O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1048

1048

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 7 DE ABRIL DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José Menezes Toste

Chamada — Presentes 61 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Abilio, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Quaresma, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazziotti, Pinheiro Osorio, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Almeida e Azevedo, Ferreri, Almeida Pessanha, Cyrillo Machado, Cesario, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Poças Falcão, Coelho do Amaral, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Cadabal, Guilhermino de Barros, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Faria Guimarães, Galvão, Sette, Fernandes Vaz, Alves Chaves, Figueiredo de Faria, J. M. de Abreu, Costa e Silva, Rojão, Menezes Toste, José de Moraes, Batalhós, Alves do Rio, Manuel Firmino, Pereira Dias, Vaz Preto, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, Vidal, Soares de Moraes, Correia Caldeira, G. de Freitas, Seixas, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Mello Breyner, Lemos e Napoles, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Barão de Santos, Barão da Torre, Abranches, Beirão, Carlos Bento, Claudio Nunes, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Bivar, Fernandes Costa, Ignacio Lopes, Gaspar Teixeira, Henrique de Castro, Blanc, Gomes de Castro, Mártens Ferrão, Fonseca Coutinho, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Joaquim Cabral, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, Neutel, J. Pinto de Magalhães, José da Gama, Casal Ribeiro, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Camara Leme, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Mendes Leite, Sousa Junior, Murta, Pinto de Araujo, R. Lobo d'Avila, Fernandes Thomás e Teixeira Pinto.

Não compareceram — Os srs. Adriano Pequito, A. B. Ferreira, Antonio Eleutherio, Ferreira Pontes, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Lopes Branco, David, Barão das Lages, Garcez, Freitas Soares, Oliveira e Castro, Albuquerque e Amaral, Bispo Eleito de Macau, Pinto Coelho, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Drago, Barroso, Abranches Homem, Diogo de Sá, Vianna, Gavicho, Bicudo, F. M. da Cunha, Pulido, Chamiço, Gaspar Pereira, Pereira de Carvalho e Abreu, Silveira da Mota, João Chrysostomo, Costa Xavier, Ferreira de Mello, Torres e Almeida, Simas,

Lobo d'Avila, Veiga, Infante Pessanha, José Guedes, Luciano de Castro, D. José de Alarcão, Frasão, Latino Coelho, Gonçalves Correia, Levy Maria Jordão, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Sousa Feio, Placido de Abreu, Charters, Moraes Soares, Simão de Almeida, Thomás Ribeiro e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Um officio do ministerio da justiça, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Cyrillo Machado, ácerca dos juizes substitutos da comarca de Santo Thyrso. — Para a secretaria.

2.° Do ministerio da fazenda, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Casal Ribeiro, ácerca do estado e applicação do emprestimo contratado com a casa Stern Brothers. — Para a secretaria.

3.º Do ministerio da guerra, acompanhando a nota das gratificações pagas por aquelle ministerio, e que não estão classificadas no orçamento. — Para a secretaria.

4.º Do ministerio da marinha, acompanhando as consultas do conselho ultramarino, pedidas pelo sr. Rocha Peixoto, relativas ao provimento dos logares de juizes de direito das comarcas de Benguella e Timor, e para o de delegado do procurador da corôa e fazenda de Timor.

O sr. Rocha Peixoto: — Requeiro a v. ex.ª que sejam mandados á commissão de verificação de poderes os documentos que estão sobre a mesa, relativos ao sr. Eleutherio Dias, a fim da camara saber se elle perdeu ou não o seu logar.

O sr. José de Moraes: — Requeiro que, antes dos documentos irem para a commissão de verificação de poderes, me sejam enviados, a fim de tomar apontamentos, porque tambem requeri que me fossem mandados.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — O requerimento do sr. José de Moraes, pedindo estes documentos, foi hontem expedido; e por isso estes documentos vem por pedido do sr. Rocha Peixoto, que os tinha requisitado antes. Estes documentos vão para a secretaria, para de lá irem para a commissão de poderes.

Continuo a dar conta do expediente.

5.º Do mesmo ministerio, acompanhando 156 bilhetes de admissão no arsenal da marinha, para os srs. deputados que no dia 8 do corrente, pelas duas horas a meia da tarde, quizerem ver lançar ao Tejo a corveta Duque da Terceira.

— Mandaram-se distribuir.

6.º Do presidente da associação commercial do Porto, acompanhando exemplares do relatorio dos trabalhos d'esta associação no anno findo. — Mandaram-se distribuir.

7.º Uma representação da camara municipal de Arronches, pedindo que se lhe continue o uso do edificio chamado quarteis, de que acaba de apossar-se a fazenda nacional, por cedencia que ao da fazenda fez o ministerio da guerra.

— Á commissão de fazenda.

8. De algumas pensionistas do monte pio militar, pedindo que se melhore a sua situação. — Á mesma commissão.

9.º Dos empregados da secretaria do governo civil de Lisboa, pedindo ser indemnisados dos prejuizos que soffrem em consequencia da lei que aboliu os passaportes do interior. — A commissão de administração publica.

10.° Da mesa da misericordia de Borba, pedindo que se tornem extensivas aos estabelecimentos pios as disposições da lei da desamortisação, de 4 de abril de 1861. — Á commissão de fazenda.

EXPEDIENTE

A QUE SE SEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.° Requeiro que se peça ao governo uma relação de todos os empregados da secretaria d'estado dos negocios da fazenda e do tribunal de contas que, desde o dia 16 de março de 1859 até 4 de julho de 1860, foram despachados sem preceder concurso, ou precedendo sómente concurso documental. Nesta relação deve se declarar a respeito de cada empregado o seu nome, logar que foi despachado, e emprego que tinha antes d'isso.

Sala das sessões da camara dos deputados, 30 de março de 1864. = A. C. de Sá Nogueira.

2.° Requeiro, pela segunda vez, que o governo remetta a esta camara, pelo ministerio da fazenda, copia authentica do officio do governador civil de Portalegre, de 5 de agosto de 1863, sobre a concessão do edificio do extincto convento de S. Francisco, na villa de Castello de Vide á respectiva camara municipal, para n'elle estabelecer as aulas publicas do ensino primario e secundario.

Em 6 de abril de 1864. = J. M. de Abreu.

3.º Requeiro, pelo ministerio da fazenda, copias da correspondencia e modelos que houve com respeito á implantação do systema de contribuição predial entre o delegado do thesoureiro em Angra, e escrivão de fazenda da Praia da Victoria. = Sieuve de Menezes.

4.º Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, se peça ao governo:

I Copia da portaria, pela qual foi ordenado ao director das obras publicas, no districto de Villa Real, o estudo da estrada do caes do Pinhão junto ao rio Douro por Mirandella, Abreiro e Alijó;

II Copia da portaria em que foram mandados pôr á disposição do dito director os fundos precisos para occorrer ás despezas d'aquella estrada.

Sala da camara dos deputados, 5 de abril de 1864. = Julio do Carvalhal Sousa Telles.

Foram remettidos ao governo.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Pretendemos interpellar com a maior urgencia possivel o sr. ministro das obras publicas, commercio e agricultura, ácerca da crise de cereaes na cidade do Porto.

Sala da camara dos deputados, em 6 de abril de 1864. = A. Ayres de Gouveia, deputado pelo circulo de Cedofeita = Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães.

Mandou-se fazer a communicação.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — Está na mesa uma proposta do sr. Paula Medeiros, apresentada hontem durante a discussão do capitulo 4.° do orçamento do ministerio do reino; mas que não tem relação alguma com artigo algum do orçamento, antes equivale a um projecto de lei.

Eu vou lê-la, para a camara resolver depois o destino que se lhe ha de dar.

É a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que os exames feitos nos lyceus das ilhas adjacentes sejam equiparados, para todos os effeitos, aos de Lisboa, Porto e Coimbra. = Paula Medeiros. = Camara Falcão = Sieuve de Menezes.

Foi admittida á discussão.

O sr. Quaresma: — Parece-me que o que se acaba de ouvir ler na mesa é mais um projecto de lei do que uma proposta; e por esta occasião devo declarar que está pendente da approvação da commissão de instrucção publica um projecto sobre instrucção secundaria, e é ahi que deve ser considerada a materia d'esta proposta.

O sr. Paula Medeiros: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara se consente que retire a minha proposta, reservando-me para apresentar um projecto de lei sobre este assumpto.

Foi retirada.

O sr. Presidente: — Continua a discussão da proposta de adiamento, apresentada pelo sr. Aragão Mascarenhas, ao projecto de lei n.° 132 de 1861.

O sr. Annibal: — Conformando me com as disposições do regimento d'esta casa, começo por ler a minha moção de ordem; é a seguinte:

«Proponho que a doutrina do projecto fique em discussão com a do adiamento.»

Antes de passar adiante, seja-me licito manifestar á camara o sentimento de surpreza que se apoderou de mim quando vi o nobre deputado, o sr. Aragão Mascarenhas, descer á arena parlamentar para combater o projecto de lei que está submettido á approvação d'esta casa.

Não esperava que s. ex.ª assim procedesse. Esperava que o nobre deputado, como digno representante que é do circulo n.° 121, em cuja área se comprehende o supprimido concelho de Sines, cujos povos ficaram na dependencia do concelho de S. Thiago de Cacem, que lhes fica a tres leguas, e que soffrem por isso consideraveis vexames; esperava, digo, vê-lo sustentar e approvar o projecto de lei que está em discussão, porque mais tarde poderia até ser invocado como precedente favoravel para minorar o soffrimento dos povos que s. ex.ª aqui tão dignamente representa.

Entretanto o nobre deputado entendeu dever seguir outro caminho, estava no direito de o fazer; mas talvez porque não julgou de consideração os soffrimentos d'aquelles povos, suppoz que tambem não a mereciam os dos povos de Azeitão e de Palmella a que o projecto se refere, no que de certo se enganou.

Mas se para mim foi surprehendente que s. ex.ª combatesse este projecto, foi ainda de maior surpreza a maneira por que o combateu.

S. ex.ª, por um accesso de ministerialismo inesperado, entendeu que nós representantes dos povos, nós que temos aqui obrigação de prover de remedio ás suas necessidades, não eramos competentes para apresentar e votar uma medida que tivesse aquelle fim, sem que dos bancos do governo saísse um voto approvatorio.

Sou ministerial, prezo-me de o ser, mas nunca as minhas crenças nos homens que estão á frente dos negocios publicos poderão averbar-me de menos competente para apreciar aqui os soffrimentos dos povos que represento, e prove-los de remedio (apoiados).

Mas s. ex.ª, com grande assombro meu, entendeu que se deveria protelar a adopção d'esta medida, que tem por fim melhorar o soffrimento dos povos de que se trata, e propor o adiamento!

Sr. presidente, os actos de justiça não se adiam. Os sofrimentos dos povos devem-nos impressionar de tal fórma, que todas as medidas que forem tendentes a minora-los, devemo-nos apressar em discuti-las e approva-las. Adiar um acto de justiça é praticar a tyrannia.

Não se pense que este projecto veiu fazer uma surpreza á camara, e que sobre elle não foi ouvido o sr. ministro do reino. O parecer está na camara desde 1861, e s. ex.ª já por muitas vezes tem patenteado nesta casa qual a sua maneira de ver emquanto á divisão territorial. S. ex.ª com effeito em muitas occasiões tem dito que entende que = o governo não faz nem desfaz concelhos; que quem os fórma são os factos naturaes e espontaneos; que onde existe uma população sufficiente para supportar as despezas do governo local, e pessoal habilitado para os cargos publicos, ahi está o concelho = (apoiados). Mas alem de ser esta a doutrina professada por s. ex.ª, e aqui manifestada muitas vezes, teve ainda a bondade de me dizer ha poucos dias, que reconhece que estes povos estão no caso de terem a sua autonomia.

Por conseguinte não se supponha que o projecto veiu aqui sem a approvação do sr. ministro do reino, para com esse fundamento se propor um adiamento injustificavel.

Os povos de que se trata não vem aqui pedir um favor; pedem que se attenda ás suas circumstancias especiaes; que se lhes remedeiem os vexames que soffrem, e que para esse fim se lhes restitua o seu governo local, como se tem restituído a muitos outros em circumstancias identicas.

Página 1049

1049

Palmella é uma villa que tem 700 fogos, mas em cujas immediações ha differentes aldeias na distancia de 1 até 2 leguas ao norte e poente, as quaes têem tambem approximadamente outros 700 fogos, sendo o total pelas ultimas estatisticas de 1:396 fogos, faltando apenas 4 fogos para 1:400. O augmento da cultura, devido á influencia do caminho de ferro, tem para ali chamado maior população.

Quando se procedeu á reforma da divisão territorial pelo decreto de 24 de outubro de 1855, nenhum concelho com 1:200 fogos foi supprimido no districto de Lisboa, e já se vê que bastava esta circumstancia para se conhecer que estes povos, pelo augmento que têem tido, estavam no caso de reconquistarem (para assim dizer) os seus fóros municipaes.

Mas disse o meu nobre amigo, o sr. Aragão Mascarenhas: «Se todos estes povos formassem um só fóco de povoação, ainda bem, mas estes povos estão a uma distancia de Palmella tão grande como Palmella está de Setubal, e já que se incommodam em ir até aquella villa, bem podem ir até Setubal que lhes fica mais adiante». Mas esta rasão do nobre deputado é na verdade pouco convincente, pois se se incommodam os povos percorrendo uma distancia curta, é uma rasão sufficiente para que essa distancia se prolongue? Não lhes será mais conveniente terem apenas um incommodo como um, percorrendo uma distancia menor, do que terem um incommodo como dois, percorrendo uma distancia maior? E os povos que residem em Palmella não ficariam livres do incommodo de irem a Setubal? Mas s. ex.ª entendeu que não haveria direito a reconstruir estes concelhos senão se os povos formassem um só fóco, um só corpo de população! Não percebo a finura do argumento.

Os povos de Azeitão estão todos mais distantes, porque estão todos na distancia de pouco mais de 2 leguas. O antigo concelho consistia em duas villas que são: Villa Nogueira e Villa Fresca; e seis aldeias que são: Camarate, Pinheiros, Vendas, Aldeia de Irmãs, Aldeia Rica, Aldeia de Oleiros e Coina a Velha. Estes povos occupam uma extensão de 6 kilometros approximadamente, e estão separados de Setubal por duas serras e por uma distancia de mais de 2 leguas. Ora já se vê, que pelo simples facto de estar uma povoação d'esta ordem a uma distancia de mais de 2 leguas de Setubal, se revela um interesse separado e distincto. É preciso olhar para os factos naturaes e aprecia-los como elles devem ser.

