O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1149

SESSÃO DE 11 DE JDLHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Telegramma do presidente da commissão delegada dos vendedores de tabaco no Porto.- Segunda leitura e admissão: 1.°, de um projecto de lei do sr. Santos Viegas, concedendo á irmandade dos clerigos pobres o patco e casas contiguas do extincto convento de Santa Marina; 2.°, de duas renovações de iniciativa do sr. José Elias Garcia, a primeira com respeito ao seu projecto de lei para annullação da reforma de um coronel, a segunda relativamente a um projecto de lei do sr. Elvino de Brito, regulando a admissão dos magistrados do ultramar no quadro da magistratura do continente.- Representações mandadas para a mesa pelos srs. Elvino de Brito e Lopes Navarro.- Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Roma du Bocage e Alfredo Brandão, que manda tambem para a mesa dois requerimentos de interesse particular.- Explicação do sr. Baptista de Sousa relativamente á proposta que apresentou em referencia ás sessões nocturnas.- O sr. Santos Viegas pede ao governo que mande reparar a igreja da Freiria, destruida por um incendio. - Resposta do sr. ministro das obras publicas.- Considerações do sr. Elvino de Brito em apoio da representação que mandou para a mesa.- Resposta do sr. ministro das obras publicas.-O sr. Ferreira de Almeida, referindo-se á nossa organisação naval, impugna as opiniões manifestadas pelos srs. Fuschini e Cancella contra a compra de navios de guerra, e sustenta que Portugal não deve limitar-se a ter uma marinha colonial, mas ter tambem navios proprios para guerra de corso.- O sr. Julio de Moura renova a iniciativa de um projecto de lei.- O sr. Lopes Navarro requer, e a camara approva, que sejam publicadas no Diario do governo as duas representações que mandou para a mesa, e para uma das quaes chama a attenção do governo.- Resposta do sr. ministro das obras publicas.- O sr. Alfredo Brandão manda para a mesa um projecto de lei, tendente a auxiliar a marinha mercante, e acompanha-o com algumas considerações justificativas. Referindo-se em seguida ás doutrinas expostas pelo sr. Ferreira de Almeida sobre a nossa marinha de guerra, declara-se discordante porque a considera completamente inutil.- O sr. José Maria de Alpoim annuncia que tem de dirigir ao governo algumas perguntas em relação á companhia vinicola, e pede para isso a comparencia dos srs. ministros do reino e das obras publicas era uma das proximas sessões.- Resposta do sr. ministro das obras publicas.- O sr. Sousa Cavalheiro apresenta um projecto de lei.- Participação de se achar constituida a commissão do regimento.

Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 120 (addicionaes), e prosegue ao seu discurso, impugnando-o, o sr. Francisco Machado, que termina mandando para a mesa uma moção.- A requerimento do sr. Luciano Monteiro considera-se discutida a materia do projecto.- O sr. Arriaga declara que tem a mandar para a mesa uma moção, e pretende lel-a. Levanta-se por isso susurro, e o sr. presidente oppõe-se á leitura e convida o sr. deputado a mandar a moção para a mesa. Cresce a agitação, trocam-se apartes e a sessão é por esse motivo suspensa. Reaberta, é lida na mesa, e não admittida, a moção do sr. Arriaga.- São admittidas as propostas dos srs. Bandeira Coelho, Vargas, Virgilio, Teixeira de Vasconcellos e Casal Ribeiro.- Approva-se um requerimento do sr. relator para que as emendas vão á commissão. - É rejeitada a moção do sr. Francisco Machado, considerando-se prejudicadas as outras moções de desconfiança.- São retiradas as moções de desconfiança dos srs. Teixeira de Vasconcellos e Sergio de Castro, e em seguida é approvado o projecto em votação nominal a requerimento do sr. Eduardo Abreu.- O sr. Lobo d'Avila, referindo-se a uma representação da camara municipal de Marvão, chama a attenção do governo para os inconvenientes que resultam da mudança do lazareto de Marvão para Castello de Vide.-Levanta-se a sessão.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 74 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Cesar Brandão, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Coreia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto José Pereira Leite, Augusto Maria Fuschini, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Carlos Roma du Bocage, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fortunato Vieira das Neves, Francisco José Machado, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João Alves Bebiano, João do Barros Mimoso, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso, de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria do Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Luciano Cordeiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Ignacio de Gouveia, Pedro de Lencastre (D.) e Pedro Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Alfredo Mendes da Silva, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Bernardino Pereira Pinheiro, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Lobo d'Avila, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Villa Real, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Emygdio Julio Navarro, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Severino de Avellar, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, Joaquim Alvos Matheus, Joaquim Germano de Sequeira, José Dias Ferreira, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria Greenfield de Mello, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria,

68

Página 1150

1150 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Gonzaga dos lieis Torgal, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pinheiro Chagas, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Roberto Alves de Sousa Ferreira e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Aristides Moreira da Motta, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Conde do Côvo, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco José de Medeiros, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João Pinto Moreira, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Joaquim Teixeira Sampaio, José do Azevedo Castello Branco, José Domingos Ruivo Godinho, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira do Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde do Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Telegramma

Exmo. presidente, camara deputados - Lisboa. Commissão delegada revendedores tabacos Porto, roga v. exa. faca sentir á camara desejo classe tem, seja garantida tabella descontos em vigor da administração tabacos conforme representação enviada presidente conselho ministros. = Soares, presidente.

O sr. Presidente: - Dando conhecimento á camara do telegramma que acaba de ser lido, tenho assim satisfeito ao pedido do signatario.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A irmandade dos clerigos pobres d'esta capital acha-se installada no edificio do extincto convento de Santa Martha, concedido pelo poder legislativo que examinou com toda a attenção e escrupulo os fundamentos do pedido e do relatorio do respectivo projecto. Havia, porém, o governo de Sua Magestade, por meio de uma portaria, concedido á junta de parochia da freguezia do Santissimo Coração do Jesus o pateo e casas annexas que estão contiguas ao edificio do convento, e eram pertenças do mesmo. Hoje conhece-se que a irmandade precisa para seu logradouro e servidão não só das casas, mas tambem do pateo, por onde se dá a entrada principal para o convento, hoje convertido n'um excellente hospicio para o clero, sem distincção do hierarchias.

A junta de parochia ainda não deu applicação alguma ás ditas casas o pateo onde habitam inquilinos que não estão bem junto do um estabelecimento de tal ordem. É por isso que eu hoje tenho a honra do submetter á vossa esclarecida approvação o seguinte projecto do lei:

Artigo 1.° É concedida á irmandade dos clerigos pobres existente no edificio do extincto convento a Santa Martha de Lisboa o pateo e casas contiguas, pertenças do edificio, e que foram exceptuadas na lei que concedeu á dita irmandade aquelle convento.

Artigo 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 10 de julho do 1890. - O deputado, Santos Viegas.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei que apresentei a esta camara na sessão de 7 de junho de 1888.

Camara dos deputados, em 10 de julho de 1890. = J. Elias Garcia.

Lida na mesa foi admittida e enviada á commissão de guerra, ouvida, a de fazenda.

Esta renovação refere-se ao seguinte:

Projecto do lei

Artigo 1.° É annullada a reforma conferida por decreto de 10 do setembro de 1873 ao coronel de infanteria Bento José da Cunha Vianna; e, restituido ao seu legitimo logar na escala de accesso o mesmo coronel, ser-lhe-hão conferidos os postos de general de brigada e de general do divisão com as respectivas datas de 13 de março de 1879 e 2 de julho de 1886.

