas esse peccado já produziu de certo o seu effeito; e não sou eu quem vá agora aggravar o mal.
Se ninguem tivesse fallado aqui na questão do beneplacito, eu guardaria para mim essa liberdade, que desejaria para os bispos em materia de dogma e moral, e não trataria d'essa questão.
Fallei n'ella, porque outros fallaram antes de mim.
É moda cada um fazer a sua profissão de fé de liberal; por isso terminarei dizendo que comprehendo a liberdade como se diz na segunda das bases politicas da constituição portugueza decretadas a 9 de março de 1821.
«A liberdade consiste na faculdade que compete a cada um de fazer tudo o que a lei não prohibe. A conservação d'esta liberdade depende da exacta observação da leis.»
Leiam bem estas bases; e ficarão com uma noção completa e real da liberdade.
Não pensem v. exa. que eu, por apresentar idéas tendentes á manutenção da liberdade para os bispos, em questões de dogma e moral, esqueço os aggravos que a sciencia tem da igreja.
Não posso esquecer a fogueira em que foi queimado vivo Giordano Bruno por haver tido a fortuna, de descobrir e a coragem de dizer que, no universo, é um atomo este planeta que nós habitamos. Sei bem, infelizmente, como foi vergonhoso o vexame a que foi compellido o velho Galileu no dia 22 de março de 1633. Este martyr da sciencia, que num dia só enchera o espaço que o separava de Archimeder - dezoito seculos! - foi obrigado a ler, de joelhos, no convento de Minerva e no indicado dia, de triste luto, uma abjuração, que nunca tive a coragem de ler toda. Se alguem a quizer ler, póde procural-a na Histoire de l'Astronomie de Délambre, na Astronomie Populaire d'Arago e na biographia de Galilleu escripta por este.
Mas não queiram lel-a.
Basta que saibam que foi publicada e executada por ordem do pontifico Urbano VIII, tendo a assignatura dos cardeaes d'Ascoli, Bertivoglio, de Cremone, S. Onofre, Gyprius, de Varospi e Ginetti.
Lembro-me ainda de que foi com o medo da fogueira que o allemão Képler, um verdadeiro Messias, que resgatou a sciencia do funesto influxo de imaginação rejeitou o convite que lhe dirigiu a republica de Veneza, em virtude de recommendação de Julio de Medieis, para ir ser professor em Padua.
Sou allemão, estou acostumado a dizer a verdade toda; não quero expôr-me a ser queimado como foi Girdano Bruno: dizia o percursor de Newton.
E Képler não era isento de paixões humanas, elle que até defendeu a feiticeira! Mas commetteu esta fraqueza só para salvar sua mãe, accusada de feiticeria, que então era considerado crime hediondo. Foi nobre!
Mas o papa e os cardeaes porque vexaram assim o velho Galileu?
Porque os inspiraram a perversidade e a ignorancia do Le Galla, que afirmava: Deus, estando no céo e não na terra, só pode mover o céo e não a terra!
Algumas vozes: - Muito bem.
(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Ao artigo 1.° Proponho a substituição:
«Os pares e deputados são representantes só da nação.
«§ unico. É prohibido o mandato imperativo.»
Assim fica interpretado e additado o artigo 14.° da carta constitucional da monarchia.
Proponho a seguinte redacção para o artigo 2.°:
«Cada legislatura é de tres annos; cada sessão annual é de tres mezes.»
Ao artigo 5.° Proponho a alteração:
« Nenhum representante da nação, par ou deputado, póde ser preso, salvo por ordem da sua respectiva camara, ou em flagrante delicio punivel com a mais elevada pena do codigo criminal que estiver em vigor na epocha do delicto.»
Fica substituido assim o artigo 26.ª da carta constitucional da monarchia.
Ao § 3.° do artigo 2.° proponho o additamento:
«O presidente e os dois juizes mais antigos do supremo tribunal de justiça; os decanos das faculdades academicas.»
