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SESSÃO DE 7 DE ABRIL.

1855.

PRESIDENCIA DO Sr, SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados. Abertura: — Ao meio dia. Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Uma declaração: — Do sr. presidente participando que o sr. Pinto de Almeida, por justo motivo, não póde comparecer á sessão de hoje, e talvez a algumas das seguintes. — inteirada.

Officios: — 1. Do ministerio do reino, acompanhando a cópia da consulta do conselho superior de instrucção publica de 16 de março do anno proximo passado; e outro sim cópias de dois projectos de lei, sobre instrucção primaria, que serviram de base e acompanharam a mesma consulta, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Á commissão de instrucção publica.

2.º Do mesmo ministerio acompanhando a relação nominal de todos os empregados dependentes daquelle ministerio, conforme o disposto no artigo til. da carta de lei de 26 de agosto de 184-8. — Á commissão de fazenda.

O sr. Bivar: — Mando para a mesa a seguinte Nota de Interpellação: — Peço que seja convidado o ex.mo ministro dos negocios da fazenda, para responder a uma interpellação, que lhe pertendo dirigir sobre o gravame, que, pela administração geral do pescado, se faz aos pescadores, a quem se exige, segunda vez, o imposto de ti por cento da pescaria salgada, que é conduzida para esta capital, depois de, na estação da respectiva alfandega, elles haverem satisfeito o referido imposto, na occasião em que para terra conduzem a pescaria fresca. — Bivar.

(Continuando). Approveito esta occasião para mandar tambem para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Nova de Portimão, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Honorato Ferreira, com uma pequena alteração.

O sr. Santos Monteiro: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal da Villa de Castro Marim, em que pede lhe sejam concedidos alguns terrenos incultos, dentro no seu municipio para acudir aos embaraços financeiros em que se acha.

O sr. D. Antonio J. de Mello — Mando para a mesa um requerimento do sr. D. Thereza Carolina Pego de Fontoura Cibrão, em que pede se lhe arbitre uma pensão para poder manter-se. e dar a devida educação a seu filho. Esta sr. é viuva do brigadeiro reformado do corpo de engenheiros, Cibrão, official distincto, e que muito soffreu defendendo a causa da liberdade, sendo perseguido e prezo pelo governo intruso desde 1828: por isso peço a v. ex. que tenha a bondade de lhe dar o conveniente destino.

O sr. Presidente: — Como é um requerimento particular, o destino que se lhe póde dar é remetter-se á secretaria.

O sr. Rivara: ~ Mando para a mesa dois pareceres da commissão de administração publica

Ficaram, sobre a mesa para serem discutidos em occasião opportuna.

O sr. Placido de Abreu,: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra sobre a fixação da força militar para o anno economico de 1853 a 1854.

Aproveito esta occasião para dizer a v. ex.ª que a commissão de obras publicas tem falta de um membro, e por isso pedia a v. ex. que tivesse a bondade de indicar um sr. deputado para fazer parte daquella commissão.

O sr. Presidente: — Queira a commissão mesmo indica-lo na fórma do estilo.

O sr. Placido de Abreu: — Eu desejaria que a camara o indicasse; mas como se segue o procedente estabelecido, eu farei essa indicação por parto da commissão.

O sr. Honorato Ferreira: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal da Villa da Barca, pedindo que se conceda a admissão de fazendas de sêllo na alfandega de Vianna.

O sr. Cesar ele Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes da armada, e exercito, e de viuvas de officiaes tanto de mar, como de terra, e dos empregados do collegio militar, pedindo que o collegio militar estabelecido em Mafra, seja transferido para Lisboa, ou para um ponto mais proximo de Lisboa. A vista das ponderosas razões que apresentam os supplicantes, eu confio que esta camara, depois de examinada a representação pela competente commissão, ha-de attender á sua justa reclamação; e nesta occasião devo accrescentar que no actual gabinete está um cavalheiro, que é o sr. ministro da fazenda, que se pronunciou contra a conveniencia da conservação do collegio militar em Mafra, em um discurso, que fez, quando deputado, na sessão do 1. de fevereiro de 1851; e estou convencido que a camara ha-de concordar com o que s. ex. expoz, e são tão fortes os argumentos que se apresentam contra a existencia alli deste collegio, que eu intendo que é negocio muito urgente, e que quanto antes deve ser resolvido, para cessarem os inconvenientes que resultam de se conservar em Mafra o collegio militar. Reservo-me para quando se tractar deste negocio apresentar as razões que tenho para o apoiar.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Em uma das sessões passadas apresentei nesta camara um projecto para a alteração da lei de foraes, e como este negocio deve ser tractado com toda a circumspecção, e. com verdadeiro conhecimento de causa, mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Ficou sobre et mesa para ter ámanhã o destino competente.

O sr. Palma: — Peço a v. ex. que me reserve a palavra, para quando estiver presente o sr. ministro das obra publicas, porque tenho a apresentar duas

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representações da camara municipal de Silves, e Monchique, e quero chamar a sua attenção sobre o objecto dellas.

O sr. Bivar: — Eu peço tambem a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, o quando o sr. Palma apresentar as representações das camaras de Silves, e Monchique, porque desejo fazer algumas observações sobre o objecto destas representações.

O sr. Silva Pereira: — Pei tendo renovar a iniciativa sobre o projecto, que apresentei na sessão passada sobre — castigos corporaes militares — v. ex.ª sabe que naquella occasião eu instei para que fosse breve a apresentação do parecer sobre este projecto, depois cessei as minhas instancias, porque houve uma consideração ponderosa que a isso me obrigou. Naquella dissolvida camara havia poucos militares; não havia mesmo bastantes para formar a commissão de guerra; e com quanto seja minha convicção que aquelles castigos podem ser dispensados, e são incompativeis com a civilisação, e com a humanidade, comtudo eu desejava que este objecto fosse tractado em toda a latitude e particularmente pelas pessoas competentes para isso. Hoje porém que a camara abunda em tantas capacidades militares, por isso eu submetto á consideração da camara o seguinte projecto de lei, o qual desejaria que fosse remettido á commissão de guerra, ouvida a de marinha. (Leu)

Ficou para segunda leitura.

O sr. Santos Monteiro: — Ha dias mandei para a mesa um requerimento pedindo diversas informações no governo, e disse que ellas me eram necessarias para apresentar um projecto de lei; estes esclarecimentos ainda não vieram; até ha poucos dias não me faziam muita falta, porque me capacitei que os inales, que eu suppunha evitar apresentando um projecto de lei mais amplo do que hoje apresento, não eram tamanhas, como na actualidade são.

Eu tenho a palavra sobre o projecto n.º 7, e não tenho duvida em dizer já á camara que hei-de votar pelo parecer, mas nessa occasião hei-de alludir a algumas providencias que me parece conveniente para a causa publica o tomarem-se, alterando para esse fim algumas das leis da dictadura, e creio que os srs. ministros hão de concordar comigo.

O projecto, que apresento hoje, altera já uma dellas; parece-me que é de conveniencia publica, mas a camara o julgará. Eu sei que a materia é muito grave, quando tiver de ser tractada em toda a sua extensão; mas este projecto acode desde já a um mal que supponho grande e que devemos evitar. (Leu-o)

(Continuando) Remetto o projecto para a mesa, e não peço a urgencia, porque de um dia para outro não prejudica cousa nenhuma em que se sujeite ao andamento ordinario.

Direi á camara que no anno de 1852 pela barra de Lisboa exportaram-se 17 marcos de prata, e em 2 mezes e meio de 1853 já se exportaram 3:049 marcos; de maneira que os especuladores vão pegando nos cruzados novos fundem-nos, e mandam-nos para o estrangeiro, em consequencia da diminuição do direito na exportação da praia. Esle projecto é governamental, e eu já tive a honra de o apresentar ao sr. ministro da fazenda, que concordou; e não poz duvida em que eu o apesentasse. Não é só pela barra de Lisboa, tambem pela barra do Porto a exportação tem sido glande, quando em 1852 foi nenhuma. No

anno de 1851 a 1852 não se cunhou prata na moeda, mas foi cunhada uma certa porção, que podia servir para evitar o grande desequilibrio que havia entre a moeda de ouro e de prata. No anno de 1853 ainda á casa da moeda não foi meia onça depois que foi publicada a pauta. Eu não só a este respeito mas a respeito de muitos mais objectos hei-de apresentar algumas alterações ás leis da dictadura; e espero que os senhores da sciencia tenham a bondade de conformar-se com ellas, rendendo tambem alguma homenagem á practica, e uma das especies que escuso lembrar agora, que está nesse caso é a praia.

Concluo pedindo a v. ex. tenha a bondade de me inscrever para apresentar ainda outro projecto de lei.

O projecto de lei apresentado ficou para segunda leitura.

O sr. Leão Cabreira: — Sr. presidente, ha muitos annos que Portugal carece de uma lei circumstanciada para as reformas militares, para evitar os abusos que se têem feito, e que tu vez continuem a fazer-se, se fallar essa lei. Ha muitos militares que pedem reformas, quando as não devem pedir, e quando aliás estão em estado de servir, e muito bem. Ha outros a quem se tem dado a reforma, quando a não pediam, e que estão tambem no caso de poderem servir e muito bem. Tudo isto tem procedido da falla de clareza na legislação a este respeito. Portanto a necessidade de uma lei para este fim é reconhecida por todos, e agora muito mais depois da discussão que ha dias teve logar ácerca do projecto para o melhoramento da refórma dos brigadeiros, porque daqui por diante hade haver pertenções para que as reformas se dêem, quando se não devam dar.

Para que isto não aconteça e para que haja uma regra conveniente que as regule, é que vou apresentar um projecto de lei, que tenho a honra de submetter á consideração da camara.

Peço a urgencia, porque o objecto assim o requer — em segundo logar a impressão no Diario do Governo — e em terceiro dispensa de segunda leitura.

O sr. Presidente: — Amanhã se lhe dará destino.

O sr. Themudo: — (Leu e mandou para a mesa um projecto de lei sobre foraes).

Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do parecer n.º 7 (sobre actos da dictadura).

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. F. J. Maia relator da commissão.

O sr. F. J. Maia: — Sr. presidente, coube-me a honra de ser o relator da commissão especial, que foi encarregado de examinar os actos da dictadura: cumpre-me portanto defender o parecer apresentado pela mesma commissão, que se acha em discução, e no qual se involve a approvação de todos os actos de duas dictaduras, promulgados pelo governo, na ausencia do corpo legislativo, nos dois periodos em que assim se achou o governo.

O nobre deputado que fallou em terceiro logar nesta discussão, perguntou ao governo e á commissão especial — se ella intendia que os actos da dictadura, cuja approvação se propunha, eram sómente o promulgados nos dois periodos da dictadura, mencionados na proposta do governo, que em circumstancias

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extraordinarias a exercitou na ausencia do corpo legislativo, e cujos actos se achavam colleccionados nos dois volumes que o governo apresentou ás córtes. Eu como interprete da commissão, e como membro d'ella, não posso deixar de declarar á camara que esta pergunta podia ser intendida como suspeitando-se que a commissão especial e o mesmo governo tinham um pensamento diverso d'aquelle que o seu parecer e proposta apresentavam, e por consequencia eu obrigado a desvanecer qualquer suspeita menos decorosa para o seu caracter, tive de tomar logo a palavra para declarar que nunca se podia intender que se approvavam senão os actos da dictadura comprehendidos nesses dois periodos; porque e verdade que alguns actos legislativos houve,? não nesta dictadura, mas em algumas anteriores, exercidas na presença do corpo legislativo. O governo actual não a exercitou assim, isto é, exerceu a dictadura quando não havia um dos ramos do poder legislativo, que é a camara dos srs. deputados. Mas a commissão foi muito explicita, quando declarou qual era a sua opinião, e essa acha-se exarada no seu parecer, em que se lê, que ella dividira em dois periodos, para os examinar, os actos da dictadura. Por consequencia essa pergunta que foi feita por um illustre deputado que occupa um logar nesta casa com muita distincção, e cuja opinião tem um pezo muito grande, pela consideração que merece a pessoa que a emitte, era do dever da commissão especial fazer uma declaração completa, para não se julgar que havia outro pensamento differente do que aquelle que expressou no seu parecer.