Art. 2.° Proceder-se-ha á liquidação dos vencimentos recebidos pelo general de brigada reformado Bento José da Cunha Vianna, com os que lhe competiriam segundo o disposto no artigo 1.°, restituindo-se-lhe o soldo, e bem assim restituirá o referido official no monte pio official o que dever em virtude d'aquella liquidação.

Art. 3.° Será em acto continuo reformado, na conformidade da legislação vigente, o referido general, se assim o solicitar.

Art. 4.° É revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos deputados, 6 de junho da 1888. = José Elias Garcia.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado á camara pelos srs. deputados Elvino de Brito e Sousa Machado, na sessão de 16 de junho de 1885.

Camara dos deputados, em 10 de julho de 1890. = J. Elias Garcia.

Lida na mesa foi admittida e enviada á commissão do ultramar, ouvidas as de fazenda, e de legislação civil.

Esta renovação refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - Ha hoje duas magistraturas judiciaes, a do continente e a do ultramar.

Para se entrar na primeira é preciso passar-se pelo concurso para delegados, que se abre no ministerio da justiça; para se seguir carreira na segunda é necessario passar-se por um identico concurso que se abre no ministerio da marinha.

A separação entre as duas magistraturas é profunda até ao momento em que a do ultramar vem encorporar-se na do continente.

As condições em que essa fusão se opera, são, pela legislação que regula a materia, tão pouco ou tão mal definidas, que dão logar a graves injustiças e a resoluções absurdas, alem de serem causa determinante da repugnancia que se manifesta pelo serviço do ultramar.

Assim, um delegado, seja qual for o tempo de exercicio nas comarcas ultramarinas, se, por considerações imperiosas de saude ou de interesses de familia, precisa voltar para o reino, não é considerado aqui como magistrado sem ir a novo concurso no ministerio da justiça, e tem de esperar pela vez para ser nomeado delegado.

O juiz de primeira instancia deve servir seis annos para

Página 1151

SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1890 1151

ter direito a uma comarca de 3.ª classe, mas se antes de completar aquelle periodo regressar ao reino, não tem direito a ser nomeado delegado sem submetter-se ás provas de um coucurso!

O juiz de primeira instancia com quatro annos de exercicio, por exemplo, que é nomeado juiz de segunda instancia para a relação de Goa ou de Loanda, tem de completar os seis annos marcados para o serviço da primeira instancia n'aquelles tribunaes.

Se voltar para o reino, faltando lhe um só dia que seja para prefazer o periodo, esse juiz de segunda instancia com dois annos incompletos de exercicio na relação, não póde ser nomeado delegado, salvo o arbitrio do ministro, sem ir a um concurso do ministerio da justiça.

O juiz da relação deve servir nove annos, alem do tempo exigido para complemento do primeiro periodo, e tem direito a entrar nas relações do reino. Se, porém, lhe faltar um dia de effectivo serviço, ainda quando tenha exercido as altas funcções de presidente do tribunal, só lhe compete a comarca de 3.ª classe no continente, se regressar ao reino antes de completar os periodos fataes!

Estes são os absurdos e as injustiças a que dá logar a applicação rigorosa da lei em vigor.

Mas alem d'estes inconvenientes, filhos directos da lei, ha outros indirectos tambem d'ella derivados, que actuam sobre a magistratura do ultramar por modo não menos lamentavel.

Por exemplo:

Um juiz completa o primeiro periodo de seis annos; requer a sua transferencia para o reino e obtem uma comarca de 3.ª classe.

Outro juiz, de nomeação mais antiga, continua a servir no ultramar, mas antes de completar o segundo periodo de nove annos, requer, por motivo de força maior, a sua transferencia e obtém uma comarca do 3.ª classe.

Pois este segundo juiz mais antigo, com dobrado tempo de serviço, fica á esquerda do primeiro e terá o desgosto de ver o seu collega subir a juiz de relação, continuando elle por muitos annos a permanecer na primeira instancia!

Ha factos de tal ordem e importancia que basta só enuncial-os para não poderem passar desapercebidos aos poderes publicos, e com especialidade aos membros d'esta camara, que seguramente professam o culto da justiça e nutrem o desejo constante de dar remedio a tudo que deva e possa tel-o.

Alem do que fica exposto, ha uma rasão de boa politica que cumpre não esquecer. Protrahir por mais tempo ajusta reparação de uma iniquidade immerecida o até hoje supportada com demasiada resignação, é dar armas contra as instituições, é augmentar o numero dos descontentes. Tanto uma como outra cousa cumpre que seja cuidadosamente evitada.

Sob o influxo d'esta ordem de idéas foi redigido o seguinte projecto do lei que tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação, e no qual me parece estarem estabelecidas regras sensatas e praticas para a admissão dos magistrados judiciaes do ultramar no quadro da magistratura do reino e ilhas:

Artigo 1.° Emquanto não se reformar e fundir num só estatuto, a organisação judicial das provincias ultramarinas, a admissão dos magistrados do ministerio publico e dos juizes de primeira e segunda instancia, dos dois districtos judiciaes do ultramar, no quadro da magistratura do continente, regular-se-ha pelas disposições d'esta lei.

Art. 2.° O delegado do procurador da corôa e fazenda que, depois de um ou mais annos de exercicio do seu cargo regressar ao reino, terá direito a ser nomeado delegado de comarca de 3.ª classe, na primeira vacatura, sem dependencia de novo concurso.

Art. 3.° O juiz de primeira instancia, com um a dois annos do exercido, que, por falta de saude bem comprovada, tiver de abandonar o serviço, terá direito ao logar e delegado da comarca de 2.ª classe, na primeira vacatura e na altura que competir ao seu tempo de serviço como juiz.

§ 1.° Se o juiz tiver de dois e meio a quatro annos de exercicio, terá direito ao logar de delegado de 1.ª classe, na primeira vacatura.

§ 2.° Se o juiz tiver mais de quatro e meio e menos de seis annos de exercicio, terá direito ao logar de juiz de comarca de 3.ª classe.

§ 3.° Se o juiz tiver completado seis annos de serviço era direito ao logar de juiz de comarca de 2.ª classe.

§ 4.° Se porém o juiz de primeira instancia, durante o periodo de seis annos a que se refere o § 3.°, passar á segunda instancia e tiver servido na relação de um a dois annos, terá direito a uma comarca de 2.ª classe na altura correspondente ao seu tempo de serviço na segunda instancia.

Art. 4.° O juiz de segunda instancia que tiver exercido as suas funcções por espaço de dois annos, alem do tempo de serviço complementar do periodo de seis annos, a que se refere o § 4.° do artigo 3.°, e por falta de saude bem comprovada requerer a sua transferencia para o reino, terá direito a uma comarca de 1.ª classe, ou a servir de juiz substituto das relações do continente e ilhas.

§ 1.° Não poderá haver mais de tres juizes substitutos. O juiz n'esta collocação póde servir em todas as relações alternadamente, no impedimento dos respectivos juizes. O seu vencimento annual será de 1:200$000 réis.

2.° O cargo de juiz substituto é exclusivamente destinado aos juizes nas condições indicadas no artigo 4.° e deverá ser exercido por mais de dois annos para haver direito á nomeação de juiz da relação dos Açores.

