O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1283

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios- os exmos. Srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Um officio do ministerio do reino e quatro do ministerio da justiça, acompanhando documentos ou prestando informações pedidas por diversos srs. deputados- Segunda leitura de uma proposta do sr. Cypriano Jardim, que foi approvada, e de outra do sr. Laranjo, cuja primeira parte foi tambem approvada, submettendo-se se o resto da mesma proposta ao conhecimento da commissão de fazenda- Representações apresentadas pelos srs. presidente, Ferrão de Castello Branco e Antonio M. Jales- Requerimento de interesse publico mandado para a mesa pelo sr. Carrilho- Justificações de faltas dos srs. Manuel Pedro Guedes, Cardoso Valente e Goes Pinto- A requerimento do sr. Wenceslau de Lima é posto em discussão o projecto de lei n.º 36 e seguidamente approvado- O sr. Elvino de Brito, estranhando a demora na remessa de uns documentos que pedira, pelo ministerio da marinha, insta novamente por elles. Tambem allude com estranheza ao facto de não terem merecido a attenção das commissões os projectos de lei que tem apresentado. Começa a fazer a leitura do relatorio de um outro projecto, e advertido pelo sr. presidente de que era chagada a hora de passar-se á ordem do dia, insiste na leitura, declarando-se ao abrigo de duas disposições regimentares- Manifesta-se alguma agitação e susurro na assembléa e o sr. presidente apresenta tres alvitres para se conseguir que de futuro haja tempo para as discussões antes da ordem do dia, mas sem prejuizo d'esta- É approvado um d'esses alvitres, e indo passar-se á ordem do dia o sr. Elvino protesta- Crescendo então a agitação e susurro na assembléa, suspende-se a sessão por meia hora- Depois de reaberta, usa a palavra o sr. Barros Gomes, ainda sobre o incidente, e pede que se communique ao governo a deliberação, tomada pela camara, com respeito á abertura das sessões.
Na ordem do dia, o sr. Julio Vilhena, tomando parte na discussão do projecto de lei n.º 13, apresenta uma moção de ordem sobre a necessidade de se reformar o artigo 75.º, § 14.º, ca carta, e responde em largas considerações aos argumentos de alguns oradores que o precederam- Responde-lhe o sr. ministro do reino- Mandam para a mesa pareceres de commissões os srs. A. Carrilho e Barbosa Centeno- Entra no debate, sobre o projecto de lei n.º 13, o sr. Reis Torgal, que apresenta uma moção, acompanhando-a de algumas considerações; fica com a palavra reservada- Trocam-se explicações entre os srs. Alves Matheus e ministro do reino sobre irregulariedades e violencias que aquelle sr. deputado attribue ao administrador do concelho da Povoa de Varzim.

Abertura- Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada- 59 srs. deputados.

São os seguintes:- Agostinho Lucio, Albino Montenegro, Silva Cardoso, A. J. d'Avila, Pereira Borges, Moraes Machado, Santos Viegas, Seguier, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Avelino Calixto, Barão de Ramalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, E. Coelho, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Vieira das Neves, Correia Barata, Mártens Ferrão, Barros Gomes, Baima de Bastos, Augusto Teixeira, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, José Borges, Laranjo, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Guimarães Camões, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.:- Lopes Vieira, ª da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Sousa e Silva, Antonio Candido, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, A. M. Pedroso, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Fuchini, Pereira Leite, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Mouta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Franco Frazão, Melicio, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Avellar Machado, Elias Garcia, Lobo Lamare, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Reis Torgal, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.:- Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de Freitas, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Pinto de Magalhães, Ferreira de Mesquita, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Emygdio Navarro, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Francisco de Campos, Wanzeller, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Costa Pinto, J. A. Pinto, J. C. Valente, J. A. Neves, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Pereira dos Santos, José Luciano, Ferreira Freire, Simões Dias, Lourenço Malheiro, Luiz de Lencastre, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Roberto, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão e Visconde do Rio Sado.

Acta- Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Alfredo da Rocha Peixoto, relação nominal dos professores de instrucção superior, secundaria e especial que, ensinando particularmente, presidiram ou foram vogaes em mesas de exames nos ultimos tres annos.
Á secretaria.

2.º Do ministerio da justiça, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Luiz de Lencastre mappas das causas julgadas na relação dos Açores nos annos de 1881 a 1882, 1882 a 1883 a de 1883 a 1884.
Á secretaria.

3.º Do mesmo ministerio, participando, em satisfação ao requerimento do sr. Goes Pinto, que nenhuma correspondencia se trocou no corrente anno entre o juizo de direito da comarca de Arcos de Valle de Vez e a presidencia da relação do Porto.
Á secretaria.

4.º Do mesmo ministerio, satisfazendo ao requerimento

69

Página 1284

1284 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

feito na sessão de 14 do corrente pelo sr. deputado Luiz José Dias.
Á secretaria.

5.° Do mesmo ministerio, satisfazendo ao requerimento feito na sessão de 25 de fevereiro pelo sr. deputado Alves Matheus, com relação ao processo instaurado na comarca de Braga, pelo crime de homicidio, contra D. Ignez Maciel da Costa Pereira.
Á secretaria.

Segundas leituras

Propostas

1.ª Proponho que cada numero do Diario do governo seja, de futuro, acompanhado por um extracto da sessão do dia anterior, igual ao que é distribuido á imprensa periodica.= Cypriano Jardim.
Foi approvada.

2.ª Proponho:
1.° Que a camara mande publicar e distribuir conjunctamente com o projecto de lei que tem por fim ratificar o tratado de commercio com a Hespanha, o ultimo tratado de commercio d'esta nação com a Franca, que é absolutamente indispensavel para a intelligencia do mencionado projecto de lei;
2.° Que se mandem para a bibliotheca das côrtes alguns exemplares da pauta hespanhola e da portugueza;
3.° Que se estabeleça para a troca do nosso jornal official com os jornaes officiaes das principaes nações, e que, se ella não for possivel, se consigne no orçamento a verba necessaria para as adquirir. = O deputado, José Frederico Laranjo.

O sr. presidente:- Vou consultar a camara com respeito á proposta mandada ante-houtem para a mesa pelo sr. deputado Laranjo, e que acaba de ser lida.
A primeira parte refere-se á publicação do tratado de commercio entre a Hespanha e França, para ser distribui do conjunctamente com o projecto de lei que tem por fim ratificar o tratado de commercio com a Hespanha.
As outras duas partes d'esta proposta, importando augmento de despeza, não podem deixar de ser submettidas ao exame da commissão de fazenda, para ella dar o seu parecer.
Posta á votação a primeira parte da proposta, foi approvada. O resto da proposta foi á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Dos empregados da secretaria da administração do concelho dos Olivaes, pedindo ser equiparados para todos os effeitos aos empregados da camara municipal do concelho de Belem, garantindo-se-lhes os direitos adquiridos e permittindo-se-lhes o ingresso nos quadros da nova organisação do municipio de Lisboa, nos termos do artigo 318.° do projecto de lei da organisação do municipio de Lisboa.
Apresentada pelo sr. deputado Ferrão Castello Branco e enviado, á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

2.ª Dos empregados menores do lyceu nacional de Faro, pedindo que, por uma medida legislativa, se lhes conceda a reforma ou aposentação.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de instrucção primaria e secundaria.

3.ª Da camara municipal do concelho de Villa Franca de Xira, pedindo que, na hypothese de ser approvado o artigo 1.º da proposta de lei n.° 34-A, sejam annexadas a este concelho as freguezias de Vialonga, Bucellas e Tojal, e que, continuando a existir o concelho dos Olivaes, fique pertencendo ao desta villa, para todos os effeitos, judiciaes e de fazenda, a freguezia de Vialonga, mas que em caso nenhum seja creado um novo concelho prejudicando o de Villa Franca.
Apresentada pelo sr. deputado António Maria Jalles e enviada às commissões de fazenda e de administração publica.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que o projecto de lei n.° 44 não seja discutido sem que sobre elle seja ouvida a commissão de fazenda. = A. Carrilho.
Ordenou-se que fosse enviado á indicada commissão.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Manuel Pedro Guedes tem faltado a algumas sessões, e faltará a mais algumas por motivo justificado. = Barbosa Centeno.

2.ª a meu illustre collega Cardoso Valente encarrega-me de participar á camara que faltou às ultimas sessões e faltará a mais algumas, por motivo justificado. = João de Sousa Machado.

3.ª O sr. presidente participou que o sr. deputado Goes Pinto não tem comparecido, e continuará a faltar a algumas sessões por motivo justificado.

O sr. Wenceslau de Lima: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que entre desde já em discussão o projecto de lei n.° 36, que já foi dado para ordem do dia.
O sr. Presidente :- Vá e ler-se o projecto a que se refere o illustre deputado.
Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 36

Senhores. - A vossa commissão especial de instrucção superior, foi presente o projecto de lei n.° 28-K, de iniciativa dos srs. deputados Wenceslau de Lima, Albino Montenegro e José Augusto Correia de Barros, tendente a reorganisar os estudos da academia polytechnica do Porto.
Já de ha muito se pensa em melhorar o ensino official superior no paiz. Têem se empenhado, por mais uma vez, os governos em lançar as bases geraes de uma reforma, que colloque os nossos estabelecimentos de ensino superior nas condições, que imperiosamente exigem os rapidos progressos das sciencias. Para esse effeito têem sido consultados os diversos conselhos escolares, como as corporações mais competentes, para indicarem as modificações aconselhadas pelas modernas conquistas mentaes, e pelas circumstancias do paiz.
Apesar d'estes esforços, d'esta laboração, imposta por uma indeclinavel necessidade, ainda até hoje nada se levou a effeito.
As circunstancias quasi sempre apertadas do thesouro, o estudo dos importantissimos melhoramentos materiaes executados no paiz, o sem numero de problemas de administração publica que diariamente se apresentam, as exigencias de uma complicação crescente, nos varios negocios da governação do estado, tudo tem impedido a reforma da nossa instrucção superior, desviando para outros assumptos, sem duvida urgentes, a attenção dos governos e dos corpos legislativos.
Mas vae-se avizinhando o momento critico, em que será inadiavel a remodelação dos estabelecimentos scientificos,

Página 1285

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1285

aos quaes está incumbida a elevada missão de transmittir a educação mental á mocidade hodierna, que ha de ser a sociedade de ámanhã. Todos sabem e comprehendem que este é o mais importante e nobre dos misteres sociaes, porque inuteis serão as leis, os preceitos de administração publica, os progressos materiaes, os aperfeiçoamentos das industrias e das artes, a riqueza do commercio, tudo emfim que constitue a actividade humana, e a vida collectiva das nações, sem a instrucção que é a sua base fundamental, que vivifica e anima aquella actividade, que é emfim a unica origem dos progressos do espirito e das conquistas da sciencia, das riquezas materiaes e do aperfeiçoamento moral.
Progresso sem instrucção não se comprehende; prosperidade sem vida intellectual não existe; felicidade, na alta comprehensão moderna desta palavra, sem elevados dotes psychicos não póde haver; moralidade e ignorancia repugnam.
Não podemos resignar-nos, sem a perda da nossa dignidade, como homens, e da nossa autonomia como nação, a continuar no desempenho do papel passivo de admiradores da civilisação dos paizes cultos, de espectadores inconscientes do complexo, e ao mesmo tempo maravilhoso drama, que constitue a vida moderna, de assimiladores mediocres das idéas alheias, de imitadores mesquinhos dos processos estranhos em toda a ordem de concepção e de pratica, de collecionadores infecundos das conquistas do espirito investigador dos outros, de ridiculos comparsas, fidalgamente inhabeis ou estupidamente inuteis, amontoados em beatifica contemplação num canto da terra, ignorado e desprezado até ao momento em que os que trabalham e avançam se lembrem, em nome da utilidade e até da justiça universal, de nos expropriar o solo abençoado da patria, e nos decretar a tutela que se estabelece aos menores e aos incapazes.
O povo portuguez dotado naturalmente de agudeza de espirito, de excellentes faculdades mentaes, de sagacidade pratica, e ao mesmo tempo das mais pacientes e benignas disposições moraes, merece bem um alto logar no convivio das nações civilisadas.
Já que não é possivel realisar de uma só vez a reforma de todos os nossos estabelecimentos superiores de instrucção, procuremos ao menos ir provendo de remedio, a pouco e pouco, ora n'um ora n'outro, às necessidades que, á força de serem instantes e imperiosas, transformarão dentro em pouco esses mesmos estabelecimentos em instituições exoticas, desprestigiadas, inuteis e ridiculas, se não nos apressarmos a valer-lhes emquanto é tempo.
No excellente relatorio que precedo a proposta de lei a que nos referimos, se mostra com toda a clareza e exacção e estado actual da academia polytechnica do Porto, e se faz a comparação deste instituto com a escola central de Paris, cuja indole é da mesma natureza.
Não mira a proposta a equiparar a nossa academia á escola de Paris, nem a vossa commissão vos proporia tal medida, porque a exiguidade dos nossos dinheiros publicos, não se compadeceria com as avultadas despezas que para isso seria necessario fazer.
Se não hesitâmos em solicitar a vossa approvação para esta reforma, é porque, no estudo que d'ella fizemos, começámos por averiguar primeiro que tudo a sua parte economica.
Effectuar o melhoramento e ampliação de qualquer serviço publico, sem augmentar a despeza que com elle presentemente se faz, é um problema cuja solução parece impossivel. Comtudo a boa vontade chega muitas vezes a superar os maiores obstaculos e a tornar exequivel o que se antolhava como absurdo.
É de ver que, em taes casos, não póde deixar de se transigir um pouco quanto á perfeição da obra; mas em todas as cousas e para todos os effeitos, sempre valeu mais possuir um instrumento relativamente bom, e, era caso de necessidade, recompol-o e melhoral-o, a conservar outro que na sua genuidade primitiva não se preste ao uso para que se destina.
A academia polytechnica do Porto é composta actualmente de treze cadeiras, que fornecem a materia dos seguintes cursos:
Engenheiros de pontes e estradas.
Engenheiros de minas.
Engenheiros geographos.
Agricultores.
Mestres de fabricas, etc.
As disciplinas da grande maioria das cadeiras são ensinadas num anno apenas, e portanto pouca latitude se lhes póde dar. Por outro lado com tão limitado quadro de cadeiras, os cursos são imperfeitos e perfunctorios.
Propõe se a creação de cinco novas cadeiras, proveniente, do desdobramento da 3.ª, 6.ª, 9.ª e 13.ª, nas quaes se ensinam respectivamente a geometria descriptiva, a mechanica, a chimica, a mineralogia, a geologia, a arte de minas e a mechanica applicada.
É impossivel impulsionar o ensino das citadas sciencias, e preparar convenientemente os alumnos não só com os conhecimentos praticos proprios de cada uma, como com as habilitações technicas que são indispensaveis nas diversas profissões para que habilita a academia, sem dotar melhor os seus laboratorios, alargando a esphera dos trabalhos que n'elles devem executar se, e sem proporcionar aos alumnos por via de excursões, ou de missões de estudo pratico, os conhecimentos de facto que não podem aprender-se nos livros, nem dentro do edificio da academia.
É por isso forçoso dotar com alguns recursos, embora modestos, os diversos serviços que se ligam com as missões e o estudo nos laboratorios. Para isso lembra-se, e com justiça, a elevação das propinas de matricula a 11$520 réis como nas outras escolas do paiz, e o pagamento de 4$500 réis por cada transito de uma para outra classe, licença ou exame extemporaneo, como se pratica na universidade. Calcula-se que estes recursos deverão fornecer á academia um rendimento annual superior a 4:000$000 réis, que serão destinados para os fins que ficam expostos.
Não ha, na verdade, rasão alguma que aconselhe ou justifique a excepção que, com respeito às propinas de matricula, se dá na academia polytechnica do Porto, e por isso a vossa commissão acha legitimo o alvitre que se propõe, por meio do qual se póde ampliar não só o ensino oral e theorico, mas tambem o estudo pratico e technologico, que constituo a indole essencialmente industrial d'este instituto.
Desnecessario é abonar com mais detidas considerações, que a vossa proficiencia suppre e dispensa, os motivos que levaram a vossa commissão especial de instrucção superior a considerar a proposta de reforma a que nos referimos, tão util quanto inadiavel, ao mesmo passo que não exige o mais pequeno sacrificio do thesouro.
Por isso é a vossa commissão de parecer, de accordo com o governo, que a referida proposta deve converter-se no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A geometria descriptiva e suas applicações, mechanica geral e cinematica actualmente professadas por um só lente na 3.ª cadeira da academia polytechnica do Porto serão lidas d'ora avante em duas cadeiras; por igual forma se procederá ácerca da mineralogia, geologia, metallurgia e lavra de minas (6.ª cadeira) e da chimica inorganica e organica (9.ª cadeira); as disciplinas da 13.ª cadeira (mechanica applicada e construcções civis) serão distribuidas por tres cadeiras.
§ 1.° O conselho academico procederá immediatamente á revisão dos programmas dos cursos legaes da academia polytechnica, ordenando e distribuindo as suas materias pelas dezoito cadeiras que ficam constituindo o seu quadro, estabelecendo o ensino biennal n'aquellas que julgar conveniente, e fixando o numero de annos de cada um dos

Página 1286

1286 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cursos legaes da academia, de accordo com o maior desenvolvimento dos estudos. Estes programmas, depois de approvados pelo governo, serão postos em vigor no anno lectivo immediato ao da approvação d'esta lei.
§ 2.° Para occorrer às despezas creadas pelas disposições precedentes, cobrar-se-ha a propina de 11$520 réis e respectivo addicional designado no decreto do 26 de junho de 1880, por cada matricula nos cursos da academia polytechnica, e a verba de 4$500 réis por cada licença de repetição de acto sem frequencia, exame final fóra da epocha competente, ou transito entre differentes classes. O excedente da receita será applicado ao augmento das dotações dos gabinetes, aos museus do referido estabelecimento scientifico, e às despezas dos alumnos em missão.
Art. 2.° Ficam revogados o artigo 121.° § 3.° do decreto de 26 de dezembro de 1836, o artigo 143.° do decreto do 26 de setembro de 1884, e mais legislação em contrario.
Sala das sessões, em 9 de abril de 1885. = Avelino Cesar A. Calixto = Ignacio Francisco Silveira da Moita = Bernardino Machado = Alfredo da Rocha Peixoto = João J. d'Antas Souto Rodrigues = W. de Lima = João Augusto Teixeira = F. A. Correia Barata, relator. = Tem voto dos srs. deputados: Mariano de Carvalho = Lopes Vieira.

A commissão de fazenda conforma-se, ouvido o governo, com o precedente parecer da illustre commissão de instrucção superior.
Em commissão, 13 de abril de 1885. = Antonio Alaria Pereira Carrilho = Marçal Pacheco = Franco Castello Branco = Moraes Carvalho = João Marcellino Arroyo = Augusto Poppe = A. C. Ferreira de Mesquita = Pedro Roberto Dias da Silva = Pedro Augusto de Carvalho = Correia Barata = L. Cordeiro, relator. - Tem voto dos srs. deputados: Manuel d'Assumpção = Adolpho da Cunha Pimentel.

Proposta de lei n.º 28-K

Senhores. - De entre os estabelecimentos nacionaes consagrados ao ensino superior é a academia polytechnica do Porto, o que se acha em condições menos adequadas a satisfazer aos fins da sua creação. Destinada pelo decreto do 13 de janeiro de 1837 a desempenhar no nosso paiz o papel de uma polytechnica industrial, não recebeu da sua primitiva organisação, nem obteve das modificações posteriores as condições indispensaveis para o bom desempenho de sua missão.
Se este facto até hoje tem sido de consequencias nocivas e muito para lastimar, é certo que os males d'elle resultantes de ora para futuro se aggravarão por forma que não permittem, sem criminosa incuria, perda de tempo em vás espectativas, e o protelar de melhoramentos, que sem implicarem modificação na indole d'este estabelecimento, ou constituirem assumpto, que bem mereça titulo de reformação do seu plano de estudos, não deixarão comtudo de lhe adduzir grande melhoria. E isto em condições viaveis, porquanto, com prazer o declaramos, e para este ponto particularmente chamâmos a vossa esclarecida attenção, pela conversão em lei do projecto que submettemos ao vosso estudo não serão augmentados os encargos ao thesouro.
Senhores. - O mal estar das nossas industrias é por tal forma evidente, que desnecessario se torna esboçar-vos aqui a sombra de uma demonstração. Infelizmente ella cerca-nos, envolve-nos, asphyxia-nos. A isto têem attendido os poderes publicos procurando no fomento ao ensino industrial remedio para males que bem póde dizer-se interessam tudo quanto ha de mais vital n'uma nacionalidade - o seu organismo productor. Mas, se é certo que o ensino industrial elementar tem recebido do estado auxilio que ha de agradecer com generosa remuneração, é facto que o ensino industrial superior tem jazido no mais completo abandono.
A elle não auctorisam nem o exemplo das nações de quem somos tributarios no campo industrial, nem o que é sabido das condições da industria moderna. O ensino elementar póde crear o bom artifice, e fomentar a pequena industria; mas é impotente perante a grande, hoje dominante, que carece de vastos conhecimentos, de homens profundamente instruidos, que por via de regra só das escolas superiores podem sair. Por isso, se applaudimos a creação dos museus industriaes e escolas elementares, suppomos inadiavel attender ao ensino superior technologico. Se não houvesse escola que lhe fosse consagrada, necessario se tornava creal-a; havendo-a, importa melhoral-a.
Senhores. Á fugaz passagem pelas cadeiras do poder do insigne patriota Passos Manual devemos a polytechnica do Porto, onde entre nós se fundou o ensino industrial superior. Por motivos que pouco importa agora considerar, não póde aquelle grande estadista vasar nos amplos moldes, que de certo se antolharam ao seu luminoso espirito, o ensino que inaugurou no nosso paiz. Não o fez pelo decreto de 1837 ; e não o conseguiram a posterior reforma de 1844 e subsequentes medidas legaes. Nasceu fraco, e não tem progredido em robustez aquelle malfadado estabelecimento scientifico, destinado a preencher uma lacuna importantissima da nossa educação nacional, e collocado na capital da zona mais populosa, emprehendedora e activa de todo o reino. A isso se tem opposto a hostilidade das circumstancias, feita do malquerenças e indifferentismos, cuja paternidade e responsabilidade não queremos apurar, mas que obriga os seus cursos a ministrarem-se ainda hoje n'um edificio em parte incompleto em parte arruinado, e ainda assim applicado aos mais heterogeneos destinos, com dotações sempre miseravelmente minguadas e uma penuria de cadeiras que orça pelo ridiculo; e a contar-se tão sómente como força benefica para a academia com a boa vontade já hoje tradicional dos seus professores, que desde a sua fundação constantemente têem luctado pela prosperidade do estabelecimento a que pertencem com um zelo e dedicação, condignas do sacerdocio que exercem, mas nunca devidamente reconhecidos e apreciados.
Attenuar na medida do possivel os defeitos apontados emquanto se não deparar occasião azada para reformar convenientemente esta ordem de cousas é prestar um serviço importante á educação profissional superior.
E sendo indiscutivel que, sem sacrificios monetarios, póde attender-se às necessidades mais instantes da academia convencemo-nos que não recusarieis a vossa approvação a projecto de lei que visasse a esse fim. N'esta fé passamos a expor-vos as suas bases.
A propina de matricula e addicionaes na academia polytechnica são do valor de 1$556 réis. Nada justifica a cobrança de imposto tão insignificante, muito menor do que o incidente sobre os alumnos de instrucção secundaria. Por isso vos propomos que se restabeleça a antiga propina de matricula, determinada pelo artigo 163.° do decreto de 13 de janeiro de 1837, com os addicionaes sanccionados pelas leis posteriores, uniformisando-se d'este modo as propinas de matricula na academia polytechnica e nas escolas medico-cirurgicas, e se determine a propina de 4$500 réis, a exemplo do que se pratica na universidade, para a concessão de licenças de repetição de acto sem frequencia, acto final fora da epocha competente e de transito entre classes differentes. O augmento de receita resultante d'estas providencias ascenderá a quantia muito superior a réis 4:000$000.
Com esta verba póde conseguir-se, sem aggravamento das nossas finanças o que não deixará de concorrer para a sua melhoria, isto é, vantajosas modificações nos cursos da academia, pelo desdobramento da 3.ª, 6.ª, 9.ª e 13.ª cadeiras, e augmento das dotações dos estabelecimentos academicos.
Para fazerdes idéa do modo como se acham sobrecarregadas as mencionadas cadeiras e da imperterivel necessida-