Mas, pelo decreto de 24 de outubro de 1855, aggregaram se todos estes povos, e os de Palmella a Setubal, e não se olhou a que todos elles tinham interesses distinctos e separados. Amalgamar assim povos com interesses distinctos, é não só contrariar os principios constitutivos das municipalidades, mas força-los a uma situação inteiramente desagradavel e insustentavel por demasiadamente iniqua.

O sr. deputado Aragão Mascarenhas perguntou se a camara municipal de Setubal tinha sido ouvida sobre o projecto que se discute, e preveniu esta camara, chamando a sua attenção para este objecto, e para que notasse que se pretendia nada menos que desorganisar o concelho de Setubal.

Oh! sr. presidente, eu sou portador de uma representação da camara municipal, a qual, sabendo que o parlamento se occupava deste assumpto, pediu-me para a apresentar nesta occasião, fazendo ver a esta camara qual é a sua opinião a este respeito. Eu não lerei toda a representação á camara para não abusar da sua benevolencia; mas lerei apenas alguns trechos para a camara ver como aquella municipalidade aprecia o projecto de lei que se discute, e cuja approvação ella pede.

Depois de mencionar o inconveniente de amalgamar povos que têem interesses distinctos, diz o seguinte:

«Em Setubal, povoação do litoral, predominam os interesses artísticos, commerciaes e maritimos. Em Azeitão e Palmella, povoações internadas, predominam os interesses agricolas. Setubal, cidade de 17:000 almas, tem necessidades que são desconhecidas n'aquellas povoações ruraes. Tem illuminação publica por meio de gaz, em que annualmente se gastam 3:600$000 réis, sem que aproveite em cousa alguma aquellas povoações; faz annualmente a despeza de 2:500$000 réis com a limpeza das ruas, canos e valias, por bem da salubridade publica, sem que aquell'outros povos tirem d'ahi vantagem. Subsidia um lyceu de instrucção primaria e secundaria, que tambem não aproveita aquelles povos por ficarem distantes; faz despezas com jardins e passeios publicos que aquelles povos não gosam; e em seus poços, suas fontes, seus chafarizes e seus aqueductos póde dizer-se que não bebem os habitantes d'aquellas povoações. Com que direito pois se hão de conservar reunidos em um só concelho povos com interesses tão distinctos? Será justo que os povos de Azeitão e de Palmella contribuam para todas aquellas despezas, sem que possam quinhoar nas vantagens que d'ellas resultam?»

Aqui está, sr. presidente, como a camara menciona a diversidade de interesses que ha n'estas povoações, e como fazendo-se, pelos cofres municipaes, despezas avultadas em beneficio apenas da cidade, contribuem para estas despezas povos que estão arredados, e por consequencia sem poderem gosar das vantagens que d'ellas devem resultar. Houve nunca uma injustiça mais flagrante?

Ora agora se nós por um momento imaginarmos os sacrificios que fazem estes povos quando têem qualquer dependencia da cabeça do concelho, como, por exemplo, uma licença para venda, uma reclamação para tirar um filho do recrutamento, e mil outras dependencias que têem os povos das cabeças do concelho, ver-se-ha que sobre estes cidadãos pésa um tributo indirecto elevadissimo, que onera gravemente aquelles povos, e que se traduz não só na perda do seu tempo, capital preciosissimo, mas nos transportes e mais despezas que são obrigados a fazer emquanto estão fóra de suas casas. E estes inconvenientes, que são dignos de toda a attenção sob o ponto de vista municipal e administrativo, aggravam-se consideravelmente sob o ponto de vista das relações judiciaes.

O nobre deputado, o sr. Aragão Mascarenhas, sem duvida para fazer effeito, disse: «Já ouviram o parecer do sr. ministro da justiça? Querem desorganisar uma comarca? Querem resuscitar dois julgados e os juizes ordinarios? Querem resuscitar essa instituição tão odiosa que o decreto de 24 de outubro de 1855 teve em vista reduzir e cercear?»

Eu, sr. presidente, não sei se os juizes ordinarios são bons ou maus: se são bons, ponhamos onde devem estar; se são maus, não os ponham em parte nenhuma. O que eu digo, sr. presidente, é que se servem em uma parte, tambem servem n'outra. Dêem aos juizes o nome que quizerem, mas é certo que sem justiça local e barata não se satisfazem as necessidades do paiz sob este importante ponto de vista (apoiados).

Disse o nobre deputado: «Querem que a tão curta distancia, para se verificar uma citação, seja necessario uma deprecada?!» Admira-me que o nobre deputado, o sr. Aragão Mascarenhas, que é um jurisconsulto abalisado e um juiz distincto, esquecesse por momentos que dentro da mesma comarca as citações não se fazem por deprecada, fazem-se por simples mandado, visado pela justiça local (apoiados).

Pelo projecto que se discute, sr. presidente, não se pretende desfazer comarca alguma, a comarca fica a mesma; mas se o nobre deputado se preoccupou com a diminuição de interesses que porventura poderiam ter os magistrados que exercessem as funcções de justiça n'aquella comarca, parece-me que s. ex.ª ainda assim apreciou mal os resultados do projecto. Espero convence-lo completamente.

Quando existiam os juizos ordinarios havia em cada um d'elles dois escrivães, e havia tal movimento forense que era sufficiente para lhes dar meios de subsistencia. Mas desde que se supprimiram estes julgados não tem apparecido numero de causas em proporção na cabeça da comarca. Talvez não tenham havido vinte causas no espaço de nove annos, e a rasão é obvia.

Supponhamos que n'um destes julgados ha um homem offendido nos seus direitos de propriedade e quer recorrer aos tribunaes. Tem de fazer uma longa jornada para levar o requerimento a despachar; se tem a fortuna de achar o juiz, e consegue emfim o despacho para a primeira citação, ei-lo em procura de um official de diligencias para ir effectua-la. Não o encontra que queira ir a tão grande distancia pelo preço da tabella judicial; da parte do official apresentam-se sempre mil evasivas, aliás bem conhecidas, para não ir verificar a citação a tão grande distancia e com tão escassa remuneração. Nestas circumstancias que fazer? Vê-se obrigado a gratificar o official de diligencias com uma quantia maior do que a que marca a tabella; e o resultado é que lhe sáe tão cara a justiça, que prefere antes soffrer o vexame do que recorrer aos tribunaes. Isto não póde continuar assim (apoiados).

Eis-aqui a rasão por que aquelles povos estão sendo vexados nos seus direitos, soffrendo muito com este estado de cousas; e não vêem outro melhoramento possivel senão na reconstrucção dos seus concelhos e dos seus julgados.

Já vê portanto o nobre deputado que, bem longe de se diminuírem os proventos dos magistrados judiciaes com a reorganisação dos julgados, pelo contrario hão de augmentar; porque ha de haver maior numero de causas, as quaes, subindo á cabeça de comarca, quer para julgamento, quer por appellação, não desfalcarão aquelles proventos, e ficarão attendidas as commodidades e direitos dos povos.

Ninguem supponha que, reconstruindo-se os concelhos de Palmella e de Azeitão, ficam elles sendo os mais pequenos do districto de Lisboa. Eu tenho aqui a estatistica do numero de fogos de todos os concelhos do districto de Lisboa, e por ella se vê que, ficando o concelho de Palmella com 1:400 fogos, será dos maiores do districto. Maior que o do Seixal, que o de Cezimbra, que o do Barreiro, que o da Moita, que o de Aldeia Gallega do Ribatejo, que o de Alcochete e que o de Grandola, os quaes todos não chegam a ter 1:200 fogos cada um. E maior tambem que os novamente reconstruídos de Souzel e Salvaterra de Magos, os quaes tambem nem chegam a ter este numero de fogos. E o concelho de Azeitão ficará maior que o do Barreiro, que o de Alcochete e que o de Grandola no districto de Lisboa, e que o de Salvaterra no districto de Santarem.

Note porém a camara que, de mais a mais, não é pelo numero de fogos que nos havemos de guiar para a divisão territorial; porque a verdade é que não se póde fixar uma regra certa e invariavel para se poder fazer essa divisão. Isto varia conforme as conveniencias dos povos e suas variadissimas circumstancias. Povoações haverá com maior numero de fogos que, tendo-se em vista outras circumstancias, como, por exemplo, a da grande distancia a que ficam de outros povos, devam por isso formar um concelho separado.

Desenganemo-nos de que a reforma da divisão territorial não se póde fazer em globo. Eu tenho ouvido dizer muita vez nesta camara que essa reforma não se póde fazer a retalho; mas creio que bem analysado este principio, todos se vão convencendo de que no fim de contas não passa de um lindo nada. A reforma da divisão territorial não se póde fazer de um jacto; e não é nenhuma peça de fundição que se perca se for feita de outra maneira; ella deve ser feita em attenção ás differentes condições dos povos e aos differentes requisitos das localidades. Por consequencia hão de modificar-se os principios e as regras que se queiram estabelecer, tantas vezes quantas ellas tenham de ser applicadas.

Alem d'isto a camara tem seguido ultimamente um caminho que está inteiramente de accordo com esta doutrina. Pois não se reconstruiu no Algarve o concelho de Aljezur, no Alemtejo o de Souzel, no districto de Santarem o de Salvaterra de Magos, e no de Lisboa o concelho da Moita? E não se diga agora que não se deve applicar o mesmo principio á reconstrucção dos concelhos de Palmella e Azeitão. Pois donde vem esta justiça, esta jurisprudencia, que manda applicar um principio á reconstrucção de uns concelhos, e manda applicar o principio opposto á reconstrucção de outros concelhos? Seria uma falta de justiça distributiva, que um parlamento liberal, tão distincto como este é, de maneira nenhuma póde praticar. Os povos de que se trata já custearam por seculos as despezas de suas municipalidades.

Já vê pois a camara que estes povos, alem de terem o pessoal necessario, têem tambem os meios sufficientes para terem o seu governo local. E sendo certo que da falta desse governo lhe resultam grandes vexames, eu entendo que se lhe deve applicar o mesmo principio que se tem em vista para reconstrucção de outros concelhos; e confiu muito na rectidão e imparcialidade da camara, que não deixará de dar o seu voto de approvação ao projecto que está em discussão, para se destruirem os effeitos da injusta dependencia em que estão do concelho de Setubal, com o qual não tem homogeneidade de interesses.

Mando para a mesa a representação da camara municipal de Setubal em que se pede a approvação deste projecto de lei; e peço á camara se digne attender a que aquella distincta municipalidade não faria este pedido se elle não fosse da maior justiça e equidade (apoiados).

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que a doutrina deste projecto fique em discussão conjunctamente com a do adiamento. = Annibal.

Foi admittida.

O sr. Vaz Preto: — Mando para a mesa um requerimento, do qual peço a urgencia. É o seguinte (leu).

O sr. José de Moraes: — Pedindo a palavra a favor do adiamento foi só para trazer á lembrança da camara o que ella votou na sessão de 29 de abril de 1862, que vem publicado no Diario de Lisboa n.° 95 do mesmo anno.

Nessa occasião estando em discussão um projecto da commissão de administração publica sobre divisão territorial, judicial e ecclesiastica, um illustre deputado, que se senta ao meu lado direito, propoz um adiamento concebido nos seguintes termos:

«Proponho o adiamento deste projecto de lei e de todos os que tiverem por objecto alterações parciaes na divisão territorial, administrativa, judicial e ecclesiastica. = Sá Nogueira = José de Moraes.»

Este adiamento foi de tal maneira approvado pela camara que, logo que o antecessor de v. ex.ª declarou em discussão aquelle projecto, e o sr. Sá Nogueira se levantou e mandou para a mesa este adiamento, elle foi admittido á discussão, e não houve nenhum sr. deputado que se levantasse para o combater; e apesar de no Diario não vir declarado o numero dos que o approvaram, parece-me concluir que foi approvado unanimemente, porque ninguem levantou a sua voz para protestar contra elle.

Se isto foi assim, para que estamos agora a querer fazer reviver uma questão que a camara já votou? Não sei como é que a camara póde votar esta questão agora sem reconsiderar a votação que fez em 1862!

A camara póde dizer que hoje mudaram as circumstancias (apoiados), porém eu digo que não mudaram, que ellas são as mesmas; que os motivos que então havia em relação a outro projecto para se adiar, são os mesmos que ha hoje para se adiar este.

O illustre deputado, que acabou de fallar n'esta questão, sustentou, que = se a divisão territorial não fosse feita d'esta maneira, nunca se faria; e disse que = o sr. ministro do reino quando se lhe apresentou este projecto, tinha dito que a sua opinião era esta =. Permitta-me o illustre deputado que lhe diga, que acredito que seria essa a opinião do sr. ministro do reino de então; mas procure o illustre deputado a opinião do sr. ministro do reino actual...

O sr. Annibal: — É a mesma.

O Orador: — Diz o illustre deputado que = é a mesma =. Por emquanto não sei isso officialmente, mas se acaso é assim, qual é a rasão por que a commissão, no seu parecer, não declarou que foi de commum accordo com o sr. ministro do reino? Votar-se este projecto d'esta maneira é dar logar a que outros façam tambem a sua reconstrucção, quando a maior parte d'elles não têem o pessoal necessario para a administração municipal; e servindo só para augmentar o numero de empregados publicos, o que ha de fazer com que as attribuições municipaes cresçam em larga escala; e ha de acontecer, como acontece em alguns concelhos, que pagam 40 e 50 por cento addicionaes ás decimas, nem assim têem meios para fazer estradas, e para pagar aos empregados que, em alguns concelhos, estão em atrazo; nem têem meios para pagar á classe desgraçada dos expostos.

A camara póde votar como quizer, mas eu, sem querer ser propheta, digo que este projecto não póde ser lei do paiz.

O sr. Quaresma: — Pedi a palavra, mais para dar uma justificação do procedimento da commissão de estatistica, em referencia á divisão territorial, do que para tratar propriamente da questão, porque ella tem um bellissimo defensor, que é o auctor do projecto.

A commissão de estatistica foi tão cautelosa nas questões sobre divisão territorial, que no anno passado não deu nem um só parecer (apoiados), e vou dizer á camara a rasão d'este procedimento.

Tinha-se apresentado na camara um projecto do sr. Braam-

Página 1050

1050

camp, então ministro do reino, sobre divisão territorial, e em geral sobre reforma administrativa. A commissão de estatistica viu aquelle projecto, e entendeu que não devia occupar-se de nenhum outro sobre divisão territorial e reforma administrativa, porque entendeu que elle comprehendia tudo, e era preferivel uma divisão geral. A commissão consultou o sr. ministro do reino (é verdade), e disse-lhe que = se acaso s. ex.ª tinha tenção de empregar todos os seus esforços para que este projecto fosse convertido em lei, a commissão não dava mais um parecer; e se não a tinha, a commissão iria attendendo ás necessidades parciaes, porque se não havia de estar á espera até ás kalendas gregas =. O sr. ministro do reino disse que = fazia tenção de empregar todos os seus esforços para que aquelle projecto fosse convertido em lei =. A commissão não deu mais um parecer (apoiados). Chegámos ao principio d'esta sessão, e fizemos a mesma pergunta ao actual sr. ministro do reino, e s. ex.ª disse que = provavelmente não havia tempo d'aquelle projecto ser convertido em lei =. N'este caso o que tinha a commissão a fazer? Attendeu ás primeiras necessidades, e n'isto concordou o sr. duque de Loulé com a commissão (apoiados).