§ 3.° Se o juiz tiver de tres a cinco annos de exercicio no segundo periodo, terá direito a uma comarca de 1.ª classe na altura correspondente ao seu tempo de serviço.

§ 4.° Se o juiz tiver mais de seis e menos de nove annos de exercicio, terá direito ao logar de juiz da relação dos Açores.

§ 5.º Se o juiz tiver completado nove annos de serviço terá direito ao logar de juiz da relação dos Açores na altura de immediato ao mais antigo juiz do mesmo tribunal.

§ 6.° Se o juiz, alem dos nove annos de serviço tiver exercido durante esse periodo o cargo de presidente do tribunal, será collocado, quando regressar ao reino, como addido junto á relação do Porto ou á de Lisboa, passando a effectivo na primeira vacatura.

Art. 5.° Fóra dos casos em que a falta de saude justifica o regresso, ou quando este se verifique antes de se achar completo o tempo de serviço indicado nas diversas hypotheses dos artigos antecedentes, os juizes que requererem a sua transferencia para o continente serão collocados nos logares immediatamente inferiores, emquanto a categoria e altura de tempo de serviço, aos que vão designados nos artigos 3.°, 4.° e seus paragraphos.

Art. 6.° Para o computo do tempo de serviço effectivo no ultramar, a que se referem os citados artigos e seus paragraphos, serão abonados a cada magistrado dois mezes de licença por cada anno completo de serviço.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario. = Elvino de Brito = Sousa Machado.

REPRESENTAÇÕES

Da associação industrial e commercial da Covilhã, pedindo que seja convertido em lei o projecto relativo ao prolongamento da linha férrea de Arganil á Covilhã.

Apresentada pelo sr. deputado Elvino de Brito, enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda, e manda publicar no Diario do governo.

Página 1152

1152 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

De empregados da repartição de fazenda do districto de Bragança, pedindo augmento de vencimento.

Apresentada pelo sr. deputado Lopes Navarro, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Bragança, pedindo a construcção dos caminhos de ferro que fazem parte da rede do norte do Mondego e que mais interessam áquella região, como a linha de Foz Tua em prolongamento de Mirandella a Bragança e a do Focinho a Miranda do Douro, bifurcando-se para Bragança nas proximidades de Vimioso.

Apresentada pelo sr. deputado Lopes Navarro, enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Roqueiro que, com a possivel brevidade, sejam remettidos a esta camara, pelo ministerio das obras publicas, todos os documentos sobre que se baseou a resolução do governo para mandar abrir concurso para a construcção do caminho de serviço da estação de Guimarães em portaria de 8 do corrente mez de julho. = Alfredo Cesar Brandão.

Requeiro por parte da comissão de guerra, que seja ouvida o governo, pelo ministerio da guerra, ácerca do requerimento junto do capitão de engenheria Pedro Romano Folque e dos documentos que o acompanham. = Carlos Roma du Bocage.

Requeiro por parte da commissão de guerra, que seja ouvido o governo, pelo ministerio da guerra, ácerca do requerimento junto, do alferes reformado Antonio Rodrigues. = Carlos Roma du Bocage.

Roqueiro, por parte da commissão de guerra, que seja ouvido o governo, pelo ministerio da guerra, ácerca do requerimento junto, do tenente do estado maior de infanteria José Silverio de Sousa. = Carlos Roma du Bocage.

Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De João Severino da Silva Reis, major reformado da guarnição de Macau e Timor, pedindo que lhe seja applicada a doutrina da lei de 25 de junho de 1889.

Apresentado pelo sr. deputado Alfredo Cesar Brandão e enviado á commissão de fazenda, ouvida a do ultramar.

De Joaquim Ferreira, major reformado da guarnição de Moçambique no sentido da antecedente.

Apresentado pelo sr. deputado Alfredo Cesar Brandão e enviado á commissão de fazenda, ouvida a do ultramar.

O sr. Baptista de Sousa: - Foi discutida e votada na sessão de hontem a proposta que eu apresentára na sessão anterior, tendente a evitar que fosse precisamente ás seis horas da tarde, quando um deputado estiver fallando na supposição, ás vezes, de que não ha sessão nocturna, e que, por isso, a sessão diurna durará até ás seis horas e meia, que fosse annunciada a sessão nocturna. Não estava presente, quando a proposta se discutiu, porque deveres de serviço publico me impediram de vir cedo para a camara.

Tenho, por isso, hoje de dar uma explicação á camara e a v. exa., derivada de algumas palavras com que foi apreciada a proposta, n'uma ligeirissima impugnação, que soffreu. Não me refiro a ella. Quero apenas declarar, que a minha proposta nunca podia importar a menor desconsideração ou falta de confiança em v. exa., e em geral na presidencia. (Apoiados.) O meu fim unicamente, muito ao contrario, fôra dar á presidencia um meio com que ella estivesse sempre preparada para que a regularidade dos trabalhos nunca podesse ter a menor sombra de suspeita e de parcialidade.

O meu fim foi este, e até suppuz, que a minha proposta seria especialmente agradavel a v. exa., evitando-lhe pedidos feitos á ultima hora, e só mandei para a mesa a mesma proposta por escripto, por assim mo exigir o illustre vice-presidente, que então occupava esse logar.

Nunca poderia eu ter manifestado desconfiança na presidencia, quando o meu empenho só era e é, que por meio de uma regra estabelecida a confiança seja sempre fundada por desviar a suspeita de suggestões alheias, conformo as conveniencias do ultimo momento.

N'este sentido até faço minhas as expressões, que proferiu o illustre deputado, o sr. Alfredo Brandão, quando commentou a proposta na minha ausencia. No animo de nós todos, e sem combinação alguma, estava dar á proposta o unico sentido, que era conveniente, dirigindo-se os trabalhos de fórma que nunca podesse haver ou repetir-se algum incidente desagradavel. (Apoiados.)

Com a promessa feita por v. exa. n'essa occasião ao mesmo sr. deputado e meu amigo o sr. Alfredo Brandão, me dou por inteiramente satisfeito, sendo esse resultado para mim igual ao que com a proposta queria conseguir; tanto valem para mim as affirmações de v. exa. (Apoiados.)

O sr. Santos Viegas: - Pedi a palavra para expor ao sr. ministro das obras publicas um facto que hoje chegou ao meu conhecimento, pedindo para elle a attenção de s. exa.

Constou-me que a igreja da Freiria, concelho de Torres Vedras, fôra completamente devorada pelas chammas com tudo que n'ella existia, ou fossem paramentos, ou alfaias ou outros objectos do culto.

Aquelles povos são pobres, têem poucos meios e talvez nunca possam restaurar aquelle edificio, aonde assistiam ás ceremonias religiosas e a todos os actos do culto catholico. Por isso eu rogava ao sr. ministro das obras publicas, sem desejar fazer largas considerações, que tomasse em consideração a circumstancia da extrema pobreza d'aquelle povo, e que mandasse proceder, pela fórma que julgasse mais conveniente, aos reparos da igreja, necessidade que me parece ser urgentissima.

Eu confio na solicitude e no desejo que o sr. ministro terá de attender a esta urgente necessidade, e de dar n'esta parte o mais frisante testemunho do seu zêlo e do respeito devido ás crenças d'aquelles povos, que não têem hoje logar conveniente e proprio para exhibirem essas mesmas crenças, que são a nossa esperança e a de tantos milhares de individuos espalhados pelo mundo, que são, emfim, o mais seguro fundamento da boa ordem e segurança publicas.