Página 1287

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1287

de de as desdobrar, por vos-hemos em parallelo, perante o mesmo quadro de disciplinas, o seu numero na academia e na escola central de Paris, a qual tem servido de typo e modelo a outras da mesma ordem no estrangeiro e a cujo grupo pedagogico a nossa polytechnica pertence.
O ensino da geometria descriptiva e sua applicações, da mecanica geral e da cinematica, materiaes todas professadas na 3.ª cadeira da academia polytechnica, está confiado na escola central aos cuidados do dois professores, dois repetidores e um chefe de trabalhos. As disciplinas, que actualmente abrange a 6.ª cadeira, mineralogia, geologia, metallurgia e lavra de minas, são explicados na mesma escola por tres professores e tres repetidores, sendo de dois annos o curso de exploração de minas. Para o ensino da chimica, que constituo o da 9.° cadeira, ha quatro professores, quatro repetidores e dois chefes de trabalhos praticos. Emfim as variadissimas doutrinas ensinadas em dois annos na 13.ª cadeira por um só professor (mechanica applicada e construcções civis) são entregues na escola central aos assiduos cuidados de onze professores e dez repetidores.
As necessidades da academia, que bem podeis avaliar quaes sejam em presença do que vos deixâmos exposto, não ficam de certo satisfeitas com as medidas que vos propomos. A creação de novas cadeiras, a de repetidores para cada cadeira, ou grupo de cadeiras afins, e o do chefes de trabalhos, etc., fica ainda recommendando-se á consideração de quem pretender reformar convenientemente este ramo do serviço publico.
Impozemo-nos, porem, o dever de traçar o nosso plano de melhoramentos dentro dos limites da receita creada, e d'esse proposito nos não apartamos, embora a isso nos concitassem considerações do mais elevado alcance.
Quizemos que este projecto nascesse sem o peccado original do augmento do receita para que mais facilmente podesse obter salvação.
Terminâmos por aqui a já longa exposição dos nossos propositos pedindo-vos que em nome do optimo que de futuro possa fazer-se não recuseis a vossa approvação ao que porventura haja de bom no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A geometria descriptiva e suas applicações, mechanica geral e cinematica actualmente professadas por um só lente na 3.ª cadeira da academia polytechnica do Porto, serão lidas de ora ávan teem duas cadeiras; por igual forma se procederá ácerca da mineralogia, geologia, metallurgia e lavra de minas (6.ª cadeira), e da chimica inorganica e organica (9.ª cadeira); as disciplinas da 13.ª cadeira (mechanica applicada e construcções civis) serão distribuidas por tres cadeiras.
§ 1.° O conselho academico procederá immediatamente á revisão dos programmas dos cursos legaes da academia polytechnica, ordenando e distribuindo as suas materias pelas dezoito cadeiras que ficam constituindo o seu quadro, estabelecendo o ensino biennal n'aquellas que julgar conveniente, e fixando o numero de annos de cada um dos cursos legaes da academia, de accordo com o maior desenvolvimento dos estudos. Estes programmas, depois de approvados pelo governo, serão postos em vigor no anno lectivo immediato ao da approvação d'esta lei.
§ 2.° Para occorrer às despezas creadas pelas disposições precedentes, cobrar-se-ha a propina de 11$520 réis e respectivo addicional, designado no decreto de 26 de junho ; de 1880, por cada matricula nos cursos da academia polytechnica, e a verba de 4$500 réis por cada licença de repetição de acto sem frequencia, exame final fora da epocha competente, ou transito entre differentes classes. O excedente da receita será applicado ao augmento das dotações dos gabinetes, aos museus do referido estabelecimento scientifico, e às despezas dos aluamos em missão.
Art. 2.° Ficam revogado o artigo 121.° § 3.° do decreto de 26 de setembro de 1836, artigo 143.° do decreto de 26 do setembro de 1844, e mais legislação em contrario.
Sala das sessões, em 26 de março de 1885. = W. de Lima = Albino Montenegro = José Augusto Correia de Barros.

O sr. Presidente : - O sr. deputado Wenceslau de Lima pediu que o projecto que acaba de ser lido, entro desde já em discussão.
Consulto a camara a este respeito, sem prejuizo da ordem do dia.
Resolveu-se affirmativamente.
Posto em discussão e não havendo quem pedisse a palavra, foi em seguida approvado.
O sr. Sousa Machado : - O nosso illustre collega, o sr. Cardoso Valente, encarregou-me de participar á camara que por motivo justificado não tem podido comparecer às ultimas sessões e terá de faltar ainda a mais algumas.
Mando para a mesa esta justificação.
Vae publicada no logar competente,
O sr. Elvino de Brito:- Declarou que, tendo requerido em 23 de fevereiro varios documentos relativos a assumptos importantissimos da administração colonial, ainda não foram satisfeitos na sua maxima parte, a despeito das categoricas declarações do sr. ministro da marinha, sempre prompto em prometter.
Pediu ao sr. presidente que inste com o governo pela remessa d'esses documentos, de algum dos quaes necessitava para discutir projectos cujos pareceres se acham já distribuidos.
Admirava-se de que, havendo o sr. ministro declarado que o telegramma dirigido ao governador da India a proposito do imposto de sêllo, e cuja copia elle, orador, pedira, só continha a palavra auctoriso, até hoje não podessem os empregados da secretaria respectiva ter tempo para copiar aquelle telegramma.
Sentia que nenhum dos seus projectos, relativos aos negocios coloniaes, esteja ainda distribuido na commissão respectiva, e a respeito de um d'elles, o que se refere á reorganisação da estatistica geral do paiz, lamenta que nem sequer esteja ainda constituida a commissão que terá de dar parecer sobre elle.
Aproveitava o estar com a palavra para apresentar um projecto de lei sobre assumptos militares do ultramar, e ia por isso, ao abrigo do artigo 106.° do regimento, proceder á sua leitura.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Pedia ao sr. deputado que prescindisse da leitura do relatorio do seu projecto, porque a hora está muito adiantada, e elle ha de ser publicado no Diario das nossas sessões.
O sr. Elvino de Brito: -Disse que o artigo 106.° do regimento manda que o deputado que obtiver a palavra para apresentar um projecto de lei, proceda á leitura d'elle.
Como tinha pedido a palavra para apresentar um projecto de lei, entendia que estava ao abrigo do regimento, fazendo a leitura d'elle.
Tinha a declarar que, só as cousas continuassem assim, só se continuasse a não deixar fallar os deputados da opposição antes da ordem do dia, só lhe restaria renunciar ao seu logar, porque não poderia desempenhar o mandato que os eleitores lhe conferiram.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente:- Preciso dar algumas explicações.
A camara resolveu em uma das suas sessões de janeiro que ellas se encerrassem às seis horas, abrindo-se às duas.
Desde que os srs. deputados se reunam às duas horas, póde destinar-se uma hora para os assumptos que costumam ser tratados antes da ordem do dia, mas continuando

Página 1288

1288 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

os srs. deputados a reunirem-se tarde, eu não posso deixar de entrar na ordem do dia às tres horas, para assim cumprir sem prejuizo dos nossos trabalhos a resolução da camara.
O sr. E. Coelho : - Peço a palavra.
O sr. Laranjo : - Peço a palavra. (Sussurro.)
O sr. Presidente : - Se não me deixam dar explicações, e me interrompem, eu suspendo a sessão. (Apoiados.)
O melhor meio de attender às reclamações de alguns srs. deputados seria manter a resolução da camara, reunindo-se s. exas. em numero sufficiente mais cedo e de modo que a abertura das sessões podesse ter logar às duas horas, mas é difficil, como a experiencia nos tem mostrado, chegar a este resultado.
Posto, portanto, de parte este alvitre, seria conveniente que a camara adoptasse um dos dois alvitres que vou indicar.
O primeiro é que a camara revogue a resolução que tomou para se fechar a sessão às seis horas e que, a qualquer hora que ella se abra, haja sempre uma hora para os assumptos a tratar antes da ordem do dia, sem prejuizo de tempo, tres horas pelo menos, que o regimento marca para a ordem do dia. ..
O segundo alvitre é que, havendo sempre tres horas de ordem do dia...
O sr. E. Coelho: - E uma para antes da ordem do dia. (Apoiados. - Sussurro.)
O sr. Presidente : - Se os srs. deputados estão dispostos a alterar a ordem, eu suspendo a sessão. (Apoiados.) Estou a dar uma explicação.
O sr. E Coelho : - Queremos o cumprimento do regimento. (Apoiados.)
O sr. Presidente : - O regimento dá tres horas para ordem do dia; desde o momento que se revogue a resolução de se fechar a sessão às seis, já póde haver uma hora para antes da ordem do dia, contando-se desde então as tres horas para os outros trabalhos. (Apoiados.)
O sr. Correia Barata: - Não apoiado.
O sr. Presidente : - Peço aos srs. deputados que occupem os seus logares para consultar a camara sobre este alvitre.
O sr. Laranjo (sobre o modo de propor): - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que haja votação nominal sobre este incidente.
Vozes : - Ora! ora!
O sr. Presidente:- Vae votar se o requerimento do sr. Laranjo.
Não houve vencimento.
O sr. Presidente:- Vae votar-se pelo modo ordinario. Os senhores que entendem que deve ficar revogada a resolução da camara, a que me tenho referido, prevalecendo o alvitre proposto, tenham a bondade de se levantar.
O sr. Seguier:- Não se ouviu o que v. exa. vae propor. E para que se mantenha a resolução de fechar a sessão às seis horas?
O sr. Presidente:- Vou consultar a camara sobre se quer revogar a resolução de se fechar a sessão às seis horas, para poder haver tres horas de ordem do dia e uma para os assumptos que se tratam antes d'ella.
Não foi approvado.
O sr. Presidente : - O outro alvitre a que já me referi é o seguinte, e parece-me que com elle póde chegar a um resultado. E alterar-se o regimento em relação ao numero de deputados necessario para abrir a sessão. Segundo o regimento não se póde esta abrir se não quando esteja presente a terça parte do numero total dos srs. deputados. E eu proponho que seja sufficiente a quinta parte, não podendo com tudo, tomar-se deliberação alguma emquanto não estiver presente o numero estabelecido no regimento. (Apoiados.) D'este modo é de presumir que se abra a sessão mais cedo, e assim se terá conseguido o fim. (Apoiados)
Vou consultar a camara.
Consultada a camara foi approvado.
Sr. Presidente:- Ámanhã logo que esteja presente uma quinta parte dos srs. deputados eu abro a sessão, e já haverá tempo para tratar dos diversos assumptos antes da ordem do dia.
O sr. Elvino de Brito : - Eu estou com a palavra para apresentar um projecto de lei e quero usar do direito que o regimento me faculta.
O sr. Presidente: - Já deram tres horas e não póde deixar de se passar á ordem do dia, (Apoiados.) mas o sr. deputado póde mandar para a mesa o seu projecto.
O sr. Elvino de Brito : - Mas eu, em conformidade com o artigo 106.° do regimento, desejo ler o meu projecto. Pergunto pois, a v. exa. se me retira a palavra, não consentindo que eu faça a leitura.
O sr. Presidente:- A camara o decidirá. Vou consultal-a.
Os srs. deputados que entendem que, não obstante ter já dado a hora de se entrar na ordem do dia, posso dar a palavra ao sr. Elvino de Brito para ler o seu projecto, queiram levantar-se.
Não houve vencimento.
O sr. Presidente: - Passa-se portanto á ordem do dia.
O sr. Elvino de Brito: - Protesto contra isto.
(Sussurro.)
O sr. Presidente :- Peço ordem.
O sr. Elvino de Brito: - V. exa. foi o primeiro que saiu da ordem.
(Levantou-se grande tumulto e o sr. presidente põe o chapeu, interrompendo-se a sessão.)
Eram tres horas e um quarto.
Ás tres horas e tres quartos reabriu-se a sessão.
O sr. Presidente . - Sinto o incidente desagradavel que se levantou, mas tenho a consciencia de não ter concorrido para elle.
Espero da benevolencia e patriotismo da camara que estes incidentes, sempre desagradaveis, se não repitam.
O sr. Barros Gomes: - Desejo apenas e em poucas palavras chamar a attenção da camara sobre este incidente, accudindo assim em defeza dos direitos da opposição, e que não podemos de forma alguma deixar postergar. (Muitos apoiados.)
Estou certo que não foi intenção de v. exa. nem existia no animo da camara o proposito deliberado de nos tolher o uso de uma faculdade que o regimento nos garante. (Muitos apoiados.)
N'essa convicção não duvido por minha parte, e em nome de todos os membros da opposição, declarar que acatamos a resolução que a camara acaba de tomar, de não prolongar as sessões alem das seis horas da tarde, mas podendo abrir-se a camara, embora não esteja presente senão a quinta parte dos seus membros, o que será bastante mais facil de conseguir e nos permittirá assim poder usar do direito de dirigir aos membros do governo quaesquer perguntas ou interpellações sobre negocios por vezes importantes, porque o são quando se refiram a interesses geraes, ou ainda mesmo quando se limitem a assumptos do interesse mais particular das localidades que representámos, interesses que tambem não devemos descurar, e que em todos os parlamentos do mundo se tratam antes da ordem do dia.
Acatando, pois, a resolução da camara, pediria no emtanto a v. exa. que, para a completar, se dignasse officiar aos membros do poder executivo, para que elles, informados devidamente d'essa resolução não deixassem estar aqui sem representação o gabinete, cumprindo que um ou mais dos srs. ministros se achem sempre presentes na camara du-

Página 1289

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1289

rante a primeira hora da sessão anterior a ordem do dia. (Apoiados.)
Esperando tambem que por parte do governo se não falte ao comprimento d'este dever, porque o é, e que os membros da camara não deixem de comparecer em numero sufficiente para que possa abrir-se a sessão e verificar-se esta palestia, tão indispensavel no modo de ser dos parlamentos, declaro comtudo, em nome da opposição, que, no caso de não surtir resultado o alvitre proposto por v. exa. e acceito pela camara, nos reservâmos levantar esta questão tantas quantas vezes foi em necessarias para defeza de um direito que a todos nos cumpre manter. (Muitos apoiados.)
Não desejo por forma alguma aggravar este incidente e por isso não toco senão muito de passagem na circumstancia de que o deputado que estava usando da palavra, o sr. Elvino de Brito, o fazia de accordo e á sombra de uma disposição do regimento, limitando se á leitura do projecto que tencionava mandar para a mesa, leitura obrigatoria, á face do mesmo regimento. (Muitos apoiados.)
Não insisto n'este ponto, porque, como disse, não desejo aggravar o incidente. Comprehendo que no meio do tumulto que havia na camara não fosse bem apreciada a situação e os intentos do sr. Elvino de Brito, mas incontestavelmente elle usava de um direito, e nós temos o dever de pugnar pela manutenção dos nossos direitos. (Muitos apoiados.)
Aguardando, portanto, os effeitos da recente deliberação da camara, e confiando que o expediente adoptado traga bom resultado, a fim de que possamos interpellar o governo e ouvir sobre todas as questões de administração as respostas que os srs. ministros entendam dever e poder dar-nos; reservo comtudo, caso assim não aconteça, e expressamente o declaro mais uma vez, por mim e em nome dos meus collegas, o direito de reclamarmos a todo o tempo o cumprimento integral da disposição do regimento, para que haja sempre quatro horas de sessão, sendo a primeira destinada aos assumptos que só podem ser tratados antes de se entrar na ordem do dia.
O sr. Presidente: - A resolução da camara com respeito a abertura das sessões será communicada ao governo.
Vae passar-se á ordem do dia, continuando em discussão, na sua generalidade, o projecto de lei n.° 13 e tem a palavra o sr. Julio de Vilhena.

ORDEM DO DIA

O sr. Julio de Vilhena: - Em harmonia com as disposições do regimento, começo por ler a minha moção de ordem.
Diz assim :
« A camara entende que deve ser reformado o artigo 75.° § 14.° da carta constitucional, e continua na ordem do dia.»
Quando, no seio da commissão encarregada de rever o projecto que se discute, se levantou a questão de saber se estava nas attribuições do parlamento actual deixar de reformar o artigo 75.° § 14.° da carta constitucional, eu tive a honra de perguntar ao illustre presidente do conselho, se o governo fazia questão politica da eliminação do artigo 8.° do seu projecto.
S. exa. declarou-me que o governo não fazia questão ministerial da eliminação do referido artigo, e em vista d'esta declaração, feita pelo illustre chefe do gabinete, a minha moção de ordem não representa nem póde representar um pensamento de desconfiança ministerial.
O governo não fez nem podia fazer questão politica da eliminação do artigo 8.° do seu projecto, porque, sendo o governo da opinião de que se devia reformar o artigo convernente ao beneplacito, tendo defendido abertamente esta opinião e manifestado sem restricções o seu pensamento reformador, tanto no relatorio que precedeu o projecto de onde nasceu a lei de 15 de maio de 1884, como no projecto apresentado ultimamente, é manifesto que o governo não podia fazer questão politica do reviramento da sua propria opinião.
Alem d'isso tratava-se de saber se, nos termos em que foi conferido o mandato ao actual parlamento, póde a camara revisora deixar de reformar alguns dos artigos, cuja necessidade foi reconhecida. E uma questão puramente de consciencia dos deputados e em que por sua propria natureza é impertinente a interferencia do governo.
Tendo, pois, o governo declarado no seio da commissão, que não fazia, nem podia fazer, questão politica da eliminação do artigo 8.° do seu projecto, é manifesto que a opinião da camara é inteiramente livre e está completamente desassombrada de toda e qualquer consideração politica, e conseguintemente póde a minha moção, seguindo os tramites legaes, ser approvada, sem que por esse facto haja a menor perturbação na actual situação politica.
A camara sabe perfeitamente que se a minha moção revelasse um pensamento de desapprovação às idéas do governo, não a teria apresentado porque tenho militado sempre no partido regenerador, n'elle estou e n'elle quero estar, durante o resto da minha vida publica.
Não sou o Luthero, nem mesmo o Melancton de uma religião politica reformada; acceitei, ao jurar bandeiras na politica, as idéas do partido regenerador, hei de trabalhar por ellas e defendel-as emquanto tiver voz nos conselhos da nação.
Mas não sou um servo adstricto á gleba ministerial, tenho a liberdade das minhas opiniões, e no assumpto de que vou a occupar me não faço coacção nem violencia de especie alguma á minha intelligencia, porque o meu pensamento é ou foi tambem o pensamento do governo. Caminho pela linha recta, estou onde estava, não mudei. (Muitos apoiados.)
Quando eu fazia parte do gabinete presidido pelo sr. Fontes, declarei, em harmonia com a opinião de s. exa., que era necessaria a reforma do artigo relativo ao beneplacito, e o governo actual sustentou a reforma d'esse artigo. Se o governo actual mudou, não é isso motivo bastante para eu mudar tambem. (Apoiados.)
Antes de tudo, sr. presidente, vou tratar a questão que tive a honra de levantar no seio da commissão encarregada de estudar o projecto das reformas politicas, questão de gravidade e importancia, e sem duvida a de maior alcance que se póde suscitar no seio de um parlamento constituinte. A questão é esta.
Nos termos e segundo o processo adoptado para a revisão dos artigos indicados na lei de 15 de maio de 1884 póde a camara constituinte deixar de reformar qualquer d'esses artigos? Note a camara como eu ponho a questão.
Eu não pergunto em these se, conforme os principios do direito constitucional, seria conveniente conceder às camaras constituintes poderes limitados, ou mais ou menos restrictos.
Eu trato a questão segundo o direito positivo.
Pergunto se, segundo o processo adoptado por nós para a revisão da carta constitucional, e não discuto agora se esse processo é bom ou mau, porque passou já a occasião opportuna para essa discussão, está nas attribuições do parlamento actual deixar de reformar qualquer dos artigos indicados na lei de 15 de maio de 1884?
Esta questão é grave, porque, se nos poderes especiaes conferidos pelo nosso mandato, a camara actual não está no direito de deixar de reformar qualquer d'estes artigos, é evidente que nós passamos por cima da lei de 15 de maio de 1884.
A camara está no estado anarchico?
Está n'uma situação illegitima?
Representa a vontade do paiz?
A camara saiu dos limites do seu mandato?