Proponho que no § 2.° do artigo 7.° seja declarado expressamente que o Rei só póde dissolver a camara dos deputados e a parte electiva da camara dos pares quando as cortes estejam reunidas e a funccionar, excepto no caso em que tendo sido convocadas, as cortes se recusem a reunir-se, caso em que o Rei póde dissolver dentro de dez dias depois do que tiver sido fixado para a abertura da sessão, a camara dos deputados, ou a parte electiva da camara dos pares, ou ambas.
Proponho que no § 5.° do mesmo artigo seja tambem declarado expressamente que nunca possam ser perdoadas nem moderadas as penas impostas pelos crimes de parricidio, filicidio e contra o pudor de uma menor commettido por seu pae.
22 de abril. = Alfredo da Rocha Peixoto.
Foi admittida.

O sr. Frederico Laranjo: - Sr. presidente, agradeço a v. exa. a delicadeza que teve commigo, concedendo-me agora a palavra, que eu havia pedido na primeira parte da sessão.
Podia discutir se é ou não legal este uso, que se vae introduzindo, de se supprimirem os trabalhos da camara antes da ordem do dia, para os quaes o regimento marca uma hora, que ha muito se lhes não applica; mas fazel-o n'esta occasião seria corresponder mal á deferencia de que v. exa. acaba de me dar uma prova, e por esse motivo não discuto isso agora.
O assumpto para que eu pedi a palavra é o seguinte;
Ha dias foi mandado para a mesa o projecto de lei para a ratificação do tratado de commercio com a Hespanha.
Esse tratado é completamente inintelligivel sem o conhecimento do ultimo tratado de commercio da Hespanha com a França, por isso que n'uns pontos lhe faz referencia expressa, n'outros, concedendo-nos o tratamento de nação mais favorecida, tem o seu complemento necessario no tratado franco-hispano, que é, relativamente á Hespanha, o typo d'esse tratamento.
Venho por isto pedir á camara ou ao governo, ou a ambos, estes poderes, que juntamente com o projecto de tra-

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tado de commercio entre Portugal e a Hespanha se mande publicar e distribuir o ultimo tratado de commercio entre a Hespanha e a França; porque me parece que não póde ser agradavel, nem decoroso para a camara, ter que discutir sem bases, e ter que votar sem conhecimento do que vota.
Pedia mais que se mandassem vir alguns exemplares da pauta hespanhola para a bibliotheca das cortes, porque são tambem um elemento indispensavel para o conhecimento do tratado que temos que discutir.
Eu, sr. presidente, não faria estes pedidos, se na bibliotheca das cortes houvesse, como era natural, as actas das sessões parlamentares e os jornaes officiaes das differentes nações, principalmente das mais importantes; mas a verdade é que a bibliotheca das cortes é de uma pobreza vergonhosa. (Apoiados.)
Os srs. deputados que residem em Lisboa podem talvez organisar as suas bibliothecas, procurar e alcançar os documentos que se vão publicando, e terem assim á sua disposição os differentes meios de que carecem para entrarem nas discussões que se ventilam n'esta casa; mas os deputados que vêem das provincias, e que não desejam, nem podem por dever, ser completamente mudos, vêem-se em graves difficuldades para poderem discutir com conhecimento de causa os projectos de variadissima indole que são submettidos á apreciação e ao voto de todos nós. (Apoiados.)
E essa pobreza vergonhosa, de que eu fallei, parece-me que é facil de remediar.
Pois haveria algum paiz que se recusasse a trocar o seu jornal official pelo nosso?
Parece-me que não; e por meio dos nossos ministros, ou dos nossos encarregados de negocios, junto das differentes cortes, era facil alcançar isso; e se não se podesse alcançar por este meio, parece-me que não era de certo uma despeza improficua a pequena despeza que se inserisse no orçamento a fim de se adquirirem os jornaes officiaes e parlamentares dos principaes paizes, como, por exemplo, a Inglaterra, França, Hespanha, Allemanha e o Brazil. (Apoiados.)