Ao sr. ministro entrego confiadamente este assumpto.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Antes de se abrir a sessão já o illustre deputado me tinha communicado a desgraça succedida em Torres Vedras e de que resultou ficar completamente destruida a igreja.

Repito agora a s. exa. o que então lhe disse particularmente; isto é, mandarei pedir as informações necessarias para se proceder ao orçamento da despeza a fazer com a reconstrucção da igreja, e eu applicarei das verbas do orçamento do estado uma somma que possa auxiliar, senão no todo, pelo menos em parte, essa reparação.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Santos Viegas: - Agradeço ao sr. ministro das obras publicas a resposta que acabou de dar-me, ficando eu certo de que o meu justo pedido será satisfeito.

O sr. Elvino de Brito: - Manda para a mesa uma representação da camara municipal da Covilhã, pedindo que seja convertido em lei o projecto relativo ao prolongamento da linha ferrea de Arganil á Covilhã.

Página 1153

SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1890 1153

Deseja que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Está convencido de que o sr. ministro das obras publicas, quando se occupar da rede geral dos caminhos de ferro do paiz, ha de tomar na devida consideração o pedido da camara municipal da Covilhã, que já tem sido recommendado por varios srs. deputados de todos os partidos, politicos.

Pede tambem que seja mandado publicar o censo a que se procedeu era virtude de requisição da mesma camara, a fim de se habilitar aquelle concelho a ser autonomo. Em resultado d'esse trabalho, reconheceu-se que a sua população compõe-se de 1:372 fogos e 47:255 habitantes; e é necessario que isto se publique.

Referindo-se ao que dissera em uma das ultimas sessões um sr. deputado e que elle, orador, considerou como insinuações á direcção geral de agricultura, levanta, não como director geral, mas como deputado, essas insinuações, declarando que está ancioso por ouvir aquelle sr. deputado expor o que deseja com respeito áquella repartição, porque quer tambem entrar n'essa discussão.

Com relação aos documentos a que s. exa. se referíra, queixando-se de não os ter ainda recebido, limita-se a dizer que a direcção geral não póde enviar documentos sem ordem do respectivo ministro.

Por ultimo declara que, se estivesse presente quando se votou o projecto de dotação á familia real, o teria approvado.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

A representação teve o destino indicado no respectivo extracto a pag. 1151.

Foi auctorisada a sua publicação.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Parece-me que o recenseamento da população do concelho da Covilhã está feito ha largo tempo.

Eu não sabia que era necessario despacho do ministro para que elle podesse ser publicado da folha official; mas visto não o ter sido, talvez, por falta da minha parte, ámanhã ou talvez ainda hoje, só for á secretaria, fallarei com o sr. director geral a este respeito para que se faça a publicação.

Em relação ao caminho de ferro de Arganil, nada de preciso, nem de minucioso posso dizer ao illustre deputado.

O governo pensa, effectivamente, em apresentar ao parlamento um plano geral de redes de caminhos de ferro.

Não poderei apresental-o, talvez, n'esta sessão, não só porque o adiantado d'ella não o permittirá, mas porque não tenho ainda os respectivos trabalhos inteiramente coordenados; e eu desejava trazel-os ao parlamento em condições de satisfazerem, sobretudo por sé harmonisarem com as difficuldades financeiras com que o governo lucta n'este momento.

Parece-me que estas explicações satisfarão o illustre deputado e os seus collegas, representantes d'aquelle circulo, ficando certos de que o governo não descurará tão importante assumpto.

Em relação á ultima parte do discurso do illustre deputado, embora eu nada tenha com o assumpto, que só poderá dizer-me respeito pelo facto de ter a honra de ser ministro, e mesmo sem ter procuração de ninguem para responder a s. exa. sempre direi que estou intimamente convencido do que o illustre deputado foi injusto na sua apreciação.

Certamente nenhum membro d'esta camara era capaz de fazer qualquer insinuação que podesse ser desagradavel a um cavalheiro, chefe de repartição, que, não tendo assento n'esta casa, não póde defender-se.

Mas essa repartição está a cargo do ministerio das obras publicas, e sendo eu o ministro d'esta pasta, entendo dever intervir para dizer sobre o assumpto succintas palavras, repetindo aquillo que mais de uma vez já tenho dito n'esta camara.

Eu condemnei, quando pertencia á esquerda da camara, a orientação que o ministerio da agricultura seguia. Por mais de uma vez discordei dos processos e do systema ali adoptados; mas depois de ser ministro, se não modifiquei a minha opinião nos pontos em que até ali estava convencido que essa orientação era prejudicial e despendiosa, não podia, comtudo, deixar de louvar o zêlo, a diligencia o a boa vontade com que na direcção geral de agricultura se seguia a orientação dada pelo ministro meu antecessor.

Não posso dizer mais do que isto, nem me parece que seja necessario. Condemnei a orientação. Entendo que ha ali muitas cousas que são não só desnecessarias, mas até prejudiciaes; infelizmente, porém, ellas estão realisadas e não podem desfazer-se, porque seria isso para o paiz um prejuizo maior do que aquelle que resultou de se terem feito.

Repito, a meu ver, a orientação foi má; mas a boa vontade, o zêlo e a diligencia em seguir as instrucções do ministro meu antecessor, têem sido inexcediveis.
Parece-me que estas explicações, que dou unicamente em meu nome, bastarão para satisfazer não só o illustre deputado, mas todos os cavalheiros que têem a honra de fazer parte da direcção geral do agricultura.

Por esta occasião devo dizer que pelo ministerio das obras publicas todos os directores geraes têem recebido ordens minhas, terminantes, para expedirem todos os documentos que têem sido requisitados pelos membros do parlamento; mas os pedidos têem sido tantos e tão variados, que se torna absolutamente impossivel realisar de prompto este trabalho.

Alguns ha até, que só com o dobro dos empregados actuaes poderiam ser satisfeitos, porque comprehendem todos os despachos effectuados desde o dia em que entrei para o ministerio das obras publicas até hoje.

No emtanto creio que os documentos pedidos pelo sr. Adriano Monteiro, se não foram já expedidos, estão em via de expedição.

O sr. Adriano Monteiro: - Já os recebi.

O Orador: - Por agora não tem havido tempo para expedir mais.

O que posso, porém, asseverar a s. exa. é que tem havido e continuara a haver toda a boa vontade no cumprimento d'este dever, satisfazendo-se ás requisições da camara com a possivel brevidade.

Os documentos vão sendo remettidos á medida que estão, promptos.

E o mais que se póde fazer.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ferreira de Almeida (na tribuna):-Subindo pela primeira vez a esta tribuna não o faço para me pôr em evidencia, porque todos que me conhecem, sabem que não procuro a celebridade: conduzem-me aqui as necessidades do assumpto, de que vou tratar, pois tenho que apresentar um mappa, que melhor se vê d'este logar, para se fazer uma idéa completa da exposição.

Desde 1884, em que tomei assento n'esta camara, tenho defendido no interesse do paiz principalmente, e não no da classe a que pertenço, a organisação da força naval, não só sob o ponto de vista do pessoal, mas do seu material.

Julgo do meu dever de cidadão, em primeiro logar, de deputado depois, e em ultimo logar de official de marinha, expor á camara, pelo conhecimento que devo ter da materia, aquillo que me parece interessar o paiz sob o ponto de vista da sua defeza e acção maritima.