A commissão não duvidou, nem podia duvidar, em approvar os actos da dictadura, lin nunca deleguei, nem delegarei, o poder legislativo: porque esta seria a mais prejudicial e a mais illegal das dictadura»; sei ía uma infracção imperdoavel da carta constitucional; e os seus actos emanados não poder iam ser considerados leis do estado. Este abuzo não se póde tolerar: e todavia tenho sentimento em ser obrigado a recordar que o poder executivo tem exercitado dictaduras extraordinarias em épocas ordinarias, que foram approvadas pelo corpo legislativo, e vêr agora esses cavalheiro? que as votaram, não tiveram então esse amor pela caria constitucional, e seguiram uma opinião contraria á que hoje sustentam; então não se estabelecia a anarchia entre os poderes do estado, e sómente na actual e que a veem.

Fallarei da dictadura de 1814. A carta constitucional prohibe expressamente que nenhum poder politico do estado possa suspender a carta constitucional: e que se fez em 18 H? O poder legislativo exorbitou das suas attribuições, e elle mesmo calcando a carta, constituiu — e em dictadura; e estabeleceu o despotismo: concedeu e deu ao poder executivo poderes extraordinarios e discricionarios; isto «, deu o que não tinha, nem podia conceder.

Sr. presidente, ninguem o acreditaria, senão fosse um facto presenciado por nós todos, e ião recente. Nas nossas coites não ha omnipotencia parlamentar. Acima de todos os poderes politicos está a caria constitucional; e nesta estão consignadas e limitadas as suas respectivas attribuições que podem ultrapassar.

Que se fez em 1814? O poder legislativo auctorisou o governo a usar de poderes extraordinarios e discricionarios; calou a curia, fez com que ella desapparecesse!.. Na dictadura actual o governo assumiu parte do poder legislativo, exercitou-o em certa e determinada escala, reverenciou a caria, reconheceu que assumiu poderes legislativos que não lhe compeliam. E naquella época que vimos nós? Vimos o corpo legislativo abafado pela compressão moral de quem tinha então as redeas do governo, sanccionar um decreto que não se encontra no meio da legislação a mais espantoza, que é a da revolução franceza, decreto em consequencia do qual se mandavam degradados cidadãos de todas as qualidades, porque se quebrava um telegrafo, ou se encontrava armado, e isto sem processo algum; e sem se identificarem os suppostos criminosos eram mandados para a cosia de Africa!

(Justa muito, sr. presidente, vêr agora levantar a voz estes grandes defensores do systema representativo, estes individuos que, durante o regimen constitucional, concederam ao governo poderes discricionarios!... Sr presidente, que um poder qualquer assuma attribuições que não lhe compelem, por circumstancias que esse poder repilla necessarias para a salvação publica, é facto muitas vezes repelido, repelido não só no nosso paiz, mas em outros; mas esse poder vem depois ao corpo legislativo pediriam bill de indemnidade por assim ter practicado, E o que fez o actual governo.

O actual governo apresentou os decretos que tinha promulgado, e disse — nós exorbitámos. — E para que tanta discussão para provar que o governo exorbitou? Não o diz elle? Para que havemos de consumir horas e horas para provar o que elle confessa que practicou? Resta pois o que? O que foz a commissão especial. Ella recebeu o facto como elle existia; viu que aquelles decretos tinham sido promulgados por um excesso do poder, mas examinou-os quanto pôde, viu a necessidade, senão forçada, ao menos conveniente de promulgar taes medidas, e intende que, compensando o, beneficios que dellas resultavam, podiam ser approvadas e mandadas continuar em vigor. E parece-me que a commissão especial andou bem, porque sendo 235 os decretos da dicta lura, como já disse um illustre orador, e tendo sido conib.il idos apenas 5 ou G, o que se segue é que os outros decretos ou são bons, ou, pelo menos, não são máos. (O sr. Cunha Solio-Maior; — Ora essa!...)

Ainda não vi alacar senão 5 ou 6 decretos, — por consequencia ve-se que nesse grande numero de providencias legislativas não se encontram lautos males como se lhes quer attribuir, e parece-me que a commissão tinha razão para approvar estes acto, chamados dictatoriaes, e que não o são porque apenas legislaram civilmente, e aquelle de que já fallei, atacou a pessoa, a propriedade e tudo quanto havia de sagrado; e parece-me que os individuos que approvaram tal medida, não lerão muita força para convencer de que agora combatem conscienciosamente os actos do governo actual.

Eu não desejava fazer comparações, nem a minha intenção era trazer ao campo os factos passados, mas feriu-me tanto, mesmo naquelle tempo este acto, que desejei aproveitar a primeira occasião para o stygmatisar como o mais insolito e mais inaudito que tem apparecido no nosso paiz!

Um illustre deputado que fallou em ultimo logar disse — que choviam as representações de toda a parte; das corporações, dos individuos, e que a opinião publica estava pronunciada contra as leis da dictadura — Sr. presidente, á commissão especial apenas cheio

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garam 5 representações; nada mais, e é este o grande numero de representações que vieram de toda a parte!.. São 5 representações, e 3 são de corporações que se representam a si proprias, as unicas que tem contractos com o governo; suppondo que ninguem mais tem contractos com o governo senão aquellas 3 corporações! Chegou a época de se reconhecer que -os seus contractos são como os de quaesquer outros individuos; e que estas corporações não tem superioridade alguma; e que hão de ser consideradas em igualdade de direitos com os mais. Ellas estavam habituadas a serem tractadas excepcionalmente em todas as suas transacções, com offensa das leis, do direito publico, e dos contractos. Estavam habituadas a receber sempre os seus creditos sobre o governo por inteiro, e eis-aqui a razão porque reclamaram contra os actos da dictadura: porque o governo não reconheceu nellas maiores direitos, do que em outros quaesquer particulares As representações que o illustre deputado disse que choviam de toda a parte, de corporações e individuos não chegaram cá! Ficaram no caminho.

Sr. presidente, uma das representações é da principal corporação de credito desta cidade; que invoca e sempre invocou o sagrado dos contractos. Sempre esperei este resultado naquelle estabelecimento; sempre me persuadi que aquelle estabelecimento não podia ir avante em vista do decreto que o organisou. Não tem tambem typo o decreto de 19 de novembro de 1846; é insolito, e extraordinario, não houve nada que elle não atacasse, não ha exemplo de similhante cousa. — Ha exemplos de banca-rotas, de pagamentos reduzidos, de conversões forçadas de todas as operações que se possam imaginar; mas não ha um decreto em que se diga, que um particular não pague a outro particular: e que annulle ou altere essencialmente contractos celebrados espontanea e legalmente entre particulares. O decreto de 19 de novembro disse a devedores que não pagassem aos seus credores, nem cumprissem as suas promessas e ajustes, e atreve se este estabelecimento a invocar o sagrado dos contractos! Elle que se formou pela quebra mais flagrante do credito e dos contractos?! É necessario que se intenda que não me importamos motivos que houve para promulgar este decreto, mas escolher-se para isso uma época a mais tormentoza, na occasião de uma revolução, e quando ella estava no seu maior fogo para se fazer a creação de um estabelecimento que só meditado e meditado muito placidamente é que podia ser bem organisado; mas não se queria isso, queria-se salvar certos interesses, e sae ri ficou-se tudo para que esses interesses se não ferissem. Lêa-se o relatorio e as disposições daquelle decreto de 19 de novembro de 1846, e ver-se-ha que uma companhia que linha um estatuto confirmado por lei, que obrigava os seus accionistas a entrarem com as suas prestações até completarem o seu capital, e com a qual se fizeram contractos e transacções fundados nesse estatuto, os accionistas foram absolvidos dessas obrigações; e sem audiencia dos credores, dissolveu-se a companhia prejudicando-se os mesmos credores gravissimamente; e que tinham direito a ser embolsados plenamente dos seus creditos, e o podiam ser. E será isto respeitar o sagrado dos contractos que agora se invoca com tanta ênfase? Outro estabelecimento, que com esta companhia serviram de base no que actualmente existe debaixo do nome de banco de Portugal, esse custou ao paiz o que não se póde calcular. O paiz soffreu uma perda immensa com a medida extraordinaria do curso (orçado das notas. O thesouro perdeu de certo mais de 5:000 contos, e não se póde calcular o que perderam Os particulares. E para que? Para se salvar esse estabelecimento que está no estado em que nós o vemos. Accumulou-se de privilegios este estabelecimento, e nem assim caminha porque a sua base é falsa, foi a offensa de todos os direitos, de toda a propriedade, a violação de todos os contractos, não podia por consequencia caminhar. Todos os privilegios que se lhe deram, foram gratuitos, e a historia dos bancos dos outros paizes conta-nos que os governos practicam de outro modo. O banco de Inglaterra na ultima reforma da sua carta, em compensação dos seus privilegios, que de certo não são iguaes aos que se concederam ao banco de Portugal em relação ao paiz, obrigou-se a emprestar no governo 3 milhões esterlinos sem juro, e actualmente, até ao ultimo periodo da sua prorogação actual, de que creio que acaba em 1855, tem obrigação de emprestar ao governo uma enorme somma, que anda talvez por 11 milhões esterlinos ao juro de 3 por cento. É assim que os privilegios se compensam entre os bancos e os governos.

E são, sr. presidente, Os homens que fizeram, exigiram taes providencias, como são aquellas que eu acabo de mencionar quando fallei da creação do banco de Portugal, aquelles que invocam o direito de propriedade, aquelles que invocam o cumprimento da caria, aquelles que invocam o sagrado dos contractos!!

Sr presidente, um illustre deputado, meu amigo, cujo caracter e intelligencia talvez ninguem reconheça tanto como eu, chamou ao banco estabelecimento de credito, e querendo com elle fazer uma operação que não tornarei a repetir o modo porque ella era feita, a não pôde ou não quiz effectuar pelas condições inadmissiveis que o banco propunha: e na verdade o eram. E qual era o credito do banco naquella época? Era de 19 por cento ao anno, ou de mais; isto é menor do que o de muitos particulases. Isto é evidente: porque para levant.ir os emprestimos do governo por sua intervenção se offerecia o juro de por cento ao mez; sendo as obrigações do governo garantidas por elle banco; e então ou não tinha o estabelecimento credito maior de por cento, ou a operação tinha-o de não sei que. Parece que tendo o banco dinheiro era melhor fazer o banco o emprestimo ao seu juro regular, visto se constituia fiador do governo para com os outros mutuantes.

Sr. presidente, tem sido unicamente combatidas 5 decretos da dictadura, o do codigo penal, o do fundo de amortisação, o da conversão, o da decima de repartição, e o decreto relativo aos vinhos do Douro.

O codigo penal não é objecto da minha competencia, e por isso abandono-o inteiramente ás pessoas competentes.

A respeito do fundo de amortisação poucas palavras direi. Que o fundo de amortisação não é contracto, está demonstrado evidentemente; mas ainda que o fosse, tambem ha contractos que se rescindem por defeito essencial que nelles exista. Pois o banco de Portugal acceitando para o fundo de amortisação aquillo que já era de outros, póde ler direito, ou atrever-se a invocar como contracto essa dotação, que já tinha sido hypothecada duas, tres, e quatro vezes a outros? Ainda que se conside asse o fundo

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de amortisação como um coetracto, o banco devia, antes de o celebrar, ter verificado se a pessoa com quem contractava, estava habilitada para isso, e se aquillo que lhe dava como hypotheca, ou de que lhe traspassava o dominio, era propriedade sua. Não direi mais nada sobre este assumpto, porque ao sr. ministro da fazenda e ao illustre deputado a quem me referi, toca melhor do que a mim esclarecer este objecto.