Página 1290

1290 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ora, sr. presidente, a camara comprehende perfeitamente a gravidade d'esta questão, porque, se nós estamos a exercer poderes que não são legaes, é evidente que a reforma constitucional que vamos fazer não póde ser jurada pelo Rei, nem pelos poderes constituidos, nem tem força obrigatoria para nenhum dos cidadãos portuguezes.
Para que o acto addicional que estamos fazendo tenha força obrigatoria para a sociedade portugueza, é necessario que essa constituição seja feita nos limites das leis, e seja o resultado das funcções legitimas do parlamento actual.
Esta questão póde tratar-se em face dos artigos 142.° e 143.° da carta, em face da lei de 15 de maio de 1884, em face do direito seguido em occasiões identicas entre nós, e finalmente em face de considerações de uma ordem puramente politica.
Os artigos 142.° e 143.° da carta têem sido repetidas vezes lidos n'esta casa, mas parece que estão obliterados na memoria dos representantes da nação.
Os artigos 142.° e 143.° são de uma tal evidencia, a sua doutrina comprehende-se tão facilmente que me parece impossivel que sobre o assumpto que estamos discutindo possa haver duas opiniões.
Peço licença a v. exa. e á camara para recordar as disposições d'estes dois artigos.
Diz o artigo 142.°:
«Admittida á discussão, e vencida a necessidade da reforma do artigo constitucional, se expedirá a lei, que será sancionada e promulgada pelo Rei em forma ordinaria, e na qual se ordenará aos eleitores dos deputados para a seguinte legislatura, que nas procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração, ou reforma.»
Diz o artigo 143.°:
«Na seguinte legislatura e na primeira sessão será a materia proposta e discutida; e o que se vencer prevalecerá para a mudança ou addição á lei fundamental; e juntando se á constituição será solemnemente promulgada.»
Quem ler estes dois artigos vê perfeitamente que são dois os periodos da revisão constitucional, o da primeira e o da segunda legislatura. Os termos do processo de revisão relativos á primeira legislatura estão claramente fixados no artigo 142.° Os termos do processo de revisão relativos á segunda legislatura, que é a actual, estão precisamente designados no artigo 143.°
Nem a legislatura actual póde praticar actos que pertençam á legislatura anterior, nem a legislatura anterior podia legalmente praticar actos que pertençam á legislatura actual.
Se a legislatura anterior praticasse qualquer acto constitucional que por disposição da lei fundamental do paiz pertencesse á legislatura actual, commetteria uma usurpação; assim como a actual legislatura commetteria igualmente uma usurpação se praticasse algum acto que pertencesse exclusivamente pela disposição da carta á legislatura anterior.
Quaes são os actos que a carta constitucional considera como constituindo o primeiro periodo da revisão, ou como pertencendo á legislatura anterior?
É clara a disposição da carta «admittida á discussão e vencida a necessidade da reforma». Admissão á discussão, vencimento da necessidade da reforma. Em seguida promulga-se a lei, reunem-se os collegios eleitoraes, conferem-se os poderes especiaes aos deputados para poder ser realisada a pretendida alteração ou reforma.
Pergunto, a necessidade da reforma do artigo 75.° § 14.° foi ou não foi vencida? Creio que não póde dar-se senão uma das duas hypotheses, foi vencida, não foi vencida. Se foi vencida, a legislatura actual não póde discutir a necessidade da reforma, porque o vencimento d'essa necessidade na legislatura anterior exige que não possa ser novamente discutida na legislatura actual. Se não foi vencida a necessidade da reforma, não podemos reformar a carta constitucional, porque só depois de vencida a necessidade é que se expede a lei pela qual são conferidos poderes especiaes que nos habilitam a reformar.
Quer a camara actual reformar a carta constitucional, e por virtude de que o faz? Por virtude dos poderes que lhe foram conferidos. Do onde vem esses poderes? Da lei.
De onde vem a lei? Do reconhecimento da necessidade da reforma. (Apoiados.)
Se trouxerem novamente para a discussão a necessidade da reforma de qualquer d'esses artigos, hão de reconhecer que não é esta legislatura, mas a seguinte que ha de reformar a carta, porque só depois de vencida a necessidade d'essa reforma é que ella póde ser realisada. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, a carta ainda é mais expressa.
Para que são conferidos os poderes especiaes?
Responde a carta: os poderes especiaes são conferidos para a pretendida alteração ou reforma.
Segundo os termos adoptados para a revisão, a pretendida alteração ou reforma comprehende os artigos que se pretende alterar, por consequencia os poderes especiaes são concedidos no presupposto de que se faça a reforma que se pretende realisar.
A reforma, n'este caso, era a dos artigos indicados na lei de l5 de maio de 1884, e portanto a do § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional.
Os poderes especiaes foram concedidos no presupposto de que se faria a reforma d'esse artigo.
Nós pedimos aos eleitores os poderes especiaes, para que? Para fazermos a reforma de certos artigos da carta. Se não fizermos essa reforma, não cumprimos o mandato porque não usâmos dos poderes que nos foram conferidos. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, quaes são então as attribuições que pertencem á actual camara?
As attribuições que pertencem á actual camara estão marcadas no artigo 143.° da carta.
E proposta a materia, é discutida a materia, e o que se vencer prevalecerá para a mudança ou addição á lei fundamental.
A primeira legislatura pertence discutir a necessidade da reforma ; á segunda pertence discutir a materia da reforma.
A materia da reforma é uma cousa muito diversa da necessidade d'ella.
A materia da reforma é o assumpto d'ella, é a maneira de a realisar; não é a necessidade, porque a necessidade já anteriormente foi reconhecida.
Mas, o que se vencer, para quê? Para a mudança ou addição á carta.
A carta e de uma tal clareza, que não admitte que se possa vencer alguma cousa que não seja para a mudança ou addição dos artigos constitucionaes.
Se não alteramos nem acrescentâmos um artigo, fazemos mudança ou addição?
A carta constitucional impõe á camara que discuta a materia e determina que o que se vencer servirá para a mudança ou addição do artigo a que se referir. Ora, se nós não mudarmos nem additarmos o § 14.° do artigo 75.°, não obedecemos, manifestamente, á disposição do artigo 143.° da carta.
Mas ha mais: o que se vencer será solemnemente promulgado.
Então vence-se alguma cousa.
Se nós entendemos que podemos deixar de reformar um dos artigos indicados na lei de l5 de maio de 1884, entendemos tambem que podemos deixar de reformar todos, porque a faculdade é a mesma, mas, se não fizermos cousa alguma, como é então que aquillo que se vencer será additado á carta e solemnemente promulgado?! (Apoiados.)
Pois havemos de promulgar o que está promulgado? Havemos de fazer duas edições da carta ou de alguns dos seus artigos num só volume? (Apoiados.)
Se querem isto, querem um absurdo.

Página 1291

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1291

Mas vamos á lei de 15 de Maio de 1884.
Diz a lei no artigo 1.º que é reconhecida a necessidade da reforma; e indica depois os artigos que se devem reformar.
Que natureza tem esta disposição da lei?
Evidentemente é imperativa.
A lei não diz que pode ser reconhecida a necessidade da reforma, diz, ao contrario, que é effectivamente reconhecida.
Ora, se nós não reconhecemos a necessidade da reforma actual dos artigos indicados na lei de 15 de Maio, é evidente que não obedecemos á disposição
do artigo 1.º.
Devem intervir a camara dos pares e o rei. Pela doutrina seguida pela maioria da commissão, em muitos casos não pode realisar-se esta disposição.
Supponhâmos que deixávamos de reformar os artigos indicados na lei de 15 de Maio. Como podia ter logar a interferência da camara dos pares?
Pois se a camara dos pares só pode intervir depois de aprovado o projecto pela camara dos deputados, como é que a camara dos pares ha de intervir não fazendo nós cousa alguma? (Apoiados).
A intervenção da camara dos pares é para o caso de se suppor que fazemos alguma cousa de positivo e que o nosso pensamento se traduz em uma disposição constitucional.
É sobre esse facto positivo que ha de exercer-se a interferência da camara dos pares e a do rei com a sua sancção. (Apoiados).
Eu sei que muitos me4mbros do actual parlamento imaginam que ha um ataque á sua independência individual no cumprimento das condições do mandato que lhes foi conferido pelos eleitores; ma o mandato imperativo ou restrictivo, não faço questão de palavras, nem isso é necessário para o fim que tenho em vista, que é precisamente o que está no artigo da carta, não é uma offensa para o deputado. (Apoiados.)
Como é que os illustres defensores da opinião contraria combatem a idéa que eu apresento? Dizem elles em primeiro logar que a lei de 15 de Maio, determinando o numero de artigos a reformar, estabelece o máximo, mas dentro d'elle se podem reformar os que se julgar conveniente e não todos os que ali se encontram designados.
Eu leio a lei de 15 de Maio e a carta e não vejo n'elles as palavras e mínimo, que estão apenas na mente dos interpretes. Se os illustres deputados andassem appensos á carta e podessem constituir um novo acto addiciconal, se podessemos ler no seu cérebro, como podemos na disposição escripta que rege o assumpto, eu não teria duvida de acceitar essa doutrina, mas o que é certo é que ella não se acha na letra nem no espírito da lei. Onde falta a carta no máximo e no mínimo? Onde falla n'elles a lei de 15 de maio?
Dizem mais que, se fossemos obrigados a reformar os artigos fixados na lei, a camara actual ficaria valendo menos do que a camara anterior.
E depois, pergunto eu, que consequências prejudidicaes ao systemas constitucioal adviriam, se isso acontecesse? A camara actual e a camara anterior não são duas forças antagónicas cujo valor politico careça de ser apreciado.
Não são dois agrupamentos de homens que tenham de medir a sua força politica. São ambas a expressão da vontade do paiz.; a entidade que representam é a mesma, e pouco importa saber se a soberania popular valia mais o anno passado, quando decretava a necessidadae da reforma, do que vale este anno em que tarta de realisal-a.
Em qualquer das camaras, embora por actos diversos, é sempre a soberania da nação a operar.
Mas como querem que a camara actual tenha mais poder do que a camara anterior?
Reformando menos artigos dos que pretendia a camara anterior!
É curiosa a idéa.
As disposições indicadas para a reforma são quatorze; para a camara actual valer mais do que a anterior reforma só treze.
Pois bem, continue por este processo de affirmação de poder e verá onde chega. Em vez de treze reforme dez, vae crescendo em força; em vez de cinco, não reforma nenhum, chegou ao máximo do poder constituinte!
Feliz camara que quanto menos faz mais pode, e que pode tudo precisamente no momento em que não faz nada. (Riso.)
Eu comprehendo que a camara actual para valer mais que a anterior quizesse reformar mais artigos do que os indicados.
Mas para affirmar a força do poder constituinte da camara actual exigir que a reforme menos artigos, parece-me que é um pouco original. (Apoiados)
Dizem ainda; não se pode admittir mandato imperativo ou restritivo, mas acresecentam: nós podemos reformar o menos, mas não podemos reformar o mais.
Não comprehendo que não se possa admittir mandato restrictivo, mas que ao menos tempo se confesse que se não podem reformar mais artigos.
Pois se não se podem reformar mais artigos, reconhece-se evidentemente uma restricção ao mandato.
Aqui se vê, sr. Presidente, como pensam fugir ao mandato restrictivo e a final caem n'elle commum a ingenuidade digna de applauso.
E não se admirem de ser restrictivo o nosso mandato. Não é caso único. Mandato restrictivo, mais ou menos, houve sempre entre nós em occasiões idênticas.
A cortes constituintes de 1820 foram convocadas em virtude das instrucções de 22 de Novembro de 1820, assignadas por Manuel Fernandes Thomás; e estas instrucções diziam, fallando dos poderes que deviam competir aos deputados:
"Que em consequência lhes outorgam, a toods em geral e a cada um em particular, poderes amplos para poderem desempenhar as augustas funcções que lhes são commettidas, e para que, com os mais deputados da nação portugueza, possam proceder á organisação da constituição politica d'esta monarchia, mantida a religião catholica, apostólica, romana e a dynastia da sereníssima ca de Bragança, tomando por bases fundamentaes as da consituição da monarchia hespanhola, com as declarações e modificações que forem apropriadas ás differentes circumstancias d'estes reinos, contando, porém, que estas modoficações ou alterações não sejam menos liberaes, e ordenando tudo o mais que entenderem que conduz ao bem geral da nação."
Aqui tem v. exa. qual foi a restricção imposta no mandato dos deputados constituintes de 1820: quatro restricções, e importantes; devia ser mantida a religião catholica apostólica romana, devia manter-se a dynastia; devia tomar-se como texto a constituição hespanhola de 1812; não podia legislar-se cousa alguma que fosse menos liberal do que ella.
E os homens de 1820, que se podem apresentar como modelos aos parlamentares actuaes, não julgavam que fosse um desdouro, acceitar um mandato com restricções. É que elles, os austeros, os representantes, genuínos da nação, julgavam que era uma honra obedecer á soberania do paiz que lhes dava a investidura e a sagração do seu voto. (Apoiados.) É que elles entendiam que o seu poder de legislar não vinha sa sua vontade, mas da vontade do povo d'onde todos os poderes são oriundos. Veja a camara o que elles fizeram.
Em a821 discutism-se as relações entre a igreja e o estado a qual devia ser o systema que melhor convinha á sociedade portugueza d'aquella epocha.
"Nós jurámosmanter a religião catholica apostólica romana, a nação a jurou quando adoptou a reforma do go-
.

ppdia .ter ipgar a ja^4a/cmnara dos pares? -.->- ., " v5pj)[|.^>í|\cambara dos papes só póde injteryir depois de ápp^pvaqò o projecto, pela camara ^PS^P^Íaáofj P

,;>: jJ&T;interyençãò dá camara dp? pares é para p caso de se éujp£r,;^ e que o nosso ^nsájrâ.entp se^jr.a.duz .em inça disposição .constitucional. ^.i.^^s^p^X.ess.^ïactp npsitjy.p que h$ de exercesse a inter-*-"--? Ji"c^mára dos pares e a dp gei com a sua sanççãp.

nu^mbrps-do actuai parlamento I ma-ja.que á sua independência individual ;nô>^umpriméntp"das CúnçUçQes do mandato que lhes foi con-;fejrid(frpie]p|c\èiliei$ores j- nias p rmtndatp imperativo- ou restri-|açg.^[.jiej|;ãò 4e palavras, nem isso é necessario ,que tenhp era viHa, que é precisamente o que - car.ta, -nàp é uma offensa para o depu-

*H-ï-l5¥.(ii-ítf-^->-:..ii-. , j t j . ." , . (pomo e que os illüstres defensores da opinião contraria

ièlíïjfeatçïó -",a.-i^a xqug eu apre£entp?- Di^eni elíes em pri-^m^p^ipgar ,qug;a; leLde 15 ,de maio, determinando o nu-mérip;jd;§^ár:tigpsí,a: reforraar/estabejçce p máximo, mas déntr:p,..

.i*Í^-*X--~Í^-!r .º-j r>/-" ^ v1"" * ,J "P " ,

mente e^naOvtodos pá que ali- se encontram designados. \Ei|;leip;á;lei dp 1-5 de maio e a carta e não vejo nellas àá^jíàiayrgs m^ximp e niinimo, ,quo estão apenas na mente dp s" intérpretes. Se os ilíustrea deputados andassem appen-

"PÍÍ?;^*-? ,i*a,"íV .! .,- -. ,rl " " " ". ..-*" " - -IT

Bps:a carta e podessem constituir um novo acto addicional, se; podes"sèmos.Jer no seu cérebro, como .podempa na dispo-tg ^.g^,-rgge;o^a.s8ump|p, eu não teria-duyida em i^ÍQ§).fna8 9 qiie é perto é que plja não se ni 119 es|jiritq Ha lei. Onde faíla a carta ^ç np min|níp? Onde faíja neljes a lei do 15

niaji ,que;i:se fossemos perigados a reformar os na lei, a cariiara actual ficaria valendo

consequências, prejudiciaes

JLã^cpnstituciopaJ adviriam, se isso acontecesse ? A _ e 3 famar.ª anterior nílp são duas forças an- -.fëggiytáá ,cüjp,;\*alpr ppliíigp .careça de ser apreciado. ! :^;||a^:>sãQ;do[?i agppja,mepto| do homens^ que tenham de

- ÏR^P^*"a" su^ íprca. pQjiticrt. MUO ainpas a expressão pia von-

- %def~^õ.º gâizi jia.e^nlld^ô que representam é a mesma, e

- ppúçoiímpprtà saper só a soberania popular valia mais p açin.g. paj^a^pj^qujnjlp^dgcretaya a necpssiâade da, referma, olp\iíwC ïfil^-^Í^^Sï^l^ e,m que: trata de realisal-a. -

^A-i.p^^all^u^^^p^/jcamajr^s,, embora por actos diversos, é. sempre a soberania ~dàrïiayão ^operar, .--.-

a camara -. actual tenha maii po-

ré-

I fim ez

continua- ^ a;àügnaenár. ein ^j^(àér; ;içm fprrná nenhum, .chegou ao ma^i|çip ;4

Fíiliis! câmara que quanto nièQos- íojyi ppfi,7e .godé. tjidpl p4fècisaiuen.t.e no monientp em qup ií^g $$& nada/, " * " "" """ r-.º^-

Eu cpriip>ehendo que a camara actuai^ pária ;;, que a áúteriòr quizes?e reformar mais -a/.tig^:^4p.. ^ua

Mas para affirmar a forx;.ª do poder cpneíitujale *$&\ mara actual exigir que rt forme menos ar|igpfj qirs é um pouco original. {Apoiados-} - ^i * Dizem ainda: não se podo admittir mandato ii ou restrictivo, maa acrescentam: üòs p.ºãemQÍs"íríe, menos, mas não podemos reformar p majsí,- ,^.: ^

Não çomprehendo que não se pp^sa -^nà.ijttír . BT restrictivo, mas que ao mesmo tempo ;se jcpnfëssjí1 não se podem reformar mais artigos.- -\^^A^t:^^

Pois se não se podem ivf<_..rmar p='p' reft.triçyap='reft.triçyap' se='se' r-f.='r-f.' _.evidnteaieníe='_.evidnteaieníe' artígosféínhgí='artígosféínhgí' uma='uma' aéda-='aéda-' mais='mais' ao='ao'>

Aqui. ée vê, sr. presidente, como -- *-----

dato -r@strict.vo e a final caem nell digna de applauso.

E não se admirem de ser reatrietivo -p- npRSO .yma^ Não é caso único. Mandato restrictivo,^ mais._:óuf ít,, houve íempre entroí nós em occasiões identica.ã..í í-.:- ".-C

As cortes constituintes de 1820 foram convocadas s virtude das instrucyòes de 22 ao novembro;de. 1^820^-^81 srnadas por Manuel F* mandos Thomás ;= e-estas jnstraccr

O" l " . ^<_- p='p' _.--='_.--' av='av' _.º.='_.º.' k='k'>

diziam, failando da poderes que 4ey.iani"fton?-PP$Íï:*PS< putados: v ^ .-\-^-^-]^^-.

"Que em consequência lhes outorgam, a tpdpsem:gej e a cada um em. particular, poderes.agj desempenliar as augustas funcções que lhes são^cj das, e para-quej com os mais deputados ida.^nãçí gueza, possam proceder á organisaçãp da cqnstit^iy&P litica 4esta monarcliia, mantida a rçli^iãoCíUJ)oluáif>o^ tulica, romatia e a dynasii-i da sereni?sii)ia &qsa~^B gança, tomando por bases fundamentais as -da qpjí^tíuf da monarchia livspqnhola, coin as declarações-e inofttjícà[ que forem apropriadas às differentes çircii^iançiíã clés reinos, covitantOj porém, que estas jnofiiJl^^Q^ p^u-altèfaç não sejam nicnos liberaes^ e ordenando ^tuclpr p mái|,íiae: tenderem que conduz ao bem geral da>nayãp.º>>%*-"-i.

Aqui tem v. ex.ª qual fpi a reatriçcSp iinpQ§ta"no/m dato 4os deputados constituintes 4e 18.2.0: I ypes, e importantes; devia ser mantida ^ ca apostólica romana, devia manter-go a tpmar-se çonio tejcto a cpnsíiíuicàp hespí não podia legislar-se cousa alguma qu(c) fpss^ dp que ella..º - ; ~

E os homens de 182Q, que se modelos aos parlamentos actuaes, não j um desdouro, acceitar ,um nïan4aíp..g que elíes, os austeros, os repr,asent^ntej^gQnui^ò§.4ã..|| cão, julgavam que era uma honra pb.e4éë£r Á |?J^éçâJ:iia,?í paiz quê lhes dava a investidura e a sagr%çaor4oí|èu^ to. (Apoiadas.) É que eílos. entendiam que>o egu çodgr-:< legislar não vinha da gn^ vontade, mas 4ai yPní§^ 45 P VQ dpn4p~tcdQ8 ps podepes aãg oriuadofv^eja^a.çíijtóíirá; que elíes fizeram. \?-*-í.^ _^-^~-:

Em 1821: discutiam-se as relaçSes entre a p^ej§^-o. tado e qual djevia ser P systema; sociedade, portugueza daquéjl% e rQsr. Ferreira de Sousa dizia, "Noa juremos manter a ifia^a, a

fcí.^

-íSárè

-^*i

e",

.E

Página 1292

1292 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

verno e nos poz essa clausula nas precurações e sem duvida a nação entendeu e entende por manter a religião catholica o conserval-a pura, e sem mistura de outras, como ha muitos séculos se tem praticado..."
A clausula da procuração não irritava o sentimento de independência dos mesmos homens de 1820.
O sr. Correia do Seabra dizia:
"Este artigo tem duas partes, a primeira é a das bases; nesta podia estabelecer-se uma proposição genérica e indeterminada, para servir de fundamento e regra para os artigos constitucionaes, que se deliberassem e sanccionassem; mas a constituição já não admite esta generalidade, porque as nossas procurações dão os poderes para fazermos a constituição política da monarchia com a clausula expressa de manter a religião catholica apostólica romana.
Veja v. exa. o respeito, a veneração profunda com que os homens de 1820 fallavam das clausulas dos seus mandatos; elles não entendiam que era uma offensa para si e para o seu decoro perante os eleitores, perante aquelles que os tinham investido dos poderes para fazer uma constituição, essa clausula, essa restricção á sua liberdade de pensar, á sua liberdade de proceder. (Apoiados.)
Restrictivo foi o mandato que trouxeram os homens de 1838; foi restrictivo porque, embora se lhes dessem amplos poderes para reformar a carta, de qualquer maneira, exigia-se-lhes todavia que se tomasse como texto da reforma a constituição de 1822. Não era uma restricção apertada, como a que nos foi imposta no mandato que nos foi conferido, mas era uma restricção. "Deveis reformar a constituição de 1822, mas não tendes a liberdade de escolher para texto da reforma outra constituição que não seja a de 1822.
Restrictivo foi tambem o mandato conferido em 1851, porque era a carta de 1826 que se tomava como texto obrigatório, e se não foi tão restrictivo como o actual, é porque, dil-o o relatório que precede a convocação dos collegios eleitoraes, foram violadas as disposições dos artigos 141.º a 144.° da carta em nome da salvação publica. (Apoiados.}
Em 1851 entendia-se que o mandato não podia deixar de ser restrictivo, e se observassem as disposições dos artigos citados da carta, muito mais restrictivo havia de ser o mandato conferido pelos eleitores para se fazer a reforma da constituição de 1826.
Sob o ponto do vista político a questão não tem uma só circumstancia que lhe attenue a gravidade.
Com que direito não admittiu a maioria d'esta casa á discussão a proposta apresentada pelo sr. Consiglieri Pedroso? Que eu rejeitasse a admissão dessa proposta comprehendia se perfeitamente, porque para mim a lei de 15 de maio é sagrada, é a disciplina desta camara; mas aquelles que não reconhecera, que desprezam o artigo 1.° d'essa lei, com que razão podem negar a admissão á discussão de uma proposta que desconhece a disposição do artigo 2.° da mesma lei?
O que pretendia o sr. Consiglieri Pedroso? S. exa. negava a interferência da outra camara na obra da revisão constitucional.
Segundo os meus princípios, não tinha s. exa. direito para o fazer, porque os termos do processo estão marcados n'aquella lei, e a minha argumentação provém precisamente dos termos d'ella. Mas aquelles que não querem reformar o artigo 75.°, § 14.° da carta; aquelles que desprezam o artigo 1.° da lei, que auctoridade, que força moral podem ter para se levantarem contra um homem que quer desprezar o artigo 2.° dessa mesma lei?
Mais ainda.
Com grande pesar meu ouvi dizer ao illustre chefe do partido progressista que uma das rasões por que esse partido se afastava da discussão, era porque o governo tinha eliminado do seu projecto um dos artigos mais liberaes. Pois eu desejava que o partido progressista invocasse n'esta casa todos os argumentos que tem para justificar o seu procedimento. (Apoiados.)
Mas, custou-me ouvir dizer ao illustre chefe do partido progressista, que uma das rasões porque se affastava da discussão era porque o governo tinha sacrificado um dos principies mais liberaes da reforma.
Este motivo que é valioso foi o governo, não digo bem, foi a maioria da commissão quem lhe deu (Apoiados.)
Eu desejava nesta occasião verberar o procedimento do partido progressista, desejava mostrar ao partido, progressista que não tem poderes para estar callado, mas para discutir o projecto.
Eu posso fazel-o, mas os que pensam em sentido contrario a mim é que não podiam fazei-o. (Apoiados.)
Sr. presidente, (Com vehemencia) estão nesta casa do parlamento 74 deputados que votaram a necessidade da reforma da carta constitucional, estão n'esta casa do parlamento 70 homens que disseram aos eleitores, que era necessario reformar o artigo 75.° § 14.°, e que pediram para isso o indispensável mandato.
Não foi concedido por iniciativa do paiz, foi concedido por uma ordem d'elles. Mandaram que lhes dessem o mandato e os eleitores obedeceram.
Que fizeram elles então? Praticaram o acto de que modo? Pedindo aos eleitores, que dessem poderes para reformar a carta constitucional. Em sua simplicidade os eleitores deram-lhos, e querem agora rasgar os poderes que elles mesmos pediram!
Quando fomos levianos, hontem ou hoje? Hontem quando pedimos aos eleitores poderes para reformar um artigo, ou hoje quando não usámos d'elles?
Isto não é serio, não póde ser serio. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, para que sair do mandato imperativo? Sair do mandato para se eliminar um artigo do projecto, que é, alem de um pensamento altamente liberal, um pensamento de ordem e uma força na administração do paiz!
Para mim, a questão das relações entre a igreja e o estado não é uma questão que possa discutir se em face dos princípios, nem em face dos textos religiosos. S. Paulo é certamente o primeiro homem da igreja, como affirma Guizot, mas não é um modelo para os estadistas.
Isso para mim é absolutamente indifferente, debaixo do ponto de vista da administração publica, como homem político, como membro do parlamento ou do poder executivo.
Para mim a questão é outra.
Para mim a questão das relações entre o estado e a igreja é uma questão de liberdade, de tranquillidade e de segurança publica. (Apoiados.) A questão das relações entre o estado e a igreja não se determina por princípios puramente philosophicos.
Determina-se unicamente pelos princípios da conveniência do paiz.
No dia em que existir a liberdade de cultos em Portugal, hão de existir necessariamente associações religiosas, ha de haver liberdade de propaganda na igreja, na escola, no centro da família. No dia em que existira liberdade de cultos em Portugal hão de ser apresentados á frente das dioceses do reino os bispos mais reaccionários; os parochos hão de ser escolhidos á vontade do partido catholico, e o estado ha de estar em continuo sobresalto e em constantes perturbações.
A liberdade de cultos existe na Bélgica e na Prussia, mas veja v. exa. que resultados tem dado para o socego publico esse systema tão proclamado e tão brilhantemente defendido desde 1830 até hoje.
Organisou-se na Bélgica um partido forte, um partido reaccionário. As idéas do partido liberal n'aquelle paiz vão constantemente de encontro às tendências reaccionárias desse partido e nem sempre saem vencedoras da lucta. Hoje supprime se a legação junto do Vaticano, amanhã

Página 1293

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1293

Restabelece-se; hoje é supprimido o ensino catholico nas escolas, amanhã volta a admittir-se esse ensino.
A situação da Bélgica é um exemplo: frisante para os homens de estado de todos os paizes. Luctas intestinas, perturbações da ordem, eis o fructo n'aquelle paiz da liberdade de cultos.
Vejam o que succede na Allemanha. É forte o partido socialista, sem duvida, mas, muito mais forte é o partido catholico. O sr. de Bismark que faz mover as nações a um dos seus acenos, curva se muitas vezes humilhado perante o partido
catholico, que não o deixa governar á sua vontade. (Apoiados.)
Se um dia houver republica em Portugal, e eu existir, pedirei aos dirigentes dessa forma de governo a liberdade de cultos durante dez annos. Não me dêem mais nada.
Dêem-me a liberdade de cultos que eu prometto organisar o partido catholico e de tal modo que ha de destruir dentro dos dez annos todas as idéas radicaes proclamadas pelo partido republicano. (Apoiados.) É claro que lhes pedirei a liberdade de cultos como a proclamam, mas não a perseguição á religião catholica, como vulgarmente a entendem. (Apoiados.)
Eu sei perfeitamente que a liberdade de cultos existe nos Estados Unidos da America. Mas porque existe lá? Existe porque não póde deixar de existir.
Existe porque os Estados Unidos foram constituídos por fracções de população do velho mundo que professavam differentes crenças religiosas.
Quando Washington proclamou a liberdade de cultos não fez mais do que sanccionar por uma disposição de lei o que estava nos costumes do paiz.
D. Pedro IV neste ponto foi tão grande como Washington.
O que era a sociedade portugueza de 1820? Como se fez a revolução n'essa epocha? Ao grito de viva a dynastia, e viva a religião catholica apostólica romana. A proclamação do senado do Porto terminava saudando a religião catholica. As cortes eram convocadas mantendo-se a religião catholica apostólica romana. Leia v. exa. a constituição de 1822 e veja o que ela tem escripto no seu liminar. Em nome da Santíssima Trindade. Esta phrase é a traducção de uma epocha: é uma synthese que resume o sentimento religioso da nação n'aquelle tempo.
Continue v. exa. a ler a constituição de 1822 e verá o parocho a intervir nos principaes actos da vida política e eleitoral, a ler quando se reunia a assembléa eleitoral o que diz a lei eleitoral ácerca dos direitos e deveres dos eleitores. Constituia-se a camara dos deputados e o presidente, depois de ter ouvido a missa do Espirito Santo ia prestar juramento nas mãos do celebrante.
A sociedade de 1820 era isto; era uma sociedade essencialmente catholica apostólica romana. (Apoiados.)
D. Pedro IV, que veiu quatro annos depois da constituição de 1822, podia proclamar a liberdade de cultos sem offender as tradições?
D. Pedro IV fez em Portugal o que Washington fez nos Estados Unidos, traduziu nas disposições da lei o que estava nos costumes da nação.
A sociedade portugueza caminhou, as ordens religiosas foram extinctas, mas o sentimento religioso estava tão profundamente radicado no paiz, que a constituição de 1838 reconheceu a religião catholica como a religião official.
E hoje, sr. presidente, quem poderá, com justa rasão, negar que a maioria do paiz professa a religião catholica? (Muitos apoiados.)
Desappareceu o fanatismo religioso de outras epochas, mas o sentimento catholico existe profundamente enraizado no povo. E uma affirmação que ninguém póde justamente contestar. (Apoiados.)
Não ignoro que ha estadistas que têem defendido a liberdade de cultos. Está no pensamento de todos nós a phrase celebre do sr. Castellar, phrase que fez o giro do mundo litterario, mas que, como todas as phrases rhetoricas, não resiste á mais ligeira analyse. Perguntava o eminente orador: Pois o estado tem alma? O estado vae á missa? O estado confessa-se? Qual é a diocese do estado? Se o estado tem alma, em que sitio do valle de Josaphat ha de apparecer a alma d'este grande estado, chamado Hespanha?
Admirável é, sem duvida, este pensamento do grande orador, mas ha n'elle a concepção errada da noção do estado. O estado tem alma, e porque tem com a alma a intelligencia, tem escolas e academias subsidiadas á sua custa; o estado tem corpo, e póde soffrer e estar doente, e é por isso que tem hospitaes e asylos. O estado não é uma entidade abstracta, é um organismo humano que se agita e se move, que pensa e medita; é uma grande alma e um grande corpo. Tem uma sciencia, uma litteratura e uma arte, tem commercio e tem industria, tem estradas e caminhos de ferro, tem tudo o que possuem as nações, porque é uma entidade positiva e real, composta de cidadãos. (Apoiados.)
Vivendo a sociedade religiosa no estado, o que deve fazer-se em relação a elle?
E conceder aos poderes constituídos todos os meios que os habilitem a fazer com que ella, offendendo as liberdades, volte ao caminho legitimo. É por isto que não posso prescindir do beneplácito.
O que é beneplácito? É uma prorogativa da coroa?, Não é.
O beneplácito foi uma prorogativa da corôa quando só, fundiam na corôa todos os poderes.
Hoje o beneplácito é uma attribuição do poder legislativo e executivo.
A corôa não tem outras prerogativas senão as attribuições que lhe estão conferidas na carta constitucional do exercício do poder moderador. Eu reputo, é claro, prerogativa o que pertence exclusivamente ao Rei. Ora, o beneplacito é da competência do executivo e em certos casos do legislativo. Pertence ao Rei como chefe do poder executivo, mas não tem a significação que tinha no velho regimen.
O beneplácito é um meio de governar a igreja nas suas relações temporaes, é uma força na administração.
Onde está estabelecido que a religião catholica é a religião do estado, o beneplácito é necessario.
O código penal hespanhol tem disposições contra os membros do clero que publiquem diplomas que vão de encontro às leis e á constituição do reino. Em França existo o beneplácito.
O sr. Marçal Pacheco: - Não ha na Itália.
O Orador: - Não ha, de certo, mas foi abolido na lei das garantias pelos mesmos motivos por que Cavour defendia a liberdade de cultos.
A grande obra da unidade italiana não podia fazer-se, sem concessões ao clero e ao pontificado. Acabaram com o beneplácito, mas ficaram com o poder temporal do papa. Não perderam no contrato. (Apoiados.)
O beneplácito não é, pois, uma originalidade do direito portuguez. É um meio geralmente adoptado de governar.
Mas o artigo 75.°, § 14.° da carta deve ser reformado?
Chamo para este ponto a attenção da camara.
O artigo diz:
"Conceder ou negar o beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas..."
Já ouvi dizer que não era necessária a reforma deste artigo da carta, porque o artigo não póde soffrer mais de uma interpretação. Não é exacto. Eu sei que se diz que declarando a carta que é attribuição do poder executivo conceder o beneplácito, se concluo que quando não o concede implicitamente o nega. Mas por um argumento identico se póde dizer que, declarando a carta que é attribuição do poder executivo negar, beneplácito, quando não o

Página 1294

1294 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nega implicitamente o concede. O artigo está redígido de tal modo que cabem dentro d'elle os partidos oppostos. O partido liberal tom ao seu dispor o primeiro argumento, o partido ultramontano fica bem servido com o segundo. E ainda este ultimo partido tem em seu favor o estylo do reino, constituído por um grande numero de factos, porque no antigo direito, onde a doutrina era a mesma, a negação do beneplácito é a formula muitas vezes erguida.
Sirvam de exemplo os seguintes diplomas:
Lei de 6 de maio do 1765 que prohibiu o breve Apoztolicum pascendi;
Lei de 26 de agosto de 1767 que prohibiu o breve Animarum saluti;
Carta de lei de 2 de abril de 1768 que piohibiu a bulla In coena Domini;
Lei de 30 de abril de 1768 que prohibiu a bulla Sanctissimi domini;
Lei de 4 de dezembro de 1769 que prohibiu os indices exporgatorios e a bulla da ceia;
Edital de 22 de abril de 1774 que prohibiu o breve de Clemente XIV sobre o jubileu das ermidas do Senhor do Monte.
Ora foi para resolver esta questão que o governo declarem no seu projecto que era necessario o beneplácito expresso. (Apoiados.)
Pois não sabemos nós, sr. presidente, qual é a situação no paiz com respeito no beneplácito?
Toda a gente sabe que o concilio do Vaticano não obteve a beneplácito e todavia a infallibilidade pontificia, que só oppõe a uma das liberdades da igreja portugueza está nas pastoraes dos nossos bispos, consagrada como doutrina corrente.
Ora para o effeito pratico tanto faz conceder o beneplácito como tolerar o ensino de doutrinas que o não têem.
O clero serve-se da tolerancia do governo, exactamente como se podia servir da concessão do beneplácito.
Para evitar isso e para por o episcopado portuguez numa situação correcta, seria necessario, como o projecto da reforma do governo exige, que houvesse concessão expressa de beneplacito.
Sr. presidente, é uma reforma radical, é uma reforma necessária.
Mas, sr. presidente, desapparece a reforma no artigo 75.° § 14.°
Em que condições, era que circumstancias e era que momento histórico?
Vou entrar num assumpto que não é agradável ao meu espirito, mas em que devo entrar para cumprir rigorosamente o meu dever.
O sr. bispo da Guarda, o sr. arcebispo do Goa e o Sr. bispo de Angra, publicaram a bulla Humanum gentis; e deram mais ou menos disfarçadamente instrucções para a sua execução.
E antes de continuar eu devo declarar o que aliás toda a camara sabe.
A apresentação dos srs. arcebispo de Goa e bispo da Guarda foi feita por mim e eu não renego a responsabilidade dos meus actos. S. exas. foram nomeados por mim, é certo, mas antes de entrarem no governo das suas dioceses juraram nas minhas mãos cumprir a carta, e portanto prestaram obediência ao beneplácito. Não os apresentei para faltarem ao cumprimento das leis, mas para serem fieis cumpridores d'ellas. (Apoiados.)
Estas circumstancias, que fariam com que muita gente não fallasse no assumpto, são precisamente aquellas que me determinara a fallar n'elle, visto que eu tenho e não declino a responsabilidade da apresentação.
Eu sou amigo dedicado do sr. arcebispo de Goa, mas esse facto não me impediria de cumprir a lei se eu fosse ministro e elle tivesse incorrido em qualquer culpa.
Digo aqui estas palavras do alto da tribuna parlamentar tenho a certeza de que hão de ser lidas por s. exa., e tenho muito prazer em dizel- as. Conheço de sobejo o íllustre prelado para poder assegurar que elle não estranha de certo que eu pugne n'esta casa pelo cumprimento das leis.
O meu illustre amigo, o sr. Lopo Vaz, publicou uma portaria, admiravelmente redigida, como tudo o que é feito por s. exa., censurando o sr. bispo da Guarda. S. exa. e o governo tinham na sua mão o processo correccional e o recurso á coroa, mas estes dois processos não dispensavam a censura.
Eu já ouvi dizer n'esta casa do parlamento que os membros do episcopado não têem ninguém em Portugal acima d'elles. Esta asserção impressionou-me desagradavelmente.
Os membros do episcopado portuguez são funccionarios públicos subsidiados pelo estado e sujeitos, para os effeitos temporaes, ao governo.
Se houvesse liberdade de cultos entre nós, eu não podia dizer que são funccionarios públicos os bispos portuguezes; mas como a religião catholica é a religião do estado, eu digo que os membros do episcopado portuguez são funccionarios publicos subordinados ao ministro da justiça, e este não tem acima de si senão o re, que o demitte, e o parlamento, que o censura. (Apoiados.)

ortanto, o meu amigo, o sr. Lopo Vaz, cumpriu rigorosamente o seu dever, (Apoiados) e eu por consequência não tenho motivos senão para o felicitar.
O sr. Pinheiro Chagas, que sinto que não esteja presente, fez tambem uma portaria com relação ao sr. arcebispo do Goa. A doutrina d'essa portaria é a mesma, mas os considerandos da portaria do sr. Pinheiro Chagas admiravelmente redigida, como tudo o que sae da sua penna, e em que ha aquella exuberância de estylo asiatico peculiar de s. exa., dão-me argumentos excellentes a favor da these que estou defendendo.
Para defender a minha doutrina ácerca do beneplácito não careço do mais nada do que o que diz o sr. Pinheiro Chagas na sua portaria. Eu vou ler os dois considerandos.
(Leu.)
Paremos aqui.

u não sabia que o beneplácito fora reconhecido sempre pelos Summos Pontifices podendo comprehender se nesta generalidade todos desde S. Pedro até Leão XIII. Imaginava até que tinha havido muitos Papas que não tinham reconhecido o beneplácito; mas s. exa. que é um historiador distinctissimo e conhece a historia do pontificado muito melhor do que eu, s. exa. que o diz é porque é assim. (Riso.)
Mas, se isto é assim, como eu creio, e não discuto, e estou convencido que o é, porque é que o sr. Pinheiro Chagas se não voltou para o clero portuguez, e muito especialmente para o episcopado, e não lhe disse isto: todos os Pontífices desde S. Pedro até Leão XIII têem reconhecido o beneplácito, e por consequência o episcopado está fora das determinações dos Pontífices?
De certo que o episcopado portuguez não reconhecendo o beneplácito como o têem feito todos os Papas creou um scisma na igreja catholica.
Mas ha mais alguma cousa.
Diz o sr. Pinheiro Chagas.
(Leu.)
Temos outro argumento forte a favor da minha doutrina, mas antes de o apresentar eu não posso deixar de declarar que não conheço situação mais invejável do que a de S. Francisco Xavier. Foi canonizado, tem uma grande adoração no oriente, e ainda por cima de tudo isso foi elogiado numa portaria do governo, (Riso.) e muitíssimo bem elogiado, porque S. Francisco Xavier era da minha opinião o da opinião do governo, mas não era da opinião dos bispos.
Eu não sei o que o sr. arcebispo de Goa respondeu a este considerando, mas eu se fosse arcebispo de Goa (hypothese audaciosa!) responderia da seguinte fórma; desde

Página 1295

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1295

que v. exa. se permitte a liberdade de apreciar os santos nas suas portarias consinta-me a liberdade de eu apreciar os ministros da marinha nas minhas pastoraes. (Riso.)
Mas á parte tudo isto, o que é certo é que a portaria é excellente, e encerra a verdadeira doutrina; mas esta doutrina é a condemnação do procedimento da commissão, porque a commissão entendeu que era necessario eliminar o artigo 1.° do projecto do governo.
Porque não foi a commissão da opinião de S. Francisco Xavier, que tanto defendeu o beneplácito? Porque não segue o parecer d'aquelles Papas que o acceitaram sem relu-ctancia? Não quiz; pois entenda-te com o governo que nos ensinou a verdadeira doutrina.
Até aqui ficaria tudo liquidado, mas o mais aggravante, o que mais póde offender o prestigio do poder, vae começar agora.
O sr. bispo da Guarda publicou uma carta em resposta á portaria do ministro da justiça; essa carta, que appareceu na imprensa, não é apocrypha, é autentica, e está sujeita á nossa apreciação. Começava assim:
"Consinta-me v. exa. que eu, accusando a recepção da portaria de 25 de outubro,
signifique mui respeitosamente a guiar, reconheço que o clero portuguez tem direito a que v. exa. quanto estranhei o teor d'ella.
Não comprehendo como um bispo, que é um funccionario publico subordinado ao governo, subsidiado pelo estado, venha dizer ao ministro, seu superior, na ordem hierarchica civil, que estranha as suas portarias!

içam, quer sejam civis, quer ecclesia&ticos. (Apoiados.)
Isso não é a igreja
Não quero ser desagradável ao governo, não é esse o meu intuito; mas creio que é nestas circumstancias que a força dos governos se deve manifestar.

Pergunto, pois, nestas circumstancias, devia ser retirado da discus>ão o § 14.° do artigo 75.° da carta?!

N r-o será isto de um alcance prejudicial, não digo para o actual governo, mas para o poder executivo, para a administração, em fim?

Pois não será inconveniente retirar esta disposição, dando assim forca aos prelado" desobedientes, dando assim

Reconheço que a situação do clero portuguez não é re

se resolvam questões importantes relativas aos seus inte-

resses: mas esse direito nada tom com os abusos que t;
-j conveniente reprimir.

Era necessário, por qualquer motivo, ser agradável ao
j clero?

Acho este facto de uma tal gravidade e importância, que digo francamente,
bem merece que se levante no parlamento um protesto solenne contra elle. (Muitos apoiados)
Mas ha mais alguma cousa.
Continua:
"Não entro propriamente no merecimento da causa; virá a sua hora, já que o governo entendeu opportuno lançar na tela na discussão, por occasião da reforma do código fundamental, a questão do beneplácito."
Como se vê, o governo é desafiado para discutir a questão do beneplácito, porque diz: "ha de chegar a hora em que essa questão ha de ser discutida, e lá estarei eu, com os meus collegas, para a defender."
Pois não chegou a hora! E devia ter chegado. (Apoiados)

Pois porque não resolve o governo a questão vital e rna- - xima da sociedade religiosa, a dotação delle?

Em 1832, Mousinho da Silveira extinguiu o* dízimos. A sua dictadura, que foi de organisação no que diz respeito á fazenda, á administração publica e á justiça, foi de destruição no tocante á igreja.