Na ultima sessão parlamentar veiu á camara um projecto de lei auctorisando o governo a gastar 1.700:000$000 réis para a acquisição do material de guerra naval; impugnei esse projecto, não sob o ponto de vista da acquisição de navios, mas da sua qualidade, defendendo, como sempre defendi e defendo, a necessidade de que os nossos na-

Página 1154

1154 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

do guerra tenham o caracter de navios de guerra propriamento ditos, devendo desprendermo-nos, de uma vez, d'essa demasiada confiança em que vivemos, de tolerancia, boa vontade e magnanimidade das outras nações para comnosco, limitando-nos por isto a ter uma singela marinha colonial, quando é preciso termos mais alguma cousa e de mais algum valor. (Apoiados.)

Não me allongando em citações da historia, que todos conhecem, mas sendo conveniente referir alguns pontos para frisar o assumpto, lembrarei que desde o incidente da Charles et George, em que a França nos impoz uma humilhação desagradabilissima, até ao ultimo conflicto com a Inglaterra, que nos traz ainda indignados com aquella nação, se intercalou o facto mais desagradavel do todos, a meu ver, de nem com o sultão de Zanzibar podermos affirmar as nossas sobrancerias, digamos assim, o nosso orgulho nacional, contra o desdem e até desprezo com que esse insignificante sultão nos tratou a proposito da questão do Tungue! (Apoiados.)

Antes de entrar na materia, careço de fazer uma observação. Não tenho nas sessões d'esta legislatura tomado quasi tempo algum á camara, nem na ordem do dia, nem antes d'ella, e por isso, se agora me alongar um pouco, espero que os meus illustres collegas m'o relevem.

Disse aqui na camara do alto d'esta tribuna o sr. Fuschini, que melhor era ter um bom cadastro da população, do que navios de guerra, e o sr. Cancella, da sua bancada, que, por mais que gastassemos em marinha de guerra, nunca poderiamos estar em condições de luctar com nação alguma!

Se proposições d'esta ordem calassem no espirito publico, se esta fosse a opinião da camara e do paiz, então o melhor que tinhamos a fazer era simplesmente supprimir de uma vez a marinha de guerra; se tal opinião prevalecesse seriam tão graves os seus inconvenientes, que affectariam não só a nossa dignidade de nação, mas porventura a nossa integridade. (Apoiados.)

A Belgica não tem marinha de guerra, porque as suas costas, por baixas, são inabordaveis sem balisas, porque não tem colonias, e é insignificante a sua marinha mercante. A Dinamarca, tres vezes inferior em área a Portugal, e com um dominio colonial quasi tres vezes menor do que o nosso, tem 24 navios de guerra, dos quaes 12 couraçados e 9 torpedeiros, que lhe absorvem 1/8 do orçamento geral do estado.

A Hollanda, de área menor que a Dinamarca, na Europa, mas com um dominio colonial igual ao nosso, figura nos annuarios navaes com uma esquadra de 66 navios sendo 24 couraçados e 32 torpedeiros, que lhe absorvem 1/8,5 do orçamento geral.

Portugal, com uma área continental tres vezes superio á de cada uma das nações que acabo de citar, figura nas estatisticas com 25 navios, das quaes apenas 1 couraçado e 4 torpedeiros, e sendo pelo seu dominio colonial a quarta ou quinta nação do mundo, tem um orçamento naval de 1/20 do orçamento geral, correndo parelhas com a Grecia de uma arca um terço apenas inferior á nossa e sem colonias, que dispõe de 23 navios e 32 torpedeiros, sendo d'aquelles 5 couraçados, absorvendo-lhe o orçamento naval 1/22 do orçamento geral!

A republica Argentina consome no seu orçamento naval 1/20 do orçamento geral; o Brazil 1/13 e o Japão 1/6.

As condições accessiveis do nosso littoral, a vastidão dos nossos dominios coloniaes, e o alheio exemplo, impondo-nos a necessidade de ter marinha, só resta determinar come constituil-a.

É já hoje consagrada a phrase: «Dae-me boa politica dar-vos hei boas finanças». Paraphraseando esta proposição diz Ledicu na sua obra ácerca da construcção naval: «Defini a vossa politica e tendes determinado a constituição de vossa esquadra».

Sobre este thema, estabelece este auctor que as nações têem do considerar em relação á sua marinha a disposição do seu littoral e as condições em que vivem ou pretendem viver; assim uma nação que tenha o littoral aberto, mas com os seus portos centraes de operações, naturalmente protegidos pela disposição orographica da costa, devidamente fortificada não deve pensar em ter esquadra couraçada, e é este o nosso caso. No que respeita a esquadra de alto mar deriva o mesmo auctor a sua organisação das condições de relação em que cada paiz se póde encontrar: assim se o inimigo provavel não tem colonias, nem commercio, é preciso ter uma esquadra couraçada de alto mar; e pelo contrario os inimigos provaveis são nações poderosas, senhoras do mar, com vasto commercio e largos dominios coloniaes, garantida a defeza do littoral, devem todos s recursos ser empregados n'uma esquadra de cruzadores de corso e de combate dotados da maior velocidade. Tal o nosso caso.

Para a analyse d'este thema escolhamos a nação mais podorosa, com que possamos ter conflicto. Se as conclusões que d'ahi derivem forem justas, claro está que o são igualmente para todas as outras de menor força; isto é, se as considerações que eu fizer em relação, por exemplo, á Inglaterra, actualmente a mais poderosa das nações maritimas, forem concludentes, tambem o são a respeito da França, da Hollanda, do Brazil, da China, nações com que mais facilmente podemos ter conflicto na nossa vida internacional, ou por ambição que possa manifestar-se contra o nosso dominio colonial, ou pela defeza de interesses de nacionaes que vivem n'esses paizes, como succede com o Brazil.

Apreciando o thema proposto analyso as duas proposições aqui avançadas, e que julgo um dever de consciencia e de posição levantar e discutir. (Apoiados.)

Não deve haver marinha de guerra! diz-se! Não podemos combater! Vamos á hypothese. Temos um conflicto com a Inglaterra. Se não tivermos cruzadores que lancemos no mar em perseguição do seu commercio, e para atacar e lançar contribuições de guerra nas suas cidades abertas, é claro, que esse paiz que dispõe de uma enorme esquadra em quantidade tal que póde ter uma linha de navios em volta de Inglaterra, bloqueara completamente a nossa costa, ficando com a enorme vantagem de continuar socegadamente com a sua navegação mercante ao abrigo das principaes durezas da guerra, como os proprios inglezes reconhecem, quando dizem, referindo-se ao corso:

«There can be no doubt about the posibility of such operations, by a maritime enemy possessed of sufficient power, and as to the expedience, there can be as little doubt but that any power at war with Great Britain will adopt every possible means of weakening her enemy: and weknow of no means more efficacious for making an enomy feel the pinch of war than thus destroyng his property, and touching his pocket.»

A ultima parte d'esta declaração 6 tudo quanto ha de mais positivo e significativo - «que não ha meio mais efficaz de fazer sentir ao inimigo as durezas da guerra do que destruindo-lhe a propriedade e atacando-lhe a algibeira» - e operações destas só as póde fazer uma nação pequena com o cruzador do corso, ou de combate, atacando os navios de commercio, destruindo-os, o lançando contribuições de guerra nas povoações abertas, quer do continente, quer coloniaes. (Muitos apoiados.)