Depois de feita esta declaração, a commissão entendeu que devia ir attendendo ás primeiras necessidades, quando para qualquer mudança a commissão estivesse convencida, pelas informações das estações competentes, de uma necessidade urgente. Entendeu tambem que não devia dar pareceres sobre a creação de comarcas e concelhos, e limitar se sómente a mudança de freguezias, sede de cabeça de concelho, etc.; ou quaesquer outras medidas que não alterassem profundamente a divisão territorial feita (apoiados).

(interrupção que não se ouviu.)

O Orador: — Eu estou estabelecendo a these, os illustres deputados dirão o que quizerem. Eu estou por assim dizer a justificar o procedimento da commissão de estatistica.

Por estes motivos a commissão deu já alguns pareceres este anno, nas condições em que o sr. ministro do reino disse que esses pareceres podiam ser dados; por exemplo, sobre a mudança de uma freguesia ou de cabeça de concelho, e mesmo sobre os concelhos, quando achassemos concordes toda as estações competentes que podem informar sobre o negocio n'uma necessidade urgente. E ainda assim mesmo a commissão não deu parecer sobre todos os projectos, mas está resolvida a da-lo sobre todo e qualquer projecto em que appareçam informações concordes de todas as estações, porque eu entendo que um concelho, que é extincto, deve reconstruir-se se a junta geral de districto, se o concelho a que elle pertence e se os povos entenderem que é conveniente que elle se reconstrua (apoiados).

Entendamo-nos; eu tambem desejo mais uma reforma geral, e parece-me que todos nós a desejâmos, porque é urgentissima, mas o que é facto é que, se ella não se fizer, ha inconvenientes de tal ordem, que é necessario remedia-los immediatamente. Este é o procedimento da commissão. Tem sido esta a sua marcha franca e leal de accordo com o ministro competente, que é o sr. ministro do reino.

É por isso que deu já alguns pareceres n'este sentido, que está disposta a sustentar, porque os pareceres que tem dado, têem sido dados com todas as informações; e no ultimo parecer que a commissão deu foi ouvido o ministerio do reino. E digo isto para responder ao sr. deputado Vaz Preto, que fez ha pouco um requerimento para saber qual é o numero de fogos que têem Sobreira Formosa e Proença a Nova, e o seu rendimento collectavel.

O sr. Vaz Preto: — Foi exactamente para isso que eu pedi os esclarecimentos.

O Orador: — Pois tenho a dizer ao illustre deputado que foi exactamente por isso que a commissão deu aquelle parecer. Foi fundada em esclarecimentos pedidos ao ministerio do reino, onde vem o numero de fogos que tem cada uma d'aquellas povoações e o seu rendimento collectavel. Foi ali que a commissão procurou os fundamentos para dar aquelle parecer, e o illustre deputado com o seu requerimento não obtém outros esclarecimentos, que não sejam os que vem no relatorio do parecer, porque este é filho dos esclarecimentos mandados do ministerio do reino, os quaes s. ex.ª póde ir ver á mesa.

Por consequencia já se vê que a commissão é summamente cautelosa nos pareceres que está dando, porque sabe os melindres que estes pareceres têem; mas o que eu não posso levar a bem é o querer-se explicar todas as mudanças e reconstrucções unicamente por fins especiaes e conveniencias particulares, é uma cousa que não póde admittir-se. Quem assim pena, é porque se julga por si, e este juizo não lhe é muito favoravel, porque dá a entender que é capaz de se deixar arrastar por interesses mesquinhos (muitos apoiados) E realmente para lamentar a tendencia que apresenta alguma gente em querer devassar a consciencia alheia (apoiados).

Pois tudo quanto aqui vem é de interesse particular?! Pois então desde que se fez a ultima divisão territorial não podiam mudar as circumstancias?! Ainda que a divisão administrativa tivesse sido bem feita, no que não concordo, não podia, com o movimento das estradas, mudar as circumstancias por fórma tal, que uma povoação, que até aqui era insignificante, se tornasse importante, ou que uma povoação, que até aqui não podia ir a certa distancia, hoje possa faze-lo com muita facilidade?! Pois o paiz conserva se estacionario?! Pois, ainda que a reforma administrativa tivesse sido bem feita, não póde haver agora condições que exijam alterações em algumas das partes d'essa mesma reforma?! (Apoiados).

O que é mais é que na ultima reforma administrativa fizeram-se cousas inconcebiveis! Pois o que é pegar n'uma freguezia, cercada por todos os lados de outras freguezias de um concelho e a distancia de uma legua da cabeça do mesmo concelho, para a levar para tres e quatro leguas de distancia de concelho differente?!

Perto de Coimbra ha muitas d'estas anomalias. Por exemplo, a freguezia de Barcouço, que está a uma distancia de Coimbra, com que os povos da mesma freguezia têem todas as suas relações commerciaes e agricolas, está a 8 leguas de Aveiro a que pertence. O concelho de Mira, que está a 3 leguas de Aveiro e a 9 de Coimbra, pertence a este districto. A Mealhada, que está a 3 leguas de Coimbra e a 5 ou 6 de Aveiro, pertence a este ultimo districto. A freguezia de Sernache, que dista 1 kilometro do concelho de Condeixa, pertence a Coimbra, donde dieta 8 ou 9 kilometros. Poderia multiplicar os exemplos, mas acho isso inutil, porque a camara sabe perfeitamente o que se passa pelos differentes districtos (apoiados).

Isto são absurdos que realmente não se podem tolerar, e não admira que se levantem clamores pedindo esta reparação de justiça, porque isto não é senão uma reparação de justiça.

(Interrupção que não se ouviu.)

O Orador: — Eu tambem digo que nas circumstancias actuaes se não póde justificar a existencia do districto de Aveiro, mas a suppressão d'elle é objecto da maior transcendencia, e do qual se não póde occupar a commissão sem que a iniciativa parta do governo.

Portanto esta divisão tem defeitos que realmente não devêra continuar, e, se nós não podemos confiar em que se faça immediatamente uma reforma administrativa geral, qual ha de ser a rasão por que não havemos de ir fazendo estas reformas parciaes, que hão de necessariamente ser consideradas n'uma divisão geral?! (Apoiados.) Vamos avançando passos, e vão-se attendendo as necessidades dos povos.

Ora este tem sido o procedimento da commissão. Esta é a intenção com que a commissão dá os pareceres. A commissão não quer saber se ha alguma intenção particular, ou algum pensamento reservado d'este ou d'aquelle. A commissão attende unicamente aquillo que julga ser de rigorosa justiça, porque entende que tem obrigação d'isso. E se a commissão não serve por attender a estas necessidades, então para que existe a commissão de estatistica? Então diga a camara — não desejâmos a commissão de estatistica, porque ella não serve para nada (apoiados). Se a camara entende que não é preciso nenhum d'estes pareceres, se estão sempre com este argumento de divisão a retalho, então deixemo-nos d'isto, não se eleja a commissão de estatistica, e não se trate mais d'estes objectos.

Em referencia ao projecto que está em discussão não posso deixar de dizer que acho um certo accordo entre o concelho de Setubal e os extinctos concelhos de Palmella e Azeitão.

Ha uma circumstancia que justifica até certo ponto a reconstrucção d'estes concelhos. Quando um concelho foi extincto e foi annexado a outro, e este a que foi annexado é da mesma opinião que o concelho que se quer reconstruir, parece que ha poderosas rasões para isso; ha realmente um forte motivo para se penar que a reconstrucção d'esse concelho é justificada (apoiados). Por outro lado, se olhámos á população, ao numero de fogos, os concelhos de que se trata têem todos os elementos para subsistirem; ha concelhos muito mais pequenos, cuja reconstrucção tem sido votada pela camara (apoiados).

Alem d'isso eu entendo que um dos pensamentos do projecto de reforma administrativa, apresentado pelo sr. Braamcamp e adoptado pelo actual sr. ministro do reino, é que = cada concelho se governe conforme poder, tendo elementos para isso =. E estes elementos são a população, a riqueza, e pessoal habilitado para os cargos municipaes.

O sr. Sá Nogueira: — Apoiado.

O Orador: — Estes são os principios mais constitucionaes e mais liberaes, e estimo o apoiado do illustre deputado, porque vejo que s. ex.ª admitte o principio de que se deve formar um concelho onde haja elementos para os encargos judiciaes e administrativos.

Quem combate este projecto o que tem a demonstrar é que nos concelhos que se vão reconstruir não ha effectivamente elementos nem para os encargos judiciais e administrativos, nem para os municipaes. Emquanto a mim este projecto não se póde combater por outro lado (apoiados).

Se admittimos o principio de que cada concelho viva conforme poder, tendo elementos para isso; se isto é um principio realmente liberal, quem tiver de combater o projecto não tem a fazer outra cousa senão demonstrar que não existem n'esses concelhos os necessarios elementos para subsistirem, e se o demonstrar não ha reconstrucção.

Emquanto á principal rasão que deu o meu amigo, o sr. José de Moraes, para não continuar a discussão d'este projecto, que é a resolução da camara, da qual a commissão tem conhecimento e o sr. presidente, a quem se fez uma censura por ter dado para ordem do dia um projecto, que se disse não podia dar segundo essa resolução da camara; todos nós sabemos que a camara já o anno passado revogou a sua resolução, e em virtude d'isto é que foi votada a reconstrucção do concelho de Souzel. Effectivamente houve já depois d'essa resolução uma votação da camara para a reconstrucção do concelho de Souzel, isto com toda a certeza (apoiados).

Eu agora só trato de justificar o sr. presidente. O sr. presidente deu sete projecto para ordem do dia, porque já o anno passado a camara tinha revogado a deliberação anteriormente tomada. A deliberação é de 30 de abril do anno passado, e oito dias depois a camara revogou-a e reconstruiu o concelho de Souzel; e n'esta sessão ainda não ha dez dias que a camara resolveu que se tratasse d'estes objectos; digo isto porquê me parece immerecida a censura irrogada ao sr. presidente; de resto não me importa nunca o que os outros fazem, nem como o fazem. Entendo que devia dar testemunho d'estes factos, por isso os referi.

Termino, sr. presidente, declarando que voto contra o adiamento, porque realmente não vi apresentadas ainda rações plausiveis que o justifiquem.

O sr. Vaz Preto: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia está sufficientemente discutida.

O sr. Ayres de Gouveia: — Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação ácerca da proposta de lei para a abolição da pena de morte.

Eu hontem annunciei uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria. Não tratarei agora d'este objecto, porque s. ex.ª não póde comparecer hoje á sessão, como teve a bondade de avisar um dos meus collegas, por isso que tem de ir ao despacho.

Mando ao mesmo tempo para a mesa um requerimento de Joaquim Antonio Leite, jardineiro e guarda da aula de botanica da universidade de Coimbra, pedindo a esta camara que determine lhe sejam pagos ordenados atrazados a que tem direito. Desejo que v. ex.ª o mande á respectiva commissão, para dar sobre elle o seu parecer.

Consultada a camara sobre se estava discutida a materia do adiamento, e do projecto n.° 132, verificou-se não haver vencimento.

O sr. Presidente: — Continua portanto a discussão, e o sr. Sá Nogueira é quem tem a palavra.

O sr. Sá Nogueira: — A minha opinião, sem querer fazer censura, é que v. ex.ª não tinha direito de dar para discussão este projecto, porque houve uma deliberação da camara o anno passado para se não tomarem decisões parciaes sobre este assumpto, ficando todos estes objectos para se considerarem n'uma resolução geral. Esta deliberação foi dispensada para um objecto de divisão territorial que se tratou aqui; mas a deliberação da camara, tomada o anno passado, apesar d'isso não foi revogada. Fez-se uma excepção, como ás vezes se fazem; dispensou-se a deliberação da camara, como ás vezes se dispensam as suas deliberações para certos casos particulares. E sabe Deus como essas dispensas se fazem!

Eu sou o primeiro a reconhecer que é preciso uma melhor divisão territorial, que attenda a todas as necessidades dos povos; mas por isso mesmo que sou d'esta opinião é que entendo que fazemos um mau serviço ao estado, approvando estes projectos parciaes; porque, embora se diga que as necessidades dos povos são urgentes, e que é por consequencia instante attender a ellas, a primeira cousa de todas é mostrar, como disse o meu illustre collega que acabou de fallar, que existe tal necessidade e tal conveniencia; e isto é o que eu penso que se não tem mostrado; isto é o que eu penso que a commissão não fez, apesar do que disse o illustre deputado.

Para se constituir um concelho é necessario que se dêem certas condições (apoiados). Ha a condição da população, ha a do pessoal, a das distancias, a das relações sociaes e commerciaes, e a dos meios. Estas são as condições essenciaes para se constituir um concelho. Pergunto eu á commissão: dão-se no caso presente as condições que acabei de enumerar?

Eu tambem sou membro da commissão, mas em alguns d'estes projectos não estou assignado, e em outros estou assignado vencido. Pergunto porém aos meus collegas da commissão: verificaram ss. ex.ªs a existencia de todas estas condições? Apparecem porventura esses documentos a que se referiu o meu collega a respeito de todas as condições necessarias? Apparecem os documentos das juntas de parochia e as mais informações que o governo póde apresentar?

Eu entendo que nós estamos fazendo muito mau serviço ao estado, como já disse, votando estas divisões a retalho, porque e muito possivel votarmos assim uma circumscripção que ámanhã haja de ser destruída.

O governo está auctorisado de ha muito tempo para fazer a circumscripção das parochias. O nosso systema de divisão parochial é o nosso primeiro elemento administrativo. E apesar d'essa auctorisação que o governo tem; apesar dos meios que o governo possue á sua disposição; apesar de não ter o governo, segundo eu penso, abandonado este trabalho, e de procurar todas as informações que lhe tem sido possivel para chegar a um resultado, ainda não pôde fazer cousa alguma a esse respeito. Isto acontece ao governo, que tem todas as informações, ou póde ter, a respeito das parochias. E nós queremos aqui de repente, sem informações, só pelo que diz um deputado ou outro, sem todas essas informações indispensaveis que o governo é de suppor que tenha, queremos fazer aqui divisões de tudo — de concelhos, de districtos, de parochias, etc. sem termos os elementos para isso!