Resumindo, peço á camara e ao governo :
1.° Que mandem publicar, conjunctamente com o projecto do tratado entre a Hespanha e Portugal, o ultimo tratado de commercio feito entre a Hespanha e a França;
2.° Que mandem vir para a bibliotheca das cortes algumas pautas hespanholas e tambem algumas pautas portuguezas, porque creio que não existem lá nenhumas;
3.° Que, o mais breve possivel, tratem do alcançar das outras nações a troca dos seus jornaes officiaes e parlamentares com os nossos; e que, se não se poder conseguir isso sem despeza, o governo consigne no orçamento uma verba para esse fim.
O sr. Presidente: - Queira o illustre deputado formular e mandar para a mesa a sua proposta, para ser submettida á deliberação da camara.
Isto quanto á primeira parte das suas observações, porque relativamente á segunda parte, o sr. primeiro secretario vae dar informações que talvez satisfaçam s. exa.
O sr. Primeiro Secretario (Mouta e Vasconcellos): - A mesa da camara tem empregado, e está empregando, todos os seus esforços, a fim de se montar um systema de troca internacional de documentos parlamentares, e espera conseguir traduzir em factos cousa tão vantajosa.
Para o Brazil vae ser enviado um convite com os nossos documentos parlamentares no primeiro paquete com destino para aquelle imperio, podendo eu asseverar que a troca dos documentos parlamentares brazileiros não se fará esperar, porque a este respeito já se trocou correspondencia entre mim e o illustre primeiro secretario da camara dos senhores deputados do Brazil.
O que se faz com relação ao Brazil, já se faz com a Hespanha e a França, e vae fazer-se, por acto da camara, e independentemente da intervenção do governo, com todos os paizes regidos por instituições parlamentares (Muitos apoiados.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Uma vez que o illustre deputado carece, como diz, de documentos que podem servir para esclarecimento da questão a que s. exa. se refere, estou convencido que da parte do meu collega, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, não haverá duvida em fornecer a s. exa. e á camara esses documentos e os mais que julgarem necessarios para esclarecimento da discussão do projecto, comtanto que se não prejudique com a demora essa discussão do tratado, sendo certo que não é conveniente estar a pedir documentos indefinidamente. (Apoiados.)
Foi apenas para fazer esta declaração que fiz uso da palavra.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Frederico Laranja:- A camara comprehende que esses documentos para um ou alguns deputados verem, não são documentos que a camara possa apreciar, e por isso o que eu peço não é que o tratado franco-hispano me seja enviado; mas que seja publicado e distribuido por todos nós. (Apoiados.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Torno a declarar que o sr. ministro dos negocios estrangeiros não terá duvida em fornecer os documentos que forem necessarios; n'isto não ha logar a duvidas. A unica duvida está em que se repitam tanto esses pedidos que possam prejudicar a discussão.
O sr. Presidente: - É conveniente que o sr. Laranjo mande para a mesa a sua proposta para na sexta feira ser consultada a camara.
O sr. Barros Gomes: - Parece-me que bastará uma resolução da camara para se satisfazer aos desejos, aliás legitimos, do nosso collega o sr. Laranjo.
Trata-se de um documento ácerca de cuja publicidade não é de modo algum necessario consultar o sr. ministro dos negocios estrangeiros; é um documento publico que está na legislação hespanhola e franceza e no tratado celebrado entre aquellas duas nações. Pede-se esse documento como esclarecimento para a camara e a camara resolve que elle se imprima e seja distribuido. Para que é pois, necessaria a intervenção do governo n'este ponto? (Apoiados.)
Uma resolução da camara é quanto basta. (Apoiados.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Eu não disse, que era necessaria a intervenção do governo.
Qualquer individuo, mesmo sem ser deputado, podia fazer publicar esse tratado. Felizmente temos essa liberdade. O que quiz significar, é que por parte do governo não havia obstaculo ao pedido dessa publicação, e nada mais. (Apoiados.)
O sr. Presidente : - Sempre foi minha intenção submetter á deliberação da camara o pedido do sr. Laranjo para a publicação dos documentos. E por isso mesmo é que digo a s. exa. que deve mandar para a mesa a sua proposta n'esse sentido, para ser consignada na acta e submettida á deliberação da camara na primeira sessão.