Em 1834, Mousinho da Silveira, quiz fazer a circum-

lamento um protesto solemnc contra elle. (Muitos apoiado s.º)

scripção diocesana, quiz reduzir os quadros capitulares, e

fazer uma nova divisão de parochias, mas não o póde fa-

j zer porque a alteração na cireumscripção diocesana não

I podia fazer se sem o accordo da Santa Sc e ella levantava
embaraços á acção do dictador

| Em 1838. estabeleceram-se os princípios em que assenta

ainda hoje o sy>tema das côngruas. Mas este systema dei-

Diz mais:
"Eu amo a publicidade e não declino a responsabilidade dos meus actos; e tanto que, como sempre uso, remetti em 29 de julho, a v. exa. dois exemplares, e ao governador civil, d'este districto um, da provisão publicada em 25; de modo que não sei bem explicar nem a demora, na publicação da portaria, nem a declaração de nessa secretaria só se tivera conhecimento da provisão pelo governador civil, nem o zelo serôdio e muito culpável d'este."
É extraordinário!
Ha aqui uma accusagão a um ministro, ha a negação de uma affirmação feita pelo ministro, na sua portaria, ha uma revolta completa do inferior para com o seu superior!
Mas o sr. bispo da Guarda chegou a dizer o seguinte:
"Eu podia reconvir e perguntou quem é que neste paiz e nestes tempos, em que ha liberdade e até licença para tudo, cumpre as leis?"
Pergunta-se ao poder executivo quem é que cumpre as leis n'este paiz?!
O poder executivo tinha uma resposta muito simples para lhe dar!
Era esta: "Sou eu".
E não precisava dizer mais nada. (Apoiados.)
Realmente, vir um bispo perguntar ao executor das leis, quem é que cumpre as elis, é um acontecimento de tal ordem, que carecia de uma acção enérgica da parte do governo.
Pois se a energia do poder não é para estes caso, para quando será?
Não quero ser desagradável ao governo, não é esse o meu intuito; mas creio que é n'estas circunstancias que a força dos governos se deve manifestar.
Pergunto, pois, n'estas circumstancias, devia ser retirado da discussão o § 14.º do artigo 75.º da carta?!
Não será isto de um alcance prejudicial, não digo para o actual governo, mas para o poder executivo, para a administração, enfim?
Pois não será inconveniente retirar esta disposição, dando assim força aos prelados desobedientes, dando assim força á reacção, a esse partido chamado catholico, que pretende formar-se com o intuito de atacar a liberdade e a dynastia e que nada tem podido fazer até agora, graças aos esforços de todos os partidos liberaes sem distincção de bandeiras politicas? (Apoiados.)
Parecerá porventura á camara, que sou contra a igreja; não sou, o que combato são os abusos dos funccionarios públicos, qualquer que seja a categoria a que elles pertençam, quer sejam civis, quer ecclesiasticos. (Apoiados.)
Isso não é a igreja.
Reconheço que a situação do clero portuguez não é regular, reconheço que o clero portuguez tem direito a que se resolvam questões importantes relativas aos seus interesses; mas esse direito nada tem com os abusos que é conveniente reprimir.
Era necessário, por qualquer motivo, ser agradável ao clero?
Pois porque não resolve o governo a questão vital e máxima da sociedade religiosa, a dotação d'elle?
Em 1832, Mousinho da Silveira extinguiu os dízimos. A sua dictadura, que foi de organização no que diz respeito á fazenda, áadministração publica e á justiça, foi de destruição no tocante á igreja.
Em 1834, Mousinho da Silveira quiz fazer a circumscripção diocesana, quiz reduzir os quadros capitulares, e fazer uma nova divisão de parochias, mas não pôde fazer porque a alteração na circumscripção diocesana não podia fazer se sem o accordo da Santa Sé e ella levantava embaraços á acção do dictador.
Em 1838, estabeleceram-se os princípios em que assenta ainda hoje o systema das congruas. Mas este systema deixou o clero na miséria, e torna-se necessário completar a obra do Mousinho da Silveira, hoje que as difficuldades desappareceram, pois que estão reduzidas as dioceses e está auctorisado o governo a organisar os cabidos.
A dotação do clero póde fazer-se sem se agrravar o thesouro.
Com os bens dos cabidos, das fabricas, das cathedraes, dos passaes dos parochos, dos conventos das religiosas, póde formar-se uma grande massa de bens que chega perfeitamente para a dotação do clero.
Pois se o governo quer resolver uma questão vital para a sociedade portugueza, complete a obra começada por Mousinho, faça a dotação do clero, cumpra a sua obrigação, e é melhor isto do que recorrer a estes expedientes que nada resolvem e servem apenas para desprestigiar o poder.
Eu sustento o projecto do governo em todos os seus artigos, e desde que eu estou de accordo com elle, a minha posição obriga-me a defender o projecto nos outros artigos, porque elles representam o meu pensamento, como o representava na reforma primitiva aquelle que a commissão eliminou.
O projecto do governo tem sido combatido por differentes oradores, principalmente pelo sr. Dias Ferreira, e pelo representante do partido republicano, o sr. Consiglieri Pedroso: mas como a camara determinou que a moção do sr. Pedroso não fosse admittida á discussão, eu para estar em harmonia com os meus princípios, não discuto a moção, porque não foi admittida á discussão. (Apoiados.)
E só por esse motivo e não por falta de consideração pelo illustre deputado.

69 **

Página 1296

1296 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O discurso do sr. Dias Ferreira teve ires partes inteiramente distinctas. Na primeira parte apreciou s. exa. as condições económicas do paiz, na segunda parte fallou do accordo e na terceira justificou as propostas que mandou para a mesa.
Não se comprehende bem o laço logico, a relação intima que possa haver entre as três parles do discurso proferido por s. exa.
Emquanto á situação económica do paiz creio que está no animo de toda a camara que não é prospera; mas o que eu não comprehendo e que o homem que foi ministro, que é chefe de um partido, que ha de chegar a ser presidente do conselho e a dirigir uma situação, tenha o grande prazer de vir para a camara descrever com cores carregadas a situação economica do seu paiz. (Apoiados.)
É necessario que todos estejam orientados. Qual deve ser a orientação de um estadista como s. exa.? Que prazer póde ter um homem de estado que ha de governar o paiz, em mostrar ao estrangeiro a situação desgraçada em que esse paiz se encontra? Isto não ha de influir no credito paiz? Ha de influir necessariamente.
Existe em Portugal uma crise agricola, uma crise economica. Qual é a maneira de resolver estas crises? E tornando o pariato electivo? Pois a crise economica não existe em Hespanha onde o senado é metade de eleição e metade de nomeação? Não existe na França onde o senado é todo de eleição? Não existe tambem na Allemanha, onde camara alta tem uma origem aristocratica?
As crises economicas são inteiramente independente da organisação dada á camara alta e são determinadas por causas especiaes. (Apoiados.)
A situação economica não tem pois relação absolutamente nenhuma com a reforma da camara dos pares.
Sobre o accordo não quero fallar. Mas se o sr. Dias Ferreira estivesse presente havia de lhe perguntar o que aconteceu quando eu saí do ministerio.
Até á occasião em que fallou o sr. Dias Ferreira eu estava convencido que quando saí do ministerio tinha havido um accordo entre o illustre deputado e o governo. Imaginei que esse accordo é que dera origem á minha saída do gabinete, e por isso é que não comprehendo como s. exa. tenha tanta animosidade contra o accordo, quando por vontade e por consentimento de s. exa. se fez o accordo em virtude do qual eu saí do ministerio.
Mas vamos às propostas do sr. Dias Ferreira.
S. exa. quer em primeiro logar o conselho de estado electivo.
Não comprehendo a existencia de um concelho de estado electivo. Comprehendo que se possa dispensar como se dispensa em muitas nações da Europa.
Comprehendo a necessidade do conselho d'estado quando há uma só camara, como, por exemplo, em 1848, em que se admittia o conselho de estado, porque a assembléa legislativa queria que houvesse apenas uma camara.
Comprehendo a necessidade do conselho d'estado no nosso antigo regimen, em que o Rei governava sem côrtes, e ainda modernamente, como aconteceu na Grecia, onde o rei Othon governou sem côrtes e unicamente acompanhado do conselho d'estado.
O conselho d'estado póde dispensar se no regimen constitucional, porque os conselheiros do Rei são naturalmente os ministros.
Mas um conselho d'estado electivo não se comprehende.
Um conselho d'estado electivo representa o pensamento da situação, sob cuja influencia foi eleito, e não se comprehende que, caída essa situação, elle fique ao lado do Rei aconselhando-o.
O Rei, n'este caso, fica sempre em conflicto; ou com o conselho d'estado, que representa o pensamento do gabinete demissionario, ou com as camaras, que representam o pensamento da situação dominante.
As constituintes de 1820 queriam o conselho d'estado electivo, mas ainda assim davam ao Rei o direito de escolher em lista triplice os individuos que deviam servir n'aquelle elevado corpo politico.
Mas um conselho d'estado electivo, como o queria o sr. Dias Ferreira, e havendo duas camaras, seria um elemento constante de conflictos para o Rei, e poderia dar origem a que a pessoa do monarcha fosse arrastada para as discussões publicas, porque poderia facilmente acontecer que o pensamento do conselho d'estado fosse differente do das duas casas do parlamento.
Disse s. exa. tambem que era necessario tomar electiva toda a camara alta.
Sei, e sabe toda a gente, que a camara alta é toda electiva em alguns paizes da Europa.
Mas eu não sou d'essa opinião.
Para mim uma camara alta, saindo da mesma origem de onde sáe a camara dos deputados, significa apenas uma camara só funccionando em edificios diversos. (Apoiados.)
É necessario que a camara alta tenha no todo ou numa grande parte o caracter de inamovibilidade, de permanencia, o que não represento, nem póde representar, o mandato popular, naturalmente variavel com as flutuações da opinião.
Approvo a organisação que se dá no projecto á camara dos pares, apesar do argumento que se tem apresentado contra ella e a que não negarei valor.
A este argumento já respondeu o meu illustre amigo o sr. Barjona de Freitas, mas vou referir-me a elle, porque tem realmente alguma importancia.
Este argumento é que, reunidos os pares de nomeação régia, não há governo que possa governar, embora tenha por si a confiança da corôa e a do paiz manifestada na eleição.
Isto é verdade, mas é uma hypothese; e contra esta hypothese protestam os factos que se têem dado em Portugal desde 1826 até hoje.
A estatistica do pariato demonstra que desde 1826 até hoje não houve governo algum que necessitasse de 50 pares para poder governar.
Em 1826 foram creados 73 pares, foi constituição da camara; em 1834, 21; em 1835, 17; em 1842, 30; em 1851; 3; em 1852, 7; em 1853, 20; em 1861, 15; em 1862, 25; em 1874, 20; em 1880, 14; e em 1881, 36.
Quer dizer, houve transformações politicas completas em Portugal, sem que fossem necessarios 50 pares para o governo poder governo desassombradamente.
Em 1842, anno em que se deu a restauração da carta, bastaram 21 pares para o governo poder governar.
Isto significa que tem havido tranformações completas, e que se têem succedido os ministerios representando os partidos mais oppostos, sem que nenhum d'esses ministerios tenha precisado de 50 pares.
A uma simples hypothese parece-me que responde completamente este argumento derivado dos factos. (Apoiados.)
Pois imagina alguem que com homens inamoviveis e independentes, como os pares do reino, podem em qualquer paiz, e muito menos no nosso, estar congregados no mesmo pensamento?
Nem aqui, nem em Hespanha, nem em França, nem em geral nos povos da raça latina, se póde dar similhante facto.
Com votos reunidos em volta da mesma idéa, manifestados por homens de diversas procedencias politicas, conseios da sua independencia e do seu valor, é um impossivel. (Apoiados.)
É preciso não conhecer o caracter humano e muito menos o caracter portuguez para admittir uma hypothese d'aquella ordem. (Riso.)
Resta-me fallar da terceira proposta do sr. Dias Ferreira. Se é necessaria a interferencia da segunda camara nas leis ordinarias, porque dá mais garantias ao paiz, não póde dispensar-se na formação das leis constitucionaes, que pela

Página 1297

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1297

sua importancia exigem maior estudo e exame. Nas epochas revolucionarias as camaras unicas têem rasão de existir porque então rompe-se o pacto social, suspende-se o exercicio dos poderes, o povo reivindica a soberania que delegou e procede-se a uma reconstrucção. Ha tudo para fazer. Mas nas circumstancias normaes em que a acção dos podores constituidos não se suspende, nem soffre a menor alteração no seu exercicio, a obra da revisão não póde deixar de effectuar-se com o concurso dos organismos existentes.
A historia politica dos povos falla bem alto, e attesta que as constituições feitas ou revistas por uma só camara pouca duração têem tido. Foi obra do urna camara única a constituição franceza de 1791 e apenas viveu dois annos. Foi obra de uma camara unica a constituição de 1793, que teve vida ephemera, porque caiu tambem dois annos depois. De uma camara unica brotou a constituição de 1795 que expirou sob o golpe de estado de 18 brumario. De uma camara unica sahiu a constituição de 1848 que morreu ao golpe de estado de 2 de dezembro. Ahi tendes o que as camaras unicas deram á França, convenções e despotismos, 93 e 48, 18 brumario e 2 de dezembro, a dictadura dos parlamentos e o governo dos dois Napoleões. (Apoiados.)
O que deram as camaras unicas á Hespanha na formação das suas constituições? Foi obra de uma camara só a constituição de 1812 e desappareceu em 1814. Por uma camara unica foi feita a constituição do 1837, que foi exahalar o ultimo alento em 1845, sob a acção centralizadora da politica de Narvaez. Um anno apenas viveu o acto addicional de 1856, filho tambem de uma camara unica. Quatro annos teve de existencia a constituição de 1869, e ao seio de uma camara unica foi o general Pavia expulsar os representantes do seu paiz.
Vêde o que deram á Hespanha as camaras unicas, convenções e despotismos. Fernando VII e Isabel, Narvaez e Pavia.
O que deram á Grecia as camaras unicas? As constituições d'epidauro, d'Astros e de Trezena, que tiveram vida ephemera, e em seguida a tyrannia de Capo d'Istria e o governo do rei Othon, sem parlamento durante alguns annos.
O que deu uma, camara só nas suas constituições a Portugal? A constituição do 1822, que caiu passado um anno e caiu como? Não caiu fulminada por uma dessas congestões que atacam os parlamentos como atacam os homens, caiu desfallecendo nos ultimos symptomas de uma anemia profunda.
Estudem os ultimas dias das côrtes constituintes de 1822, e vejam a tristeza profunda que se apoderou da assembléa e como o sentimento da liberdade bruxuleava até extinguir-se de todo como uma luz que se apaga por falta de combustivel. (Apoiados.)
Foi obra de uma camara unica a constituição de 1838, e caiu com a restauração da carta.
Ahi está o que deram as camaras unicas portuguezas. O absolutismo victorioso em 1823, o cartismo vencedor em 1842.
Eis as rasões por que eu não quero a reforma da constituição operada por uma camara unica. As camaras unicas que tendem a abusar, succedem-se sempre as reacções poderosas, as dictaduras oppressoras.
Que representa a reforma que estamos fazendo? A reforma póde representar muito, e oxalá que representei, se o poder legislativo se collocar na esphera que lho for determinada pela lei; porque a reforma no seu pensamento, como foi apresentada em 1882, é um grande progresso politico com relação á situação actual e às situações anteriores.
Ha um estudo que está por fazer em Portugal e que é necessario que se faça; é o estudo das quatro epochas constitucionaes, 1822, 1838, 1852 e 1885, comparadas no seu conjuncto, n'uma grande synthese; quem fizer isto verá que é uma grande affirmação liberal o projecto que estamos discutindo. (Apoiados.) Eu reconheço por affirmação de principios que pelas circumstancias historicas do paiz se traduzem nas leis sem perturbação da ordem, sem commoção de especie alguma. Não considero conquista liberal a proclamação de uma idéa que se não póde realisar na sociedade.
Considero uma conquista liberal a idéa que se traduz na legislação do paiz sem sacudimento ou sobresalto de nenhuma especie.
O que foi 1820? 1820 não foi verdadeiramente uma epocha de liberdade. A sociedade portugueza não podia conformar se com a constituição de 1820. A revolução de 1820 foi uma recolução militar e academica. A crença geral do paiz era a da religião catholica apostolica romana; governavam os frades; a universidade estava cheia de direito romano e canonico. O direito romano dizia que a vontade do principe tinha força de lei, e o direito canonico ensinava que todo o poder vinha de Deus.
Era impossivel fazer uma constituição liberal n'uma sociedade educada d'esta maneira.
A revolução de 1820 foi uma revolução academica. Citava se Bruto e Catão a cada passo, e os revolucionarios faziam hendecassilabos perfeitamente. Ora o espirito revolucionario é grande de mais para caber dentro das formulas do classicismo.
O que era o paiz em 1836?
As ordens religiosas tinham effectivamente desapparecido; nas universidades o ensino, mas a opinião do paiz era bastante auctoritaria.
Não tinha decorrida o tempo necessario para o paiz poder acceitar as idéas liberaes e a constituição de 1838, por isso essa constituição caíu.
O que foi a reforma de 1852? Foi apenas um acto de habilidade. (Apoiados.)
Comparem o acto addicional com as reformas que estamos fazendo, e digam-me sinceramente se estas não são superiores áquelle. (Apoiados.)
O acto addicional não organisou o poder legislativo, não entrou na constituição de nenhum poder, affirmou, é verdade, o principio salutar da abolição da pena de morte nos crimes politicos, mas esse principio não era uma disposição constitucional; e tanto que nós abolimos depois a pena de morte nos crimes civis, sem para isso termos necessidade de reformar a carta. Mas, no que é propriamente constitucional, no que diz respeito aos direitos e deveres dos cidadãos e á organização dos poderes, a reforma que estamos discutindo é evidentemente muito superior ao acto addicional de 1852. (Apoiados.)
Foi o habil Rodrigo dá Fonseca Magalhães, simplesmente um habil, que, aproveitando o estado do anarchia em que o paiz tinha vivido até então, applacou as paixões, e deu-lhes um simulacro de reforma da carta, conseguindo restabelecer a paz em Portugal durante cincoenta annos.
A reforma do hoje é mais alguma cousa (Muitos apoiados.) E para isto basta advertir que a segunda camara vae ser essencialmente modificada. (Apoiados.) Os quatro periodos da revisão constitucional estam perfeitamente synthetisados nos homens que os representáram: em 1820, um academico, Fernandes Thomás, em 1836, um ingenuo. Passos Manuel; em 1852, um habil, Rodrigo da Fonseca Magalhães; em 1885, sr. Fontes.
Como deve ser classificado? A historia o dirá. Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos dos seus collegas.)
leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara entende que deve ser reformado o artigo 75.º, § 14.º da carta constitucional, e continua na ordem do dia. = O deputado, Julio de Vilhena.
´foi admittida, ficando em discussão com o projecto.

Página 1298

1298 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a representação da camara municipal de Ponta Delgada, e o projecto de lei n.° 31-H auctorisando o governo a conceder, durante tres annos, a isenção de direitos de entrada a todo o material e machinas que a camara municipal de Ponta Delgada importar para as obras do abastecimento de aguas da respectiva cidade.
A imprimir.
O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa o parecer da commissão do ultramar, sobre a proposta n.° 6-M, apresentada pelo sr. deputado Searnichia, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 74 da sessão legislativa de 1884, para ser auctorisado o governo a reintegrar no posto de tenente do exercito de Africa oriental a Francisco José Diniz, coutando se a sua antiguidade desde a data do decreto que o reintegrar, sem direito a vencimento algum anterior.
A imprimir.
O sr. Ministro do Reino (Barjona do Freitas): - Respondeu detidamente ao sr. Julio de Vilhena, mas o discurso só poderá ser publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.
O sr. Reis Torgal: - Sr. presidente, a camara está ainda sob a vivissima impressão produzida por um dos mais notaveis discursos, que ele ha muito se tem pronunciado no parlamento portugues.
Cabe-me a palavra n'estas tristissimas circumstancias. Tudo me aconselhava a desistir do direito que a ella tenho, se mais alto se me não impozesse o dever de manifestar clara e francamente a minha opinião sobre o assumpto que se discute.
Mas, no momento solemne em que se trata de reformar a constituição do estado, quero dizer clara e francamente ao paiz como cumpro o mandato popular, por cuja virtude aqui estou.
Não desistirei, pois, do meu direito, que é tambem um dever.
A camara dispensar-me-ha a benevolencia com que sempre me tem honrado, e a insufficiencia da minha palavra será attenuada pelas condições excepcionaes em que me encontro.
O sr. conselheiro Julio de Vilhena, com a sua vastissima illustração e com a admiravel facilidade da sua palavra, prendeu tanto o espirito da camara, enleou por tal forma a attenção de quantos o ouviram, que a minha posição se aggrava e compromette em extremo. Sem embargo, cumprirei o meu dever.
Sr. presidente, tenho acompanhado com vivo interesse este debate; e estava, convencido de que, depois da lei de 15 de maio de 1884, a ninguem já era licito discutir, se é ou não necessaria a reforma; se devem ou não reformar-se os artigos para tal fim designados na referida lei. O meu juizo, porém, começa a vacillar: o meu espirito está perplexo ante as opiniões encontradas, e, não obstante, auctoridades de dois dos mais notaveis oradores d'esta casa!
Tenho ainda presentes os notabilissimos discursos dos meus illustres amigos e excellentes collegas, o sr. conselheiro Dias Ferreira e o sr. Manuel d'Assumpção. Tenho ainda bem gravada na memoria a impressão que em meu espirito produziu a palavra d'estes eloquentes tribunos!
O sr. Dias Ferreira, com a força da sua palavra, acostumada às grandes luctas do fôro, descreveu com tanta intidez e clareza o estado miserando da fazenda publica; o illustre estadista estudou com tamanha minuciosidade o estado economico do paiz, que, ante a longa e detalhada exposição que aqui nos fez do estado lastimoso da nação, todos, desde as cadeiras do governo, comprehenderam que só um remedio energico póde já atalhar a gangrena que nos mina a existencia: que é preciso entrarmos em vida nova; que carecemos de reformas largas, em virtude das quaes o governo se interessa, o mais directamente possivel, na administração do estado.
Mas, ao passo que o meu mestre e amigo, o sr. conselheiro Dias Ferreira, nos descrevia com negras cores o estado da agricultura, do commercio e da industria, o que fazia o sr. Manuel d'Assumpção?!
Passava em revista os povos do velho o do novo inundo e vinha alfim concluir triumphantemente: que éramos o povo mais ditoso do globo!!!...
E eu dizia commigo mesmo: quem terá rasão?! As reformas serão uma arma de combate desleal?! Estes reinos serão um paiz em caminho da ruina, como quer o sr. Dias Ferreira, ou serão a ilha dos amores que nos descreve o sr. Manuel d'Assumpção?!
Não careceremos effectivamente de reformas? Estamos em plena idade de oiro?
Não sei. O que, porém, é corto, certíssimo, é que o illustre deputado reconheceu a necessidade das reformas, votando a lei de 15 de maio de 1884, como vem de a reconhecer e demonstrar no excellente relatorio que precede o projecto em discussão.
Mas, se tudo isso passou; se este é com effeito o reino de Astrea, votemos a moção do sr. Consiglieri Pedroso; vamos-nos embora. A que proposito vem as reformas?
Do que nós carecemos é da lyra do sr. Thomás Ribeiro, para cantarmos este

«portugal, berço de innocentes,
«Jardim da Europa, á beiramar plantado.»