Eu sou de opinião que se deve attender ás necessidades dos povos, e que se devem constituir todos os outros concelhos em que haja elementos para isso; mas é preciso que se verifiquem as condições necessarias, e o modo de as verificar, o modo essencial, que é emquanto aos meios, vem a ser o seguinte.

Eu diria—um concelho em tal localidade para subsistir precisa pagar ao escrivão do administrador, ao escrivão da camara, contribuir para a instrucção primaria, pagar mais contribuições do que pagava antes de ser concelho e fazer face a muito maiores despezas; estão os habitantes d'essas localidades dispostos a fazer estas despezas? Se estão, reunam-se, votem esses meios, e depois de os votarem e de se verificar que têem o pessoal necessario, constituam-se. Mas constituir-se um concelho só por se dizer = elles estão promptos, elles querem =, só por isto havemos de acreditar que elles queiram tomar sobre si esses novos encargos, quando, alem d'isso, acontece que muitas vezes se propõe a

Página 1051

1051

resurreição de um concelho, e com ella se vão destruir os meios da existencia de outro?.

O que me parecia que havia a fazer era decretar esta camara as condições em que devem constituir-se os concelhos, e depois de votadas, ser o governo auctorisado a constitui-los, verificando-se essas condições. Assim escusava a camara de perder tanto tempo com estas questões, que ordinariamente se tornam de campanario, e dão logar a suspeitas, bem ou mal fundadas, de que se advogam certas pretensões por interesses particulares, porque o individuo que era escrivão da camara o quer tornar a ser, e arranjou assignaturas que viessem pedir á camara a reconstrucção do concelho; ou por motivos eleitoraes, como tambem succede muitas vezes.

De mais a mais note se uma cousa, que me ía escapando. Não admira, ha sobre isto tanto que dizer! Agora ha outra formula para estes pareceres. Não se contentaram de dizer: «Reconstrua-se o concelho»; acrescentaram «para todos os effeitos administrativos, judiciaes e politicos». Ora o que são os effeitos politicos? É ir destruir os circulos eleitoraes estabelecidos pela lei.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — E ha muitos que o devem ser.

O Orador: — Não duvido que o devam ser; mas pelo facto de existir um ou outro circulo que não deva existir, havemos de ir dar pancada de cego, como se costuma dizer? Porque é preciso supprimir alguns circulos eleitoraes, porque é preciso supprimi-los, por exemplo, no Alemtejo, agora que se trata do Minho, havemos de dizer — supprima-se um no Minho!

O sr. Quaresma; — No caso em questão não se altera circulo nenhum.

O Orador: — Isto é uma hypothese, eu estou tratando da questão em geral.

Como já disse, a minha opinião é auctorisar o governo a constituir em concelhos todas aquellas populações que o quizerem ser e tenham meios para isso; mas é preciso que o poder legislativo marque antes as condições da existencia dos concelhos (apoiados).

Sou tambem da opinião de que os concelhos devem ser constituidos com elementos de administração independentes das juntas de parochia, cuja acção administrativa devem substituir n'essas localidades. Devem ter as attribuições administrativas que têem as juntas de parochia, mais desenvolvidas, mas independentes d'ellas, para que estas possam tambem cuidar das suas conveniencias particulares sem dependencia dos concelhos. Devem fazer o que fazem muitas juntas de parochia que têem meios; porque as juntas de parochia, quando têem meios, fazem alguma cousa. A grande difficuldade não está na falta de attribuições, tanto da parte das juntas de parochia como das camaras municipaes; a grande, a principal difficuldade, é a falta de meios; logo que os têem essas corporações fazem alguma cousa: esta é a verdade. Nós temos, por exemplo, em Cascaes uma junta de parochia que paga uma escola primaria, e porquê? Porque tem meios para o fazer; é por isto, não é por outra cousa.

Agora aproveitarei a occasião para responder a uma observação do meu amigo, o sr. Coelho do Amaral, feita hontem quando se discutia a questão de ordem — de se entrar ou não immediatamente na discussão do projecto que concede uma auctorisação ao governo a respeito da construcção de um caminho de ferro no Minho.

O illustre deputado notou que = não era uma questão que se tratasse na primeira parte da ordem do dia, por ser uma questão importante, e que podia levar muito tempo =.

Pois bem, se essa questão era importante e podia levar muito tempo, a que está pendente não deixa tambem de ser importante; e, tratada como ella merece, havia de igualmente levar muito tempo, porque importa nada menos que annullar o systema adoptado em 1855, a respeito da divisão territorial administrativa, que estabeleceu os grandes concelhos. Digo que, annullar este systema seguindo-se um systema diverso, poderá parecer questão naturalmente muito facil, e que não devia encontrar opposição alguma; mas pelo que a mim parece não se deve considerar assim; é uma questão importante.

Terminarei aqui as minhas observações, para não cansar mais a camara; mas permitta-me v. ex.ª que note que tenho sempre seguido o systema, sem querer fazer censura a v. ex.ª, de não deixar nunca preterir os meus direitos nesta casa. Entendo que os deputados têem todos iguaes direitos, e por isso não devo admittir preterição alguma. Hontem, quando se passou á segunda parte da ordem do dia, estava em discussão uma questão de ordem que v. ex.ª hoje, naturalmente por esquecimento, poz de parte sem consultar a camara, dando immediatamente para a discussão o projecte de que a camara se tem estado occupando; espero que v. ex.ª ámanhã não se esqueça dessa questão de ordem, e continue a discussão sobre ella na primeira parte da ordem do dia.

O sr. Ayres de Gouveia: — Requeiro que se consulte a camara sobre se a materia está sufficientemente discutida.

O s. Vaz Preto: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

O sr. Presidente: — O projecto a que se refere o requerimento do sr. deputado ainda não foi dado para ordem do dia.

O sr. Vaz Preto: — Tambem não tinha sido dado para ordem do dia o projecto que o anno passado restabelecia o concelho de Souzel; e comtudo o projecto respectivo foi approvado pelo mesmo modo que eu proponho agora em relação ao projecto que restabelece o concelho de Alpedrinha. Eu não faço mais que seguir um precedente da camara; e é á camara que pertence decidir se admitte ou não o meu requerimento.

O sr. Presidente: — Depois de votado o projecto consultarei a camara sobre o requerimento do sr. deputado.

O sr. Vaz Preto: — Eu peço que se ponha á votação o meu requerimento antes de se votar o projecto.

O sr. Presidente: — Eu não tenho submettido á discussão da camara projecto algum sem ter sido dado previamente para ordem do dia. Vou consultar a camara a este respeito. Se ella desapprovar este meu procedimento, depois de votado o projecto porei o outro era discussão, apesar de não estar dado para ordem do dia.

Vozes: — Não é preciso consultar a camara. V. ex.ª procedeu bem.

O sr. Vaz Preto: — Mas a que v. ex.ª não póde negar-se é submetter o meu requerimento á resolução da camara, que o approvará ou rejeitará se quizer. Porém elle é baseado n'um precedente do anno passado.

O sr. Presidente: — Eu já disse ao illustre deputado, e repito que, depois de votado o projecto, porei o seu requerimento á votação (apoiados).

Agora vou consultar a camara sobre o requerimento do sr. Ayres de Gouveia, para se julgar a materia discutida.

Julgou-se discutida.

Deu se conta de differentes propostas que estavam sobre a mesa.

1.ª Do sr. Aragão, que propõe o adiamento do projecto, pelo modo e para o fim indicado na mesma proposta.

2.ª Do sr. Annibal, para que a materia do adiamento fosse discutida conjunctamente com a do projecto.

Sobre esta proposta não havia que recaír nova votação.

O sr. Barão do Rio Zezere: — Requeiro que sobre a proposta do sr. Aragão haja votação nominal.

Consultada a camara, verificou-se não haver numero sufficiente para formar o terço necessario para esta votação.

O sr. Vaz Preto: — Declaro que retiro o meu requerimento.

E pondo-se logo á votação

O adiamento — não foi approvado.

Artigo 1.° do projecto — não houve vencimento.

O sr. Vaz Preto: — Eu pedia que se desse para ordem do dia de ámanhã, conjunctamente com este projecto, o meu additamento.

O sr. Presidente: — O illustre deputado veiu á mesa pedir-me que desse para ordem do dia o projecto n.° 109 de 1862; disse ao illustre deputado que daria hoje esse projecto para ordem do dia e mais o n.° 42 d'este anno, que contém materia igual; e então está satisfeito o seu requerimento (apoiados).

Agora vae passar-se á ordem do dia; se alguns srs. deputados têem representações, requerimentos, projectos ou notas de interpellações a mandar para a mesa podem faze-lo.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Eu requeiro a v. ex.ª que tenha a bondade de dar para ordem do dia de ámanhã o projecto n.° 46 deste anno, que trata dos sargentos que serviram na junta do Porto (apoiados).

O sr. Barão do Vallado: — Mando para a mesa um requerimento.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Tenho a honra de mandar para a mesa uma proposta de lei, approvando a creação de um banco nacional no ultramar, ácerca do qual peço a urgencia.

É a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Senhores. — A potestade creadora do credito não precisa já ser demonstrada nem encarecida, estão patentes os seus resultados e os seus beneficios.

A historia do credito é a historia do progresso, do commercio e das industrias; é tambem porque inteiramente se fundamenta na confiança e na segurança a historia da prosperidade e da moralisação dos povos, e do desenvolvimento das instituições livres dos estados.

Descrever a serie das evoluções do credito equivaleria a patentear, seja qual for a fórma por que se manifeste ou o instrumento de que se sirva, como se tornam mais facilmente transmissiveis os capitães, como se reunem os que jazem inactivos, como todos se arrojam pelos innumeros canaes da producção, centuplicando a sua actividade.

Os bancos das diversas categorias, as mais notaveis de todas as instituições deste genero, são vivo testemunho do immenso influxo do credito, e o empenho com que ultimamente se tem multiplicado em Portugal, concludente attestação da successiva melhoria do paiz.

É pois opportuno dotar de tão fecundas instituições as valiosas provincias do ultramar, infundindo lhes com aquella poderosa acção um vigoroso e novo elemento de civilisação e de riqueza.

Certificam os exemplos das outras nações quanto o estabelecimento dos bancos coloniaes alarga e consolida assim o credito commercial, como o predial e agricola. O que succede com os bancos francezes em Guadalupe, na Martinica e na Reunião, com os hollandezes em Java, com os inglezes nas Maurícias, convenceria as duvidas mais obstinadas.

Conhecida esta necessidade é dever impreterivel dos publicos poderes contribuir por todos os modos ao seu alcance para satisfaze-la. Tal é o fim da proposta que venho submetter á vossa illustrada solicitude para auctorisar a creação do banco nacional ultramarino.

Subordinando o ás regras geraes que hoje no reino dominam as instituições bancarias, as de credito predial e agricola, e as de credito mobiliario, não se deve esquecer que a especial situação de grande parte das provincias ultramarinas recommendam algumas inevitaveis modificações.

Neste intuito se julgou indispensavel conceder ao banco por determinado praso uma subvenção que se deduz da dotação até agora votada para a Africa, e por isso não vem onerar o thesouro. A difficuldade de encontrar sem este auxilio capitaes que se arriscassem a emprezas de tal ordem em territorios complicados das mais graves difficuldades, tem levado muitos esclarecidos governos de grandes povos a concede-lo por esta ou por outra fórma a instituições similhantes, em colonias aliás mais adiantadas.

Tornava-se por outro lado necessario harmonisar com o preço da moeda no ultramar o maximo da taxa de juro, tanto para as operações de credito predial e agricola, como para as mais operações bancarias.

Não era finalmente possivel, no estado actual de mobilidade das fortunas n'aquellas regiões, deixar de conceder ao banco, bem que por mais limitado praso, e só emquanto se não transforma, como é de esperar, que se realise as suas condições economicas e sociaes, os privilegios da fazenda para cobranças dos, respectivos creditos.

Em resumo, senhores, não se trata nem póde tratar se n'esta casa de uma exposição de principios, senão de uma applicação d'elles no grau e pelo modo que peculiares circumstancias impõem e felizes experiencias auctorisam.

O vosso zeloso e illustrado patriotismo já de certo comprehendeu todas as consequencias da nova instituição. Tenho portanto a honra de submetter á consideração do parlamento a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É auctorisada a creação de um banco nacional ultramarino, com a séde e direcção em Lisboa, do qual banco será a duração por tempo indeterminado.

§ unico. O seu capital inicial será de 4.000:000$000 réis, podendo ser elevado a 12.000:000$000 réis em subsequentes emissões, mas o referido banco não começará a funccionar sem que nas suas caixas dê entrada a quinta parte desse capital inicial.

Art. 2.° No reino terá o banco uma succursal no Porto, e agencias nas mais localidades onde for conveniente; nas provincias ultramarinas terá uma succursal em Loanda, com o fundo effectivo de 400:000$000 réis em metal, que será elevado a 1.000:000$000 réis, á medida que assim o exigir o desenvolvimento da instituição; terá igualmente agencias em Cabo Verde, Goa, Moçambique, Macau, S. Thomé e Principe, Mossamedes, Benguella e Timor.

§ 1.° A succursal de Loanda e a agencia de Cabo Verde estarão estabelecidas dentro de um anno a contar da instituição definitiva do banco em Lisboa, as outras dentro em tres annos.

§ 2.° Alem das agencias declaradas n'este artigo, poderá o banco estabelece las nas outras localidades das provincias ultramarinas quando assim convenha.

Art. 3.° O banco terá por objecto nas possessões ultramarinas todas as operações proprias dos bancos de circulação, emissão e desconto, e tambem as de credito predial e agricola, e credito mobiliario.

§ 1.° Terá a faculdade de ali emittir letras á ordem ou notas pagaveis ao portador representativas de dinheiro effectivo até ao triplo do capital destinado áquellas possessões.

As notas serão de 1$000, 2$000, 5$000,10$000,20$000, 50$000 e 100$000 réis.

§ 2.° O maximo do juro para as operações de credito predial e agricola é fixado em 8 por cento, e das outras operações em 12 por cento.

Art. 4.° Poderá o banco fazer no reino e ilhas adjacentes todas as operações de credito agricola nos termos da carta de lei de 13 de junho de 1863, e as mais operações proprias da sua natureza que forem definidas na sua carta organica, achando-se auctorisadas pelas leis vigentes, e não se oppondo aos privilegio ou isenções de qualquer outro banco.