Sr. presidente, a conversão da divida publica é medida um pouco forte, mas não sem exemplo. O decreto de 18 de dezembro fez effectivo de direito aquillo que de facto já existia; e esta convicção é tal nos credores do estado, que apesar de toda a guerra que se fez aos nossos fundos publicos nos paizes estrangeiros, estes não soffreram alteração sensivel. Pode-se argumentar que isto e devido á afluencia de capitaes nas praças de Londres e París, mas essa afluencia de capitaes influiu sôbre todos os fundos, e os nossos conservaram-se na proporção em que existiam antes dessa afluencia: por consequencia esta medida com quanto fosse um pouco forte, na essencia não altera nada, não ha de vir a alterar, porque os possuidores de fundos calculam bem aquillo que lhes convem. Tambem na nação visinha se fez uma operação immensa de enormes capitaes, diminuiu-se capital e juros, e os seus fundos não foram feridos por essa conversão forçada, antes melhoraram de preço. E se o Stock Exchange se negou a cotar os nossos fundos, foi isso devido a influencias politicas, a diligencias de pessoas interessadas em desacreditar o governo portuguez, fazendo publicar cousas que não existiam, e não em virtude das medidas do governo, porque o Stock Exchange cota fundos ainda mais depreciados do que os nossos.

Se não fossem essas influencias, o Stock Exchange não daria um passo extraordinario; e que se não compadece muito com as idéas e principios commerciaes adoptadas naquella primeira praça, ou a cabeça do commercio do Mundo. Só levado de intrigas e de falsas informações podia o Stock Exchange recusar-se a colar alguns dos fundos portuguezes. Pois não se colam ali todos Os fundos dos emprestimos de Hespanha, e até os chamados das córtes de 1823, aos quaes se negou formalmente o pagamento do capital e juros! Pois deixam-se de colar nos preços correntes de todas as praças commerciaes os preços dos generos de superior e inferior qualidade? Não se colam no Stock Exchange fundos, uns a preços Ínfimos, e outros a preços acima do par? E que quer isto dizer, senão que o Stock Exchange abeirou dos seus principios e conveniencias para satisfazer intrigas, que o prejudicarão de certo, recusando a colação a alguns dos nossos fundos.

Sr. presidente, não fallarei do decreto relativo á contribuição de repartição, porque está mais que discutida essa materia. O sr. ministro da fazenda, ou o governo, intendeu que devia adiar a execução deste decreto, e na minha opinião intendeu muito bem. Era impossivel pôr em execução este decreto, sem estar tudo bem preparado: e sem isto podia dar resultados desastrosos; pois é uma medida, que só bem preparada é que póde dar resultados convenientes; e no estado em que nos achamos, tambem reputo muito prudente adiar a execução deste decreto de 31 de dezembro de 1852.

Sr. presidente, fallarei agora do decreto de 11 de outubro de 1852, que alterou em parte a legislação sobre o commercio e agricultura dos vinhos do Douro. A camara me dará licença para fazer uma breve digressão a fim de a habilitar a conhecer o que é esta questão do Douro, que muita gente ignora, e outra finge que não a intende, e que outras que tem vivido á custa ou á sombra da legislação passada, consideram e pertendem fazer considerar a questão de differente modo daquelle por que ella verdadeiramente deve ser considerada.

Sr. presidente, aquelle commercio e agricultura dos vinhos do Douro soffreu no tempo do marquez de Pombal um regulamento forte e restrictivo, segundo as idéas do tempo, mas intenda-se bem, que foi unicamente em relação á exportação dos vinhos para a Inglaterra; porque o marquez de Pombal linha assaz illustração ainda naquelle tempo, para saber que a liberdade commercial era o elemento para elle existir. Nunca houve legislação nenhuma até 1843, que impozesse restricções, pelas quaes não podessem sair os vinhos do Porto não qualificados para toda a parte do Mundo, incluindo a Europa; exceptuando para a Inglaterra, para a qual especialmente se estabeleceram as restricções que existiam, porque em Inglaterra havia relações commerciaes que davam logar ou direito a considerar com providencias excepcionaes a expoliação dos nossos vinhos para Inglaterra. Ninguem se lembrou de intorpecer ou difficultar a saida ampla de um genero que nos sobejava, senão os legisladores de 1843. Eu podia entrar nas rasões, ou nas causas que concorreram para se promulgar aquella lei, mas não o farei, mas direi simplesmente que aquella lei não teve por fim a protecção da agricultura dos vinhos do Douro; e tanto a não leve, que os lavradores reclamaram e representaram contra ella, e nunca a receberam, senão como infausta. Conveiu para certos fins, e salvar certos interesses, destacar do thesouro 150 contos; embora com esse mesmo dinheiro se prejudicassem aquelles que se dizia queriam proteger, procurou-se illudir os pobres lavradores que tem sido victimas daquelles que são seus falsos protectores; fez-se pois uma lei de muitos artigos, para com elles acobertar os verdadeiros fins, que se pertendiam conseguir. Eita illusão acabou de uma maneira maravilhosa.

Diz-se que as disposições do decreto de 11 de outubro de 1852 foram arrancadas ao governo portuguez por exigencias do governo inglez com relação á interpretação de dois artigos do tractado; embora assim fosse, mas o que é certo é que o nosso governo sustentou a sua dignidade, e fez com o decreto de 11 de outubro de 1852 um grande beneficio ao Douro: embora o governo fosse apertado por reclamações estrangeiras, o que senão diz officialmente no relatorio do decreto de 11 de outubro, eu não vejo nesse relatorio senão expendidas as idéas relativas a proteger de uma maneira digna, util, conveniente, efficaz e justa o commercio e agricultura dos vinhos do Douro, embora o governo portuguez em particular fosse instigado pelas reclamações inglezas sobre a igualdade de direitos de exportação.

O governo não adduziu esses motivos para promulgar o decreto de 11 de outubro de 1852, e á camara compete examinar e avaliar se as medidas e providencias contidas neste decreto são boas e uteis, e a prova de que ellas são boas e uteis, é que pio

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curando-se por effeito de principios politicos e de partido fazer mover os povos do Douro para uma revolução; em pregando-se todos os meios; a imprensa, as reuniões, os interesses para este fim; e antes de apparecer o decreto de 11 de outubro, não havendo meio algum de que senão lançasse mão, o povo do Douro que é essencialmente pacifico não se moveu, não se agitou como alguem pertendia, que se agitasse, e não foi á falta de quem procurasse fazer com que elle se agitasse; eram immensos os empregados que lançavam fogo para essa revolução, mas não pegou. E o que resultou depois da promulgação do decreto de 11 de outubro de 1852!.. Resultou que nem uma unica representação appareceu contra elle; appareceram sim, pelo contrario, muitas congratulações da praça do Porto, vieram muitas de outras praças de fóra louvando uma tão illustrada medida. Estas congratulações foram immediatas, e nascidas da convicção, da sabedoria, e prudencia com que foi meditado tão importante assumpto que se pertendia complicar, e embaraçar.

Sr. presidente, a exportação dos vinhos do Douro era até II publicação do decreto de 11 de outubro, termo medio annual de 5 a 6 annos, de 33:000 pipas. Quer saber V. ex. e a camara qual tem sido a exportação nestes tres mezes do corrente anno depois da promulgação do decreto de 11 de outubro 1.. Tem sido 11:200 e tantas pipas!.. Que corresponde em 1 anno 44 a 45:000 pipas; e não venha o argumento de que esta exportação maior é resultado, de não haver a exportação costumada nos mezes antecedentes; e de terem diminuido os depositos em Inglaterra; porque os factos demonstram o contrario. A exportação do anno de 1852 e como a dos outros ultimos annos; e o deposito em Inglaterra, senão era maior em janeiro de 1853 ao de janeiro de 1852, não era muito inferior.

A causa deste augmento foi o effeito do decreto de 11 de outubro, pela diminuição do direito de saida; e pela liberdade da exportação, reduzindo-se a uma só qualidade exportavel para toda aparte; é melhor dizer bem do que é bom, e mal do que é máo, porque sempre ha uma e outra cousa. Tambem se tem querido argumentar, que pagando-se em Inglaterra 33 libras por pipa de vinho por entrada; nada influia ou podia influir no seu consumo a reducção dos novos direitos de exportação para alli. E preciso observar que aquelle forte direito de 33 libras esterlinas não e só o vinho do Porto que o paga; mas é geral para todos os vinhos de todos os paizes, sejam de inferior ou superior qualidade; e apesar disso ha vinhos que se vendem nas docas, isto e, captivos daquelle direito, que o comprador ha de pagar quando os despachar para consumo, por 16, por 25, por 30, por 36; e por mais libras esterlinas cada pipa: e o que prova isto? Prova que o vinho tem um preço e valor conforme a sua qualidade; e que a melhor qualidade se vende por mais alio preço do que se vende a inferior. Mas sabe v. ex.ª porque a exportação desce e ha de crescer? E porque o governo inglez annullou o seu celebre acto de navegação; e hoje todos os navios de todas as nações podem transportar de Inglaterra, como os proprios navios inglezes, todos os generos para todos os paizes: e lendo-se aberto novos e grandes mercados para os vinhos na Australia, na Asia, na Africa e na America, para onde não podemos ler seguida navegação directa, vão os nossos vinhos depositar-se em Inglaterra para d'alli serem exportados para onde, e como convier aos commerciantes, o que era embaraçado formalmente pelo grande direito por saída no Porto, que era um absurdo a todos os respeitos.

Agora pelo que toca á representação da companhia do Douro que veiu á camara, e foi remettida á commissão especial, tem muito boa explicação. A companhia conhecendo que não podia requerer contra as disposições do decreto de 11 de outubro, geralmente bem acceitas, dirigiu-se principalmente a reclamar uma indemnisação da quantia annual de 150 contos, que por esse decreto deixam de se lhe entregar; fundando a sua reclamação em que esta entrega procedia de um contracto, quando contracto algum existia a este respeito. Na sessão passada, em que ainda não existia esse decreto, tinha eu tenção, se a camara não tivesse sido dissolvida, de propôr uma reducção naquelle subsidio, e ainda hoje me parece que o podia fazer como deputado, se lai subsidio existisse. Aquelles 150 contos foram dados como compensação de certas e determinadas obrigações, e não existindo ellas está visto que não havia obrigação da parte do governo a dar essa quantia, nem direito da companhia a exigi-la. Essas obrigações acabaram; e eu pela minha proposta não lhe tirava então todos Os encargos, e por isso deixava-lhe ainda uma somma por certas e determinadas obrigações, mas não tinha duvida em pedir que se lhe tirassem outras, e por consequencia que se diminuisse respectivamente no subsidio dos 150 contos. Não quero entrar nas intenções dos legisladores de 1813, mas não posso deixar de dizer que ainda me parece incrivel que uma camara, composta de muitas intelligencias, estas se resolvessem a approvar unia lei que estabelece uma lai medida; mas já disse, outros foram os motivos que levaram essa camara a approvar essa lei. O illustre deputado que fallou ultimamente, e que parece que não estava certo no caminho que tinha a seguir, julgou a nova legislação sobre este objecto apertada, restrictiva, e parece-me que citou alguns factos, que, pelo menos, não são exactos. O decreto de 11 de outubro diz no artigo 3.º «Haverá de ora em diante uma só qualificação no vinho, e geropiga do Douro, produzido no districto da actual demarcação da feitoria. Por esta qualificação será considerado exportavel, ficando todo o restante para ser consumido ou distillado.»