Ora se são os proprios inglezes que nos ensinam que para a guerra ser sensivel não deve ter logar só entre tropas e tropas, ou entre navios e navios (Apoiados), mas sim fazer-se sentir na propriedade e na algibeira do cidadão, para que este reaja, ainda sendo o mais poderoso, contra o estado do guerra - é necessario que nos preparemos dentro dos justos termos de tempo e de dinheiro para nos pormos nas condições que essa nação nos diz ser o melhor systema de fazer a guerra... (Apoiados.)

A camara vae ver por esta carta plana, que se nós ti-

Página 1155

SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1890 1155

vessemos o minimo de quatro cruzadores, qual era a vantagem que podiamos tirar d'essa força naval, o portanto que desde que a nossa esquadra de cruzadores cresça, crescem as vantagens da nossa acção maritima.

Vê-se n'este mappa, que são quatro os pontos principaes da passagem obrigada de toda a navegação, e por consequencia qual o objectivo e centro de incidencia dos nossos quatro cruzadores.

Desde que tivessemos a possibilidade de actuar n'estes pontos de cruzamento da navegação, esse facto era bastante para obrigar a Inglaterra, porque esta é a hypothese, a distribuir as suas forças navaes e todos os seus elementos de acção naval, por quasi todos os mares.

V. exas. vêem n'esta carta plana estas linhas; são as dos cabos submarinos e as da navegação; e vêem que é nas proximidades das ilhas dos Açores e ao norte d'estas ilhas, na passagem do archipelago de Cabo Verde, á saída do mar Vermelho, perto de Socotorá, e no mar da China, que são as regiões mais frequentadas pela navegação, que a acção dos nossos cruzadores se tornaria mais efficaz e effectiva. (Apoiados.)

Isto importava para a Inglaterra a necessidade de ter uma esquadra na altura dos Açores, outra na altura das ilhas de Cabo Verde, outra, porventura, nas ilhas Falkland, proximo do cabo de Horn, por causa da navegação do Pacifico, outra no mar da China, alem das que carecia para protecção do seu litoral na Europa, no Canada, e pesca do banco da Terra Nova, na India, na Australia, etc., o que determinaria para a Inglaterra uma importante dispersão de forças, que tornaria mais fraco o bloqueio do nosso litoral e portos. (Apoiados.)

A rasão por que indiquei como iniciação da nossa força naval quatro cruzadores, como minimo, esta definida; alem de que uma consulta feita a proposito da reorganisação da nossa marinha de guerra marca o mesmo numero de navios em relação ao tempo em que não se haviam desenvolvido os couraçados, como se desenvolveram nos ultimos annos.

A illustrada commissão entendeu que a base da organisação da nossa marinha devia ser de quatro fragatas.

Esta indicação corresponde á dos quatro cruzadores actuaes.

A nau de linha correspondia então ao battle-ship, o couraçado de hoje.

Outro exemplo a favor dos quatro cruzadores, como ponto de partida, vem da historia contemporanea.

Diz-nos ella que os confederados da America, que não tinham marinha de guerra, lançaram ao mar quatro cruzadores, o Georgia, o Sumter, o Stone-Wall e o Alabbama, o ultimo dos quaes, só por si, pela audacia, energia e boa fortuna do seu commandante, porque é necessario não esquecer esse elemento, conseguiu fazer tal ruina no commercio americano, que ainda hoje se resente dos effeitos d'essa campanha.

Os premios do seguro chegaram a 25 por cento do valor das cargas.

A este proposito diz sir Charles Wilson:

«Ha uma questão mais evidente que qualquer outra na historia commercial, e vem a ser: que quando uma nação não póde proteger eficazmente, em tempo de guerra, o seu commercio corrente, esse commercio toma outro rumo, e não volta.»

A preoccupacão da Inglaterra em defender o seu commercio, por ser o seu ponto vulneravel, é tal, que um membro do almirantado, lord Charles Beresford, diz:

«Actualmente metade da população da Inglaterra tem a sua subsistencia dependente do mar. É uma questão de vida ou de morte para nós proteger o nosso commercio, e não temos com que... and you have not to ao it with...

Faz esta affirmativa um membro do almirantado, e note a camara que a marinha ingleza dispõe actualmente de mais do trezentos navios em condições de se fazer ao mar immediatamente.

A opinião de lord Beresford deriva naturalmente do ensinamento tirado das ultimas manobras. Assim, em 1888, emquanto uma esquadra figurava bloqueada n'um porto, poderam d'ali escapar-se varios navios, e só um d'elles, o Callipso, de 2:770 toneladas e de 13,75 milhas de marcha, fez, em quatorze dias, de 4 a 18 de agosto, impunemente em presas de navios e sua inutilisação um prejuizo representado por 59:247 toneladas fluctuantes, alem de lançar contribuições de guerra, consideradas realisaveis, em Ellen, Oban e Pensance, portos indefezos do Reino Unido.

Os exercicios de 1889 foram precedidos pela revista naval dada em honra do Imperador da Allemanha e em que figuraram 26 couraçados, 28 cruzadores, 44 torpedeiros e 29 canhonheiras e navios diversos.

Nas manobras que começaram em 15 de agosto, verificou-se que seis cruzadores da esquadra de ataque apprehenderam impunemente durante as operações 95 navios mercantes, representando 162:730 toneladas.

Na apreciação das manobras diz-se que na actualidade o exito das operações depende mais que nunca do numero dos navios rapidos, e que são insufficientes os que possue a marinha britannica.

Nas guerras que a Inglaterra teve com a França, em que os navios de ambas as nações eram de véla, aconteceu que no periodo de 1756 a 1760, em quatro annos, perdeu a Inglaterra 2:539 navios, e desde 1793 a 1815 perdeu 10:871 navios, na sua quasi totalidade apprehendidos pelos navios corsarios, simples barcos mercantes armados em guerra.

Actualmente a navegação mercante em todos os portos do Reino Unido, entre entradas e saídas é de 1:800 a 1:900 navios por dia.

Veja v. exa. e a camara que grande partido póde tirar uma nação pequena que quasi não tem, infelizmente, navegação mercante, do uma navegação tão numerosa, e no vastissimo campo por que ella só dispersa.

Aqui está como se demonstra e como entendo que não podemos deixar de ter navios de guerra, propriamente ditos, ainda que fosse insignificante o seu numero.

São apenas necessarias quatro cruzadores de força para sobresaltarem a Inglaterra.

Eu não desejaria senão que o commandante de um desses cruzadores fosse tão audacioso e feliz como foi o commandante do Alabama, para abordar as costas da Inglaterra, e lançar ahi o alarme e as contribuições de guerra, o que por tal modo feriria o orgulho britannico que só por si seria para nós o maior desforço, a maior gloria, e nos compensaria, ao menos, na satisfação do nosso orgulho nacional, dos sacrificios que fizessemos com a guerra (Vozes: - Muito bem.)

É certo que essa poderosa nação tem o grande recurso contra nós de termos a costa aberta e quasi indefensavel, porque póde dizer-se que uma terça parte da população vive tão proximo da beira mar, que quasi sente desenrolar-se a vaga a seus pés.

Desde Caminha a Villa Real de Santo Antonio, as povoações da costa seriam arrasadas e sem meio algum possivel de defendel-as.