Art. 5.° São concedidas ao banco durante o espaço de vinte annos as seguintes vantagens:

1.ª O exclusivo de fundação e administração de instituições bancarias nas provincias ultramarinas, excepto em Macau;

2.ª A subvenção de 30:000$000 réis annuaes, pagos pelo governo aos semestres em Lisboa, para a succursal e agencias estabelecidas em Africa;

3.ª A isenção de contribuições e impostos de qualquer natureza, incluindo o de sêllo nos seus livros, letras, notas, cheques e recibos: esta isenção porém durará sómente em relação ás operações exclusivamente effectuadas no reino, pelo mesmo tempo que outros bancos d'ella gosarem;

4.ª A isenção para os seus delegados e empregados na succursal e agencias do ultramar de todos os cargos e funcções publicas e municipaes;

5.ª São mais concedidos, durante o espaço de cinco annos, os privilegios da fazenda publica para as cobranças dos seus creditos no ultramar, excepto na India e em Macau.

§ unico. O exclusivo, a que se refere o n.° 1 d'este artigo, caducará em relação ás capitães das provincias ultramarinas, se nellas não estiverem estabelecidas a succursal e agencias no prasos designados no § 1.° do artigo 2.° Art. 6.º O banco ficará collocado sob a vigilancia e fiscalisação do ministro das obras publicas, commercio e industria quanto ás operações no reino, e sob a direcção do ministro da marinha e ultramar quanto ás operações relativas ao ultramar.

Art. 7.° São extensivas ás provincias ultramarinas, no 1 que se não oppozer á presente lei, as disposições da carta de lei de 13 de julho de 1863, sobre sociedade de credito predial e agricola, e applicaveis ao banco nacional ultramarino as disposições do artigo 4.° § 3.° e dos artigos 5.° e 7.° da carta de lei da mesma data relativa ao banco alliança.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 7 de abril de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Foi logo enviada á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

Página 1052

1052

O sr. Presidente: — A hora está adiantada, vae passar-se á ordem do dia.

Os srs. deputados que tiverem representações ou requerimentos que mandar para a mesa, queiram faze-lo.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Não está presente o Sr. ministro do reino.

O sr. Presidente: — Por esse motivo tinha tenção de pôr em discussão o orçamento do ministerio da marinha.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Encontraram-se as nossas vontades.

O sr. Guilhermino de Barros: — Mando para a mesa uma representação dos carteiros da repartição do correio de Villa Real, que pedem augmento de vencimento.

O sr. Rojão: — Mando para a mesa um requerimento de quinze sargentos ajudantes, que tambem pedem augmento de soldo.

O sr. Sieuve de Menezes: — Remetto para a mesa um projecto de lei sobre o pagamento de contribuições nas ilhas.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO ORÇAMENTO

Ministerio da marinha

Capitulo 1.° Secretaria d'estado e repartições annexas — 80:501$620 réis.

Foi logo approvado.

Capitulo 2.° Armamento naval — 555:846$980 réis.

O sr. Matos Correia: — A nossa marinha militar tem tido nos ultimos tempos augmento consideravel, no que respeita á parte material. Um numero relativamente grande de navios tem sido construidos; acham-se outros em construcção; e não é natural que este movimento descontinue, sem que circumstancias muito extraordinarias a elle se opponham.

Ao illustre ministro da marinha, que se acha presente, se deve em grande parte o incremento que têem tido as covas construcções; e deve-se ao nobre marquez de Sá da Bandeira a poderosa e efficaz iniciativa (apoiados). S. ex.ª, aproveitando a bem merecida influencia que sempre tem tido nos conselhos da corôa, pôde conseguir que se pozessem á disposição do ministerio da marinha as sommas necessarias para se executarem as primeiras construcções de navios de guerra em harmonia com os systemas actuaes.

Este augmento no material que, a meu ver, está ainda longe de representar o limite em grandeza a que nos convem levar a nossa marinha militar, para bem poder desempenhar os fins a que é destinada, acha-se, não obstante, já em desharmonia com o pessoal existente (apoiados).

O estado maior actual da marinha militar, se houvesse de ser destinado tão sómente ao serviço effectivo no mar, poderia talvez ser sufficiente para guarnecer os navios que já se acham construidos; porém na nossa marinha e em todas as marinhas do mundo os officiaes têem mais applicações. Não são, nem podem ser, destinados tão sómente a formar os estados maiores dos navios armados.

Ha um numero consideravel de estabelecimentos e serviços pertencentes á marinha, que formam parte d'ella, sem os quaes não póde existir, e em que se emprega necessariamente um numero crescido de officiaes. Ha tambem funcções que a ella se ligam com grande utilidade publica, e que carecem de ser desempenhadas por officiaes da armada, como, por exemplo, os trabalhos hydrographicos que, para serem executados com inteira proficiencia, é necessario que os executores reunam o saber do engenheiro aos conhecimentos do homem do mar.

E não acontece isto só no nosso paiz, dá-se em toda a parte aonde ha marinha militar.

A falta de equilibrio que, pelos motivos expostos, se começa a sentir entre o pessoal e o material da armada aggrava-se ainda por effeito de uma circumstancia excepcional. Nos ultimos tempos o numero dos officiaes fallecidos, e dos impossibilitados para continuar no serviço activo, excede muito ao dos individuos que se têem habilitado para os substituir.

Este estado anormal é devido ao systema de estudos e applicações a que são obrigados os aspirantes; o qual pela extensão, alem de outras causas, não permitte que se habilitem em numero sufficiente, nem na idade propria, para se habituarem ao serviço do mar.

Convencido completamente do que acabo de dizer, lembrava ao illustre ministro a importancia e necessidade urgente de se prestar desde já a mais séria attenção á educação dos officiaes da armada (apoiados). Não é no momento de serem precisos os officiaes que elles se hão de formar. Se não se tratar d'este objecto a tempo, acontecerá termos navios e não termos officiaes.

A questão dos navios é uma questão de dinheiro. Se tivermos os meios, e os quizermos applicar a esse fim, poderemos completar o material da nossa esquadra em dois ou tres annos; mas os officiaes necessarios para commandar e guarnecer os navios é que não se formam em igual tempo. Não é uma questão de construcção, é questão de educação, que, ainda quando sabiamente dirigida, occupa necessariamente um numero de annos consideravel.

Lembrava pois ao nobre ministro da marinha, novamente o repito, a conveniencia de se tratar a tempo e muito seriamente da organisação e educação do pessoal.

A escola naval, os cursos preparatorios nos lyceus e escola polytechnica, e a companhia dos guardas marinhas, carecem de ser reformados; é esta uma necessidade que todos sentem e reconhecem, e a que o nobre ministro já prestou homenagem, pedindo ao poder legislativo a auctorisação necessaria para proceder ás reformas. S. ex.ª apresentou tambem á commissão de marinha um projecto de reforma feito pela commissão consultiva, declarando por esta occasião que o apresentava como base da reforma que desejava effectuar. Aproveito esta occasião para chamar a attenção da camara sobre todos estes objectos, cuja gravidade ella devidamente aprecia e tomará em consideração.

Alem da insufficiencia pelo numero, que já se começa a sentir, e de que tenho occupado a attenção da camara, ha ainda em todas as classes do pessoal da armada imperfeições de organisação a que é necessario attender, e procurar remediar no sentido da effectividade do serviço e das legitimas aspirações dos individuos que se votam ao serviço do paiz na penosa e arriscada carreira da milicia maritima. Não pretendo entrar agora no exame desenvolvido d'este assumpto importante, limitar-me-hei a citar tão sómente como exemplo o numero dos officiaes generaes, o qual, ainda quando estes officiaes se achassem constantemente promptos, o que não é possivel, não chegaria para desempenhar todos os serviços a que são chamados, em virtude da legislação vigente. Nós temos apenas um vice-almirante, um chefe de esquadra, e quatro chefes de divisão; e o numero de applicações é, quando menos, o dobro.

Limito as minhas observações, com relação ao capitulo que se acha em discussão, ás indicações que tenho apresentado; tanto por não cansar a attenção da camara, como porque o meu objecto é tão sómente fazer sentir a urgencia de se tratar seriamente do pessoal da armada, e de chamar a attenção do nobre ministro da marinha sobre este ramo importantissimo, direi mesmo capital, do serviço naval.

O sr. Camara Leme: — O illustre deputado que me precedeu, meu antigo amigo, de certo mais competente do que eu n'estas materias, já me preveniu até certo ponto no que tinha a dizer. Primeiro que tudo tenho a louvar o nobre ministro pela solicitude que tem empregado nos negocios da repartição a seu cargo; mas desejo chamar tambem a sua attenção para o pessoal da marinha, a que necessariamente ha de ser preciso attender-se, como espero, o numero dos nossos navios de guerra for augmentando, como creio que é intenção de s. ex.ª

Desejo igualmente chamar a sua attenção para a classe de navios que se devem mandar construir. Segundo a minha opinião, não me parece de grande conveniencia continuar a mandar construir navios de uma escala media, para assim dizer, porque para as provincias ultramarinas são precisos navios talvez mais pequenos do que os de lote que temos mandado construir, como são a corveta Sá da Bandeira e outros. Parecia-me mais conveniente que se construissem navios de bateria coberta, que nos podessem servir ao mesmo tempo de navios de guerra e de transporte para o ultramar, porque, no caso de uma necessidade urgente do transportar um corpo de tropa para o ultramar, não temos navio nenhum que possa fazer essa conducção; porque os que se tem construido são apenas de tres, quatro ou cinco dias de carvão, e não podem fazer estas viagens longas para a Africa com a desejada rapidez.

Por consequencia chamo a attenção do nobre ministro sobre a conveniencia de construir navios d'este lote, que possam servir de navios de guerra, e ao mesmo tempo de transporte quando a necessidade do serviço assim o exigir.

Pelo que respeita ao pessoal dos officiaes de marinha, já o illustre deputado que me precedeu disse o que era preciso.

Desejava tambem lembrar a s. ex.ª a conveniencia de attender ao systema das machinas que se mandam fazer em Inglaterra applicadas aos navios de guerra, porque me consta que ha modernamente umas machinas extremamente economicas, que foram apresentadas creio que na ultima exposição de Londres, e que seria talvez convenientissimo estudar esta questão de combustiveis para os navios de guerra, procurando machinas que consumam menos carvão; porque consumindo menos podem, com uma maior porção de carvão, alongar os seus dias de viagem, o que effectivamente é uma grande economia. De certo que o illustre ministro, com a solicitude que tem mostrado pelos negocios a seu cargo, ha de ter muito a peito este assumpto.

Pelo que respeita á escola naval, tambem o sr. Matos Correia a ella se referiu, e o nobre ministro já apresentou uma organisação que a commissão está a estudar attentamente. Este negocio é importantissimo, porque da escola naval é que sáem os engenheiros para as nossas construcções navaes, e mesmo seria bom que não acontecesse o que, segundo me consta, teve logar em Inglaterra com um navio feito no nosso arsenal, o qual teve de se desmanchar...

O sr. Ministro da Marinha: — Não é exacto.

O Orador: — E sendo assim a despeza de construcção foi uma despeza inutil. Não sei se é exacto, refiro-me apenas a boatos que correm por ahi. Por conseguinte, sendo verdade isto, é para lamentar que se fizesse uma construcção no arsenal, e que em Inglaterra fosse preciso desmanchar.

Limito aqui o que tinha a dizer, e espero ouvir as explicações do nobre ministro.

O sr. Cyrillo Machado: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Camara Leme: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

A imprimir.

O sr. Ministro da Marinha: — Procurarei responder aos illustres deputados que me precederam, e pediram explicações ao governo. Resumirei quanto poder; mas ainda que me exprima com mais alguma largueza, estes assumptos são bastante importantes, e valem bem todo o tempo que se lhes dedique (apoiados). Estimo muito a occasião que me é dada de poder expor a rasão de varios factos d'esta administração.

Mas antes de tudo, permitta-me v. ex.ª e a camara que aos tres oradores que me precederam agradeça a extrema benevolencia com que me honraram. Só lhes direi que todo o meu desejo é ser util ao meu paiz (apoiados). Diligencio apenas satisfazer o meu dever, e basta ser dever para n'isso não haver merito. Não me julgo impeccavel; não o é ninguem; se lo hei eu menos que todos; mas sinceramente posso asseverar que o meu maior empenho, o meu mais firme cuidado é acertar. Isso diz-m'o a consciencia (apoiados). Sem mais preambulos, vamos aos factos. O primeiro illustre deputado que se occupou do assumpto — armamento naval, o sr. Matos Correia, cuja competencia n'estas materias ninguem n'esta casa e fóra d'ella desconhece (apoiados), referiu-se á desproporção que, segundo a opinião de s. ex.ª, existe entre o quadro actual dos officiaes e o actual numero de navios de guerra.

É possivel que essa desigualdade exista, ou antes é possivel que existisse se podesse effectuar-se um armamento simultaneo de todos os actuaes navios. Seja me licito porém observar, como s. ex.ª sabe, que não sendo possivel o armamento simultaneo, porque emquanto alguns navios estão em serviço outros estão em reparos e em concerto, essa desproporção desapparece. O que é indispensavel é previni-la para o futuro. Quando se faz o calculo do material existente, calcula-se logo o numero de vasos de guerra que ha de entrar em serviço effectivo e o dos supprimentos que hão de revesar esses e alternar com elles, emquanto as reparações, sempre necessarias, se effectuam. Por consequencia, não pelo numero total de navios, mas pelo numero de navios em serviço, se ha de avaliar o pessoal. Ver-se ha pois que a desproporção não é tal como póde talvez afigurar-se.

Concordo em que será necessario augmentar a classe dos officiaes generaes. Mas o nobre deputado reconhecerá tambem que seria inopportuna uma ampliação no quadro em presença de um deficit de pessoal habilitado. Porque (e aqui é occasião de me referir ao que mencionou o illustre deputado, o sr. Cyrillo Machado) a deficiencia que se nota no quadro das respectivas classes de segundos tenentes, guardas marinhas e aspirantes de 2.ª classe, resulta de não poderem entrar n'estas classes senão individuos successivamente habilitados para ellas. Não se apresentando estes, o que provém, não da actualidade, mas de causas anteriores, já se vê que os logares superiores dos quadros não podem ser preenchidos senão diminuindo as classes subalternas, que já com rasão se têem por diminutas.

Conheço a vantagem, direi a urgente necessidade de augmentar o numero dos officiaes generaes, não só pelo serviço que têem de prestar no mar, mas ainda em terra em diversas commissões, como secção respectiva do supremo conselho de justiça militar, intendencias, etc.; sei n'este ponto as difficuldades com que luto; mas aquella deficiencia, inherente á indispensavel necessidade das habilitações, nem me parece que possa ser attribuida á actual administração (apoiados), nem de certo se remedeia recrutando as classes superiores á custa das inferiores, sem ter ainda n'estas substituições promptas (apoiados). O mal ficaria o mesmo, porque o pessoal não augmentaria, e só as despezas se aggravavam (apoiados). Habilitemos primeiro, depois ampliaremos (apoiados).