A ordem do dia para amanhã é trabalhos em commissões e para sexta feira a continuação da que estava dada e mais o projecto n.° 36.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Como saiu errado e incompleto o extracto do discurso do sr. Bernardino Machado, pronunciado na sessão anterior e

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1280 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

publicado a pag. 1260 e 1261 d'este Diario, publica-se agora correcto e completo.

O sr. Bernardino Machado:- Continuando o seu discurso, começado na sessão anterior, tornou a ler a sua moção:
«A camara reconhece que a proposta do governo traduz lealmente a reforma constitucional estipulada no accordo dos partidos, e que encerra um pensamento de incontestavel progresso politico, quaesquer que sejam as modificações que na especialidade importe fazer-lhe, e continua na ordem do dia.»
Disse que na vespera não poderá entrar na demonstração d'esta moção; ia fazel-a, começando por se occupar do accordo.
Recordou o accordo em que, havia muito, se achavam os partidos sobre a necessidade da reforma da constituição, e ao mesmo tempo a dissidencia que viera a manifestar-se entre elles quanto ao processo de se realisar, entendendo uns que a devia realisar com as suas idéas, intransigentemente, o partido que estivesse no governo, e entendendo os regeneradores que só devia realisar-se pelo voto de todos os partidos monarchicos.
O primeiro processo era sem duvida mais expedito, mas o outro era de certo mais prudente e seguro, tirava á reforma toda feição partidaria, dava-lhe uma indiscutivel auctoridade. Esta divergencia foi retardando a reforma; não a emprehendiam os regeneradores, e depois o partido progressista não se achou com força de a promover.
Voltou, porém, ao governo o partido regenerador, e os factos das ultimas promoções de pares levaram-no ao reconhecimento de que não era possivel continuar o paiz a governar-se com a camara alta de nomeação regia. Assim se originou a ultima proposta regeneradora para a reforma constitucional.
A principio os progressistas, surprehendidos, imaginaram-se roubados no seu programma, como se a idéa do senado de origem mixta, de eleição popular e de nomeação regia, fosse privilegio seu, como se a missão dos governos fosse crear idéas e não applical-as. Era o momento de applicar esta, não por interesse partidario, mas por interesse geral da nação. Este foi o merito dos regeneradores. A opinião publica deu-lhes rasão e elles mantiveram-se por conseguinte no poder.
A proposta regeneradora correspondia a uma formula que podia satisfazer á media das aspirações dos partidos. Era pouco menos que a proposta historica, adoptada pelos progressistas, e, se na formação do pariato era um pouco mais conservadora do que a dos constituintes, na organisação do poder moderador era um pouco mais democratica.
Por isso sobre ella se estabeleceu o accordo. O orador historiou então as estipulações dos regeneradores com os constituintes e com os progressistas. Mostrou como foram dignas de parte a parte, e poz em relevo por um lado as declarações ministeriaes e por outro as dos chefes dos outros partidos.
Assim se chegara á lei de 15 de maio, que declarou a necessidade da reforma constitucional.
Disse que desde então havia já responsabilidades não só moraes, mas tambem legaes. Examinou-as.
D'essa lei decorreram duas obrigações: a do paiz eleger os deputados com faculdades constituintes, e a desta legislatura não exceder, querendo usar d'essas faculdades, os limites impostos á revisão pela legislatura precedente. A primeira obrigação era evidente. Para reconhecer a segunda basta observar que a carta exige para a sua revisão que duas legislaturas consecutivas concordem na necessidade d'ella. Ora, este accordo limita forçosamente o numero de artigos sobre que possa decidir-se a segunda legislatura. Senão succederia querer a primeira a reforma de um artigo, e vir a outra reformar todos, menos esse. Mas esta limitação não coarcta, é claro, a liberdade de decisão d'esta legislatura sobre cada um dos artigos, cuja reforma ambas julguem necessaria.