Como tirarmos desforço d'esta violencia?

Com os cruzadores que tivessemos no mar, dando caça aos navios d'essa poderosa nação, fazendo por lhe destruir tantos navios quantas as povoações arrasadas, aniquilando-lhe tantas tripulações, quantas as populações metralhadas (Muitos apoiados.)

Diz-se que a acquisição de cruzadores de força e um onus para o paiz.

É possivel, é verdade mesmo.

Entremos pois na analyse pratica e, por assim dizer, na apreciação do modo de realisar esta aspiração.

Página 1156

1156 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Quanto podo custar uma esquadra tal qual está orçada pelo governo composta de dez cruzadores e quatro couraçadosa de defeza do porto? 20:000 contos, o maximo.

Devo dizer de passagem que eu prefiriria quatorze cruzadores, isto é, mais quatro cruzadores do que os indicados no plano, em substituição dos quatro couraçados de defeza.

Veja v. exa. bem que eu não estou a amesquinhar o preço orçado, porque no ultimo concurso aberto para a acquisição de quatro cruzadores ha offertas de navios de perto do 5:000 toneladas e de mais de vinte milhas de marcha, com espessa couraça protectora por 1.035:000$000 réis e que armados ficarão promptos a navegar por réis 1.270:000$000 cada um.

Supponhnmos mais que seriam necessarios 25.000:000$000 réis para material de guerra e fortificação de Lisboa, uma das ilhas dos Açores, e outra de Cabo Verde. Com os 20.000:000$000 réis para material naval temos réis 45.000:000$000.

Distribuida por trinta annos, esta somma determina um encargo de 1.500:000$000 réis annuaes, encargo com que o paiz póde. Quem asseverar o contrario, diz um notavel jornalista, «faz aos nossos brios uma affronta maior do que lhe fez a Inglaterra».

Portugal gastaria trinta annos, em se preparar para a defeza, e para uma resistencia, se não feliz, pelo menos heroica. A Prussia em preparar a sua révanche contra a França consumiu sessenta annos, com uma tenacidade digna de imitar-se. (Muitos apoiados.)

Não é muito que nós pensemos em trinta annos em organisar a defeza do paiz, em organisar a nossa esquadra, que é o primeiro elemento de segurança e de garantia contra as grandes nações, que, se são muito poderosas sob o ponto de vista militar, têem o seu lado fraco na sua enorme navegação mercante, quando só disponha de alguns meios de acção contra ella. (Apoiados.)

Sr. presidente, se a decadencia do nosso espirito e tal que não podemos, gastando 1.500:000$000 réis por anno e por espaço de trinta annos, preparar-nos para a defeza da patria e dos nossos filhos; se o nosso egoismo e tal, que não queremos durante trinta annos despender 1.000:000$000 réis annuaes para estarmos habilitados a defender a nação, então é melhor prescindir de tudo isto e fazer desde já uma liquidação completa. (Muitos apoiados.)

Isto posto, parece-me ter demonstrado a necessidade do possuirmos uma marinha de guerra em boas condições, e que tenho mostrado que dispomos de dinheiro necessario para se poder organisar essa força.

Hesita-me dizer que, quanto ao pessoal, o que temos está em condições de poder ser aproveitado dentro de dois annos, devido ás propostas, do sr. Ressano Grarcia, quando ministro da marinha, mantidas e melhoradas pelos ultimos decretos dictatoriaes.

O pessoal nos postos mais elevados está completo, o no quadro de subalternos faltam uns 50 officiaes, que em dois annos as escolas podem preparar.

No quadro da marinhagem, carecendo-se para os navios indicados na ultima lei da fixação da força naval, de 3:200 praças, e tendo o actual governo pedido 3:600 praças, ha um acrescimo de 400 praças, que entrando no principio do proximo anno civil, passados tres mezes de instrucção de recruta, estão promptas a embarcar.

Ora o mais cedo que o governo pode ter novos navios é num praso de dezesete mezes, porque foi este o tempo consumido na construcção do Baltimore, que é o typo dos cruzadores que pretendemos adquirir; mas o praso minimo fixado pelas casas constructoras, que vieram ao ultimo concurso, é de vinte mezes da data da assignatura do contrato; portanto, dá tempo de sobra para a entrada e instrucção dos contingentes necessarios e para tripular successivamente os navios que se fossem adquirindo.

Esta acquisição é não só necessaria sob o ponto de vista de organisar um nucleo importante de força naval, mas para haver elementos de instrucção do pessoal, pois que os modernos navios, pelos seus innumeros e variados machinismos, installações e divisões, não podem ser postos em acção util de um momento para o outro.

Alem d'isso, estando quasi completo o numero de canhoneiras da esquadra, e em grande decadencia o quadro das chamadas corvetas, é urgente ainda a acquisição de quatro cruzadores, dos quaes dois estariam alternadamente, um em Angola, outro em Moçambique, não só como deposito de pessoal para o serviço colonial, mas occupando pontos estrategicos, d'onde poderiam lançar-se no corso, dada uma ruptura instantanea de hostilidades. (Apoiados.)

Não sei se pela rapidez da exposição deixei de considerar todos os pontos que tinham de ser analysados.

1.° Que podemos, devemos e carecemos de ter uma esquadra, de corso militar, que imponha respeito pela sua acção e pela coragem do nosso pessoal naval a qualquer nação que, julgando-se poderosa, nos queira amesquinhar, injuriar e expoliar.

2.° Que, dentro dos nossos recursos, com tempo e prudencia, se póde adquirir esse material.

3.° Que a organisação do pessoal está desde já em condições de poder ir successivamente recebendo o material indispensavel que deve formar o primeiro nucleo da nossa força naval.

Devo lembrar que, por mais poderoso que seja o nosso exercito, se quizesse, por exemplo, oppor-se á acção do bombardeamento do nosso litoral povoado e aberto, seria em pura perda, seria conduzil-o ao martyrio sem utilidade para a patria. Ao menos que nos reste a consolação de termos n'esses navios, quem faça pagar caro na incidencia activa da guerra, isto é, na propriedade e na algibeira do inimigo, todas as violencias que nos possa fazer. (Vozes:- Muito bem).

E v. exas. vão ter um exemplo.

É contra os principios de direito das gentes o bombardeamento das povoações abertas; no entretanto, nada mais facil do que illudir esse principio.

Supponha v. exa. que diante da costa do Porto uma esquadra inimiga se propunha fazer um desembarque; tinha o direito de proteger esse desembarque com a artilheria dos seus navios; este desembarque não era porém senão um pretexto para um bombardeamento geral pela reacção que naturalmente tinhamos de oppor-lhe, e ver-se-ía assim arrasada toda a costa que vae até Caminha!

Como desforçar-nos? Como vingar e consolarmo-nos ao menos de uma maneira indirecta d'esta violencia, escudada n'uma apparencia legitima do direito da guerra?

Só com os cruzadores, dando caça aos navios de commercio e aos navios de guerra de menos força.

E sem querer fazer alardes, porque não é essa a disposição do meu caracter, importava-me pouco, se tivesse a fortuna de commandar um d'esses cruzadores, ver no laes da verga do navio inimigo a corda pendente que me havia de enforcar, por ter mettido a pique, com tudo quanto estivesse a seu bordo, qualquer navio da nação inimiga, que tão violentamente abusára da sua força, fazendo toda a casta de morticinio, toda a qualidade de destruição. (Vozes: - Muito bem).