Seguramente o pessoal do estado maior é o mais importante, porque é o elemento da sciencia pondo em acção aquellas machinas que têem de lutar com os mais temiveis elementos, dando vida e intelligencia a poderosos agentes. Ha porém ainda outras classes do pessoal da marinha que merecem tambem a mais seria attenção. A respeito d'estas classes é mais facil e mais prompto o remedio, porque não precisam de tão longa preparação. Com relação a essas já o governo provou, penso, que desejava empregar toda a sua solicitude em reorganisar a totalidade do pessoal. Effectuando-se logo o mais immediatamente possivel seguiu-se a natural indicação pratica.

Esta camara sabe que se votou ainda o anno passado a reforma do quadro dos officiaes marinheiros, classe essencial nos navios, como intermediaria entre o pensamento director e a acção das tripulações. São elles, por assim dizer, o braço, como o estado maior é a cabeça.

Era necessario crear algumas vantagens para estes individuos, já no exercicio activo, já quando pelo cansasso de serviço se inhabilitassem. Era necessario acabar o arbitrio nas respectivas promoções, abrir-lhes a perspectiva de remunerações justas, preparar-lhes um futuro, para que os homens impossibilitados de continuar no serviço do mar tivessem uma esperança e não o total abandono e a miseria.

Não sei se ha ainda quem o ignore ou dissimule. Não o ignora de certo a camara e o paiz, e bem o aprecia o illustre deputado. Quando se falla em pessoal da armada parece entender-se apenas os officiaes de patente. Não o digo pelo illustre deputado, digo-o pelos que ás vezes tratam destes assumptos mostrando-se-lhes inteiramente alheios. Os officiaes de patente estão de certo á frente do pessoal da armada, ninguem o contesta; mas não se resume n'elles o pessoal maritimo. Sem elles não se navegaria; mas elles sem as outras classes tambem não navegariam. Faço esta ponderação para demonstrar a injustiça com que, não o illustre deputado, mas outros, arguem o governo de descurar o pessoal, referindo-se exclusivamente a esta classe, que aliás não tem sido descurada, sem recordarem o que se tem passado ácerca das mais, aliás uteis e dignas de interesse, para quem desde o seculo passado, a bem dizer, senão havia podido olhar.

Da reforma que cito tem resultado concorreram pretendentes aos logares de officiaes marinheiros, pelo que espero ver este quadro brevemente preenchido, com um pessoal experimentado e moralisado, o que não é menos importante para as tripulações e para o serviço, continuando a ser cumprida a nova lei, como o está sendo, com severo escrupulo.

Ha ainda a classe dos fieis, que estava mal remunerada, e a que portanto era urgente attender, porque é sabida a perniciosa influencia que os abusos d'esta classe podem exercer. Outra reforma respectiva a essa classe foi votada o anno anterior.

Página 1053

1053

Ha a classe dos enfermeiros navaes, cujo serviço é tão importante, e a respectiva reforma foi votada ha poucos dias na camara hereditaria, e já se acha convertida em lei.

Ha as dos cirurgiões e capellães — ambas especialissimas, porque cada uma exerce uma acção peculiar e indispensavel na sua respectiva esphera. Foram já este anno apresentadas, e pendem da solução que no meio de outras graves questões nunca deixo de solicitar.

Ss. ex.ªs podem portanto reconhecer que não se descuidou o governo de attender já a differentes classes das que compõe o pessoal da armada; que já indicou a necessidade de organisar outras, e prepara as respectivas reformas, não podendo realisar-se tudo ao mesmo tempo; que tem emfim procurado augmentar e melhorar esse pessoal, procedendo gradualmente do mais immediatamente possivel para o mais remotamente realisavel.

D'este mesmo orçamento se vê que o numero de praças augmentou era 400, e isso é tambem proporcionar o acrescentamento do pessoal ao acrescentamento do material. Seguramente não servem navios sem pessoal, e este ainda não faltou aos necessarios serviços. Mas pessoal sem navios é apenas um desperdicio permanente. Felizmente já se nota que o pessoal póde escacear. Não escaceará. Creio que não era maior fortuna a ausencia d'este reparo (apoiados).

Toda a objecção se cifra em não ser sufficiente o numero de officiaes de marinha actualmente habilitados. Repito, a falta actual não póde ser justamente imputada á actual administração, porque a habilitação, para existir na actualidade, devia ter sido necessariamente preparada ha annos. Deve o governo remediar para o futuro, mas não póde remediar para o passado. Não é circumstancia nova que para haver marinha haja pessoal habilitado e navios. Ou se ha de confessar que se não pensava em marinha, ou reconhecer que se devia ter já pensado no que só hoje lembra, e lembra quando se está fazendo quanto póde fazer-se. Não arguo ninguem, avalio as difficuldades das circumstancias, e faço justiça ás intenções das pessoas; preciso só tornar evidente que seria injustissimo impor á conta das responsabilidades presentes o effeito das circumstancias anteriores.

Ponderarei mais que o governo tambem na sessão antecedente apresentou ás côrtes uma proposta para ser auctorisado a reformar a escola naval; direi mais que a proposta não póde ser discutida n'essa sessão, mas que já hoje tem parecer, e já se acha dada para ordem do dia, facto que, apesar de publico, parece ser ainda ignorado fóra d'esta casa; acrescentarei ainda que, não me contentando com essa proposta, apresentei já á commissão a propria reorganisação da escola, provando assim que nem esperdicei o tempo, nem abri mão de tão grave assumpto. É com estas reformas que para o futuro se ha de fazer desapparecer a deficiencia que actualmente se nota.

A acção d'esta medida não póde certamente ser immediata, porque a educação technica, e tal educação, não se improvisa. Mas tenta-la, mas inicia-la não é fazer tudo quanto é desde já possivel?

Quanto ao presente, se ss. ex.ªs quizerem descontar o numero dos navios que hão de estar inevitavelmente des armados e em fabrico para alternar com os armados, hão de ver que para todos os que, dos existentes e em construção, podem entrar em serviço, ha por emquanto guarnições, officiaes marinheiro, e estados maiores sufficientes; tanto mais quanto do quadro do embarque se acham officiaes distrahidos para outros serviços, onde não são indispensaveis, e d'onde podem ser chamados sem inconveniente, porque ahi poderão ser facilmente substituidos.

Bem sei que nem só para o serviço do mar se educara officiaes de marinha. Alguns outros serviços os reclamam. Mas a san rasão está indicando quaes aquelles em que são essenciaes, e quaes aquelles em que o não são. Em todos os serviços subsidiários da marinha justo é conservar com determinadas condições os que juntam ao curso naval as habilitações especiaes. Mas fóra d'estes casos haverá a mesma rasão? Será justo? Será conveniente? Poderá allegar-se a falta havendo tão prompto e efficaz recurso? Onde estes officiaes possam ser facilmente suppridos pelos do exercito, ou por individuos civis, justificar-se-ia a sua permanencia em commissões estranhas á arma em que são precisos? Não seria grande abuso? (Apoiados.) Mal se póde censurar que se não faça o impossivel, pois que não se podem improvisar officiaes de marinha habilitados, quando o possivel é tão facil e justo, e quando basta o possivel para tirar toda a rasão de ser á censura!

No que respeita ao material, o illustre deputado o sr. Matos Correia, como pessoa technica, proficientemente indicou o muito de que ainda necessitamos. Tive já tambem a honra de expor á camara analoga opinião no relatorio que apresentei em 13 de janeiro, depois de haver consultado as pessoas competentes, os homens que têem passado a sua vida tratando de cousas do mar, e muito folgo de ver essa opinião confirmada por tal auctoridade.

Foi com o voto de taes homens que n'aquelle relatorio deliniei um plano de organisação da marinha, plano limitado ás nossas necessidades como paiz maritimo, e em attenção ás provincias ultramarinas. Esse quadro, que eu de certo não poderei totalmente realisar, os meus successores terão o cuidado de completa-lo.

Penso que fiz algum serviço, porque o paiz fica sabendo o de que precisa, e para que o precisa, e quaes os meios praticos de conseguir o que ainda falta.

O illustre deputado, e meu amigo, o sr. D. Luiz da Camara Leme referiu-se ás classes de navios que reputa mais convenientes, e notou que os navios medios, que se tem construido, não são os que devem ser preferidos, pensando que os de bateria coberta seriam os mais proprios para servirem ou armados ou como transportes.

Observarei só que os navios de bateria coberta são muito mais despendiosos. Uma fragata a vapor não se obtém por menos de 600:000$000 réis...

O sr. Camara Leme: — Mas uma corveta?

O Orador: — As grandes corvetas de bateria coberta estão pouco mais ou menos no mesmo caso.

Alem do maior despendio, não me parece que esses navios sejam os que offereçam mais vantagens para o transporte de tropas, porque, tendo a coberta occupada pela artilheria, não offerecem igual capacidade para accommodação dos transportados, emquanto que os outros, tendo a artilheria no convez, proporcionara mais espaço livre na coberta, e não exigem tão numerosas guarnições. Como machinas de guerra as corvetas de bateria coberta, ou pequenas fragatas, são seguramente preferíveis, bem que mais caras; para serem usadas como transportes têem objecções graves, como se vê.

(Interrupção do sr. Camara Leme que não se percebeu.)

O Orador: — Perdoe o illustre deputado o ponderar-lhe que as nossas actuaes corvetas não offerecem impossibilidade para transportar tropas, e já as tem transportado. Esses navios são de 1:500, 1:200, 1:000 e 750 toneladas. Não lhes falta por consequencia capacidade, sem precisão de desmontar a artilheria, para conduzirem a seu bordo o numero de tropas, que repentinamente possa ser preciso nas provincias do ultramar em casos que espero se não hão de dar. Acresce que, segundo o voto dos competentes, os navios de guerra não devem servir de transportes, se não quando absolutamente não haja outro recurso. Deteriora-se o navio e a disciplina. N'este sentido o mais conveniente é organisar uma divisão de transportes. Para esse fim especial são applicaveis a Martinho de Mello, que tão bom serviço presta já nessa qualidade, o vapor Infante D. Luiz que para isso se prepara, o S. Pedro para cargas, e ainda em caso necessario a fragata de vela D. Fernando, cujas excellentes qualidades nauticas não são para desprezar. Tirar-se-ha de certo maior proveito d'esta organisação, sob a vigilancia de um official experimentado, intelligente, probo e zeloso, do que das alternativas de armamento e desarmamento que perturbam a economia interna dos navios, a sua disciplina, e o espirito de solidez e cohesão, que só adquirem as guarnições com o tempo, o exercicio, e aturado estado do armamento.

Os navios medios, são convenientes por isso mesmo que pedem menor guarnição, empregam menos pessoal, e fazem muito menos despeza, assim na construcção como no combustivel e fabrico. Estes navios são necessarios ás estações do ultramar, e não só estes mas outros ainda menores, da classe de canhoneiras, que penetrem em todos os portos, que se approximam facilmente das costas, que por este modo possam vigiar e impedir os contrabandos de todas as qualidades frequentes na Africa. O transporte de tropas é necessidade accidental; a fiscalisação quotidiana é necessidade permanente.

A França, a Inglaterra, todas as nações que têem colonias, empregam de preferencia esses navios n'este serviço, que é o de que mais precisâmos.

Não desconheço a conveniencia de emprehender nos limites do possivel a construcção de alguma fragata para escola de guerra, para defeza, para representação, e tanto que se vae assentar a quilha de uma. Etas construcções porém são mais demoradas, porque é preciso repartir a despeza pelos orçamentos de tres annos pelo menos, a fim de não onerar o thesouro. Não seria prudente começar pelo mais difficil e menos urgente.

Quanto a machinas, devo dizer ao illustre deputado, que este assumpto me tem merecido seria attenção, como em toda a parte merecem. Não ignoro que se tem feito criticas; só não vejo os fundamentos d'ellas, por que não se apresentam. Folgo de que todos os reparos de qualquer genero aqui se mencionem. Dão me occasião de esclarecer o que se reputa e propaga com pouco exame. Tenho feito quanto posso para economisar o combustivel, condição grave que geralmente preoccupa os intendidos. Certifica-o o regulamento severo que ultimamente se poz em vigor. Tenho feito adoptar nas novas machinas os melhoramentos mais recentes, devidamente experimentados e approvados. A estes melhoramentos deve já a antiga machina do Mindello um augmento consideravel de força sem grande augmento de consumo de combustivel. Tenho procurado os fabricantes mais acreditados de Inglaterra, os que fornecem de machinas o proprio governo inglez e os principaes da Europa. Diz-se que se devem alcançar ainda melhores condições de economia e celeridade. Deverá. Se as encontrasse não as desprezaria. Mas onde estão ellas realisadas? Os navios não andam com o X, com a incognita, com o ideal que se descreve, e não se acha ainda feito. Deveriamos ficar immoveis á espera desse ideal, d'esse desideratum (apoiados)? Estas são cousas praticas, que praticamente se devem resolver. Não estranho a censura, é um direito e ás vezes um estimulo. Mas tenho perguntado: «os censores d'essas machinas já visitaram os nossos navios, já as analysaram, já as examinaram?» Respondem-me «que nem lá appareceram». São pois censuras por supposição, por conjectura, por prevenção. O paiz dirá se estas são as uteis (apoiados). Tenho empregado, repito, todos os meios de obter a maior força e celeridade, com o menor despendio, que é o empenho da sciencia, o cuidado das administrações, e noção trivial n'estas materias. Quem quizer póde ir verificar (apoiados). Os navios estão patentes (apoiados).

Posso mais acrescentar que não tenho poupado esforços nem despendio, que n'este caso é proficuo, para que os navios ultimamente armados o sejam com todas as condições e accessorios que os ultimos descobrimentos recommendam, e tem introduzido (apoiados).

Verifique-se, repito. Nada se occulta (apoiados).

Estimo tambem que o illustre deputado me proporcionasse opportunidade de rectificar um erro, que se tem propalado com uma insistencia inexplicavel em presença de explicações já publicadas.

S. ex.ª manifestou apprehensões ácerca do modo de construcção, e referiu-se aos boatos que a tal respeito insistentemente se têem diffundido. O illustre deputado quer esclarecer as suas duvidas, e faz muito bem; não deseja de certo tornar-se echo de qualquer má vontade... não deseja, faço inteira justiça á sua intelligencia e rectidão.

Tem-se asseverado que em Inglaterra se hão de gastar 12:500 libras em corrigir erros de construcção praticados na corveta Infante D. João.