Sr. presidente, é preciso que digamos a verdade toda ao paiz. As reformas politicas estão sendo recebidas com uma indifferença tal que evidentemente se conhece não terem o apoio leal dos partidos, nem merecerem a confiança da nação. E, não obstante, o governo persiste em levar por diante este projecto, que, longe de satisfazer às reclamações da opinião geral, póde ser como fermento terrivel de perturbação. O pacto fundamental, assim organisado e reformado nem á antiga nem á moderna, em vez do abranger e abrigar toda a nação á sombra das instituições, parece destinado a constituir a garantia de um só partido. O governo podia e devia obviar a este grave inconveniente, porque, como disse o sr. ministro do reino, esta reforma devia ser uma honrosa transação dos differentes partidos.
Mas onde está essa transacção! Os progressivas abandonaram o campo da lucta, perfilhando o aphorismo cezariano: un parlement qui se tait, est un parlement qui travaille. Os constituintes estão divididos: o paiz está descontente e descrente. Existe porém um ponto, em torno do qual convergem todos as opiniões; em que todos concordam, os que discutem e os que não discutem: é que isto não póde continuar assim.
Disse já n'esta casa um notavel homem de sciencia e meu particular amigo, o sr. dr. Calixto, estamos em premanente crise de fé politica. O grande partido, embora sem chefe e sem bandeira, é o partido dos indifferentes e dos desenganados, cujo credo se traduz na seguinte phrase: «tão bons são uns como os outros».
Para que cesse este mal estar, para que as cousas não continuem assim, é que eu desejo e quero as reformas politicas; mas quero, por isso mesmo, reformas largas e francamente liberaes, que assegurem ao paiz uma vida nova, porque e ellas não são feitas só para os governos ou para os parlamentos; são feitas para toda a nação.
Comprehendo perfeitamente que a reforma da constituição não é tudo; mas sei tambem que do seu aperfeiçoamento ha de resultar necessariamente uma salutar modificação nos costumes publicos da nação.
Um dos mais illustres escriptores contemporaneos portuguezes, o sr. Oliveira Martins, diz, e muito bem, no seu excellente livro Politica e economia nacional.
«A constituição é como a casa: quer-se que seja ampla, ventilada, luminosa e bem disposta; mas é a casa apenas,

Página 1299

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1299

não são ainda os habitantes. O palacio da constituição de um povo tem de ser occupado por uma especie particular de moradores - as idéas que se traduzem em leis.»
É portanto necessario que, a par de urna boa constituição, haja leis organicas, que possam garantir ao paiz uma vida politica perfeitamente desafogada.
Não o comprehendeu todavia assim o governo.
O projecto em discussão está muito longe de satisfazer às legitimas reclamações da opinião.
Eu quizera, sr. presidente, que o governo respondesse ao silencio do partido progressista, modificando abertamente o projecto. A provocação seria cavalheirosa e leal.
Noto porém v. exa. e note a camara, que não discuto se o partido progressista faz bem ou faz mal em não entrar n'este debate.
O partido progressista tem dentro e fora d'esta homens muito notaveis, oradores muito distinctos, cuja auctoridade foi sempre digna do meu respeito. Não vieram de certo ao parlamento para estarem calados. O fino aço das suas espadas ha brilhado sempre nas grandes lactas da palavra; estou portanto convencido de que a sua resolução, boa ou má, foi inspirada nos interesses do paiz. Entenderam que assim melhor serviam a causa publica.
Mas o governo tinha um meio seguro de obrigar os illustres deputados d'este lado da camara a romperem o seu obstinado silencio!...
Responde digna e nobremente a declaração do illustre chefe d'aquelle partido.
O sr. Bramcamp disse que o seu partido não atacava a reforma do governo, entre outras rasões, porque o projecto havia sido mutilado, arrancando-se-lhe uma das suas disposições mais liberaes e que mais satisfaziam às aspirações do paiz...
Pois bem, transija o governo. A sua transacção não o humilha, desde que melhore o projecto das reformas constitucionaes; e, feito isto, o partido progressista ha de submetter-se ou morrer, porque já não poderá justiçar a pertinacia do silencio, dizendo que as reformas estão longe de corresponder às verdadeiras necessidades publicas.
Ou está o governo ainda na convicção de que o paiz não quer reformas!...
Tudo se tem dito nesta casa e sobre este assumpto; e bem póde ser que a verdade ainda esteja para apparecer.
Tem-se dito aqui, todos os dias, e de todos os lados da camara, que as reformas politicas são necessarias, indispensaveis, urgentes; que o paiz reclama a revisão da constituição do estado, como unico especifico no momento solemne do desvairamente e da corrupção por que vae passando a politica portugueza... Mas, sem embargo disso, tambem o sr. Fontes já nos certificou de que, nas suas viagens de Monsão a Villa Real de Santo Antonio, tudo lhe pediram menos reformas politicas...
O silencio do partido progressista tem neste momento uma traducção facil, attenta a pertinacia do governo.
O coração popular tambem às vezes tem os seus presentimentos...
Os povos, do Minho ao Guadiana, comprehenderam que de um governo essencialmente conservador não podiam esperar reformas que satisfizessem às aspirações populares. E, o que é mais, a sua desconfiança não terminou com o apparecimento do pomposo relatorio, em que o governo affirma, e com rasão, que as reformas, longe de serem o lemma de um partido, devem ser a bandeira, a que possam abrigar-se o paiz e as instituições.
Os povos que o sr. Fontes percorreu, de Melgaço ao Algarve, conhecem o que ha a esperar da generosidade grega do seu governo; por isso repetiram em eloquente silencio as palavras do poeta mantuano: Timeo danaos, et dona ferentes.
Fallo assim, sr. presidente, porque desejo tornar bem saliente o notavel argumento, com que o sr. Dias Ferreira demonstrou á camara a impraticabilidade da reforma em discussão no tocante á organisação da outra casa do parlamento.
Ponderava o illustrado estadista que, organizada a camara alta como o está no projecto, isto é, com cem pares vitalícios, de nomeação regia e apenas com um terço da eleição, podia succeder que um governo, com a maioria n'esta casa, com a totalidade da parte electiva da outra camara e com a confiança da coroa, não poderia governar, se assim o quizessem os cem proceres do nomeação regia.
A palavra do illustre jurisconsulto ecoou pelos angulos d'esta camara como predicção fatal...
Inscreveram-se por parte do governo tribunos de largo folego, e apenas o sr. ministro do reino, a despeito do seu grande talento e do seu finissimo espirito dialectico, pode descobrir um argumento para aniquilaras visões do sr. Dias Ferreira.
O sr. Barjona de Freitas declarou que tinha fé na prudência dos dignes pares. O sr. Marçal Pacheco fez sentir ao illustrado ministro que a fé não podia ter argumento que justificasse a cegueira do legislador.
E, na verdade, quando o advogado não póde adduzir outra defeza, a causa está irremediavelmente perdida...
E é ainda digno de notar-se que, succedendo-se na tribuna oradores notabilissimos, todos curvaram a cabeça ante o argumento e nenhum póde mostrar-nos a sua improcedencia. Os illustres deputados perfilharam tambem o principio da fé, proclamado pelo sr. Barjona.
Quando estamos legislando para o dia de amanha, quando se pensa em introduzir na lei fundamental do estado o principio injustificavel de que este codigo, bem ou mal reformado, ha de durar quatro annos sem que ninguem lhe possa tocar; é necessario que estabeleçamos principios claros, para obviar a qualquer hypothese que não tenha outro remedio senão o recurso extremo, o da revolução. Não vamos deixar na lei um principio que possa ser amanhã um foco de discordias no seio da familia portugueza, encommendando a nação á prudencia de cem pares do reino. Não se trata de legislar para um caso especial; queremos dar á nação as faculdades que só d'ella são.
Sr. presidente, estamos atravessando um periodo da verdadeira agonia politica, que receio bem seja precursora da agonia do systema representativo. Somos todos culpados. Cooperâmos para a ruina das instituições com a indifferença de verdadeiros incredulos.
Esta casa está sendo um simulacro de representação nacional, pois outra cousa não é a assembléa que, quando se discutem os mais santos interesses da nação, começa por declarar que os seus membros são filhos espúrios do systema, em cujo nome se dizem procuradores do povo. E o desprezo pelas formulas vae já tão longe, que não é raro ouvir-se dizer nesta casa do parlamento, da parte do governo ou contra o governo, que estes ou aquelles deputados saíram dos chapéus dos ministros!!
Mas, infelizmente, os factos são ainda mais eloquentes. De tudo quanto ha de torpe nos nossos costumes políticos, nada conheço tão repugnante como o acto eleitoral... Quer v. exa. saber como se fazem as eleições?
Abrem-se as portas das secretarias, onde até ali só era permittido entrar aos parentes dos ministros ou aos grandes influentes, distribuem-se a mãos largas titulos e condecorações, embora os agraciados nunca paguem direitos de mercê, as execuções fiscaes contra os grandes trunfos, quasi sempre devedores á fazenda nacional, dormem o somno do esquecimento nas gavetas do ministerio publico ou dos empregados fiscaes! Os logares rendosos não são distribuidos pelos que trabalham, mas são adjudicados, quasi sempre como recompensa eleitoral, aos que menos valem, aos trunfos. E é nesta conjunctura, quando todos reconhecemos e conhecemos o mal, que se apresenta um projecto de reforma menos liberal do que a constituição de Hespanha!!...

Página 1300

1300 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sr. presidente. Não tenho o mais ligeiro intuito de censurar o governo. Professo sincera admiração pelos talentos dos seus membros, mas não posso deixar de reconhecer que vamos por caminho errado.
E note v. exa. e note a camara, que a nossa desmoralisação politica chega ao extremo do irmos aos armazens do ultimo imperio francez copiar os costumes mais deleterios e as praticas mais perturbadoras. Tenho aqui um notavel exemplo, que nos transporta no baixo imperio.
Eu leio à camara um despacho curioso, que Elie Sorin guardou no seu excellente livro «La France imperiale.» Eil-o:
«23 avril, 1870, 9 h. du soir. N° 119. - Dites à tous les juges de paix que je les verrai avec plaisir dans les comités plebiscitares. = Emile Olivier.»
Este despacho era do ministro da justiça ou procureur general.
Pouco depois respondia Fabre, assegurando que tudo ia bem e promettendo mais. É o procurador geral que diz:
«Chaque trois jours, et plus souvent, si c'est utile, les juges de paix transmettront aux procureurs imperiaux un rapport detaillé sur ce qu'ils auront vu et sur ce que ils auront fait dans chaque commune.»
Não quero censurar o governo nem a opposição, mas careço de affirmar bem alto que não transijo com este incessante caminhar para a destruição dos costumes publicos.
Confrontamos, pois, os factos que venho de narrar com o que se passa entre nós.
Quemha ahi que não admirasse ainda a nobre isenção, com que todo o mechanismo politico, do ministerio do reino ao cabo de policia, se põe ao serviço da liberdade da urna?!
A grande preocupação dos governos, sejam elles quaes forem, é salvar a liberdade da urna!!!
O ministro do reino manda as suas portarias aos governadores civis; estes enviam grossos officios aos administradores do concelho pedindo toda a protecção para o eleitor!!
Mas esses grandes officios, em que se recommenda officialmente o cumprimento da lei: só têem liberdade por fóra. No ventre d'esses officios encerram se verdadeiras monstruesidades.
O officio não vale nada; ao que é necessario attender-se é ás confidencias, que traduzem quasi sempre, mais ou menos claramente, o seguinte principio:
«Empregue todos os esforços para que triumphe a lista do governo: o sub e ministro do reino confia muito na sua boa vontade.»
este processo faz-me lembrar a velha hi teria do cavallo de Troia, aquelle traiçoeiro presente, que os gregos offereceram a Palas. Por fóra era tudo homenagem á divindade, mas dentro do bojo do enerme cavalo acocornhava se a infrene soldadesca, que mais tarde haviam de justificar os receios do povo presenteado: timco danaes, et dona ferentes. Acabemos, pois, com estas ficções e entremos em vida nova.
Sr. presidente, sem embargo das considerações que estou fazendo, teneroso votar a generalidade do projecto.
Hei de paguar pela realisação dos meus principios, mas, na impossibilidade de attingir o meu ideal, acceitarei o pequeno melhoramento que a reforma introduz na parte fundamental.
A par d'estas rasões, o meu procedimento seria ainda correcto, se apenas podesse justificar o meu voto como homenagear á disciplina partidaria ou como preito ao principio eleitoral, introduzido na organisação da camara alta. Mas não será preciso tanto. Acceito o melhor até que venha o optimo.
Devo todavia confessar a v. exa. e á camara, que as pretensões acanhadas e conservadoras do projecto do governo me escandalisaram profundamente.
Seguindo o exemplo dos illustre oradores que me precederam, tambem fui viajar pelo mundo constitucional; o que aliás me foi gratissimo, por que fui na excellente companhia dos illustres deputados, o sr. conselheiro Dias Ferreira, e o sr. Manuel d'Assumpção.
Fui com s. exas. ver as constituições dos differentes paizes. Percorremos o novo e o velho mundo: vimos povos florescentes com instituições liberrimas e todos caminhando para a liberdade como supremo ideal. Declaro todavia a v. exa. e á camara que me contristou profundamente ver que o meu paiz era o menos adiantado, pelo menos na sua constituição. E penalisou me, por o sr. Luiz Osorio, nos seus arroubos de poesia, levar tão longe a sua, fé pelas cousas publicas, que descreveu a nossa constituição, como uma vestal, declarando que adorava as carnes palpitantes da velha deusa sobre os altares da sua imaginação, sem ver que essa vestal estava assistindo ao primeiro attentado contra o seu pudor, porque até agora tinha atravessado intacta todo este periodo de mais de meio seculo!!!
Tudo se tem feito em nome d'ella, mas a pobre está innocente!!!
Fui á Dinamarca, á Roumania, á Hespanha, á Servia, á Grecia, e achei só um paiz da Europa com uma constituição mais atrazada ou igual á nossa, a Turquia; com a differença porém de que o Sultão, que tem a faculdade de nomear á vontade pares vitalicios, leva o seu respeito pela camara popular ao ponto de não permittir que o numero dos pares vitalicios seja superior a um terço dos membros da camara electiva.
O Sultão está sendo no imperio ottomano muito menos conservador do que os politicos de Portugal.
A Turquia tem na sua constituição o principio das incompatibilidades parlamentares e nós só muito tarde conseguirem os emancipar-nos da tutela dos empregados publicos, que constituem actualmente a maior parte do nosso cargo legislativo.
É, por isso, com fundada rasão que a este respeito escreve Oliveira Martins:
«Os legisladores são na sua grandissima maioria empregados publicos: como deixará de ser a camara uma succursal das secretarias?!»
Sr. presidente, quero analysar detida e escrupulosamente algumas das disposições do projecto, porque desejo dizer á assembléa o que entendo e expor lealmente á camara as minhas duvidas a este respeito.
A hora está adiantada e eu não desejava abusar da benevolencia com que a camara me está honrando. A seu tempo entrarei na apreciação das principaes disposições do projecto.
Por agora limitar-me-hei a pedir ao governo que explique á camara e ao paiz os motivos que aconselharam a inserção do § 2.º do artigo 6.º do projecto.
A proposta do governo diz que o patriarcha de Lisboa, os arcebispo e bispos do continente serão pares por direito proprio.
Desde que o elemento clerical deixou de ter a importancia que tinha quando foi outorgada a constituição, não ha rasões que justifiquem esta disposição. Mas, inserida ella na lei, como se justifica a exclusão dos bispos das ilhas e das provincias ultramarinas?!
Diga-nos o governo e a illustre commissão, por que motivos se determinaram a transformar em preceito constitucional uma disposição ordinaria, coroando a obra com esta odiosa exclusão...
Será por que o governo tem em menos conta a representação dos povos das ilhas e das provincias ultramarinas?
Estes povos não merecerão ter junto dos poderes publicos outra representação que não seja a dos deputados, que o governo nomeia em nome dos seus suppostos interesses?
Ou os bispos das ilhas e do ultramar não são igualmente illustrados, dignos e honrados?!

Página 1301

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1301

Não vejo motivo algum que justifique esta disposição, que, para ser completa, deve ter o arredondamento proposto pelo meu amigo é distincto professor da universidade o sr. Rocha Peixoto.
Entendeu, e naturalmente entende ainda, o illustre deputado, que, havendo sido mestre, de quasi todos os bispos o decano da faculdade de theologia na universidade de Coimbra, tambem este devia ser par por direito proprio.
Concordo plenamente; mas, acceitando os principios, quero, tambem que me acceite as conclusões. Quero que sejam pares por direito proprio os professores de ensino primario, que, naturalmente, foram os primeiros mestres dos bispos!
Sejamos ao menos coherentes.
E visto que estou fallando dos bispos do ultramar, permitia-me v. exa. é a camara que eu registe os nomes de dois venerandos prelados das provincias ultramarinas, cuja cooperação no parlamento seria de grande utilidade para o governo e para o paiz no momento actual, em que por tantos motivos devemos identificar-nos com a prosperidade das colonias.
Refiro-me aos srs. bispos de Cabo Verde e de Angola.
Este ultimo, que, alem de ser um sacerdote venerando, é uma notavel illustração, prestou relevantes serviços ao estado e á religião como governador das nossas missões indianas.
Seria longo enumerar os actos de verdadeira coragem e de heroica devotação, com que o illustre missionario quiz assignalar a sua visita no oriente, não obstante são dignas de especial menção as luctas que sustentou com as auctoridades britannicas ácerca do vicariato de Bombaim, a reorganisação do estado de João do Monte, a cargo do bispado do S. Thomé de Meliapôr, e finalmente o restabelecimento e direcção que tão sabiamente imprimiu às nossas missões, de Bengala.
Actualmente está o illustre prelado desempenhando uma commissão gravissima de alto interesse publico.
Muito estimo ver presente o sr. ministro da marinha, porque s. exa. certamente se associa a esta minha justa homenagem ao virtuoso principe da igreja.
Insisto, pois, pela emenda que tive á honra de propor.
Hoje não são procedentes os motivos que de certo actuaram no espirito do dador da liberdade em 1826.
Não estamos nas mesmas condições; hoje vae-se ao archipelago de Cabo Verde ou a Angola quasi com a mesma facilidade com que se, vão a Amarante.
Deu a hora, por isso peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Alves Matheus, que a pediu para antes de se encerrar a sessão, a fim de dirigir uma pergunta ao sr. ministro do reino.
O sr. Alves Matheus: - Pedi a palavra para expor á camara e pedir a attenção do illustre ministro do reino, para alguns factos irregulares praticados pelo administrador do concelho de Povoa de Varzim, nas suas relações com a commissão de recenseamento d'aquelle concelho.
No dia 2 do corrente este funccionario intimou o secretario, da commissão de recenseamento, para que lhe apresentasse immediatamente todos os livros e papeis relativos ao recenseamento do presente anno.
O secretario da commissão, Francisco Maximo da Costa, que é um bom cidadão e um honrado negociante n'aquella localidade, deu provas de uma submissão e docilidade a que não era obrigado, e apresentou-lhe immediatamente todos os livros e mais documentos, que tinha em sua casa, porém, no acto em que o secretario da administração, tomava a certidão de intimação, o administrador do concelho entrou repentinamente em sua casa, e, com ares ameaçadores e sem se incommodar muito a verificar se estavam todos os, papeis e mais documentos relativos ao recenseamento, mandou lavrar um auto contra o secretario da commissão por descaminho de alguns desses papeis.
Parece-me que no procedimento d'este funccionario ha umas poucas de irregularidades.
A primeira irregularidade consiste em intimar o secretaria da commissão de recenseamento, quando a intimação devia, ter sido feita ao presidente da commissão. É um principio claro, bem assente e indubitavel, e o administrador do conselho não devia ignoral-o. Houve outra irregularidade notavel, em se não indicar na intimação, o dia, a hora e local para a apresentação dos livros do recenseamento.
Para que não possa haver a mais pequena duvida, eu leio o mandado de intimação, visto ser muito breve.
(Leu.)
Por esta leitura, vê-se effectivamente que o administrador do concelho intimou o secretario da commissão do recenseamento para apresentar immediatamente todos os papeis relativos ao recenseamento, sem designar o local.
Entendo, portanto, que a intimação é viciosa. Não sei em que base possa estribar-se o processo judicial instaurado contra o secretario da commissão.
O administrador mandou lavrar um auto que foi immediatamente enviado ao poder judicial, que procedeu logo a corpo delicto indirecto.
Neste facto está a mais grave das irregularidades praticadas pelo administrador do concelho da Povoa de Varzim.
É verdade, que o secretario da commissão não tinha em casa todos os livros relativos ao recenseamento, e portanto o motivo do procedimento da auctoridade funda-se em descaminho de papeis.
A lei incumbe aos secretarios das commissões de recenseamento a guarda do todos os livros; não lhes prohibe, porém, que tenham em sua casa alguns desses documentos, e isso póde ser justificavel por motivos de necessidade de serviço.
Parece-me, pois, que o administrador d'aquelle concelho procedera de uma maneira menos regular e menos justa, e para este facto chamo a attenção do sr. ministro do reino, pedindo a s. exa., que dê as providencias necessarias para que taes desacatos sejam corrigidos. A lei foi ultrajada, foi vexado sem rasão um cidadão honesto, o administrador do concelho commetteu um abuso, e saiu fora da orbita das suas attribuições, e o seu procedimento parece significar o proposito de uma vindicta partidaria, que nunca contribue para augmentar a valia e o prestigio de qualquer auctoridade.
Não acompanho a narração deste facto de palavras indignadas e de commentarios acerbos; a singela e verdadeira exposição, que acabo de fazer falla mais alto do que quaesquer commentarios, que eu fizesse. Limito-me a pedir ao sr. ministro do reino, que faça o que é de justiça e que adopte as providencias necessarias para que a auctoridade administrativa d'aquelle concelho não exorbite, e seja mais cautelosa e respeitadora da lei, evitando procedimentos intolerantes, que, em vez de crearem adhesões, só servem para irritar os animos, aggravar incompatibilidades e promover perturbações.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - O facto a que se refere o illustre deputado é novo para mim, e escusado seria dizer a v. exa. que amanhã mesmo procurarei informar-me ácerca d'elle, e só effectivamente algum abuso foi commettido, posso asseverar que a auctoridade responsavel será castigada.
Eu estou resolvido, como ministro do reino, a dar apoio às auctoridades de minha confiança que vão em bom caminho; mas a toda e qualquer auctoridade que, affastando-se da lei e do dever, exorbite das suas attribuições, logo, que eu disso me convença retirar-lhe-hei o meu apoio.
A camara sabe que a lei do anno passado, no artigo 38.°, se bem me recordo, diz que aos secretarios das commissões de recenseamento incumbo a guarda dos livros do re-