Vê-se por tanto que o decreto conservou uma demarcação que é illusoria, e a respeito do qual tem havido grandes queixumes, mas que está estabelecido ha mais de 30 annos, e que hoje causaria um grande abalo se se alterasse repentinamente; deixou ficar tambem o systema das provas, que é tambem uma illusão; mas que os lavradores habituados ha 100 anno, julgam conveniente por diversos motivos, apesar de reconhecerem em todos os methodos que tem lido este processo de provas, graves inconvenientes, e prejuizos; chegando a chamar-lhe uma loteria.

Mas, sr. presidente, o grande beneficio deste decreto era facilitar a saída do vinho com um direito modico para assim poder ler consumo nos paizes estrangeiros, e poder compelir com os vinhos dos outros paizes; está em reduzir a uma só a qualificação de vinho exportavel, e está em não fazer distincção para esta qualificação entre geropiga, e as mais qualidades de vinho alli produzidas; está em abolir as leis, e providencias que além de oppressivas, causarão graves despezas e embaraços: está em habilitar

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o commerciante a fazer o commetido iicito, e a não ser infractor de leis, em parte inexequiveis: está em libertar a exportação dos vinhos da prestação de fiança, e da apresentação de documentos para as levantar, legislando para reinos estranhos; está na expressa revogação de taes leis; e na clareza com que o mesmo decreto foi redigido, não offerecendo duvidas na sua execução.

Se deixou ainda ficar algumas restricções, não estará longe o tempo, e eu o espero, em que os mesmos que os julgam necessarias e hoje pedem a sua continuação, hão-de pedir a sua extincção. Mas o illustre deputado que hontem fallou, disse que os vinhos da Beira eram como Tantalo que chegavam ao Douro, e não podiam beber as suas agoas. Ora, o illustre deputado esqueceu-se de certo que os vinhos de toda a parte entram no Porto por mar e por terra para consumo, e que a agoa-ardente entra igualmente não só para o adubo ao vinho do Douro, mas tambem para ser exportada pela barra para os outros paizes. S. ex. esqueceu-se disto; mas agora não podendo negar o facto de que o vinho e agoa-ardente de todas as provincias do reino entram no Porto, como entram os do Douro, não achará a legislação nesta parte tão restrictiva, nem tão má, como lhe pareceu, e a quiz fazer acreditar.

O exclusivo ou restricção é sómente para não saírem pela barra do Porto vinhos que não sejam produzidos na demarcação do Douro, e habilitados para exportação. O illustre deputado o sr. Avila disse no seu discurso o seguinte a respeito deste decreto = «Que em quanto ao decreto de 11 de outubro-de 1852, fazia votos para que elle produza os resultados que se calculara por certo obter quando foi promulgado. Só deplorava que elle tivesse por base a quebra de um contracto solemne, contracto fundado nos principios da carta de lei de 21 de abril de 1843, contracto que devia durar até 1858; e a respeito do qual se não prova que a companhia tivesse faltado ás condições a que se obrigou. Deplorava não menos, que se podesse concluir de um documento referido a uma augusta personagem no parlamento britanico que esse decreto tivesse lido por base exigencias diplomaticas; porque desde 1756, que se leiu exigido a revogação da legislação especial estabelecida a respeito do commercio dos vinhos do Alto Douro, tres tractados foram invocados para esse fim = o de Cromwel de 10 de julho de 1654, o de 1810, e o de 1842, o governo portuguez repelliu constantemente essas exigencias parecendo ler cedido só a elles agora, vigorando o tractado de 1842, que é precisamente aquelle, que resolve a questão da maneira a mais cathegorica contra as pertenções britanicas.

Ora, quem ouviu isto, que foi dictado certamente com aquella consciencia que eu sou o primeiro a reconhecer no illustre deputado, não sabendo a legislação que ultimamente existia a este respeito, ha-de suppôr que ainda vigorava a legislação de 1756, e mais analogas a este paiz.

Sr. presidente, já ha muito tempo não existia nem vigorava esta legislação que se tinha alterado essencialmente antes e depois de se estabelecer o governo constitucional: já não havia ha muitos annos nada disto. Toda a legislação de hoje se limitava a dar 150 contos a uma companhia para ella ser obrigada a comprar 20 mil pipas de vinho; e a continuar o systema das provas, e da demarcação; e nada mais existia da legislação do marquez de Pombal. Ora eu peço á camara que attenda ao que vou dizer. O marquez de Pombal arquitectou toda a legislação a respeito deste ramo de industria; fez um systema inteiro, completo, conforme com as circumstancias de então; e estabeleceu penas severas aos infractores deste systema; estabeleceu a demarcação, e quem introduzia vinhos de fóra para dentro da demarcação, era processado, e castigado com penas graves de cadêa e desterro; estabeleceu o systema de provas; quem infringia as regras impostas a este respeito, soffria as mesmas penas; havia em tudo e por tudo devassa, processos, e depois degredo para a costa de Africa; isto era máo, mas era um systema restrictivo completo. Nelle não se tolerava troca de vinhos, e se empregavam todos os meios para que o vinho expoliado para Inglaterra fosse sómente aquelle que realmente tinha sido provado e qualificado para aquelle destino. Nada existia daquelle rigoroso systema: e basta para a prova; e a troca dos vinhos até era permittida por lei.

O illustre deputado tambem se referiu á falla do throno de Sua Magestade Britanica na abertura do parlamento, e ponderou que nella se dissera, que as suas reclamações, a respeito do vinho do Douro, tinham sido attendidas. Póde dizer-se que houveram reclamações, exigencias, e até ameaças; mas no parlamento inglez só se disse, que nós lindamos modificado a nossa legislação a respeito do vinho do Douro. Embora o governo inglez tivesse feito reclamações sobre a legislação do vinho do Douro, o facto é que o governo portuguez promulgando o decreto de 11 de outubro, só teve em vista adoptar uma medida conveniente ao paiz; e procedendo o governo portuguez pelo modo que julgou mais conveniente, o governo inglez intendeu que esta medida satisfazia os seus desejos, e disse — não, que tinhamos attendido ás suas reclamações, mas sim que tinhamos modificado a nossa legislação a este respeito.

Por tanto, em vista das reflexões que tenho apresentado, parece-me ter mostrado que a commissão especial não foi temeraria, quando propoz que os decretos da dictadura fossem convertidos em lei: comtudo devo declarar á camara, que não se intenda por isso, que a commissão approva explicitamente iodas as disposições que se contém nesses decretos; a commissão reserva se o direito, logo que esses mesmos decretos passem como leis do estado, de propôr algumas alterações que reputa convenientes e necessarias em algumas dessas leis, e estou certo que o governo ha-de annuir a isto. Portanto a commissão approva o facto da dictadura, e intende que os decretos durante ella promulgados devem ser approvados, porque a conveniencia e o interesse publico assim o exigem; e é neste sentido que a commissão teve a honra de apresentar a camara o seu parecer (Apoiados).

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, sem exordio vou entrar na inalei ia. A illustre commissão especial encarregada de dar o seu parecer sobre os decretos da dictadura, contendo disposições legislativas, promulgados pelo governo durante o intervallo da reunião das córtes, diz: «Que não desconhece a illegalidade das dictaduras, os perigos que ellas encerram, e a offensa dos principios que o seu exercicio imporia; mas que apreciando menos a illegalidade (lesses actos, do que o seu resultado em relação

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ao paiz, avaliou a dictadura mais em seus effeitos, do que no seu principio e origem.

A illustre commissão, pois, collocando-se entre os factos e os principios, entre o direito e a sua violação, optou pelos factos e pela violação. Mas como apreciar, desde já, esses actos, pelos seus futuros resultados, sem se indagar a sua natureza, causas e consequencias, quando muitas das medidas não podem já ser levadas á execução completa? A illustre commissão cujos membros muito respeito, estabeleceu assim uma theoria verdadeiramente revolucionaria, e contraria á ordem social, não aquella ordem que é imposta pela força bruta, que não passa do silencio na dôr, da resignação no soffrimento, do somno no abatimento; mas sim aquella ordem verdadeira que nasce da paz dos espiritos, da satisfação de todos os interesses, do concurso das forças, da harmonia dos esforços, finalmente da intelligencia e da convicção; creou uma theoria toda sujeita ao arbitrio dos caprichos e das paixões, theoria que destroe t'da a legitimidade, justiça, bondade e moralidade dos actos governamentaes; theoria que anniquilla pela, sua base o governo representativo.

As sociedades formam-se pela sua lei constitutiva, e organica; vivem pelo direito; na execução e obediencia ás leis está a sua existencia e vida; nellas está o respeito á religião, á patria, e á familia, está o cumprimento dos contractos, e de todas as transacções da vida social; sem o respeito ás leis, não é possivel que a maquina social possa funccionar; não é, finalmente, possivel alguma sociedade politica. (Apoiados)

A lei fundamental do estado prescreve no seu

Art. 13.º O poder legislativo compete ás côrtes, com a sancção do rei.

Art. 14.º As côrtes compõem-se de duas camaras.

Art. 15.º É da attribuição das côrtes;

§ 6.º Fazer leis, interpreta-las, suspende-las, e revoga-las.

Art. 10.º A divisão e harmonia dos poderes poli ticos é o principio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meie de fizer effectivas as garantias que a constituição offerece.

Todas estas disposições formam uma antithese completa com o parecer da illustre commissão. Se um governo, sem se dar nenhuma das duas hypotheses) prevenidas pela constituição para arrogar-se poderes! extraordinarios — invasão, ou rebellião — póde infringir, destruir, e collocar-se acima da propria constituição do estado, e das leis, se póde constituir-se em-dictadura, que garantias, que segurança, que inviolabilidade de direitos, que protecção póde haver? Como conciliar-se poder parlamentar com poder arbitrario? Como harmonisarem-se principios; incompativeis?

As dictaduras entre nós não tem sido, geralmente,! senão instrumentos de reacção e excessos de violencias; ellas tem procurado tornai as instituições este reis e as leis precarias; ellas tem ensinado aos povos a desobediencia ás leis. Todo o arbitrario sustentado pela força, quaesquer que sejam as galas com que se adorne, ou principio de utilidade a que recorra, é sempre um dispotismo.

Se a sciencia das grandes verdades intellectuaes, moraes e sociaes não nos illude; senão ha duas poli ticas contraídas, uma para os governos, e outra para os governados, não se póde conceber, que desinvolvimento de interesses moraes e fysicos possa dar-se, estabelecendo-se a anarchia no proprio poder publico, e não podendo ninguem contar com um apoio certo e legal de resistencia legitima aos actos arbitrarios. Não tem a rasão publica, e as necessidades geraes os seus orgãos legaes? As grandes questões de utilidade social não dará a discussão toda a luz? Quem ha ahi que, em sua consciencia, não proteste contra actos extra-legaes, que offendem a lei da nossa organisação politica, e põem em duvida tantas subsistencias, ou anniquillam fortunas grangeadas com fadigas, e improbos trabalhos? Quem haverá que a um tal drama acceite com serenidade de animo? Um exame imparcial, e feito com boa fé mostra que o governo se arrogou uma dictadura sem necessidade, e que uma grande parte das suas medidas legislativas, não só não são isentas de grandes imperfeições, como tambem não apresentam essas vantagens que se pretende atribuir-lhes. Na dictadura de que nos occupamos, infelizmente não vejo senão uma situação equivoca, dolorosa e de abatimento para com o estrangeiro.

A nossa constituição dá na vida politica toda a satisfacção ás nossas necessidades, sem que seja necessario recorrer a dictaduras, a esta potencia unitaria, mas efémera, que absorve todos os poderes, e põe em risco as liberdades publicas.

O principio de todo o governo está sem duvida na unidade; mas esta unidade dá-se no accordo e harmonia de todas as forças constitutivas e organicas da sociedade.

A theoria enunciada pela illustre commissão e perigosa em these, e falsa na hypothese.