Não admiraria que em Inglaterra, paiz tão pratico em taes obras, os ingenhos achassem que corrigir nas que emprehendemos n'uma escola que apenas ressurge, e não póde logo attingir a maxima perfeição. Não haveria ahi rasão para improperios que um juizo imparcial nunca faria, por que nada aproveitava, nem seria justa. Nunca podia ser motivo esse para deixar de proseguir, a fim de nos aperfeiçoarmos praticando.

Não admiraria ainda que os fabricantes inglezes, a quem a construcção no arsenal faz concorrencia, porque sem essa construcção teriamos naturalmente de recorrer ás suas fabricas, pozessem todo o empenho em pôr defeitos ás nossas construcções. Seria natural.

Apesar porém de tudo isto, quer saber a camara em que tem de se despender a somma indicada? É em obras internas, nas que se fazem depois do assentamento da machina, divisões e acondicionamentos, camaras e paioes multiplicados accessorios de toda a ordem, tanto mais caros quanto mais perfeitos, mas por isso mesmo tanto mais economicos, os quaes nada têem com a construcção de estaleiro. Tudo isso consta especificadamente dos numerosos artigos de um longo contrato, que se a camara desejar ponho inteiramente á sua disposição.

Correcção á construcção feita, que me conste até hoje, só uma se propoz; uma simples modificação no gorupez, que mais é objecto de gosto do que influente nas qualidades nauticas. Essa modificação importava em 200 libras... em 200 libras!... E nem essa foi approvada por inutil. Eis os factos. A camara julgue.

As obras internas não sáem baratas, concordo, mas o contrato especifica-as; e o contrato foi celebrado pelo oficial encarregado do commando do navio. N'essas obras especificadas não ha, como disse, e como se prova do mesmo contrato, as correcções que se arguem.

Para obter maior economia nas obras internas é preciso faze-las executar aqui, e aqui assentar as machinas, o que será possivel logo que esteja prompta a ponte, cujo material se está fabricando em França, por que teremos então poderosos guindastes e os meios praticos de mover em logar proprio tão grandes pesos como aquelles.

Concluindo. Se existissem os desperdicios que se insinuam, uma cousa devia resultar —devia se gastar mais dinheiro, e verse menos producto. Todos vêem porém o contrario: applicam-se menores sommas e apparecem mais navios. Prodigioso desperdicio é então este, e singulares coleras as que elle desperta! (Apoiados.)

Estas criticas, bem o sabe o illustre deputado, não são novas. Ainda se não comprou ou construiu um navio, que não apparecessem logo mil prophetas e censores a declara-lo monstruoso e innavegavel. E todavia todos elles navegam e fazem serviço! (Apoiados.)

Em augmentar determinada parte do pessoal todos se empenham, e é justo o empenho quando os navios augmentam. Quanto ao accrescimo do numero de navios, ao revez dos evidentes desejos e interesses da nação, esse desafia sempre acerbas criticas. Por que será? Quem quizer decifre O enygma, que a opinião geral não julga difficil.

Não desejo cansar por mais tempo a camara. Termino pois aqui as explicações que tinha a dar, se forem julgadas satisfactorias.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Sá Nogueira: — A camara não podia deixar de folgar ao ouvir as explicações que deu o sr. ministro da marinha, as quaes no meu entender são completamente cabaes.

Pedi a palavra principalmente para solicitar de s. ex.ª tambem algumas explicações em relação á organisação, ou antes melhor organisação do pessoal da marinha. Mas s. ex.ª, se eu ouvi bem, declarou que tinha apresentado um projecto, o qual se achava na commissão de marinha; e pareceu-me mesmo ter ouvido dizer ao sr. Matos Correia que o sr. ministro tinha apresentado á commissão um projecto, para ella ter conhecimento das bases que s. ex.ª tinha em vista adoptar na reforma para que pedia auctorisação.

Depois pareceu-me ouvir dizer que este projecto tinha sido apresentado á camara.

O sr. Ministro da Marinha: — Foi apresentado á camara o pedido da auctorisação.

O Orador: — Entendo que a organisação do pessoal da marinha é da primeira necessidade, mas entendo tambem que esta auctorisação não deve ser concedida senão conhecendo se as bases que se devem adoptar para esta organisação.

E isto não é indifferente tanto para o fim que se tem principalmente em vista, que é a educação dos officiaes militares da armada, como em relação á despeza e á instrucção dos officiaes de marinha.

Ouvi dizer a s. ex.ª que se tinha em vista simplificar os estudos; entendo que nos cursos que habilitam para as differentes armas não convem a suppressão do que se julgar necessario, e é fóra de duvida que actualmente a arma de artilheria está passando por uma grande transição.

O official de marinha é ao mesmo tempo official de artilheria, e portanto já se vê que os estudos que são necessa-

Página 1054

1054

rios para o official de artilheria, o são igualmente para o de marinha, em grande parte; se o curso de preparatorios para o official de artilheria for de tres annos, o de official de marinha deve ser o mesmo, isto é o que me parece. Não insistirei mais sobre o modo como deve ser organisado o curso de marinha, mas parece-me, como já disse, que s. ex.ª o sr. ministro da marinha deve apresentar as bases para a reforma da escola naval, a fim de que a camara tenha conhecimento d'ellas, e saiba o que é que auctorisa. Supponha v. ex.ª que o sr. ministro quer augmentar o pessoal docente da escola, e que o quer augmentar continuando os professores a sei em permanentes, o resultado será o augmento, não só dos ordenados dos professores, mas tambem depois o augmento das jubilações, quer dizer um augmento consideravel de despeza, o que se não daria, pelo menos na maior parte, se acaso os professores da escola naval fossem de commissão, convem que sejam. E a este respeito direi ainda que ha certos abusos que convem cortar, e cortar por uma vez. Eu não quereria que se fosse contender com os direitos adquiridos, continuem os lentes actuaes na mesma posição, mas para o futuro conviria que se fizesse o que se faz era outras partes.

Ha um abuso entre nós, a respeito do qual me não tenho poupado de fallar n'esta casa sempre que se me offerece occasião para isso. Eu tenho em consideração os vencimentos que percebem os professores, e por isso não quero que de algum modo se julgue que pretendo prejudica los, não é esse o meu desejo, ao contrario desejo que os professores tenham um vencimento correspondente ás importantes funcções que exercem, mas o que eu não quero é que por um mesmo serviço elles tenham duas reformas.

Eu explico. Temos um lente da escola militar; repito que não quero com isto que vou dizer prejudicar os lentes que estão actualmente em exercicio, mas é necessario que se tome uma providencia para o futuro. Dizia eu — temos um lente da escola militar, não faz serviço nenhum militar, faz unica e simplesmente o serviço da escola, está com tudo vencendo postos, e ao mesmo tempo vencendo antiguidade na arma a que pertence (apoiados); chegando o tempo da sua reforma, requer a, e obtém a reforma com o vencimento a que ella lhe dá direito, e como lente, em chegando o tempo da jubilação, jubila-se e accumula tambem o respectivo vencimento; de modo que são duas reformas no mesmo individuo pelo mesmo serviço; ora isto é que não póde continuar (apoiados), isto é um abuso e um abuso muito grande (apoiados), uma despeza inutil que o estado está fazendo (apoiados). Eu entendo que se deve pagar bem aos professores; entendo que um professor de instrucção superior em Lisboa não póde ter menos de réis 1:000$000 de vencimento (apoiados); pois bem, dê se lhe, mas o que é preciso tambem é que não haja os abusos que notei. Ora estes e outros abusos quando se intentam coitar dão sempre logar a levantarem se grandes clamores, porque não se querem as reformas (apoiados). Esta é que é a verdade, é forçoso dize la; isto não traz senão malquerenças, porque ninguem quer que se entenda com os seus interesses nem que se cortem os abusos á sombra dos quaes os estão gosando, mas por isso mesmo é que convem não descoroçoar, e armar-nos de valor para as levar a effeito.

Como ía dizendo — convem que o sr. ministro da marinha apresente á camara as bases para a reforma da escola naval, já lhe diste isso particularmente, porque tenho muita duvida em votar auctorisações sem saber o que voto.

E, por esta occasião, acrescentarei que entendo ser preciso acabar com a classe dos aspirantes de 3.ª classe, e acabar com ella por uma rasão muito simples, porque não ha aspirantes de 3.ª classe.

Entendo tambem que para o futuro os professores da se cola devem ser de commissão, assim como tambem entendo que deve haver alumnos meio internados; com pouco mais do que se gasta até agora com os embarques dos aspirantes de 3.ª classe, que geralmente nada aproveitam; com pouco mais, digo, poder haver alumnos meio internados, estabelecendo-se-lhes um rancho.

(Interrupção do sr. Cyrillo Machado, que não se percebeu.)

O Orador: — Lembra me o illustre deputado a conveniencia de haver um navio escola. De certo que é isso conveniente, mas não deve ser um navio-escola permanente para todo o anno, mas um navio que deve saír a cruzar nos Açores, na Madeira, isto é, a uma distancia tal que os alumnos possam estar aqui no tempo da abertura das aulas e ao mesmo tempo adquirir o ensino pratico.

O sr. Ministro da Marinha: — Isso é o que se tem feito.

O Orador: — Effectivamente é isso que o sr. ministro da marinha tem feito e muito bem feito.

Esta questão da reorganisação da escola naval é muito importante em todas as suas relações.

Está hoje reconhecido que a instrucção militar, quando está constituida como deve estar, influe poderosamente no desenvolvimento de toda a instrucção do paiz. Por consequencia é este objecto de tal importancia, que a camara não deve largar mão d'elle sem saber sobre que bases o governo quer a auctorisação.

Para nós esta questão tem ainda a importancia especial de sermos não só uma nação maritima, como diz o sr. ministro da marinha, mas uma nação que deve aspirar a ser uma potencia maritima de 2.ª ordem...

O sr. Ministro da Marinha: — Lá iremos.

O Orador: — Devemos caminhar para lá. Nós já fomos grandes, e fomos grandes pela nossa marinha (apoiados). Se formos folhear a historia antiga, veremos que estados muito pequenos se tornaram poderosos por meio da marinha. Veja-se o que aconteceu a Genova e Veneza. E que conquistas não fez Pizza, porque era uma potencia maritima?

Na historia moderna temos, por exemplo, a Hollanda, que disputou o imperio dos mares á Inglaterra, sendo uma nação muito pequena, e que acabava de saír do jugo dos hespanhoes. A Inglaterra é grande por ser potencia maritima, e póde-se dizer que poucas são as nações maritimas que não se tenham engrandecido.

E portanto este um dos objectos que mais especialmente devem merecer a attenção dos representantes da nação. Para podermos conseguir alguma cousa é preciso que tenhamos um pessoal convenientemente habilitado, e para termos esse pessoal convenientemente habilitado, uma das cousas essencialmente necessarias é a organisação da escola naval; mas, como já disse e repito, para que a camara saiba o que vota, conviria que o sr. ministro da marinha apresentasse as bases da reforma. É n'isto que insisto, e a que espero que s. ex.ª annuirá.

O sr. Presidente: — O sr. Arrobas fez um requerimento para se prorogar a sessão até se votar este capitulo. Vae-se votar este requerimento.

Resolveu se que se prorogasse a sessão até se votar o capitulo.

O sr. Casal Ribeiro: — Peço a v. ex.ª que me conceda mandar para a mesa os seguintes requerimentos (leu).

Peço desculpa de apresentar estes requerimentos n'esta occasião, mas elles são importantes para a discussão da lei de receita.

O sr. Ministro da Marinha: — Parece-me que é no interesse da boa ordem responder ás observações de cada um dos oradores, á medida que vão fazendo observações de differente natureza. Buscarei limitar quanto possa a explicação.

Parece-me que o illustre deputado, o sr. Sá Nogueira, referindo-se ao plano de reorganisação dos estudos na escola naval, mostrou receios de que n'esses estudos se fizessem mutilações graves. Não é essa de modo algum a minha intenção. Julgo necessarias as simplificações, dispensando o que é inutil. O estudo especial, longe de ser mutilado, deve ser robustecido e ampliado com o que praticamente serve ao official; tal é por exemplo, o organismo das machinas de vapor, e sua influencia na navegação, disciplina que deve seguir os progressos da sciencia. Simplificação, como a entendo, é que se ensine o necessario, que se supprima o superfluo (apoiados). A necessidade do desenvolvimento de algumas especialidades é evidente. Á medida que a civilisação se adianta, que a sciencia effectua novos descobrimentos... e a sciencia naval era todas as suas applicações tem tomado um grande incremento... é preciso tornar actuaes os meios do ensino. Convem porém abreviar os preparatorios, reduzi-lo ao stricto necessario, porque a vida do mar, vida essencialmente pratica, deve começar cedo, tanto mais cedo quanto gasta depressa e tem um noviciado laborioso.

A reforma da escola naval é necessidade urgentissima. Não quiz prevalecer-me d'essa urgencia para me dispensar de apresentar a respectiva organisação. O plano d'ella como s ex.ª sabe perfeitamente, creio, já está submettido á commissão de marinha, e o póde ser á camara pela mesma commissão, ao que por nenhum modo me opponho, antes extremamente o estimo. É prova de que não desejo protrahir, nem me quero esquivar ás devidas responsabilidades. E supponho que n'este procedimento verá a camara o testemunho da lealdade com que timbro de proceder (apoiados).

O desenvolvimento que tem tido ultimamente a artilheria, principal arma dos navios, não tem tambem sido indifferente aos cuidados do governo. Alem dos auxilios n'este ponto ministrados á escola naval, que possue hoje uma excellente collecção de armas e modelos, como se póde ver, institui a escola pratica de artilheria na nau Vasco da Gama, escola sem a qual de nada valeria ter navios e tripulações. D'aqui se evidenciará se este assumpto me tem merecido seria attenção (apoiados).

Pondera s. ex.ª a conveniencia de crear um meio internado como complemento da escola naval. Concordo inteiramente. Seria excellente, mas é preciso que me dêem os meios, a dotação para funda-lo. Não posso, não sei fazer milagres. O meio-internado depende de augmento de despeza; as bases da reforma que apresentei, partindo de exigencias attendiveis do estado da fazenda publica, estabelecem «que se não augmente a despeza».

Suppõe s. ex.ª que o meio-internado pouco mais despenderia do que o embarque dos aspirantes de 3.ª classe. Creio poder asseverar-lhe que importaria em bastante mais. E o embarque dos aspirantes não é inutil; serve para os costumar á vida do mar, e para verificar as suas vocações! (Apoiados.)

Não compliquemos. A reforma da escola é urgente, a sua reorganisação, que já não é um problema de futuro, nao deve passar d'este anno. O meio-internado virá depois (apoiados).