Da lei de l5 de maio não resulta outra obrigação. Nem do mandato constituinte que foi conferido aos deputados por virtude d'ella. Toda legislatura póde revogar uma lei ordinaria e esta á fortiori póde revogar a de l5 de maio. E póde, apesar do mandato constituinte, porque elle não é imperativo. Demais, ser necessario para a revisão o accordo de duas legislaturas consecutivas sobre a sua necessidade é o mesmo que dizer que a segunda póde estar por elle ou não. Senão o processo da carta, que tem por fim dar tempo á reflexão antes que se faça uma reforma constitucional, que não quer que em materia tão grave decida logo o voto de uma legislatura, que deseja que primeiro se forme a opinião do paiz, e julga que só depois os mandatarios da nação poderão dar um voto com verdadeira consciencia das necessidades publicas, este processo malograr-se-ia, pois que a necessidade da reforma vinha a ficar decidida logo á primeira legislatura, e a segunda tinha de rever a carta, ainda que o não julgasse necessario. Não póde ser.
Entendo tambem que a lei de l5 de maio não impunha ao governo a obrigação de apresentar uma proposta de reformas politicas, porque nenhuma lei ordinaria lhe póde tolher a liberdade de iniciativa, que lhe está garantida na carta. Elle apresentou-a por dever do cargo e por se achar a isso obrigado moralmente.
Alem das obrigações legaes resultantes da lei de 15 de maio havia as obrigações moraes provenientes do accordo dos partidos. O partido regenerador tinha a de apresentar uma proposta vasada nos moldes do accordo; assim fez. Para o verificar basta comparar a proposta com as declarações do sr. Fontes na commissão da camara dos pares, as quaes constam do relatorio do sr. Thomás Ribeivo. Este foi o procedimento leal do partido regenerador. Qual o dos outros partidos, ou antes do partido progressista e do chefe dos constituintes ? O sr. José Dias Ferreira que achava boa a reforma, senão optima, passou a achal-a pessima; os progressistas, que a tinham approvado na generalidade e affirmado que collaborariam n'ella até final, vieram agora declarar que a não consideravam uma base seria para a discussão. Pois soubessem que o seu dever era discutir todas as propostas do governo, ainda que para isso não tivessem tomado para com elle compromisso. Os deputados não têem só de votar, a propria palavra parlamento indica que devem discutir. Se não discutem todos e cada um é porque estão distribuidos em partidos e não tem cada um uma opinião individual, mas cada partido tem obrigação de intervir nas discussões. Pretendia o partido progressista que o seu procedimento anormal fora provocado pela dictadura inter-parlamentar do governo ? O orador não attenua a gravidade de tal acto, não é como o sr. José Luciano de Castro, que deu assento a esses abusos no nosso codigo politico, não; entende mesmo que não só as dictaduras são anti-constitucionaes - a não serem para as provincias ultramarinas, em que as tolera o acto adicional e a não serem para se suspender apenas alguma das formalidades que garantem a liberdade individual, e isto nos casos de rebellião ou invasão de inimigos, e pedindo-o a segurança do estado - que nunca podem suspender a independencia do poder legislativo que, como a de todos os poderes é, na expressão da carta, o meio mais seguro de tornar effectivas as garantias constitucionaes; mas entende igualmente que o parlamento nem o rei têem o direito de conceder um bill de indemnidade a taes excessos do poder executivo. Aonde está consignado esse direito? Mas a conclusão logica do acto dictatorial do governo, da praxe estabelecida das dictaduras, seria reformar ainda mais depressa a constituição e não a apotheose da dictadura, como a fez a voz mais eloquente do paiz, o deputado progressista, sr. Antonio Candido.

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SESSÃO DE 22 DE ABRIL DE 1885 1281

Em seguida o orador passou a demonstrar que o pensamento da proposta de reforma que estava em discussão é de incontestavel progresso politico.