Em seu parecer ella diz: = «Que alguns actos da dictadura foram a consequencia necessaria do estado em que o governo se achou collocado depois da dissolução da camara; outros exigidos por imperiosas necessidades publicas, e todos com a intenção manifesta, não só de satisfazer por um modo mais conveniente o serviço publico nos seus. differentes ramos; mas tambem de desinvolver a riqueza nacional, segundo os progressos da sciencia.»

A primeira necessidade de governantes e governados é a obediencia ás leis; ella é um dever, e um dever sagrado: faltar á obediencia é uma falla que conduz á desordem, á anarchia; é esquecer-se de que não ha independencia absoluta, porque todos temos deveres e obrigações a preencher.

Não entrarei agora no exame das causas, que occasionaram a dissolução da camara electiva, nem se foi um acto necessario; é certo que entre ella e o governo estabeleceu-se um grave conflicto, ao qual o poder moderador poz termo, dissolvendo-a como lhe é facultado pela constituição do estado; mas se constitucionalmente ella p dia ser dissolvida, tambem é principio constitucional, que a dissolução da camara electiva imporia um appello para o paiz, que é o supremo arbitro nas questões levantadas entre os seus eleitos e o governo.

Neste caso a necessidade era esperar o governo até á reunião das côrtes, e não arrogar-se o poder dictatorial, e invadir o poder legislativo, como practicou, decretando tantas medidas legislativas, algumas das quaes não teem tido execução por sua indole e natureza

Reconheço que, admittida a faculdade da dissolução da camara electiva, é consequencia logica e necessaria dever o poder executivo prover por um de

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deto, na falta de lei, á eleição da nova camara, por ser assim conforme com os principios constitucionaes. Um tal decreto reputo eu filho da necessidade, e do systema parlamentar que nos deve reger, se deveras se quer que a carta constitucional seja uma realidade.

Tambem repillo necessario satisfazer ás despezas dos diversos ramos do serviço publico, e por isso indispensavel a auctorisação para a cobrança dos rendimentos publicos conforme as leis existentes. Além destas duas medidas de maxima importancia, nenhumas outras considero que fossem dictadas por necessidade tão urgente, que não se devesse esperar pela reunião das côrtes, sendo bem de notar, que a maior parte dos decretos dictatoriaes foram promulgados nas vesperas da abertura do parlamento.

Neste arbitrario e inconstitucional procedimento do governo, sem rasão, nem ainda pretexto que o justifique, ha alguma cousa de enigmático, senão uma manifesta contradicção com todos os principios; porque ou o governo linha ou não confiança na nova camara, sendo já conhecido o resultado das eleições, nas quaes tinha empregado toda a sua influencia, e quero mesmo que fosse a licita até certo ponto: se linha confiança, era esta mais uma rasão para esperar; se não tinha confiança, mais uma rasão para não se arrogar o poder legislativo, collocando-se em novo conflicto com o paiz, e com os seus novamente eleitos. Mas o governo, tendo-se appellado para o paiz, não se importou com o resultado das eleições, continuou a legislar, acobertando-se com fantásticos melhoramentos materiaes, que não podem realisar-se pela politica militante, que não gera senão a desconfiança universal, destroe todos os meios, e affugenta os capitaes. Não se edifica sobre um solo revolucionario, em que a lava se remexe constantemente; em que a constituição do estado, os direitos dos particulares, a fé dos contractos, são violados e escarnecidos. Sem ordem, segurança e credito não são possiveis melhoramentos; não é possivel a reforma e arranjo das finanças no meio dos receios. Com taes meios as circumstancias se aggravam, os recursos desapparecem, as eventualidades se prolongam. E necessario o desengano de que a infracção dos principios sagrados em que descançam as sociedades, não cria, sim mala todo o desenvolvimento. Sem confiança não ha cie-dito, sem credito não ha movimento nos actos da vida social. O verdadeiro credito ri e zomba dessas estereis utopias, dessas fosforicas imaginações, dessas vãs promessas, que nunca se podem realisar. É injuriar a rasão humana suppor, que possa acreditar-se, que por meios contrarios se obtenham resultados, que só a prudencia, a sabedoria e a practica dos negocios podem dar. I

Que rasão leve o governo, contando com uma] maioria, para se arrogar o poder legislativo, e não sujeitar á discussão essas medidas legislativas? Não creio que elle promulgasse tontas medidas legislativas, por suppor que aos eleitos do povo fallasse a necessaria capacidade para conhecerem a sua importancia, discutirem e aperfeiçoarem, sendo apresentadas essas medidas como propostas; não creio; mas se o governo não quiz irrogar essa injuria aos eleitos do povo, que outro motivo podia ter senão o goto de ser dictador, e collocar-se acima da constituição do estado e das leis que o regem. Póde a dictadura porém contar, que os -seus actos, provocando reacções, ainda que sejam approvados, não podem esperar longa vida, acontecer-lhe ha o mesmo que as encyclias, que desapparecem quando locam sua maior grandeza. O governo tem com seus actos produzido a desconfiança geral na estabilidade das leis, e dos contractos, tem destruido o credito, sem o qual não ha possibilidade de melhoramentos, não é possivel, no estado actual, progresso algum social. Assim como na proporção que augmenta o calor vivificante, a força organica e a potencia vital se desenvolvem gradualmente, assim tambem se desinvolve o credito, quando augmenta a confiança que é a sua base. Como será possivel hoje sem o credito dar desenvolvimento ao trabalho e ás emprezas de utilidade publica, accelerar o movimento das transacções, e facilitar a circulação dos capitaes?

Em materia de credito publico toda a suspeita é funesta; tudo nelle deve ser certo, e o mais claro possivel. O credito publico é a confiança popular, e quando esta falta, os capitaes acham mais commodo e seguro antes occultar-se, do que confiar-se em emprezas de risco dependentes do arbitrio e capricho dos governos. Confesso que é necessaria muita coragem, senão uma cega presumpção para atacar estes principios geralmente proclamados, reconhecidos e confirmados pela practica e pela experiencia.

Nos negocios da vida humana a precipitação é funesta, mas em materia de finanças ella é muito mais perigosa: qualquer reforma não deve emprehender-se sem muita aturada meditação e reflexão, sem muito estudo e conhecimento de todos os assumptos com que tem relação; não é objecto de improviso d'uma imaginação furiosa, ardente e precipitada.

A necessidade a que muitas vezes se recorre, não justifica a espoliação dos credores do estado, sem compromettimento da sua dignidade. A propria suspensão no pagamento da divida publica não deve ser considerada senão como um novo emprestimo contrahido até o tempo em que venha o da possibilidade de pagar: assim se practica quando não se quer passar por máo pagador, quando se respeita a boa fé dos contractos, e se guardam o direito e as proprias conveniencias nacionaes.

Um governo sem credito não póde viver por muito tempo, ou ha de arruinar as finanças; porque, não havendo quem nelle confie, tem de pagar tudo logo, vendo-se na dura necessidade de recorrer a transacções ruinosas: é o que actualmente nos vai successivamente acontecendo.

A desconfiança cada vez mais cresce, e com ella diminue-a circulação: assim se vai restringindo e diminuindo a potencia productiva. Quando se atacam os interesses do dinheiro, ou o seu rendimento, offendem-se igualmente os interesses do commercio, da industria, e da agricultura; porque todos elles são analogos tanto por sua origem, como por sua natureza; é o trabalho, a intelligencia e a economia a origem commum.

A illustre commissão, não dando importancia a estes principios, não se fazendo cargo da legitimidade das medidas legislativas dictatoriaes, prefere para a approvação de todas ellas a conveniencia, julgando-as proprias para desinvolver a riqueza nacional, segundo os progressos da sciencia!!!

Não posso conformar-me com a politica utilitaria em opposição com a moral e a justiça; não posso, porque não adopto a politica materialista, a politica sensual e egoista, porque não concebo politica fóra

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do direito, que não seja insensata e absurda. A utilidade que se não separa da justiça, quero-a eu; mas utilidade sem justiça, e a abomino-a; sei o que é moral social ou politica, mas desconheço a politica moral, não posso nem devo antepôr esta áquella. A politica utilitaria abre a porta a todos os excessos e desenvolvimentos, priva a vida do seu ideal, deminuíu o espirito para coroar a materia. Obedecer aos instinctos naturaes das paixões, é a partilha dos brutos, dominal-os é a qualidade característica do homem, brilhante figura da sua origem, é o seu mais bello titulo, e um dos mais nobres empregos da sua vontade.

A lei moral da natureza é o amor da humanidade; ella está gravada em nossa alma, e não se harmonisa com essa politica sensualista ou utilitaria, que destroe a idea da benevolencia universal.

A utilidade não é direito, apenas poderá exprimir uma necessidade real ou ficticia, mas que nunca deve ser satisfeita senão por meios legitimos. A utilidade não é uma qualidade certa, porque as necessidades, tanto dos homens, como das sociedades são diversas, segundo os climas, os logares, os usos', as modas, os gostos e os caracteres. As proprias necessidades mais geraes e constantes não se manifestam sempre com igual energia. Defenda-me Deos da politica que não procura senão, a todo o custo, obter proveito com despreso ou infracção da constituição do c-lado, e do direito estabelecido, politica que não guarda os contractos, nem respeita a propriedade.

Os estados que, despresando os principios, buscam só a utilidade em seus actos, acabam por se precipitar num aviltamento, materialisam toda a intelligencia, provocam contra elles u indignação universal.

Se o principio de utilidade prevalecer sobre o da legalidade, religião, patria, familia, propriedade, tudo lhe será sacrificado. Dizia Platão, que deviam ser punidos com penas severas os que ensinassem, que o util era diverso do justo, porque só é util o que fôr justo. A utilidade não póde separar-se da justiça, da moral e da filosofia.

Mas a verdade é, que nem essa mesma utilidade, a que a illustre commissão recorre, nas medidas legislativas de que se tracta, se encontra; porque, devendo toda a utilidade exprimir a relação que existe entre as necessidades e as cousas proprias a salisfazel-as, essa relação não existe

Tomarei para exemplo algumas das principaes medidas, já que o exame de 335 decretos é impossivel, comprehendendo-se entre elles um codigo penal com 489 artigos com os seus respectivos parágrafos, numeros e alienas. A impossibilidade é manifesta; mas essa impossibilidade dá-se nos que reprovam e combatem esse enorme feixe de medidas, não só pelo seu vicio de origem, como pela sua propria natureza: aquelles que estão dispostos a approval-as com n consciencia da utilidade, jurando nas palavras ministeriaes, não precisam, nem ao menos lêr esse montão de decretos.

Que necessidade, ou que utilidade haveria para publicar-se o decreto de 7 de agosto de 1852, determinando uma chamada reforma judiciaria, para ser logo suspenso por outro decreto de 21 do mesmo mez, mediando apenas 14 dias? Seria esta rapida suspensão porque a administração da justiça soffria algum aggravo, ou tolheria algum recurso!... Produziria

ele algum compromettimento na retardação da execução da. leis....

Que utilidade, principalmente, nus circunstancias actuaes, em que se fazem forçadas capitalisações, conversões e reducções na fastuosa creação de certos estabelecimentos que n'um anno custam incomparavelmente muito mais do que o interesse que deverão produzir em muitos annos? Augmento de despeza, falta de economia e dissipação, isso sim, isso todos veem, mas utilidade, onde está ella. Não se mostra. Crearam-se ale empregos e logares, que o proprio ministro julga desnecessario preenchel-os; tal é a sua necessidade e utilidade!

Que utilidade ha na extincção da amortisação que annualmente se estava fazendo em Londres por virtude de um contracto approvado pela carta de lei de 19 de abril de 1815? Em cinco annos com libras 183:110, resgataram-se libras 491:500, sendo o nosso lucro libras 308:390. Além de ser um cumprimento e execução de lei, as vantagens eram bem reconhecidas e com pequeno sacrificio, se este se dava.

