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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
mento; esta attribuição, resultante tanto tia lei como da pratica, é contrariada agora absolutamente pelo governo portuguez, fundado em uma consulta da conferencia da procuradoria geral da corôa, e apparece traduzida no projecto actual, que muda radical e absolutamente a administração municipal em todo o paiz.
Creio que, pelo systema legal e pela doutrina que eu defendo, o individuo possuidor de inscripções, e que lenha todo o seu rendimento proveniente apenas de titulos do estado, não precisa de privilegio nenhum, todas as vezes que não queira concorrer para as despezas do qualquer municipio do paiz.
Desde que uma camara municipal não póde, como eu entendo que não póde, tributar os juros das inscripções na occasião do seu pagamento, <• póde apenas tributar o rendimento dos cidadãos residentes na municipalidade, o possuidor de inscripções, que não queira concorrer para as despezas do municipio, tem um remedio facil, prompto e definitivo, que é não residir no municipio, e desde que ali não resida, não contribuo para as despezas da municipalidade.
Mas a questão actual, segundo a peregrina theoria defendida pelo governo, consiste em permitir que um cidadão qualquer resida em um municipio do paiz, gose de todas as vantagens e direitos que resultam da vida municipal, e. fique isento de concorrer para os encargos do municipio, embora elle seja o cidadão, que pelo seu rendimento represente a maior riqueza e esteja nas cireumstancias de ser aquelle que mais deve concorrer para a despeza municipal.
Attenda o governo, o attenda a cantara, se este systema e justo, e mesmo se é simplesmente praticável.
Por esta theoria concorrem apenas para os encargos municipaes áquelles que menos possuem, ou que menos rendimentos têem, ao passo que ficam completamente isentos de concorrer para esses encargos os individuos que possuem maiores rendimentos, mas que se consideram privilegiados, ou magestaticos.
Pelo meu systema, que me parece ser o da legislação actual, quando as camaras tributam estes possuidores de fundos publicos não tributam os titulos nem os juros que o governo lhes paga som deducção alguma, mas unica e exclusivamente o rendimento que é representado por áquelles cidadãos que querem gosar em certos municipios de todas as vantagens da vida municipal.
Direi a v. ex.ª e á camara, embora esta questão não seja agradavel, qual é o estado em que se. encontra a administração municipal no paiz.
A reforma administrativa determinou que as contribuições municipaes directas e de repartição, fossem addicionadas ás contribuições geraes do estado e cobradas conjunctamente, pelos mesmos meios, com as mesmas formalidades, o nas mesmas epochas em que o são estas contribuições.
Este systema tinha a grande vantagem de evitar um trabalho grande o inutil, qual era a confecção das matrizes municipaes, e sobretudo a vantagem de poupar aos contribuintes repetidas execuções e incommodos, o todos os trabalhos resultantes de duas contribuições que se separam, quando estão fatalmente reunidas sobre os mesmos objectos o em relação ás mesmas pessoas.
Tendo sido declarado em vigor o novo codigo administrativo, diversas camaras municipaes, e eu refiro-me especialmente aquella a que tenho a honra de presidir, quizeram dar cumprimento á nova lei, julgando innocentemente que essa lei tinha sido feita o promulgada para ser respeitada o cumprida, mas em breve se reconheceu que o governo não queria o cumprimento da lei.
A primeira duvida foi levantada pelos escrivães de fazenda, os quaes não lhes tendo agradado uma reforma que não representava para elles nem percentagem, nem remuneração do especie alguma, e apenas servia para os obrigar
a distribuir os addicionaes sobre as quotas das contribuições já reguladas e estabelecidas, declararam que o augmento do trabalho era enorme, e que não se julgavam habilitados para fazer aquelle serviço.
Não sei como procederam as outras camaras municipaes, mas posso dar noticia a v. ex.ª do modo por que procedeu a camara a que tenho a honra de presidir. Como presidente. d'esta camara declarei simplesmente ao escrivão de fazenda, que estava em vigor a, reforma administrativa, a qual mandava distribuir, como addicionaes ás tres contribuições do estado, as contribuições municipaes, e participei muito a tempo ao escrivão de fazenda o quantum por cento dos addicionaes fixados pela respectiva camara, declinando para elle, o desde logo, a responsabilidade da execução, ou não execução, de similhante serviço.
O resultado foi que, tendo o escrivão de fazenda exposto o caso ao respectivo chefe, que é o delegado do thesouro no districto do Braga, este officio á camara, declarando que não podia tomar sobre si a responsabilidade da execução de uma lei, a respeito da qual não tinha recebido instrucções especiaes do ministerio da fazenda, mas que ía consultar as estações superiores sobre o modo como devia proceder.
Veiu a consulta, e, segundo o costumo, perdeu-se n'aquelle intrincado labyrintho que se chama ministerio da fazenda em Portugal; em vez do ir para a repartição de contabilidade foi para outra, cujo nome me não lembra, ou em vez de ir para esta. foi para a repartição do contabilidade.
O que é certo é que foram precisas novas perguntas e novas instancias, e, durante este tempo, ía passando o praso indispensavel para que a camara municipal podesse fazer a sua cobrança no mez de novembro como faz o estado, o via se. ameaçada de não poder obter os recursos legaes, o que me obrigou, vindo a Lisboa, a expor de viva voz que o municipio a que eu presidia fecharia as portas do edificio municipal e mandaria as chaves para Braga ou para o governo, declarando os motivos que inhibiam a camara absolutamente do dar cumprimento á lei.
A final decidiu-se, com a superioridade do resolução que distingue ordinariamente as repartições superiores do estado, que não se cumprisse a lei, e. que a camara cobrasse as suas contribuições pelo antigo systema.
Aqui têem v. ex.ª o a camara, praticamente, qual foi o resultado da parto mais util da reforma administrativa.
Foi resolvido superiormente, o muito tarde, que as camaras cobrassem as contribuições como as cobravam antigamente, isto é, que vigorasse a lei antiga revogada pelo codigo administrativo! Aperfeiçoam agora o systema. restringindo a materia collectavel, o, por consequencia, impossibilitam as camaras municipaes do realisar a receita que lhes é indispensavel para fazer faço ás suas despezas obrigatorias, e para occorrer aos encargos o despezas que largamente lhes foram descentralisadas pela reforma administrativa.
Pergunto simplesmente ao governo como é que, cumprindo por esta fórma as disposições da reforma administrativa em relação á fazenda municipal, e restringindo, contra a disposição expressa do todas as leis, a materia collectavel nos diversos municipios do paiz, espora que os municipios possam fazei' faço aos seus encargos.
Votar leis, não as discutir, não as estudar, não querer indagar as consequencias da sua applicação pratica, consequencias claras e immediatas, o ficar depois muito tranquillo para decidir superiormente que, em vez de se applicar a nova lei, se resuscite a antiga, é systema exclusivamente portuguez, systema que não tem defeza possivel, e que é urgente remediar quanto antes.
O estado actual é, nem mais, nem menos, do que obrigar as camaras municipaes a. despezas, negando-lhes a receita, e negando-lhes agora até a materia collectavel que póde constituir essa receita.
Quando eu expuz francamente á camara e ao governo,
Sessão de 8 de abril de 1879