Disse que uma constituição era um codigo de direitos, desde os direitos communs até os direitos colletivos, até às duas representações mais culminantes destes, o direito da soberania, da intervenção da nação no seu governo, que é a forma mais complexa do direito publico interno, e o direito de autonomia, de independencia da nação, que é já uma forma do direito publico externo.
Affiançou então que a proposta do governo tendia a declarar-se bem expressamente que a nação não obedece a suzerania nenhuma extranha, nem temporal, nem espiritual, nem mesmo á da igreja: tal era o alto sentido do artigo do beneplacito; que pela proposta, emquanto que hoje o Rei tem duas partes na representação nacional e o povo tem só uma, virão a tel-as approximadamente iguaes, emquanto que hoje num conflicto entre o Rei e as côrtes o Rei póde, contra o espirito da carta, prevalecer, depois prevalecerão as côrtes, e haverá a certeza de que os conflictos entre as duas camaras se resolverão, visto que ellas irão directa ou indirectamente restabelecer a sua harmonia ao sufragio popular, emquanto que hoje a solução depende da conciliação do Rei, que faz as nomeações dos pares, com o povo, que elege os deputados; e que, finalmente, a proposta asseguraria direito tão importante como o de reunião, tornando o independente para sempre de auctorisação previa. Demonstrou largamente estas proposições, insistindo sobretudo nos principios seguintes introduzidos n'este novo acto addicional: a camara dos pares composta não só pelo Rei, mas tambem pelo povo; a impossibilidade do Rei contrariar a vontade das côrtes, dissolvendo incessantemente a camara dos deputados e nomeando pares indefinidamente. E, emquanto aos conflictos possiveis entre as duas camaras de futuro, disse que, se até agora elles se têem resolvido em favor da camara dos deputados com a promoção de um numero de pares inferior ou excepcionalmente pouco superior a vinte, ha todas as probabilidades de que de futuro se resolvam com a nova eleição de cincoenta pares, e haverá até a certeza, se, como tenciona propor, a camara dos dignos pares ficar constituida metade de eleição e metade de nomeação, pois que aquellas probabilidades perfarão a maioria ao voto popular. Desenvolvendo o nosso systema de governo, provou a falsidade da formula monarchica representativa do sr. José Dias Ferreira, quando elle disse que o seu ideal era uma republica com um presidente hereditario. Estas expressões são contraditorias. A forma monarchica quer dizer o Rei ramo do poder legislativo, emquanto que na forma republicana o presidente ou é; como em França, eleito pelo parlamento para presidir com a sua imparcialidade á acção ministerial dos varios partidos, ou, como nos Estados Unidos, eleito ao lado do parlamento, para exercer o poder executivo com ministros da sua exclusiva responsabilidade, e nunca tem o veto absoluto. Fez ver depois como na proposta, declarando-se compativeis as funcções de ministro com as funcções anteriores de par e deputado, se consagra para o poder executivo, esta verdade do regimen parlamentar: que os ministros são da escolha do Rei e do parlamento, porque se o Rei é quem os nomeia, não deve exercer a sua prerogativa senão dentro da categoria dos homens que possuem a confiança do parlamento.
O orador foi, durante a sua demonstração, concatenando todos os artigos da proposta, de modo a convencer que toda ella obedece a um pensamento fundamental, que todas as suas partes se ligam systematicamente. Assim, da differença futura entre os pares, uns de nomeação vitalicia, outros electivos e temporarios, derivou a necessidade de se declarar que todos elles são iguaes, que todos, assim como os deputados, são representantes da nação; da introducção do elemento electivo na camara dos pares lhe levantar o nivel politico resultava a necessidade de se elevar igualmente a auctoridade da camara dos deputados para lhe restituir a preponderancia, e o meio era tornar mais intima a sua communhão com o corpo eleitoral, reduzir o tempo da sua legislatura de quatro a tres annos, praso sufficiente, segundo opinavam os nossos politicos, e entre elles o marquez de Sá da Bandeira, para os deputados legislarem proficuamente, com sequencia; e finalmente d'esta reducção que podia, apesar de tantas opiniões auctorisadas, induzir alguns deputados a transformarem se em candidatos, proviera a necessidade de condemnar expressamente o mandato imperativo, não porque seja esta uma sancção perfeita, mas porque ainda tem força o respeito á lei, e para que ficasse este preceito a assignar um limite minimo alem do qual não é permissivel estreitar a temporalidade legislativa.