Bem sei o que a esta observação se responde: que não póde haver amortisação em quanto não ha excedente de receita; porque não se póde amortisar com uma das mãos, e pedir emprestado com outra. Que isto seria um circulo vicioso, sem nunca diminuir os encargos e a divida. Dizem mais: ou o estado suspenderá a amortisação, ou pedindo emprestado para amortisar, não fará senão uma amortisação ficticia: que este dilemma está a salvo de toda a refutação.

Esta theoria, em these, é verdadeira, mas em hypothese é muitas vezes falsa. Quando se contrahem novas dividas para amortisar antigas, ou mesmo se contrahem menos oneroras; quando se usa de especulações licitas, ou de certas economias, cessam os fundamentos dos que combatem a amortisação sempre que não ha excedente de receita.

Uma amortisação feita sem novos encargos, sem faltar á fé dos contractos, feita por compra 110 mercado pelo valor que este lhe dá, não tendo o devedor voluntariamente contribuido para a baixa dos fundos, ou depreciação dos titulos, não póde ser censuravel: uma tal amortisação aproveita ao devedor não só, como tambem nos proprios possuidores, que interessam que o devedor vá melhorando de condição, e este beneficio mutuo produz uma prudente e successiva amortisação.

Muitos exemplos poderia eu referir, que provam que sem haver excedente de receita, tanto entre os estados, como entre os particulares, se estabelece, sem offensa nem da moral nem da justiça, um systema de amortisação: a de que me occupo, reunia todas as condições que aconselhavam antes a sua continuação do que a sua extincção.

A conversão e reducção dos juros da divida interna e externa fizeram-se com precipitação e com injustiça.

E destas duas operações financeiras — capitalisação — e conversão — que provém o nosso maior descredito dentro e fóra do paiz; é dellas e sómente dellas que na actualidade provém o nosso descredito progressivo, e não das causas a que erradamente ou simuladamente se quer attribuir.

E aos factos, e não nos protestos e palavras, que os capitalistas prudentes dão credito. O governo paga, e satisfaz com pontualidade as suas obrigações; o governo guarda um rigoroso e indefectivel systema de

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economia bem intendida e de boa administração das rendas publicas, procura por meios proprios desenvolver a riqueza nacional, respeita a propriedade, cumpre os contractos? Satisfazendo a todas estas condições, tem credito, embora contra elle praguejem descontentes.

E maxima geralmente acceita, que a conversão não póde, nem deve fazer-se, senão debaixo de certos requisitos, sendo condição essencial o concurso da vontade dos credores. Com que direito póde o devedor impôr ao seu credor a conversão e redução sem lhe offerecer e propôr a opção de receber ou de converter? A conversão e reducção forçada, imposta mas não acceita, e um acto de despotismo, é um acto de insupportavel violencia. Como, sem fallar á fé dos contractos, á justiça, e até mesmo aos sentimentos de honra e de brio, pode o devedor dizer ao seu credor, que lhe valeu nas suas necessidades, apuros e agonias: — O teu titulo de cem, seja qual fôr o valor no mercado, quando o despreciamento mesmo provém de actos do proprio devedor e não do credor, valeta sessenta, isto é, reduzo o leu credito a sessenta nominaes? Perde quarenta por cento, porque assim me apraz, e não te queixes, porque então faço e decreto uma banca-rota absoluta, e não receberás cousa alguma: repara que da minha parte está a força contra a qual não prevalecerá o leu direito.

Onde, em que parte do mundo se poderá admittir uma tal practica, sem que excite vivos clamores?

Convenho em que a conversão era necessaria, mas desejo que ella se fizesse por meios legitimos. Já aqui ouvi comparar a conversão a uma concordata mercantil; mas, sobre não haver essa analogia, a concordata não obriga os credores dissidentes ao rebate, alvará de 11 de março de 1780, e assento de 15 de fevereiro de 1791. Não se deve confundir rebate com raleio.

A base das finanças é uma boa administração das tendas publicas, é a economia bem intendida; assim como a fonte do credito é a segurança, fidelidade e pontualidade na satisfação das obrigações. Em negocios publicos desta natureza não ha legras diversas para o estado e para os particulares, não ha duas balanças e dois pezos, não ha duas differentes probidades.

O que tem acontecido em França nas suas gravissimas e diversas crizes politicas e financeiras por as quaes tem passado? O que se está passando em tantos outros estados sobrecarregados d'uma enorme divida? Em todos se observa, que vai renascendo o credito, e melhorando as suas finanças, desde que os governos mostraram sincera e foi te vontade de pagar as suas dividas.

Ha bem pouco tempo disse nesta casa o sr. minis lio da fazenda: que a conversão estava no animo de todos. Pois bem; se estava no animo de todos, para que a impoz, e porque contra ella se tem levantado tão altos e repetidos brados? Pelo modo porque ella foi feita, não podia deixar de haver essas demonstrações de aggravos. Disse mais s. ex.: que a conversão não se fizera, como alguem pensava para levantar fundos, porque as inscripções do fundo especial da amortisação estavam intactas. Acredito que assim seja, até porque, na situação actual, ellas não offerecem solida garantia; com tudo poderão servir para proficuas transacções.

Sobre a necessidade de sustentar o credito e o caracter nacional, Ricardo na sua obra — Principles of Polical Economy, faz a observação seguinte: — A justiça e a boa fé exigem que os juros da divida nacional continuem a ser pagos, e que aquelles que prestaram seus capitaes para beneficio geral, sob pretexto de necessidade, não sejam privados dos interesses que legitimamente lhes são devidos. Mas, independente desta consideração, não é menos certo que a utilidade politica não deve ganhar á custa do sacrificio da probidade politica.

Com muitos outros, deste mesmo sentimento é H. Parnell, Financial Reform.

Sobre tudo, o que eu reputo como um grande bem para este nosso paiz, é o emancipar-se desse pezado fundo ao estrangeiro pela sua divida: não reputo sem compromettimento a dignidade e brios nacionaes de uma nação pequena que é devedora a uma poderosa de fortes sommas, e que não póde sempre fazer promptos pagamentos; mas em quanto não se póde obter este resultado, é necessario a respeito desta nossa divida externa, que se proceda com muita circumspecção e prudencia, attenta a natureza da sua origem, e as causas pelas quaes ella foi contrahida, em que tempo e circumstancias. Sem essa divida poderiamos nós recuperar esse codigo que assegura as garantias individuaes a todos os membros da nossa sociedade politica? Teriamos nós a liberdade da tribuna, da imprensa, dos cultos, das associações? Teriamos a independencia dos juizes? Teriamos essas preciosas conquistas devidas ao espirito do progresso da humanidade? Teriamos sim, mas haviam de vir mais tarde, e talvez com superiores sacrificios.

O pagamento desta divida e para nós não só de justiça, mas tambem de brio e gratidão: é necessario que os fados correspondam á idéa que della fizemos.

Ha medidas reformadoras que são filhas da necessidade, outras da sciencia: as de que nos occupamos, não se pode dizei que tiveram todas qualquer dessas origens: mas quando se desse essa necessidade, cumpria primeiro que ella fosse demonstrada.

Mas o governo alardea e repete-nos constantemente que tem credito, que os titulos na nossa divida fundada proporcionalmente não tem descido: se assim é, porque não soube aproveitar se delle, para fazer a conversão e reducção em lermos regulares? Para que a impõe, dando causa ao nosso descredito nas praças da Europa?

Na abundancia de capitaes que leni affluido á Europa, não poderia com esse credito contractar, senão já, para o futuro, um emprestimo a lies por cento? Não poderia então fazer a conversão voluntaria, evitando esses desabrimentos dos credores? Insiste-se, para fazer crer que o governo com as suas medidas financeiras não tem perdido o credito, que os nossos fundos publicos não tem proporcionalmente baixado. Quanto a mim, isto nada prova, muitas causas, que nos são completamente estranhas, poderão ler contribuido para este facto: o que era de desejar, era que elles tivessem subido, a subida seria uma tal ou qual compensação.

Passarei agora a fazer algumas brevissimas considerações a respeito do fundo especial de amortisação, creado em virtude de um contracto solemne entre o banco de Lisboa, substituido pelo banco de Portugal, e o governo, contracto approvado e homologado pelo decreto de 19 de novembro de 1846, confirmado e sanccionado pela carta de lei de 16 de abril de 1850. O governo pelo decreto de 30 de agosto

VOL. IV — ABRIL — 1853.

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de 1852 appropriou-se do fundo especial de amortisação, sob pretexto de ser applicado o seu producto á construcção da linha ferrea, que do Porto devia vir entroncar no caminho de ferro (em papel por ora) de Lisboa á fronteira de Hespanha, deduzidos os juros que haviam de ser pagos aos portadores das obrigações do thesouro que fossem emitidas na conformidade dos artigos 4.º, 5.º e 6.º do mesmo decreto. A compensação que se promettia, era que as acções com juro sobre o fundo especial de amortisação, e as que ainda tivessem de passar-se, na conformidade das disposições do decreto de 19 de novembro de 1816, seriam trocadas na razão de cem por cento do seu representante, por obrigações do thesouro garantidas pelo caminho de ferro do norte, o que lhe ficaria servindo de hypotheca especial, na parte correspondente.

Não me proponho a historiar os factos e circumstancias que precederam o decreto de 19 de novembro de 1816, qual a situação politica do paiz, e a sua crise financeira: não estou disposto a fazer longos discursos, que fatigam o orador, e enfadam aos que os ouvem.

O illustre orador que me precedeu, e que eu respeito, fez algumas considerações sobre o decreto de 19 de novembro, ás quaes, primeiro que tudo, deverei responder.

Na verdade, em suas declamações, sem o querer, irrogou grave censura não só aos signatarios desse decreto, mas tambem ao distincto marechal e nobre duque de Saldanha, presidente então, como actualmente é do gabinete, e com quanto estivesse ausente, commandando o exercito de operações, s. ex.ª foi sabedor de tudo quanto se passava, e a final se determinou. Do logar, onde estava, propoz modificações, e alterações, dando a final o seu consentimento. E certo que o governo, no meio de uma guerra civil, cercado de gravissimas difficuldades, sem recursos monetarios, vendo todos os estabelecimentos de credito agonisantes, o commercio sem acção nem vida, procurou sair, pelo modo que então pôde, desse apuro de circumstancias; e o que mais é ainda, o governo precisava utilisar-se desse mesmo desfalecido credito do banco, quando este não podia pagar á vista as suas notas em circulação Ja em maio de 1846 o ministerio, a que presidiu o nobre duque de Palmella, cuja memoria todos nós respeitamos, havia recebido do banco 640 contos de rei»: foi por esse mesmo ministerio que se deu curso forçado ás notas do banco de Lisboa, pelo decreto de 23 de maio de 1846, decreto que foi prorogado pelos outros, se bem me lembro, de 20 de agosto, e 1.º de outubro desse mesmo anno. Os fados tem sua logica, prendem-se uns aos outros e um ou outro não se póde tomar isoladamente. Todos nós fomos testemunhas das diversas vicissitudes dessa época, e em todas ellas os governos se achavam em grandes apuros pela falla de meios para poderem satisfazer lis suas mais urgentes necessidades.

O pensamento de reunir n'uma só companhia as tres principaes que havia em Lisboa, não foi exclusivo da administração de 6 de outubro, existia já na que lhe precedera, e era esta reunião uma das bases para outra nova organisação de um só estabelecimento de credito: este pensamento permaneceu fixo, Sobre a sua bondade ou malicia não interponho agora o meu parecer; a minha opinião então foi por muitas pessoas conhecida.