Ácerca do reformas, é perfeitamente justo o que diz o illustre deputado. Todos as pedem, todos as querem, todos as instam; quando se realisam todos se queixam. Todos, não. Queixam-se os abusos feridos; mas como lhes doe fundo clamam alto. É o segredo de muitos patriotismos officiosos, cuja verdadeira instigação não ousa mostrar-se á luz. Sei já como os abusos se debatem a porfiam, e não me intimidam. O paiz tambem os conhece e os aprecia.

Ha um quarto de seculo que se anda ahi a pedir reformas, e a censurar todas quantas se intentam ou se fazem. A rasão é obvia. As reformas não se podem fazer a contento de todo, salvo ampliando todos os pessoaes interesses e respeitando todos os antigos abusos. D'ahi vem acharem-se logo mil pretextos, a que não faltam complacentes echos. A causa verdadeira é tal que nem se atreve a mostrar-se. Mas pretextos e ardis nunca faltam. É sempre em nome do povo que paga esses abusos pertinazes. É sabido: quanto maior é o abuso reformado, maior é o clamor. Quem se illude já com isso?

Quando ha pouco disse que nos podiamos constituir como nação maritima, de nenhuma fórma quiz dizer que não possamos vir a ser potencia naval. Signifiquei só que os meios por mim propostos não tinham tão grande pretensão, e não a tinham porque a não podiam ter por ora, nem a poderão ter sem grandissimas despezas. Sei que não são os grandes territorios que fazem as grandes marinhas. Exerceram summa preponderancia no mar Veneza e Genova, e não possuiam territorios vastos. Antes de lutar a Hollanda com a Inglaterra, lutámos nós, e muita vez triumphantemente, com a Hollanda? Podemos readquirir a potestade naval; mas não sem primeiro nos reconstituirmos como nação maritima. Não é um fim, é um meio, mas indispensavel. Para alcançar é preciso começar e insistir. De um grau se passa a outro. Isto disse; n'isto me baseio. Nada mais.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Castro Ferreri: — Fallo com muita repugnancia, porque já deu a hora, e na prorogação da sessão não posso senão limitar-me a pequenas observações, apesar de entender que a questão de marinha, sendo uma questão importantissima como é, merecia ser ouvida com toda a attenção, e especialmente no seu estado actual (apoiados).

Primeiramente congratulo-me por ver que a nossa marinha vae tomando algum incremento. Na verdade é isso devido ao nobre ministro (apoiados), que mostra zêlo e applicação pelas cousas publicas (apoiados). Não sou lisonjeiro, não costumo lisonjear ninguem, não sei faltar á verdade, e a verdade é que ao zêlo do nobre ministro se deve o augmento que tem tido ultimamente a nossa marinha.

Desejo que ella vá progredindo, não na mesma escala, isto é, na escala de corvetas, mas na escola de navios maiores, para assim nos irmos approximando das outras nações. Era bom que podessemos ter algumas fragatas...

O sr. Ministro da Marinha: — Já se trata d'isso.

O Orador: — Muito bem; para quando se apresentasse alguma fragata dos Estados Unidos podessemos perguntar-lhe o que queria.

Desejava tambem que os nossos navios de guerra não estivessem estacionados, mas que fossem correr as nossas colonias; assim como desejava que houvesse alguns transportes, evitando assim o fazerem se constantes afretamentos.

Estimaria, como disse, que os nossos navios não estivessem estacionados, porque d'aqui vem grande prejuizo. O navio conserva-se navegando, não é como uma machina que se conserva estando parada. O navio conserva se navegando, e apodrece quando estacionado.

Quizera que a nossa marinha se fosse desenvolvendo, e que fossemos caminhando progressivamente, de modo que chegassemos, não digo aonde já chegou a nossa antiga marinha, mas até onde as nossas circumstancias o permittam, e as necessidades do progresso o exijam. A nossa marinha precisa augmentar, ainda mesmo, e muito especialmente, em relação ás nossas colonias e ao nosso commercio, porque as nossas colonias precisam ser defendidas, e o commercio precisa ter segurança e protecção, para se desenvolver.

O sr. Matos Correia fallou sobre o augmento do pessoal de marinha, e para isso chamo a attenção do nobre ministro. É preciso que a escola naval reja reformada, porque os seus estudos são pessimamente organisados. Ha muita theoria e pouca pratica. A nossa instrucção superior: é quasi theorica, - a pratica é tão indispensavel como a outra.

Chamava tambem a attenção do nobre ministro sobre uma cousa que não desejava se fizesse do modo por que ultimamente se tem feito. Fallo da reforma que se tem dado a alguns officiaes de marinha. Muitos officiaes de marinha, sem o pedirem, têem sido mandados inspeccionar para serem reformados pelo seu estado de saude.

O sr. Ministro da Marinha: — A junta é que informa.

O Orador. — Mas entendo que não podem ser mandados para a junta sem elles requererem. Se o ministro encarregar de uma commissão qualquer official, e esse disser que não a póde desempenhar pelo seu estado de saude, n'esse caso manda-o á junta; mas não deve fazer o mesmo sem elle o requerer, sem haver declarado que se achava incapaz de exercer a commissão de que o queriam encarregar.

O que acontece? O official chega á junta, diz que tem boa saude, que vê bem, que ouve bem; a junta affirma que elle não tem boa saude, não ouve, nem vê bem, porque não leu desembaraçadamente um papel que lhe apresentou, julga-o incapaz do serviço, e o sr. ministro reforma-o.

Isto é que não póde ser. Entendo que a maneira de se conhecer se o official está ou não no caso de ser reformado é encarrega-lo de uma commissão propria da sua arma; se está capaz de a preencher, e se recusa a ella, allegando motivo de molestia, vá á junta. Essa é que é a regra e não outra.

(Interrupção.)

O Orador: — Se o official não conduzir bem o seu navio, ou commetter algum outro erro, tem o conselho de guerra, como tem o official do exercito que exerce uma commissão e não a desempenha como lhe cumpre. Mas mandar reformar um official de marinha pelo modo que se está praticando agora, é uma cousa que se não faz em parte nenhuma, e muito menos se deve fazer num governo liberal. Chamar um homem e dizer — intimo-te para que te apresentes á junta...

O sr. Ministro da Marinha: — O governo fazendo isto está no seu direito.

O Orador: — Não reconheço esse direito; não reconheço no governo o direito de mandar um official á junta sem elle o ter requerido. Pois só a junta é que está no caso de conhecer o estado do individuo? Pois o proprio individuo não sabe conhecer o seu estado? Pois se elle disser que gosa de saude, e que está no caso de desempenhar qualquer commissão, ha de, não obstante isso, ir á junta, e ser reforma-

Página 1055

1055

do depois da informação da mesma junta? O systema que se está seguindo poderá ser muito bom, mas é injusto.

Poderá ser um bom meio para dar os postos a quem se pretenda; poderá ser bom meio...

O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra, e solicito de v. ex.ª que m'a dê hoje mesmo.

O Orador: — Repito, poderá ser bom meio para isso, mas não o acho justo; nós no exercito não o praticámos.

Portanto entendo que isto não se póde pôr em execução. O sr. ministro diz que póde, veremos quem se engana.

Eu desejo que a nossa marinha vá em progresso; desejo que as nossas colonias sejam representadas; desejo que se não trate só de construir pequenas corvetas, mas tambem vasos de maior lote; desejava que o machinismo fosse feito no paiz, porque não desejo que se mande fazer fóra o que se póde fazer cá. O sr. Ministro da Marinha: — Não póde: prove que póde.

O Orador: — Admiro-me de que o sr. ministro da marinha diga que o machinismo se não póde fazer cá. Se no arsenal não ha o pessoal completamente habilitado, se não ha mestres, mandem-os vir de fóra, mandem-os vir de Inglaterra. Creio que temos os utensilios necessarios para montar as forjas precisas.

Sr. presidente, como esta questão tem de ser tratada em outro capitulo, então tomarei de novo a palavra (apoiados).

O sr. Ministro da Marinha: — Mostre que póde.

O Orador: — Eu mostrarei se póde ou não. Por agora não digo mais nada.

O sr. Ministro da Marinha: — Poucas palavras direi porque não desejo fatigar a camara.

Começo por declarar que na parte technica o nobre deputado que me procedeu illustrou por tal fórma a these que me parece ocioso responder. Reservo me para por minha parte completar essa illustração quando ouvir o desenvolvimento que s. ex.ª nos prometteu, e no qual ha de provar que é mais conveniente e economico fabricar no paiz as grandes machinas para os vasos de guerra, comprando o despendioso mechanismo necessario; contratando por alto preço o pessoal necessario, a fim de produzir duas ou tres machinas por anno.

Pedi unicamente a palavra n'esta occasião para protestar contra as doutrinas apresentadas pelo illustre deputado, e só admiro que o sejam por um official superior do exercito portuguez. Cada um é juiz dos seus proprios interesses; o governo não tem acção para que os interesses pessoaes não prevaleçam sobre o publico serviço! Isto é que o governo não póde admittir, e Deus nos livre que se deixassem passar similhantes doutrinas sem se protestar contra ellas. Estas doutrinas podem agradar a alguns, talvez; mas acima dos interesses individuaes está o interesse supremo do bem publico, que aos governos cumpre defender.

Diz o nobre deputado: «pergunte-se ao official se elle está em circumstancias de servir». O seu interesse é responder que sim. Assim fazem — o juiz em causa propria. Dirá que sim para continuar vencendo antiguidade e postos. Mas quem é o competente para examinar e decidir, senão a sciencia respectiva, as juntas de saude!

Diz mais: «Experimente-se n'uma commissão»; commissão que importa nada menos do que entregar lhe o navio, as fazendas, as vidas, a fortuna publica! (Apoiados). Experimente se! Quem ha de tomar a responsabilidade de taes experiencias?

Em toda a parte as juntas de saude são n'este caso as competentes (apoiados). Se o governo reformasse e passasse a veteranos um ou outro official sem consultar as corporações technicas, então haveria rasão. luso já se fez. Não O faço eu, mas não posso prescindir do direito de mandar verificar pela sciencia se os que interessam em declarar-se aptos o estão realmente.

O nobre deputado lançou uma suspeição grave, em primeiro logar pobre a imparcialidade das juntas de saude, depois sobre a administração, attribuindo as inspecções a desejo de adiantar protegidos. Similhantes insinuações é do meu dever repeli-las energicamente, como improprias dos debates, e inadmissíveis nos parlamentos. Taes accusações não se fazem sem provas. Convido pois formalmente o nobre deputado a apresentar as provas do que diz.

Protegidos! Quaes se se têem feito as promoções, constante e rigorosamente pela escala, a quem toca? Quem quer o governo adiantar? Quem são os seus protegidos? Diga se: o governo o que quer é serviço effectivo, é o bem do seu paiz; o que não deve é consentir que individuos conhecidos por impossibilitados estejam tomando o logar d'aquelles que querem trabalhar, e que trabalham. Se assim não fosse, immobilisavam-se estes nas respectivas patentes, sem nunca terem adiantamentos nem promoção. Essa era uma das causas que mais afastava da vida maritima muitas vocações (apoiados). Hoje o modo por que a reforma se effectua, é uma recompensa para aquelle que trabalhou; é um incitamento para aquelle que trabalha.

Ha muitos d'esses officiaes que não podem fazer serviço util no mar, mas que ainda podem fazer serviço em commissões de terra. Esses passam a veteranos, e o governo tem lançado mão d'elles, e tem os collocado n'essas commissões.

O sr. Ferreri: — Peço a palavra.

O Orador: — Repito: convido o illustre deputado a provar que nesta administração se não tem feito constantemente as promoções por escala.

A hora está adiantada, e por isso nada mais direi. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Matos Correia.

O sr. Cyrillo Machado: — Já não ha numero na sala.

Vozes: — Mas póde-se discutir.

O sr. Matos Correia: — Como a hora está adiantada e a sala está quasi deserta, parecia-me melhor continuar esta discussão na sessão seguinte.

Vozes: — A sessão está prorogada.

O Orador: — A sessão está prorogada, mas discute-se para que as nossas idéas e convicções possam passar aos individuos que nos escutam. Se não ha quem ouça é inutil discutir.

O sr. Pereira Dias: — O paiz está a ouvir.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Sabe-se pelo Diario o que o illustre deputado disse.

O Orador: — Ouvi dizer que o paiz nos está ouvindo, mas como não é o paiz que ha de votar e sim os deputados, parece-me que tudo quanto aqui dissermos estando a camara deserta é completamente inutil. Entretanto vou fazer uso da palavra.

O fim a que me proponho é unicamente rectificar algumas das expressões por mim proferidas, porque ou as minhas idéas não tiveram o desenvolvimento conveniente, ou não foram percebidas como eu desejava que o fossem.

Quando fallei do pessoal da marinha referia-me aos officiaes de marinha, a marinheiros e aos empregados nas machinas nos navios de guerra; e se o não disse, tive pelo menos a intenção de dizer que me parecia necessario refazer os quadros, porque era minha convicção que havia especialidades, nas quaes o numero não chegava, comquanto em outras chegasse, e em outras podesse talvez exceder. E chamei a attenção do sr. ministro para este capitulo, a fim de tomar a este respeito as providencias necessarias.

Disse tambem que, tendo augmentado consideravelmente o numero de navios, estando nós no caminho de augmentar ainda esse numero, e não se formando os officiaes de marinha com a mesma rapidez, me parecia conveniente que desde já se tratasse d'esse objecto, e se proporcionassem os estudos proprios aos individuos que se propozerem para officiaes, a fim de que não faltasse pessoal devidamente habilitado na occasião opportuna. E tambem chamei para isto a attenção do nobre ministro.

Faço esta declaração, porque se entendeu que eu notei apenas a falta de officiaes generaes, quando não é essa a minha idéa. Eu noto que ha falta nas patentes inferiores; mesmo para o quadro actual faltam vinte e dois ou vinte e tres tenentes.

Ora, como o meu nobre collega, que está á minha se queria, fallou sobre a escola naval, eu, comquanto n'este momento não entre em largas considerações a tal respeito, porque é assumpto especial que não está em discussão, não posso deixar de responder a uma das asserções de s. ex.ª, por isso que partiu de um dos ornamentos da universidade como lente.

S. ex.ª disse que os lentes militares tinham duas reformas — a reforma como officiaes, e a jubilação como lentes. Isto assim dito é uma verdade. Mas note-se que os lentes militares não têem os ordenados correspondentes ao magisterio; têem uma gratificação que se suppõe ser a necessaria para que, junta com o vencimento da patente media em que estão, corresponda ao ordenado de um lente.

Não entro agora em mais considerações a este respeito, e concluo.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — Não ha numero na sala.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões; e para sabbado a continuação da que vinha para hoje e mais os projectos n.° 109 da sessão de 1862, e n.°s 42 e 46 da actual sessão.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×