Página 1302

1302 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

censeamento, e o natural é que esses documentos sejam guardados no mesmo local onde as commissões se reunem e exercem as suas funcções, não me parecendo regular que os secretarios os tenham onde mais lhes convenha.
Não digo que o secretario da commissão de recenseamento do concelho da Povoa de Varzim praticasse qualquer abuso a este respeito; porque póde elle ter tido necessidade, como às vezes succede, de levar alguns documentos para completar em casa qualquer serviço; mas o regular é que esses documentos estejam no local onde a commissão de recenseamento se reune.
Pela mesma lei a que ha pouco me referi, só ao poder judicial compete avocar os papeis relativos ao recenseamento, mas o administrador do concelho não está inhibido de os examinar, sendo o secretario da commissão obrigado a fornecel-os, quando para esse fim sejam solicitados.
Como se vê, pois, a lei quiz estabelecer todas as garantias para a validado dos recenseamentos, e torna a commissão responsavel pelos respectivos livros e papeis que lhe são confiados. São estes os principios estabelecidos na lei.
De resto, eu hei de procurar informar-me se o administrador do concelho procedeu ou não em conformidade d'essa lei. Por emquanto nenhumas outras informações posso dar sobre o asumpto ao illustre deputado.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Alves Matheus: - Pedi novamente a palavra para agradecer ao illustre ministro do reino as suas categoricas e francas declarações.
Comprometteu-se s. exa. a tomar as providencias que julgar necessarias, depois de devidamente informado, e observou que em regra, devem estar na sala da commissão os livros do recrutamento.
A lei impõe, é verdade, a guarda e deposito de todos os livros e papeis, mas não lhe prohibe ter alguns em sua casa; o principal é que os apresente nos casos determinados pela lei.
O secretario da commissão de recenseamento do concelho da Povoa de Varzim apresentou immediatamente, e sem resistencia, os livros e papeis que tinha em casa, e não se recusou, antes se prestou a apresentar tambem os que tinha guardados na sala da commissão.
Alem d'isto a lei determina que os livros devem ser devidamente solicitados, e estes termos significam que rigorosamente não ha intimação, mas pedido ou aviso, feito per meio de um officio, e este deve ser dirigido ao presidente da commissão.
O secretario e responsavel perante a commissão, e esta perante as auctoridades, que têem direito ao exame dos livros do recenseamento. E é ao presidente da commissão, e não ao secretario, que qualquer solicitação ou pedido para exame deve ser feito.
Espero que o illustre ministro do reino, depois do informado, haverá de satisfazer às minhas justas reclamações.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha é a continuação da que estava dada, e mais os projectos de lei n.ºs 33 e 35.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso na sessão de 8 de abril, e que devia ler-se a pag. 1018, col. 2.ª

O sr. Consiglieri Pedroso (sobre, a ordem): - Sr. presidente, tendo pedido a palavra sobre a ordem, vou mandar para a mesa, na conformidade do regimento, uma substituição ao projecto de lei que está em discussão.
A minha substituição é a seguinte:
«Artigo 1.° E auctorisada a junta do credito publico a adiantar pela caixa geral de depositos as quantias necessarias para pagamento dos empréstimos contrahidos pela administração da casa real em contratos de 12 de agosto de 1880 e 30 de dezembro de 1882, recebendo em caução valor sufficiente de inscripções do usufructo da corôa, e devendo as quantias emprestadas pela referida caixa geral de depositos ser amortisadas no espaço de dez annos, consignando-se annualmente para esse fim uma parte da dotação real, correspondente em cada armo ao decimo da importancia total do adiantamento com os respectivos juros.
«Art. 2.° É auctorisado o governo a alienar, a beneficio do thesouro, pela forma mais conveniente aos interesses da fazenda, e á medida que se for realisando a amortisação a que se refere o artigo 1.° do presente projecto de lei, as inscripções destinadas a caucionar o adiantamento feito pela caixa geral de deposito das quantias necessarias para pagamento dos emprestimos mencionados no artigo anterior.
«§ unico. Emquanto as mencionadas inscripções não forem alienadas, reverterão a favor do estado os respectivos juros.
«Art. 3.° O producto da venda dos bens da casa real, de que tratam as leis de 3 de abril de 1877 e 14 de maio de 1880, reverterá igualmente a favor do estado.
«Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
«Sala das sessões, 8 do abril de 1885. - Consiglieri Pedroso.»
O illustre deputado, que iniciou este debate, o sr. Francisco Beirão, declarou que a questão que se ventila neste momento é uma simples questão de direito civil.
O sr. ministro da fazenda, que tomou em seguida a palavra, declarou que, no seu entender, esta questão é uma mera questão de administração.
Eu pela minha parte, sr. presidente, declaro que estou convencido de que esta questão, mais do que uma simples questão de direito civil, mais do que uma mera questão de administração, é uma alta questão de moralidade publica, dessa moralidade publica a que se referia ha pouco, ainda que, com differente significado, o sr. ministro da fazenda.
E por isso que nesta occasião o sentimento que em mim a todos sobreleva é o de uma profunda tristeza, de uma profundissima tristeza, sr. presidente ; tristeza pelo ministro que se senta naquella cadeira, que é novo, que é illustrado, que podia ter futuro, e que entretanto não duvida, por circumstancias que não quero para aqui trazer agora, vincular o seu nome a este projecto ; tristeza por este parlamento, porque eu não me illudo e para mira não é duvidoso que dentro em pouco elle vae votar esta lei por uma grande maioria; tristeza finalmente pelo paiz, aquém a loucura de uns, a cumplicidade de outros e a cegueira de todos estão arrastando inevitavelmente para catastrophes certas!
Entro n'este debate, sr. presidente, sem paixão Entro n'este debate unica e exclusivamente no desempenho do que eu reputo um dever indeclinavel.
Subo a esta tribuna sereno, frio mesmo, e apenas com a firmeza que provém da consciência do cumprimento do meu mandato; não tenho calor, porém; não tenho enthusiasmo ao atacar este projecto, porque se eu consultasse sómente o interesse do meu partido, folgaria com a sua approvação, tão certo estou da profunda reacção que no actual momento tal projecto vae levantar no paiz!
Mas quanto eu desejaria por uma hora só, na presente occasião, ser monarchico! Mas como eu desejaria neste instante ter ainda no coração a religião da monarchia!
Oh! Então, em vez da firmeza de um simples deputado, que falia em nome dos interesses do seu paiz, viria a este logar o ardor de um tribuno que se esforçaria por arredar das instituições, que lhe eram queridas, o funestissimo destino que ao presente as ameaça.
Então havia de correr-me impetuosa a palavra.
Então havia de ter apostrophes de fogo para fulminar os falsos apostolos da monarchia, que todos os dias, com o

Página 1303

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1303

sorriso nos labios e a indifferença ou o cynismo no coração, lhe estão cavando o abysmo em que ella se ha de ir ingloriamente perder! Estão dia a dia dando na arvore, a cuja sombra se acoitam e debaixo de cuja protecção vivem, os mais duros e irreparaveis golpes!
Agora é que eu queria ter essa fé monarchica, para poder estigmatizar, mas estigmatisar com o calor que só podem dar as profundas convicções, este desgraçado projecto de lei que o deputado monarchico que me precedeu tratou de classificar, com uma surprehendente simplicidade, de mera questão de direito civil!
Disse tambem ha pouco o sr. ministro da fazenda que a questão de empréstimo á casa real nada tinha que ver com a questão de fazenda.
Tem, sr. ministro; tem; e sabe v. exa. a rasão porque?
Porque d'aqui a alguns dias esta camara, estes mesmos deputados que vão approvar o projecto em discussão, hão de approvar os novos impostos, hão de discutir e approvar o orçamento rectificado, em que o sr. ministro nos vae dar o triste sudario do estado... não o classifico, do estado em que se encontram as nossas pobres finanças!
Já vê v. exa., sr. ministro, como o projecto que se discute tem relação e muito intima com a questão de fazenda. Pois não será bem eloquente o contraste de se pedirem novos sacrificios ao paiz, no momento em que de mão beijada se vão dar 1.000:000$000 réis para as urgencias da casa real?!
Antes de defender o projecto de lei que tive a honra de ler á camara, e que importa, desde já o declaro para ninguem sobre elle se illudir, uma reducção da lista civil; antes tambem de fazer algumas considerações que a proposta do governo e o projecto da commissão me suggeriram, passarei uma leve revista aos relatorios que precedem os referidos documentos, e sobre algumas passagens d'elles farei as indispensaveis considerações, que ficarão desde já e assim eliminadas na parte principal do meu discurso.
O relatorio da illustre commissão de fazenda tem, em geral, pouco que discutir, porque quasi se limita a reforçar com poucos ou nenhuns argumentos novos, seja dito de passagem, as palavras do relatorio do sr. ministro.
Em todo o caso nesse relatorio noto a singular ingenuidade com que está redigida a seguinte phrase:
«A origem da divida de que se trata acha-se tão minuciosamente explicada no relatorio do governo, que a vossa commissão julga desnecessarias quaesquer outras informações sobre o assumpto!»
Eu francamente, sr. presidente, não me atrevo a olhar, depois de ler este periodo, para o sr. relator da camara, porque não desejo comprometter a sua seriedade no critico momento em que d'ella tanto necessita, e receio, se o fito, não lhe aconteça o mesmo que acontecia aos augures romanos quando se encaravam!
Simplesmente acho esta ingenuidade por tal maneira singular, em homem tão versado destes assumptos, que passarei adiante, sem me demorar por agora, a examinar o que vale esta asserção.
O relatorio do sr. ministro da fazenda pretende explicar de resto todas as dividas da administração da casa real, e quando eu proceder á analyse de tal documento, mostrarei ao sr. relator como foi candido em se fiar, sem mais exame, nas palavras do sr. ministro.
Depois d'esta ingenuidade, noto que no parecer da commissão se encontra tambem uma inexactidão importante, que já foi notada pelo meu collega o sr. Beirão; como porém s. exa. não pôde ser sobre ella completamente explicito, permittir-me-ha a camara, que ainda sobre tal ponto eu por alguns momentos insista.
O paragrapho a que me refiro está redigido da seguinte forma:
«E considerando que nem dos contratos de 12 de agosto de 1880 e 10 de dezembro de 1882, que juntos vão a este parecer, resultou encargo para o thesouro nacional; nem do uso da auctorisação pedida pelo governo póde advir qualquer onus para a fazenda publica, visto como os titulos destinados para a amortisação das dividas da casa real pertencem á coroa, e nem o seu capital nem os respectivos juros fazem ou fizeram nunca parte dos recursos publicos orçamentaes ordinarios ou extraordinarios; entende que a proposta do governo deve ser approvada.»
O sr. Beirão já demonstrou, e muito bem, que a corôa era unica e simplesmente usufructuaria, e que a propriedade destes bens pertencia exclusivamente á nação.
Partindo, pois, de um principio falso, entende o sr. relator que não ha duvida alguma em os titulos serem alienados, porque nem o capital, nem os juros faziam parte dos recursos publicos orçamentaes, ordinarios ou extraordinarios.
É verdade, sr. presidente, mas eu direi a s. exa., ampliando o que disse o sr. Beirão, que esta asserção do sr. relator nada prova, porque prova de mais. E eu explico a rasão: é porque para a casa rela tambem estas inscripções, a não ser modernamente, nunca representaram recursos orçamentaes, ordinarios ou extraordinarios. As inscripções de que se trata, e cuja alienação e pede a beneficio da casa real, representam o projecto da venda dos diamantes brutos, e desencastoados, que existiam em poder da corôa, e que constituiam bens improductivos, de mera ostentação, não podendo por consequencia os juros
das inscripções, em que depois foram convertidos, ser considerados como recurso ordinario ou extraordinario da administração da casa real.
Alem d'isso, por um dos artigos da lei de 10 de julho de 1855, que ainda ha pouco o sr. ministro da fazenda nos leu, os bens da casa real, a que se refere essa lei, são inalienaveis e imprescriptiveis, o que significa que já na propria letra dessa lei estava incluída a condição de que de taes bens nunca poderia provir rendimento para a corôa, porque o artigo citado, que é o 7.°, diz... inalienáveis e imprescriptiveis, podendo comtudo substituirem-se por outros aquelles que forem susceptiveis de se deteriorarem pelo uso.
Ora, não me parece que os diamantes brutos ou desencastoados se possam deteriorar pelo uso. Não podendo ser substituídos, continuariam a ser bens improductivos, e continuando a ser bens improductivos, não entrariam nos recursos ordinarios ou extraordinários do orçamento da casa real juros alguns. L ogo. prova de mais a asserção do sr. ministro da fazenda, porque, o que se applica ao estado, ap-plica-se por maioria de rasão á casa real.
Eu sei que uma lei posterior derogou a prescripção da lei de 1855, de que estou tratando. Mas tambem nesse caso a derogação do preceito da não substituição dos diamantes poderia ter revertido a favor do estado.
A titulo de curiosidade e nada mais, porque nada mais merece, vou referir-me ao que eu classifico de innocente habilidade do sr. relator, e que se encontra no projecto em discussão, tal como foi formulado pela commissão de fazenda.
A proposta do governo tinha com effeito dois artigos, ou melhor, um artigo apenas, para não contar o ultimo e sacramental de todas as nossas leis; no projecto, porém, da commissão, apparece addicionado ao artigo 1.° um paragrapho que diz assim:
«§ unico. O producto dos bens da casa real de que tratam as leis de 3 de abril de 1877 e 14 de maio de 1880, que forem vendidos, será convertido em inscripções com averbamento á corôa de Portugal.»
Porque se incluiu na proposta de lei primitiva este paragrapho, que nada tem que ver directamente com a ultima clausula do artigo 1.° da referida proposta? A resposta é facil. Incluiu se para desarmar as resistencias que se podiam crear em volta da proposta ministerial, mais franca, mas por isso mesmo mais provocadora.
A proposta e o projecto são, porém, identicos, porque o

Página 1304

1304 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

paragrapho em questão não acautela cousa alguma. É para que o producto dos bens de que tratam as leis de 3 de abril de 1877 e 14 de maio de 1880 não possa extraviar-se, perdendo-se a sua propriedade para o paiz? Mas nós já sabemos como a nação vem a perder esses bens!
Depois de serem convertidos em inscripções, apresenta-se, como agora, um projecto para essas inscripções poderem ser alienadas, e assim fica a nação privada de uma e outra cousa. Que importa que a forma seja apparentemente legal?
Já se vê, pois, que o paragrapho nada acautela de momento, nenhuma relação tem com a clausula mais grave da proposta do governo, o nem ao menos acautela de futuro o destino ou antes o descaminho dos bens da coroa, que são da nação.
A que veiu então o famoso § unico? Dar apparentemente uma satisfação á opinião publica, impressionada com rasão pela apresentação inopportuna d'este monstruoso projecto de emprestimo, quer dizer de dadiva á casa real. Eis-aqui a explicação da habilidade do sr. relator.
E depois, sr. presidente, qual é, na opinião do proprio governo, o valor da disposição consignada no paragrapho addicional?
O sr. ministro da fazenda bem claramente disse que o que estabelece uma lei ordinaria, uma lei ordinaria póde revogar. E tem rasão. A lei de 10 de julho de 1855 não dizia, por exemplo, que eram insubstituiveis os diamantes da corôa? Pois apesar d'isso foram convertidos em inscripções e hoje essas inscripções vão ser alienadas a beneficio da casa real!
Já está traçado, pois, o caminho com relação aos bens especificados no § unico do projecto da commissão! Ao menos ninguem dirá que o governo não é franco, e que a commissão de fazenda não é previdente!...
Desejo ser breve, sr. presidente, não quero cansar a attenção da camara e passo desde já ao exame do relatório do sr. ministro da fazenda.
Este relatorio tem asserções que necessitam ser discutidas devidamente, para que não passem despercebidas pela forma anodina em que só encontram na redacção ministerial.
Em primeiro logar, deparo logo no começo com esto periodo:
«Em harmonia com estes preceitos (artigo 80.° da carta constitucional) fixou a lei do 19 de dezembro de 1834 em 1:000$000 réis diarios, alem da fruição dos palacios e quintas reaes, a dotação de Sua Magestade a Senhora D. Maria II e esta dotação tem sido mantida aos seus augustos successores, subsistindo no actual reinado por virtude da lei de 11 de fevereiro de 1862.»
A respeito da interpretação do artigo 80.° da carta já aqui se sustentou a doutrina, com a qual não estou de accordo, de que se não podia alterar a dotação real no decurso de um reinado. A carta constitucional prescreve, é verdade, que no começo de cada reinado se assignará ao Rei uma certa dotação; em artigo algum, porém, se preceitua, que esta dotação será immutavel. Mas não e a um ponto de direito, que eu agora quero referir-me. Trata-se apenas, sr. presidente, de uma questão de facto. E o facto é que, admittindo mesmo que não póde ser alterada a dotação real, o sr. ministro diz que ella tem sido mantida! E eu digo, pelo contrario, que foi augmentada, embora por uma forma indirecta, na quantia dos juros que rendem as inscripções, em que foram convertidos os diamantes da corôa.
Já vê v. exa., sr. presidente, que a dotação da casa real não foi simplesmente mantida segundo a lei de 19 de dezembro de 1834, mas foi augmentada em 60:000$000 réis ou 62:000$000 réis annuaes, que tanto importam os juros das inscripções em usufructo da corôa!
Não é, pois, verdadeira a asserção do sr. ministro da fazenda, permitta-me s. exa. que lh'o diga.
Vejamos o periodo em que se pretende explicar a origem da divida da casa real.
«Em differentes epochas se effectuaram, porém, donativos de parte da dotação regia; de 1838 até ao presente sommam esses donativos 2.113:000$000 réis.
«No reinado da Senhora D. Maria II atrazaram-se as prestações da dotação, e foram depois envolvidas nas capitalisações ordenadas por leis de 31 de dezembro de 1841, de 28 de fevereiro e de 3 de dezembro de 1851, e 30 de agosto de 1852; d'ahi resultou uma differença de réis 485:473$872, pois que, sendo de 826:230$872 réis as prestações devidas, as inscripções entregues, no valor nominal de 815:350$000 réis, tinham o valor real de 340:757$000 réis.»
Li estes periodos, sr. presidente, e mal posso acreditar que elles se encontrem n'um documento official!
Li estes periodos, sr. presidente, e mal posso crer que tivesse havido coragem para os redigir!
E em que momento?!... E em que occasião?!... E quando?!... Oh! sr. presidente!... É extraordinario, para não dizer inaudito, que um ministro se atreva a escrever num relatorio firmado pelo seu punho e em que pretende justificar o projecto que se discuto, phrases d'esta ordem!
E sabe v. exa. porque? O sr. ministro falla nos donativos da dotação regia, que têem sido feitos desde 1838 até ao presente, querendo por esta forma significar que grande parte da divida de que agora se pede o resgate, é o resultado d'estes adiantamentos! S. exa. ignora porventura, que não foi só a casa real, que se viu obrigada por meio de donativos da parte da sua dotação a acudir às urgencias do thesouro? S. exa. ignora porventura quaes as quantias a que ascendem todos es donativos ou deducções que os mais pobres empregados do estado têem sido obrigados a fazer ou a acceitar, pude dizer-se, desde que o regimen constitucional se implantou n'este paiz até ha bem poucos annos?
Não trato de saber agora até que ponto se possa justificar o calculo da verba de todos os donativos que o sr. ministro da fazenda attribue á casa real; não trato de esmerilhar este ponto, que aliás pode soffrer controversia, e acceito provisoriamente os numeros apresentados pelo sr. ministro. Mas uma operação muito simples vae-nos dizer a importancia dos sacrificios feitos pela corôa a favor do paiz. Depois veremos quaes os sacrificios a que se sujeitaram os restantes funccionarios publicos.
Nos cincoenta annos de constitucionalismo que vão decorridos, cedeu a casa real, a favor do thesouro, réis 2.100:000$000, pelo calculo do sr. ministro da fazenda, quer dizer uma media de 40:000$000 réis por anno. No orçamento de 1885-1886 as sommas consignadas á casa real, sob diversos titulos, e contando os juros das inscripções, ascendem á quantia de 657:806$750 réis.
Deduzamos 157:806$750 réis da actual dotação da corôa, por isso que a familia real não teve sempre o mesmo numero de membros, nem toda ella a dotação que tem hoje, e porque os juros dos diamantes da coroa, encorporados a essa dotação, só modernamente é que começaram a existir. Restará portanto uma dotação media annual de 500:000$000 réis, com um encargo medio (proveniente dos diversos donativos) de 40:000$000 réis annuaes, isto é, de 8 por cento.
Como v. exa. vê, sr. presidente, o calculo não pode ser mais exacto.
Fica, pois, assentado, acceitando como boa a quantia apresentada pelo sr. ministro da fazenda, que a casa real, em virtude das urgencias do thesouro, tem contribuido para essas urgencias com 8 por cento da sua dotação.
Ora hontem á noite mesmo estive eu entretendo-me a tirar uma nota das deducções que desde 1833 até hoje têem soffrido os empregados publicos nos seus magros vencimentos, Vou ler essa nota á camara, porque é elucida-

Página 1305

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1305

tiva, e serve para mostrar que não basta para justificar as dividas da casa real o lançar á conta d'essas dividas os donativos feitos, porque n'esse caso ámanhã podiam apresentar-se aqui, e com bem mais rasão, todos os empregados publicos a pedirem que o estado lhes pagasse parte das suas dividas, que teriam, mais justificadamente do que a casa real, contraindo em consequencia das deducções soffridas pelos seus mesquinhos ordenados. E que lhes haviam de responder os poderes publicos?!...
Eis a quanto montam essas deducções:

1833-1835:
Recebiam os empregados publicos apenas metade do ordenado; a outra metade era recebida em cedulas, para serem resgatadas quando o thesouro o podesse.

1835-1836:
Ordenados de 300$000 réis a 600$000 réis deduzia-se-lhes 1/5 ou 20 por cento!
Ordenados de 800$000 réis a 1:600$000 réis deduzia-se-lhes 1/4 ou 25 por cento!
Ordenados de 1:600$000 réis para cima deduzia-se-lhes 1/3 ou 33 por cento!

1848-1849:
Ordenados superiores a 300$000 réis deduzia-se-lhes 1/5 ou 20 por cento!
Ordenados superiores a 600$000 réis deduzia-se-lhes 1/4 ou 25 por cento!
Alem d'isso recebiam os empregados sete mezes atrazados!

1849-1850:
As mesmas deducções e onze mezes de atrazo!

1850-1851:
As mesmas deducções e quinze mezes de atrazo!!