Direi tambem, que untes da promulgação daquelle decreto houveram diversas conferencias de pessoas competentes, audiencias de estações. Os factos que precederam a feitura e promulgação deste decreto foram expostos com verdade e lucidez pelo digno par o sr. visconde de Algés na camara dos dignos pares, e que é um dos signatarios do decreto como ministro da fazenda que então era. lista exposição franca, leal e sincera, que honra o caracter de quem a fez, foi muito apoiada, e não me consta que lenha sido contradictada nem na tribuna, nem na imprensa. Já se vê pois, que o illustre orador que me precedeu, foi nimiamente severo em suas conclusões, mas sem devidamente apreciar os factos, e avaliar as circumstancias da épocha. Juizos assim são faceis, mas nem sempre justos.

O que é certo é que, no meio daquelle cataclismo politico e financeiro, cujas cousas não quero recordar, e que são de longa dala, muitas subsistencias e fortunas estavam compromettidas; que o thesouro estava exanime sem poder occorrer ás despezas da guerra civil, nem ás ordinarias; que o governo não podia valer aos seus credores, que todos locavam o extremo da agonia. O banco de Lisboa era credor de grandes soai mas sobre o estado, os seus devedores particulares não poliam solver as suas dividas, os penhores não se remiam: o governo era igualmente devedor á companhia confiança nacional, de cuja criação provem grande parte dos males que tão damnosamente pesam sobre o banco; devia á companhia Junqueira, Folgosa e Santos Silva; devia á companhia das obras publicas, e a varios outros credores. Foi nesta penosa situação e complexo de circumstancias, que, em 4 de novembro de 1846, o governo expediu pelo ministerio da fazenda portarias á direcção do banco de Lisboa, e á direcção da companhia Confiança Nacional, remettendo-lhes cópias authenticas das disposições fundamentaes de um decreto para rehabilitar o banco, regularisar o meio circulante, assegurar o pagamento de varios creditos sobre o estado, reanimar a confiança, e melhorar o credito publico. Nas referidas portarias o governo disse, que esperava que aquellas duas direcções lhe communicassem com a maior brevidade possivel, se por parte das mesmas se annuia ás sobredictas disposições fundamentaes. Para se tractar deste gravissimo assumpto, por parte do banco foi nomeada uma commissão, a qual, examinando essas disposições fundamentaes, propoz algumas substituições, additamentos e emendas, o deu o seu parecer.

Communicando-se este resultado ao governo, este de accôrdo com o banco, e a companhia confiança nacional, promulgou o decreto de 19 d; novembro de 1816, É por este decreto, resultado do accordo entre o bani o e o governo, que foi creado, ou antes reconstruído, o fundo especial de amortisação com a dotação dos bens enumerados no seu artigo 26.º com as applicações descriptas no artigo 27.º

Deste simples enunciado manifesta-se ler havido accordo entre o governo e o banco, ter o decreto estabelecido uma innovação na fórma dos seus pagamentos a diversos credores seus; ter imposto ao banco encargos de pagamento de dividas que não eram delle banco, mas sim do governo, impondo-lhe mais novos emprestimos e supprimentos.

Em compensação destes encargos concedeu-lhe o fundo especial de amortisação, certos direitos e privilegios.

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A face do que acabo de expor com verdade e singeleza, perguntarei, houve ou não estipulação de direitos e obrigações? Pagou ou não o banco muitas dividas, e até com sacrificios, que não eram suas mas do governo? Recebeu ou não o governo as sommas mutuadas! Tem-se ou não realisado os supprimentos? Pois se o banco satisfez a tudo quanto estava da sua parte, menos á companhia das obras publicas mas se não satisfez a esta, foi porque o governo não o habilitou, distraindo-lhe os meios. O governo não entregou os juros das inscripções resgatadas, o producto de muitos bens do fundo de amortisação foi igualmente distraído, e diz-se agora: o banco não cumpriu as suas obrigações! Mas que obrigações são essas, qual a sua origem e causa, quem é ou foi o originario devedor? Se quereis que o banco pague as vossas dividas, habilitai-o, á obrigação do banco acompanham-o direitos que deveis satisfazer, a divida era vossa e não do banco. Ha pouco disse o sr. ministro da fazenda — a Cumpra o banco com as obrigações, em relação ao pagamento da companhia das obras publicas, que eu nenhuma duvida tenho em lhe mandar entregar o fundo especial de amortisação.))

Pois ha ou não ha contracto, se não ha contracto, donde provem a obrigação ao banco de pagar essa divida? (O sr. Ministro da fazenda: — Mas ha leis que obrigam; essa é muito boa).

Se o banco leni obrigação de pagar á companhia d.is obras publicas, ainda outra vez pergunto, donde lhe provem uma lai obrigação

(O sr. Ministro da fazenda: — Da lei.)

Da lei, diz o sr. ministro, s. ex.ª sabe tambem como eu, que a lei não é um contracto, a lei póde fumar, póde auctorisar, póde revalidar um contracto, póde servir de titulo de um condado, mas não é o contracto propriamente dicto. O titulo do contracto não é o contracto.

(O sr. Corrêa Caldeira: — Lá vai a pasta.)

O sr. Ministro da fazenda: — Isso tem resposta) liem sei que tudo tem resposta; mas o que é para desejar é que ella seja justa. Occorre-me o que dizia o filosofo orador romano, que se nos tribunaes os negocios ahi levados fossem tractados e respondidos como nas assembléas politicas, grandes riscos corria a administração da justiça.

A verdade é, que houve um accordo e uma convenção com estipulação de direitos e de obrigações, e se isto não é um contracto, então declaro que nada tenho aprendido desde que estudo e applico a sciencia de direito.

Agora direi mais ao sr. ministro da fazenda, que não se póde reconhecer a obrigação do banco para com a companhia das obras publicas, sem igualmente ser reconhecida a existencia do contracto; só este é que póde importar aquella. Mas s ex. sabe, que nem as inscripções, na importancia para cima de 1:71) 0 contos de réis, nem o producto dos bens destinados ao fundo de amortisação foram entregues, para terem a devida applicação, importando já em 1850 a 1851 os valores desses productos de bens para cima de tresentos contos de réis.

(O sr. Ministro da fazenda: — É verdade.)

(O sr. Avila: — Anteriormente á minha entrada no ministerio.)

Estou referindo um facto sem o attribuir a má vontade de pessoa alguma: e o facto é que um producto de grande importancia de bens com que foi dotado o fundo de amortisação, foi distrahido, ali não entrou.

(O sr. Avila: — Anteriormente á minha entrada no ministerio houve sommas pertencentes ao fundo de amortisação que não tiveram a applicação que deviam ter: desde o momento em que entrei no ministerio, ordenei que todas essa sommas fossem postas á disposição daquelle fundo, e dahi em diante não me consta que somma nenhuma, já no meu ministerio, já nos ministerios posteriores tivesse outra applicação.)

Eu já disse que referia um facto sem o attribuir a má vontade; mas o facto deu-se, e o banco ficou na impossibilidade de pagar á companhia das obras publicas, accrescendo não ter sido ouvido na liquidação dessas sommas, estabelecendo-se no n.º 5.º do art. 27. — As sommas que legalmente forem devidas.

O banco não nega esta obrigação que acceitou; mas a acceitação é condicional, se o governo cumprir o contracto, habilitando-o com os meios que se obrigou a prestar-lhe, satisfazendo finalmente tudo, a quanto se obrigou. Os direitos e obrigações do banco para com o governo são correlativos, connexos e inseparaveis.

Se pois o banco não tem pago á companhia das obras publicas, a culpa não é sua.

Depois deste expresso consentimento e accordo entre o governo e o banco, como dizer-se, que não ha contracto, e para se mostrar que não ha contracto, pergunta-se, onde está a escriptura desse contracto, em que nota de tabellião foi ella lavrada?

Pois uma escriptura de contracto, que não é o contracto hade valer mais do que um decreto, e do que uma lei? Ha de uma escriptura, para o caso do que se tracta, ter mais effeitos civis do que essas leis que sanccionam esse accordo, este contracto?

Se não houve contracto, por que não ha escriptura lavrada perante tabellião, então reponha-se tudo no antigo estado: mas será isto possivel? Ninguem o crê. Nesta parte, o sr. ministro da fazenda, cujos lalemos admiro, e áquem consagro amisade já herdada de seu honradissimo pai, e meu nobre collega no ministerio em que servimos, não foi bem aconselhado: houve contracto, e contracto, que tem produzido seus effeitos civis. Não ha quem não reconheça esta verdade juridica. O digno par, o illustre visconde de Algés, a quem já me referi, disse na camara dos dignos pares na mesma sessão de 21 de março de 1850, e que vem no Diario do Governo n. 72, o seguinte:

«E observando eu, que as dictas modificações eram justas e convenientes, annuí por parte do governo á sua adopção, e assim ficou completo o contracto.

Disse mais: «Por quanto houve um contracto no «qual de um lado estava o governo, e de outro os «estabelecimentos.

Nota-se ahi mais dizendo, que de tudo fôra sabedor o nobre duque de Saldanha, presidente então, como o é actualmente do gabinete.

Disse o sr. ministro da fazenda, que algumas vezes medidas violentas salvam.

Não duvido que possam haver situações, que exijam medidas violentas; mas essas situações felizmente são raras, e na marcha ordinaria da vida social a violencia mala e não cria. N'uma sociedade bem

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constituida a violencia apenas servirá para transtornar todo o seu maquinismo, e produzir frequentes vicissitudes e reacções.

Os bancos não são hoje uma rotina cega, elles tem sua theoria, pela qual se tem aperfeiçoado: é uma instituição indispensavel ás modernas sociedades com principios reconhecidos, e applicações habituaes. Desgraçadamente porém quasi por toda a parte o máo estado dos bancos é devido ás repelidas exigencias dos governos. A este respeito ha uma glande idéa de Napoleão Bonaparte, digna de ser convertida em regra: dizia elle: — Não exijo que o banco empreste dinheiro ao governo, mas sim que lhe facilite realisar, por baixo preço, as suas tendas, nas epochas e nos logares convenientes.

Tambem disse o sr. ministro da fazenda: que o banco não acceitara a proposta que lhe fizera, afim de chegar-se a um accordo definitivo, por causa da condição 5.ª em que se estabelecia que os juros o amortisação do emprestimo dos 4:000 contos seriam pagos pelas contribuições directas, deduzindo-se mensalmente a somma correspondente na quota que o banco houvesse de entregar ao thesouro.

E verdade, segundo ouvi, que a direcção queria conservar mais a garantia dos contractadores do contracto do tabaco, contra os quaes havia já acções propostas em juizo; mas a principal razão que observei preoccupar a assembléa geral do banco, e tanto póde o bom senso, foi a condição 4., pela qual o governo propunha contractar com o banco a cobrança das contribuições directas, que seria feita nas localidades pelos seus agentes immediatos, recebendo o banco as quotas correspondentes, e mais o premio que se convencionasse.

Uma vez acceita esta condição, resultaria; 1.º uma nova occasião de excitar odios contra o banco, 3. o banco não tinha nem podia estabelecer immediatamente nas diversas localidades os seus agentes immediatos;.!.º ficando os empregados do governo, aconteceria o mesmo que tinha acontecido com o producto de varios bens do fundo de amortisação: já se vê pois que houve mais alguma razão, além da que s ex. indicou.

O sr. ministro da fazenda pertendeu tambem mostrar que o governo, appropriando-se do fundo especial de amortisação, não lesou o banco: fez a sua demonstração por cifras; mas tomou para o seu calculo uma base falsa. O termo medio procurado por s ex. devia ser do quanto o banco devia receber, e não do quanto tinha recebido, porque o governo lh'o não mandou entregar. Podia, querendo, diminuir ainda esse termo medio, e os seus calculos ainda seriam certos.