O orador, tendo concluido a demonstração da segunda parte da sua moção, perguntou se reforma de tanta magnitude, supposto não fosse radical, não deveria contar com quatro annos de vida. Este praso, julga-o indispensavel para a nação disciplinar o seu desenvolvimento politico.
Se alguem, depois de feita esta reforma, tentasse logo outra, admittindo por um instante a hypothese inverosimil de que tivesse comsigo um numero consideravel de espiritos serios, precisaria para a propaganda das suas idéas, para uma legislatura ordinaria reconhecer a necessidade da nova reforma e para a legislatura constituinte a levar a cabo, pelo menos dos quatro annos.
Nem se diga que o poder legislativo não tem o direito de dispor do futuro da nação. Pois é-lhe licito ceder porções do territorio, contrahir emprestimos, empenhar em summa a propriedade das gerações futuras no intuito, é certo, de augmentar a riqueza publica, e não o seria disciplinar a liberdade d'ellas para assegurar a evolução da nação juridica! Mas nem d'isso se trata, o praso anteposto á nova revisão será apenas de quatro annos.
Ha quem pense combatei o, argumentando por absurdo que, assim como vão ser exigidos quatro annos de experiencia constitucional em seguida á proxima reforma, se poderia exigir um grandissimo numero de annos. É como se da faculdade que o poder legislativo tem de ceder porções de territorio se pretendesse inferir que podia alienal-o todo. Não. Aqui o numero não é elemento arbitrario. A pratica ensina que a constituição, para se experimentar, carece de um certo numero de annos, que não é possivel precisar, mas que com certeza não é inferior a quatro : e já não se fundaria nos factos quem lhe marcasse um periodo comparativamente muito longo.
Mas a doutrina contraria tende a destruir não só toda a fé publica, mas toda a fé dos contratos. Nenhuma instituição seria possivel: o deputado, por exemplo eleito hoje, de veria amanhã restituir o seu mandato, porque o corpo eleitoral varia continuamente e até não se sabe se os proprios que o elegeram não terão mudado de sentimentos para com elle. E ninguem acharia com quem tratar senão á vista, porque todo o pactuante teria o direito de riscindir sempre o seu contrato, quando lhe aprouvesse, fundando-se na sua liberdade de acção, que nunca deve ser coarctada.
O que é necessario, ponderou o orador, não é já outra reforma constitucional logo depois d'esta, mas aproveitar esta para melhorar os serviços da administração.
Expoz em seguida largamente a nossa situação, a importancia que tiveram os melhoramentos materiaes, reclamados já em 1820 por Fernandes Thomás como urgentes, hoje titulos de gloria para o partido regenerador, mas a sua insufficiencia, a immoralidade que occasionam e até a ruina que contra-producentemente d'elles pude provir, porque as estradas, os caminhos de ferro, que devem aproveitar aos nacionaes, virão a aproveitar, se elles não se instruem senão pela sua approximação, senão pela troca das proprias idéas, mas é aos estrangeiros, que facilmente os arruinarão com a sua superioridade intellectual na luta economica. Julga, pois, inadiavel fomentar o desenvolvimento intellectual e moral do paiz.

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1282 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Este deve ser hoje o programma do partido regenerador.
E parece-lhe que, assim como Rodrigo da Fonseca prestara ao sr. Fontes a sua auctoridade para a realisação dos melhoramentos materiaes, assim hoje o sr. Fontes devia prestar a sua para a dos melhoramentos moraes. Até viriam a ficar satisfeitos os mesmos que acham insufficiente a lei em projecto, porque onde se fazem as leis não é principalmente no parlamento, mas na escola.
(O discurso será publicado na integra quando o sr. deputado restituir as notas tachygraphicas.)

Redactor = S. Rego.

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