1853-1857:
Ordenados até 300$000 réis tinham de deducção 15 1/2 por cento!
Ordenados de 300$000 réis a 600$000 réis tinham de deducção 25 por cento!
Ordenados de 600$000 réis para cima tinham de deducção 30 por cento!

1857-1860:
As mesmas deducções, apenas até 300$000 réis deduzia-se só 10 por cento.

1860-1861:
Ordenados até 300$000 réis deduzia-se-lhes 5 por cento.
Ordenados de 300$000 réis a 600$000 réis deduzia-se-lhes 20 por cento!
Ordenados de 600$000 réis para cima deduzia-e-lhes 25 por cento!

1861-1864:
Ordenados de 300$000 réis a 600$000 réis deduzia-se-lhes 15 por cento!
Ordenados de 600$000 réis para cima deduzia-se-lhes 20 por cento!

1864-1865:
Ordenados de 300$000 réis a 600$000 réis deduzia-se-lhes 5 por cento.
Ordenados de 600$000 réis para cima deduzia-se-lhes 10 por cento.

1868:
Ordenados até 200$000 réis deduzia-se-lhes 2 1/2 por cento.
Ordenados de 200$000 réis a 400$000 réis deduzia-se lhes 5 por cento.
Ordenados de 400$000 réis a 600$000 réis deduzia-se-lhes 10 por cento.
Ordenados de 600$000 réis para cima deduzia-se lhes 15 por cento.

Oh! sr. ministro da fazenda! Pois quando se fazem estas deducções á miseria, á fome, porque outra cousa não é um ordenado de 300$000 réis, sujeito a uma reducção de 25 por cento, ha alguem que se atreva a vir fallar na cedencia de 8 por cento em uma dotação de 500:000$000 réis!!! Que extraordinaria fórma de imposto progressivo é esta, que esmaga impiedosamente o infeliz amanuense, tirando apenas ao Rei insignificantissimas migalhas da sua luxuosa opulencia?!
O sr. ministro da fazenda foi mesmo muito complacente quando escreveu a palavra «donativo» ao referir-se às cedencias da regia dotação. Eu sei que a nossa linguagem nem sempre se presta, sem impropriedade, a estas argucias e subtilezas de pensamento, que não raro a politica torna necessarios; é, todavia, certo, que ha factos que não podem, sem manifesta inversão de idéas, ser designados por palavras, cuja significação está de ha muito fixada. É o caso da expressão «donativo».
Donativos! Se v. exa. e a camara quizerem, eu posso fazer-lhes a historia de alguns desses donativos, tão apregoados no relatório ministerial. Poderei narrar lhes a historia do algumas cedencias, por exemplo, a de 1870. Ha aqui bastantes deputados, creio eu, que assistiram a esse curiosissimo e edificante episodio da munificencia da corôa.
O sr. ministro da fazenda toma notas; não sei se é para me pedir que eu conte essa historia; creio porém, que s. exa., na sua qualidade de politico consummado, deve sabel-a, perfeitamente. O que lhe affirmo é que ha n'esta casa muita gente que a sabe.
Mas recordo-me ainda de se haverem dado á casa real algumas verbas, que não vejo mencionadas no relatório do governo; algumas me occorrem agora: Não se falla, por exemplo, na verba de 20:000$000 réis de ajuda de custo para o enxoval do primeiro filho de D. Maria II; não se falla nos dotes das princezas, irmãs do actual Rei, etc.; estas verbas, comtudo, devem ser encontradas na somma dos donativos de que se tratou aqui, feitos ao estado pela familia real.
Mas ainda que todas essas cedencias existissem de facto, ainda quando esses donativos fossem verdadeiros donativos, sr. presidente, e não apenas insignificantissimas deducções, incomparavelmente menores que as que pesaram por muito temo sobre o resto dos funccionarios publicos, eram taes sacrificios exigidos para as urgencias do thesouro, e ninguem, e muito menos a casa real, tinha o direito de vir aqui recordal-os, sobretudo na presente occasião.
Faz-me esta inconveniente attitude da corôa lembrar, sr. presidente, o inqualificavel procedimento dos principes francezes, quando a França estava ainda sangrando da profunda e dolorosa catastrophe que à tinha ferido! Quando o governo, por intermedio do sr. ministro da fazenda, vem imprudentemente lembrar nas difficeis circumstancias do presente, que a casa real fez ao paiz o donativo de 2.000:000$000 réis, ella, que tanto tem recebido da nação! Occorre-me á memoria esse pedido de supposta indemnisação dos Orleans, no momento em que a França se estava heroicamente sacrificando para poder satisfazer com honra os pesados encargos que lhe haviam sido legados por um governo odiado e nefasto!
Tão certo é que uma fatalidade inexplicavel faz com que os representantes de certas instituições não possam fugir ao destino que tristemente os assignal-a nas galerias da historia!

Página 1306

1306 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Diz mais o relatorio do sr. ministro da fazenda:
«Por lei de 16 de julho de 1885 ficou o governo auctorisado a despender aunualmente até á quantia de réis 6:000$000 com os concertos e reparações necessarios á conservação dos jardins e palacios reaes; e ahi se consignou que o Rei poderia fazer nos bens da corôa as mudanças e construcções que julgasse convenientes, devendo essas bemfeitorias, bem como as acquisições, ser pagas por conta do estado mediante a decisão das cortes.»
Sr. presidente, ha pouco o sr. Hintze Ribeiro fez com relação á repartição que s. exã. dirige, uma asserção que eu não posso deixar de dizer que é verdadeira. Refiro me aos documentos que por meu pedido foram postos á disposição da camara.
Effectivamente os esclarecimentos que, pelo ministerio da fazenda, solicitei a respeito d'este assumpto, o sr. ministro bastantes dias antes de a actual discussão começar, mandou-os á camará; mas se o sr. ministro da fazenda mandou, como acaba de declarar e é verdade, pôr á disposição desta camara os documentos que lhe foram pedidos, não teve igual procedimento o sr. ministro das obras publicas. O que requeri por esse ministerio não me foi enviado!
E note v. exa. sr. presidente, que esses esclarecimentos deviam revelar alguma cousa! Diriam elles que as verbas gastas nas reparações dos paços reaes eram apenas as que tinham sido votadas pelo parlamento, ou confessariam que mais e muito mais se tem despendido com esses concertos e reparações? Fallariam elles nos gastos de uma certa remodelação de mobilia por occasião da visita de alguns principes ou soberanos estrangeiros a esta côrte? Denunciariam elles es loucos desperdicios feitos com um afamado chalet em uma mata de muita nomeada, desperdicios a que tristemente vinculou o seu nome um pobre ministro já fallecido e estonteado, apesar dos seus antecedentes, pela atmosphera perfida da cortezania palaciana?
O sr. ministro da fazenda revindicou, ha pouco, para si, e para o governo, a responsabilidade inteira deste projecto; fez muito bem, e cumpre com o seu dever constitucional; mas eu é que não posso deixar de fallar ainda em outras lacunas do relatório de s. exa., por exemplo, nas despezas realisadas pela junta geral do districto de Lisboa e pelo ministerio das obras publicas em obras de caracter permanente na tapada da Ajuda, obras que serão entregues sem encargo á administração da casa real para seu uso particular, apesar de não se saber a quanto taes despezas ascenderam...
O sr. Costa Pinto: - É a festa mais notavel e mais patriotica que se tem feito em Portugal.
O Orador: - Eu não me refiro á festa; refiro-me às despezas que ali se fizeram por couta do estado em edificios que ficarão para uso exclusivo da casa real!
Chegâmos agora ao ponto culminante do relatorio do sr. ministro.
Diz assim:
«Isto explica a divida que pesa sobre a casa real; divida que ao fallecimento do Senhor D. Pedro Vera de 410:000$000 réis, que successivamente se elevou a 1.030:000$000 réis em dezembro de 1875, e que desde então, e em consequencia de rigorosas providencias, baixou a pouco mais de 800:000$000 réis.»
Eu não sei, sr. presidente, se a administração da casa real segue hoje novas normas de economia e de bom senso administrativo, porque nem sou membro do governo nem tenho a honra de ser o principal chefe da opposição parlamentar, a quem foi distribuido pela referida administração o relatorio onde se justifica a divida contrahida pela corôa e se indica a legitimidade das verbas, que no seu relatório inclue o sr. ministro da fazenda.
E, sr. presidente, referindo-me a este facto, não venho fazer em meu proprio nome accusações improcedentes.
Não sou eu que o digo; corre impresso; está affirmado e escripto em jornal quasi semi official, sem protesto de ninguem, ou contestação, que a casa real, entendendo dever esclarecer o parlamento ácerca da legitimidade das dividas de que agora se pede o resgate, e convencer a camara de que pela sua parte está resolvida a empregar os maiores esforços para que o antigo systema de desperdícios cesse, enviara um circumstanciado relatorio aos srs. ministros, especialmente ao sr. ministro da fazenda, e ao principal chefe da opposição n'esta casa.
Eu não sei como a camara considera este procedimento; para mim, pelo menos, affigura-se-me bem triste que nas altas regiões officiaes se tenha em tão pouco a dignidade do parlamento.
Sr. presidente, eu não posso deixar, na minha qualidade de representante da nação, de protestar e protestar bem alto contra esta desconsideração gratuita, contra esta immerecida descortesia com que se quiz ferir todos os membros do parlamento á excepção dos srs. ministros e do principal chefe da opposição.
Eu entendo que a administração da casa real até por seu proprio interesse andou erradamente neste assumpto, pois, se são verdadeiros os esforços que tem feito para melhorar o estado da fazenda, cuja gerencia lhe está confiada, o seu maior empenho deveria ser illucidar convenientemente todos os representantes da nação, qualquer que fosso o partido a que pertencessem. Não procedeu, porém, assim, e ainda mal!
Por isso eu pergunto com motivo se é verdadeira a affirmação do sr. ministro da fazenda.
Por isso eu estou no direito de perguntar: quaes são as rigorosas providencias de que nos falla o relatorio do sr. Hintze Ribeiro?
Não o sei eu, porque não tive a honra de ler o relatório offerecido, creio que por graça especial, sómente a alguns escolhidos.
Mas, á falta de relatorio, e á falta de dados officiaes, ser-me-ha permittido lançar mão de um documento extra-official, em que se levanta uma ponta do véu que encobre a origem da parte das dividas em discussão.
Em um jornal absolutamente insuspeito para a casa real, sr. presidente, tão insuspeito que exactamente insere a noticia, que vou ler, em meio de um rascado elogio á economia e bom tino da sua actual administração; nesse jornal, de que já citarei o nome, encontro o seguinte paragrapho, que á mingua de esclarecimentos de outra ordem, peço licença para ler á camara e especialmente ao sr. ministro da fazenda e ao sr. relator da commissão, ao sr. ministro da fazenda para que fique sabendo, que as dividas da casa real não são só explicáveis pelas rasões, que s. exa. adduz; e ao sr. relator da commissão, para que não torne a repetir com tanta ingenuidade e condescendencia, «que rendo o sr. ministro da fazenda no seu relatorio explicado a origem desta divida, a commissão nada tem a acrescentar a taes explicações» !!
Pois bem! Vejamos o que diz o Diario de noticias, referindo-se às medidas de economia que se têem ultimamente tomado na casa real.
Em o n.° 6:885 d'este anno lê-se o seguinte:
«Uma das circumstancias que muito favoreceram as honradas diligencias do sr. Nazareth nos ajustes de contas com os antigos fornecedores da casa real, e que, como essas contas não eram pagas em dia, antes o pagamento se demorava por largos mezes e annos, os preços de muitos géneros e objectos tinham-se elevado proporcionalmente e até desproporcionalmente á demora e foi de reconhecida equidade fazer sérias reducções na liquidação final.
«Por umas informações que em tempo ouvimos seria até das cousas mais curiosas a publicação de alguns preços de fornecimentos, em que só chegava a decuplicar os preços e mais do que decuplicar.
«Mas, foi sempre a maior angustia dos historiadores escrever a historia contemporanea, e nestas folhas volantes, que são outros tantos capitulos diarios da historia do nosso

Página 1307

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1885 1307

tempo, ha uma parte importantissima que fica por escrever, e que constituo a verdadeira coulisse, ou o bastidor do jornalismo. E bom sempre prevenir as idades futuras, para que não imaginem que no nosso tempo, por exemplo, uma duzia de ovos custava... 8 ou 10 tostões!»
Creio, sr. presidente, que não destoará da gravidade do assumpto, citar aqui um artigo, em que se faz allusão ao preço dos ovos! O sr. ministro da fazenda, que é um homem muito illustrado, e que até pela sua formatura deve ser versado em antiguidades romanas e medievaes, não ignora de certo que um Imperador afamado, Carlos Magno, numa das capitulares mais celebres que deixou, intitulada De Villis, se occupou d'estas miudencias, e com rasão, porque para um administrador taes miudencias têem sempre verdadeira importancia.
Digo, pois, continuando a lamentar não ter tido documentos mais completos, por não me haver sido distribuido o relatorio que foi enviado ao governo e ao principal chefe da opposição...
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Permitta-me o illustre deputado que o interrompa para dizer-lhe que não houve relatório algum distribuido a uns e não a outros; houve apenas, por parte da administração da fazenda da casa real, um relatorio enviado em 1880 ao presidente do conselho de ministros de então, e houve posteriormente, quando eu geria a pasta da fazenda, um relatorio enviado tambem pelo administrador da fazenda da casa real, sobre assumptos que lhe diziam respeito e nada mais.
O Orador: - Estimei ouvir a interrupção do sr. ministro da fazenda, mas a essa interrupção tenho simplesmente que oppôr estas terminantes palavras que se encontram no jornal a que alludi.
«No notavel relatorio que o sr. conselheiro Nazareth apresentou ao governo, como ao principal chefe da opposição, para lealmente mostrar o alcance da medida, a cfficacia dos seus processos n'aquella importante administração, e a lisura das suas intenções, vê-se que a casa real desde, etc.»
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Isso não é exacto.
O Orador: - Sei que o Diario de noticias não é orgão official da casa real, mas sei tambem, que, alem de ter com ella estreitas relações era quasi certo que uma noticia d'esta ordem, se não fosse verdadeira, teria sido immediatamente desmentida ou redificada pelos jornaes semi-officiaes.
Ora, como tal noticia não foi desmentida, reputo-a de todo o ponto verdadeira; e é na hypothese d'ella ser verdadeira que foço estas apreciações.
Mas em todo o caso, e fosse por que motivo fosse, repito, sinto não ter todos os esclarecimentos precisos para bem analysar este assumpto; o sr. ministro affirma comtudo que ninguem na camara tem mais esclarecimentos, do que eu e por isso devendo considerar verdadeira essa declaração e ao menos consolando-me um pouco por tal falta o conhecido proloquio latino: solatio est miveris socios habere penates, que naturalmente suggerem as revelações do Diario de noticias com respeito ao preço decuplicado e mais que decuplicado dos generos que durante muito tempo se compraram para a casa real.
Pois não acha v. exa., que no decurso de tantos annos, tal desleixo administrativo, se é esta a palavra mais própria para qualificar similhantes desperdicios havia de concorrer enormemente para o aggravamento da divida da casa real? Pois este desbarate inqualificável na economia da casa real, não se affigura a v. exa. que deveria ter contribuído muitíssimo para as difficuldades financeiras em que, sem motivo justificável, esta administração se encontra?
Evidentemente!
E quem tem culpa de que até certa epocha as administrações da casa real fossem pouco zelozas, perdularias e desleixadas?
Quem tem culpa d'isso?
Póde porventura o parlamento resgatar á custa da nação esses erros, se erros só foram, e fazer pagar pelo paiz dividas que têem tal proveniencia?!
Aqui está a rasão porque eu dizia ha pouco ao sr. ministro da fazenda e ao sr. relator da commissão, que não podiam ser simplesmente explicadas com os dados que se apresentavam as dividas da casa real.
E depois, todos sabem que o que este jornal o Diario de noticias, agora conta é bem publico e bem conhecido de ha muito.
Mesmo do relatório do sr. ministro da fazenda e das palavras que s. exa. ha pouco pronunciou, se infere como até ao presente tem corrido a administração da fazenda da casa real.
Pois não disse s. exa. ha um instante que era necessario de hoje em diante que a administração da casa real se regularisasse? Este «de hoje em diante», quer dizer, que até aqui tem estado irregularmente administrada; é uma conclusão logica das phrases de s. exa.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Não posso deixar passar sem reparo a asserção do illustre deputado.
Eu não disse, que era necessário, de hoje por diante, regularisar a administração da casa real; o que disse foi, que convinha regularisar as finanças da administração da fazenda da casa real, referindo-me á liquidação das dividas pelo pagamento dos empréstimos contrahidos e nada mais.
O Orador: - Do momento em que v. exa. é o auctor da s palavras a que acabo de referir-me, declara, que não foi essa a intenção com que as disse, não continuarei a insistirn'ellas; mas o que é facto é que v. exa. pronunciou essas palavras, e às vezes a verdade póde tanto, sr. presidente, que sem querer mesmo nos inclinamos para ella! E o que acaba de acontecer ao sr. ministro da fazenda. Diz s. exa. que eu interpretei mal o seu pensamento, mas o certo é que as palavras por s. exa. proferidas é que involuntariamente trahiram a sua intenção.
Eu estou, porém, discutindo com tão boa fé, e sinto que é tão difficil a posição dos meus adversarios, pela ruindade da causa que defendem, que logo que me dão uma explicação ou me pedem uma rectificação, não tenho duvida em acceital-a, ou a ella immediatamente acceder. Não argumento com declamações, sr. presidente, tendentes a produzir apenas um effeito de occasião; nem pretendo tão pouco tirar partido das palavras que os meus contendores podem mais ou menos irreflectidamente proferir. Tenho tantos argumentos, que seria desleal ou pueril insistir em taes promenores, que em nada alteram o seguimento da minha argumentação. Essa estrategia parlamentar fica para os que me combatem.
Tenho terminado, sr. presidente, as minhas considerações com relação ao relatorio do projecto em discussão, bem como a respeito do relatorio que precede a proposta ministerial.
Vou entrar por isso já na apreciação do projecto, era si, desviando-me da ordem de considerações feitas pelo meu amigo o sr. Beirão, por me parecerem demasiado restrictas para assumpto de tão alta importancia.
Conforme já disse no começo do meu discurso, eu entendo que esta questão deve ser apresentada com toda a franqueza, tal como ella é, sem rodeios e sem hesitações. Que se lucra em estar a esconder o seu verdadeiro alcance? Por isso não visei argumentar para combater esto projecto com interpretações de direito civil, embora tão bem fundadas, como são quasi todas as que foram adduzidas pelo meu collega o sr. Beirão.
Acceitando mesmo, por hypothese, que nem tudo o que disse o sr. Beirão foi exacto, e que o sr. ministro e o sr. relator vão responder triumphantemente às suas duvidas, en-

Página 1308

1308 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tendo que é necessario, ainda assim, examinar o projecto sob um outro aspecto mais grave.
Com effeito, embora tudo quanto o sr. Francisco Beirão juridicamente nos demonstrou, e que me parece não foi destruido pela argumentação do sr. ministro da fazenda, deixasse de ser assim, ficava, apesar disso, no meu entender, a questão no mesmo pé para o parlamento, e é sobre esta nova feição que ella tem de ser com toda a franqueza encarada, discutida e resolvida.
Em primeiro logar, diga-se sem rodeios inúteis que este projecto não é de um empréstimo, como especiosamente se affirma no relatorio, mas de uma dadiva, de uma cessão, e de uma dadiva e de uma cessão gratuita, de mão beijada! E um presente de 1.000:000$000 réis, que, sem se saber bem porque, a camara vão fazer á casa real!
Pois que quer dizer a clausula de ir o estado alienar, para pagar as dividas de que se trata, a propriedade das inscripções de que é o unico e directo possuidor?
Quer dizer que o estado sã vae privar, em beneficio do usufructuario, da quantia equivalente a essas inscripções.
O sr. ministro da fazenda disse ha pouco, e já o tinha affirmado no seu relatorio, que o emprestimo que n'este momento se discute não vem aggravar a fazenda publica, não vem impor um novo onus às nossas finanças.
Mas ha diversas maneiras de impor onus, sr. ministro!
É impor tambem um onus, o privar a fazenda publica de um recurso eventual, de que poderia mais tarde e em seu proveito lançar mão.
Pois então o patrimonio, o dominio do estado não é incluido no orçamento como fonte de receita em todos os paizes do mundo, e não ha paizes onde elle mesmo attinge proporções muito elevadas, muito valiosas, como na Prussia, por exemplo?
E é então indifferente para o estado o privar-se de bens que lhe pertencem?
Não significará pelo contrario uma depauperação na sua economia orçamental ir alienar em beneficio alheio parte do seu dominio, parte do seu patrimonio?
Eu comprehendo, sr. presidente, que, por motivos do ordem económica, e até por certas rasões de ordem politica (e esta questão tem sido debatida mais ou menos
desenvolvidamente em todos os tratados de finanças) se discuta clara e francamente o principio: se o estado póde ou deve ter patrimonio ou dominio seu, ou se lhe é mais conveniente alienar esse domínio ou esse patrimonio.
Mas não se occupa o parlamento agora disso. Neste momento não se trata de discutir a questão em principio. Trata-se apenas de uma hypothese, que aliás nada tem que ver com a questão de principios a que acabei de referir-me.
Póde discutir-se com effeito se um certo domínio do estado deve ou não ser alienado; mas o que não soffre discussão é o dizer-se que não importa um onus para a fazenda publica o alienar-se gratuitamente o dominio de 2.000:000$000 réis em inscripções.
Digam-se claramente as cousas como ellas são! Não trata este projecto de um emprestimo; trata de uma cessão gratuita á casa real de 2.000:000$000 réis nominaes!
Quer dizer, trata-se de dar á casa real, para que ella o applique ao resgate de emprestimos que fez por sua propria conta e para seu uso, o producto da renda dos diamantes da corôa, ou o producto da venda das inscripções, porque, pela conversão das joias em titulos, as duas especies equivalem-se.
E não se diga que n'este ponto o ministerio não andou apressado.
Andou apressado, e tanto que, sendo esto dos ultimos projectos de fazenda que se apresentaram, é exactamente o primeiro que se discute!
Não se diga que o governo em questões de cortezania palaciana quiz ter alguem que o excedesse!
Elle sabia bem que o dictado popular: dar depressa e dar duas vezes, tem perfeita applicação a esta dadiva que o parlamento vae fazer á administração da casa real, o quiz prevalecer-se de tal vantagem, que lhe será recompensada, não o duvido, com uma mais incondicional confiança da corôa!
Vejo, porém, que faltam apenas cinco minutos para dar a hora; e, como tenho ainda bastantes considerações a fazer, pedia a v. exa., sr. presidente, que me reservasse a palavra para a sessão seguinte.

Redactor. - Rego.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×