Tem o banco sido arguido de que na occasião em que o governo fazia preza nas notas, elle as emittia: mas esta arguição só póde ser dictada por indisposições contra este estabelecimento. Que remedio tinha elle senão emitti-las, se linha de pagar as notas promissorias, pesadissimo encargo que recebeu da companhia Confiança, e era obrigado a prestar ao commercio e á industria os auxilios compativeis com as suas forças?

A prova manifesta, positiva e concludente, de que não queria augmentar a sua emissão e circulação, antes retira-las, está no sacrificio que estava fazendo de capitalisar as notas a 9 por cento, mutuando os seus capitaes a 5

Á vista, pois, de um contracto tão oneroso para o banco, com ião pesados encargos; á vista das leis que o confirmaram, não podia o governo, nelle parte, appropriar-se ex-abrupto por vontade propria e poder absoluto, do fundo especial de amortisação, dotado com esses bens adjudicados para pagamento de creditos seus, e creditos alheios, que lhe foram impostos sem seu consentimento, ou legitimamente convencido pelas causas e modos em direito reconhecidos.

A questão do banco de cuja solução depende a subsistencia de tantas familias, reduz-se: — Tem ou não tem o banco direito a propugnar para se manter na posse deste fundo? Se tem, as suas reclamações são fundadas, e deve ser attendido como pede a justiça e a boa fé dos contractos; se não leiu, ellas então são sem rasão nem justiça, e devem ser desattendidas, mas pelos meios competentes, e não tumultuariamente. Mas quem haverá que, á face de um contracto, e das leis que o confirmaram, com a mão na consciencia, possa dizer que o banco não tem direito?

Talvez poderá alguem dizer, esta questão não deve resolver-se pelo rigor do direito civil; que muito embora lenha esse direito, mas que deve delle ceder pelo beneficio que ha-de resultar da feitura do caminho de ferro. Um similhante patriotismo é facil de apregoar, mas com quanto contribuem estes utopistas?...

É necessario que objectos de uma tal importancia se tractem com a prudencia, gravidade e sisudeza, que elles exigem. Que direito ha que possa obrigar a um credor a ceder violentamente do seu direito, sem uma justa e effectiva compensação? Onde está escripto esse direito, em que codigo, em que paiz? Que compensação é essa, que segurança ha nas chamadas obrigações do thesouro, garantidas por acções de um ideal caminho de ferro?! Quem ha que não veja, não conheça a irrisão de uma tal compensação.

Agora observarei á camara, que a direcção do banco offereceu subscrever com uma grande somma de acções, e pediu que, removida esta causa da desapropriação do fundo de amortisação lhe fosse entregue. E que fez o governo? Não annuiu, e o banco está desposado do que lhe pertence.

E faz-se o caminho de ferro do norte? Nem disso já se cogita. Esle caminho de ferro não será uma comédia, tomo já aqui se disse, mas foi por certo uma nuvem de pó para nella se involverem Os nimiamente crédulos.

E póde qualquer devedor, governo ou particular, tractar assim a um seu credor? Pela foiça de direito, não; mas pelo direito da força, se tal direito ha, sim. E é em tempos de regeneração que assim se obra!

Ainda farei uma outra observação: o fundo do banco é de 8:000 contos; destes, 4:000 e tantos contos estão no fundo de amortisação, e os outros 4:000 contos devem-se lhe pelo emprestimo do contracto do tabaco ao governo. Extincto este contracto, dar-se-hão tambem ao banco obrigações do thesouro? Se assim acontecer, os inimigos deste estabelecimento ficarão satisfeitos, porque lerá elle de liquidar, e fechar as suas portas. Mas que imporia dirão elles; é verdade que os accionistas perdem, familias inteiras ficam votadas a indigencia, mas o paiz está rico, e sobre as suas ruinas levantar-se-ha outro banco, ou alguma companhia monstro!... Cegos, não veem a impossibilidade de se levantar sobre a ruina de lautas fortunas, e com descredito, estabelecimento algum de

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credito, que tal nome mereça. Quem haverá tão imprevidente que depois de um tal acontecimento confie Os seus capitães, ou subscreva mais para qualquer companhia, depois de taes precedentes?

Diz-se: o banco não satisfaz, aos fins da sua instituição; mas porque não satisfaz elle ião completamente, como era para desejar? Um banco de circulação e emissão, de desconto, de emprestimo e deposito, ao qual se capitalisam forçadamente, e se immobilisam os seus fundos, não póde certamente satisfazer ao programma das suas funcções, nem preenchei Os fins da sua creação; elle não póde prestar todo o auxilio necessario ao agricultor, ao commercio, ás artes e á industria; reduzido a um simples credor do estado por grandes soavas, que tarde realisará, se as realisar, por certo que não satisfaz aos seus fins: mas quem é disto a causa immediata?

Não ha ninguem, por muito pouco versado que seja nas sciencias economicas, que não saiba quanto os bancos de circulação e desconto são necessarios e proveitosos, considerados como verdadeiros instrumentos de credito.

Mas acabe-se com o banco; elle e inutil, causador de glandes males, e um obstaculo ao arranjo das nossas finanças; pois acabe se com o banco: não invejo a gloria, dos que promovem a sua completa ruina; não quero partilhar a gloria dos que para inculcarem Scipiões fazem do banco uma Carthago. A moral, a justiça, o direito nunca se conciliaram com a violem ia de um tal procedimento. porque a venda com que Themis se cobre os olhos, não é o facho das Euménides.

A sua enfermidade espalha se por se ler, docil e condescendente confiado nas palavras doces, quando emprestava, mas exprobrado com termos iracundos, quando recalcitrante se recusava.

Devo comtudo dizei, que espero da probidade do sr. ministro da fazenda, que ainda venha a um accôrdo rasoavel e justo; e que, coitando por todos esse, preconceitos que de proposito se tem espalhado por inimigos daquelle estabelecimento, preconceitos eirados que não pode deixai de reconhecei como taes a subida capacidade intellectual de s. ex.ª, e que depondo no templo da justiça quaesquer ressentimentos particulares, salve o banco, e com elle as subsistencias de centenares de familias, subsistencias grangeadas com trabalho, honra e frugalidade, que não se devem nem podem destruir por um rasgo de penna, ou por um inconsiderado Ímpeto de imaginação. A questão do banco não e de odio, nem de affeição, e toda de justiça, que imparcialmente deve fazer-se a quem a tiver.

Ainda que já bastante fatigado, passarei comtudo a dizer algumas palavras sobre a contribuição directa de repartição. Como systema poderá ser, não obstante não fallar quem o conteste, excellente; mas será necessario que seja um verdadeiro e completo systema em todas as suas diversas relações, e não uma encetadura troncada desse systema.

A repartição para ser justa deve abranger a todas as classes na proporção dos seus haveres, observando-se a respeito de todas a mais completa igualdade possivel. Se lhe falta esta qualidade, que deve constituir a sua essencia, a repartição póde tornar-se um instrumento de vexames, de extorsões e de iniquidades.

Por brevidade reporei aqui, permitta-me a camara que nesta mesma casa já observei. Disse eu então — sem conhecimento da natureza do terreno, dos seus productos agricolas, sem as indispensaveis observações meteorologicas, ignorando-se muitas outras circumstancias que influem para a escacez ou abundancia da producção, para o seu bom ou máo preço, para a facilidade ou difficuldade da venda, para se obter com mais ou menos despeza e trabalho a colheita dos findos, como exigir-se do contribuinte uma somma certa e determinada. A imposição de repartição sem nenhum destes dados estatisticos é mais terrivel do que esse vento de Africa, que devora toda a vegetação.

As producções agricolas estão essencialmente sujei-las a fenómenos variaveis, dependentes de infinitas circumstancias, á influencia das quaes é quasi impossivel subtrail-as, e que são modificadas em razão dos climas, da constituição local, da configuração, exposição e natureza do terreno. O problema da repartição não póde tomar-se isoladamente; para o resolvei convenientemente e preciso o exacto conhecimento dos principios que formam a sua base. Agora perguntarei eu: procedeu-se ás averiguações indispensaveis de quanto rendem as propriedades dos contribuintes? Conhece-se acaso qual e o seu rendimento liquido? Sabe-se qual é a facilidade ou difficuldade do transporte dos generos ao logar do mercado, e o preço porque poderão ser vendidos? Não: tudo se ignora, e diz-se-nos, que era chegado o tempo de se estabelecei em as contribuições directas de repartição!... Esle methodo e radicalmente vicioso em as nossas actuaes circumstancias.

Para as córtes votarem com conhecimento de causa, não basta que lhes seja apresentada a cifra da despeza, é tambem necessario conhecer a possibilidade da receita sem oppressão dos contribuintes, e sem detrimento da agricultura, da industria e do commercio: e temos mis. os dados estatisticos indispensaveis? Temos nós algum principio fixo por onde nos possamos dirigir n'um acto Ião importante? Oude estão elles? Não Os ha, ainda têem de fazer-se, e para que se façam, que meios proprios se estabelecem? Nenhuns. Hão de fazer-se, denunciando se os visinhos uns aos outros? Hão de fazer-se, estabelecendo-se a discordia entre quem sómente deve viver unido por laços de amisade.

O homem não está só em relação com a natureza, está tambem em relação com o homem: mas, além destas duas relações ha ainda uma outra, que tem outras leis e outras condições: é a relação do homem com os homens reunidos na mesma sociedade, e destes principalmente com os seus visinhos. Quando o» verdadeiros interesses, entre visinho, são estabelecer relações fraternaes e beneficas, uteis a todos, promove se-lhes uma rivalidade, uma reciproca desconfiança, um antagonismo invejoso e odioso. As puras o doces condições de visinhança substitui-se-lhe n desconfiança!

Na renda proveniente da agricultura ha duas coisas que não se devem confundir: 1.º o rendimento do capital empregado na compra da leria; 2.ª o rendimento do capital empregado na cultura. A confissão destes dois capitaes produz uma grande e insupportavel desigualdade com todas as mais industrias, e peza excessivamente sobre a agricultura. É necessario attender se bem a que, se a industria agricola fôr mais sobrecarregada, preferir-se-ha o emprego dos capitaes na que fôr mais favorecida, e assim as terras perderão muito nu sua producção, com

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gravissimo damno publico, e mingua das subsistencias: e o que valerão então esses institutos agricolas? Havendo igualdade, todos preferirão a posse da terra porque dá mais segurança, e estabilidade ás familias; mas se o progresso do genio fiscal a opprimir, restabelecendo essa velha escravidão feudal, receio muito as suas fataes consequencias. E tambem necessario não perder de vista a relação, que este systema de imposto tem com a hygiene publica. O povo, quando as subsistencias sadias sobem de preço, recorrem ás prejudiciaes á saude, porque as encontra mais baratas; e a renda publica em vez de augmentar, diminue.

Tenho sempre como grande violencia, que o imposto recaia, não sobre a renda liquida, mas sobre um sacrificio imposto aos contribuintes. O proprietario que deve, e que paga juros é, para assim dizer, um mero detentor, todo o rendimento que dá a propriedade não é seu, não e haver liquido com que possa contar e applicar ás suas despezas; e sendo, como e, certo o que digo, é necessario estabelecer-se um fiel systema hypothecario, por onde se provem os encargos das propriedades por dividas a que ellas estão sujei-las, e os respectivos juros que pagam.

Não tenho prevenção alguma contra a imposição directa de repartição, considerada como um systema completo; mas, pela maneira que se pertende estabecel-a, sem que lhe precedam todos os dados necessarios, sem que se acompanhe dos seus elementos constitutivos, receio muito os seus máos resultados.

A base do decreto é falsa, debaixo de qualquer relação que ella seja considerada. (Vozes: — Deu a hora) Ouço dizer que deu a hora; como tenho ainda algumas observações a fazer, peço que se me reserve a palavra para amanhã.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã e a continuação da que vinha para hoje. Está levantada a sessão — Eram quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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