Agora, uma nota final para nos consolar das humilhações que nos fazem.

Sabe a camara que nos ultimos dois annos, quasi todas as nações maritimas têem tratado de desenvolver o seu material naval; e para ver quanto é enorme, collossal, esta aspiração, basta dizer em numeros redondos o valor que se destina para esse fim.

A Allemanha votou 5.840:000 libras para augmentar em seis annos a sua esquadra. Mais de 26.000:000$000 réis!

A França destinou no anno de 1888 a 1889, mais de 10.000:000$000 réis; a Inglaterra, 90.000:000$000 réis

Página 1157

SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1890 157

e a America perto de 250.000:000$000 réis para fazer uma esquadra de duzentos e vinte e sete navios!

Pois essa orgulhosa nação de que temos supportado todas as exigencias e todas as humilhações, devidas á nossa fraqueza, diante deste programma de duzentos e vinte o sete navios que a America vae construir, diz nos seus jornaes, quasi peticionando, quasi chorando: «para que vae a America construir essa esquadra? Para que lhe serve isso? Qual e a nação com que póde ter lucta, a não ser com a França e comnosco?

«Pois não sabe ella que acceitâmos todas as arbitragens, e que nos temos sujeitado a todas as indemnisações que nos têem imposto?» (Muitos apoiados.)

Consolemo-nos, pois, com este facto, com esta humilhação, como compensação d'aquellas que a orgulhosa Inglaterra nos impõe, e envidemos todos os esforços, que as nossas gloriosas tradições e os nossos brios reclamam, para que a nossa querida patria retome no convivio das nações o logar respeitado a que tem direito.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Julio de Moura: - Mando para a mesa uma nota, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 23-C, de 1885.

Sr. presidente, este projecto foi apresentado n'esta casa do parlamento pelo meu dilecto amigo e distincto collega o sr. Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro em uma das sessões de 1880, chegando a ser approvado, não sendo convertido em lei por não ter sido discutido na camara dos dignos pares, por falta de tempo.

Vae elle preencher uma lacuna e obstar a graves inconvenientes na administração da justiça, especialmente agora que os juizes de paz têem attribuições contenciosas. As duas freguezias de Chaves e Santa Comba, que pertencem á comarca junsdiccional de Villa Nova de Foscôa, estão sujeitas á jurisdicção do juiz de paz de Marialva, que pertence á comarca de Meda. Podem sem inconveniente e antes com vantagem para a boa administração da justiça, passar para o districto de paz de Foscôa, evitando-se de futuro que se levantem duvidas no fôro sobre a competencia do juiz de direito que ha de conhecer dos recursos interpostos e das decisões do juiz de paz de Marialva, com relação aos pleitos das referidas freguezias, porque se póde entender que é competente só o juiz de direito de Meda, ou o de Foscôa, relativamente ás ditas freguezias.

Peço a v. exa. que se digne mandar o projecto á commissão respectiva, e logo que obtenha parecer, me faça a fineza de o dar para ordem do dia, porque desejo muito que elle seja convertido em lei n'esta sessão, reservando-me para fazer mais algumas considerações a este respeito, quando o projecto for discutido.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Lopes Navarro: - Mando para a mesa uma representação dos empregados de fazenda do districto de Bragança, pedindo augmento de vencimento e garantia para o seu futuro por meio de promoções, para as repartições de fazenda dos concelhos, na qualidade do chefes. Os vencimentos d'estes empregados são demasiadamente exiguos, como todos de certo reconhecem, e não é rasoavel que elles continuem estacionarios, quando a todos os outros servidores do estado se têem augmentado os seus respectivos ordenados.

É, pois, altamente justo o pedido a que se refere a alludida representação, e eu espero que elle seja attendido pelo illustre ministro da fazenda, pela commissão respectiva e pela camara, quando se discutir o projecto n.° 113-E. Acabar-se-ha assim com uma injustiça relativa, que é sempre revoltante.

Mando tambem para a mesa uma representação da camara municipal de Bragança, em que pede a continuação da construcção do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, e tambem a construcção de uma linha ferrea, que, saindo da estação do Focinho, no caminho de ferro do Douro, vá a Miranda do Douro, bifurcando-se nas proximidades de Vimioso para Bragança. A continuação do primeiro caminha de ferro e a construcção do segundo são um melhoramento indispensavel para o districto de Bragança, onde a viação accelerada é quasi nulla, e onde a viação ordinaria está atrazadissima. (Apoiados.)

A provincia de Traz os Montes, que paga sempre todos os impostos sem reluctancia, principalmente o de sangue, o que não acontece com a maior parte das outras, bem merece que n'este ponto sejam attendidos os seus pedidos pelo atrazo vergonhoso em que se encontra a sua viação, tanto accelerada como ordinaria. (Apoiados.)

Peço, portanto ao sr. ministro das obras publicas que tome na devida consideração os justissimos pedidos d'aquella representação e me diga se ainda n'esta sessão tenciona apresentar ao parlamento a competente proposta de lei.

O caminho de ferro de Mirandella, sem a sua continuação até Bragança, para pouco ou nada serve. Continuado, porém, até á capital do districto e construido o do Pocinho até Mirada do Douro, o depois ligados com as vias férreas hespanholas, de certo augmentará consideravelmente o rendimento do caminho de ferro do Douro, que é do estado, e isso não deve ser indifferente aos poderes publicos. (Apoiados.)

Peço, por consequencia, ao illustre ministro das obras publicas que tome em consideração esta representação, assim como ao nobre ministro da fazenda que tome em consideração o pedido de augmento de vencimento aos empregados da repartição de fazenda do districto de Bragança, pedindo a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que estas representações sejam publicadas no Diario do governo.

Foi auctorisada a publicação das representações, tendo depois o destino que vae indicado nos respectivos extractos a pag. 1102.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Ha pouco, em resposta ao illustre deputado o sr. Elvino de Brito, que se occupou da construcção do caminho de ferro de Arganil á Covilhã, já eu disse que o governo trabalhava na elaboração de uma proposta, relativamente ao plano geral da rede dos caminhos de ferro; e póde o illustre deputado ter a certeza de que o governo n'esse trabalho não descura os interesses do districto de Bragança.

O prolongamento do caminho de ferro, já existente, sem a maneira de o tornar mais productivo.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Alfredo Brandão: - Mando para a mesa um projecto de lei tendente a auxiliar a nossa marinha mercante, e declara que este projecto é apenas uma ampliação ao projecto apresentado n'uma das ultimas sessões pelos illustres ministros da fazenda e da marinha sobre o mesmo assumpto.

Acrescenta que o seu projecto não subsidia sómente a navegação, para que aquelles ministros crearam premios, mas auxilia tambem a industria das construcções com subsidios em geral indirectos, e com encargos para o estado relativamente pequenos.

Formulou-o em conformidade com as considerações e propostas apresentadas na conferencia maritima de 9 do março de 1890, convocada pela associação commercial do Porto, limitando-se a pouco mais do que a reduzir estas propostas a artigos, a fim de poder usar da sua iniciativa como deputado, e ter occasião de chamar a attenção da camara para um assumpto, que considera de primeira necessidade, e muito mais urgente e proveitoso do que a acquisição de embarcações de guerra.

Declara que discorda das doutrinas apresentadas pelo illustre deputado que o tinha precedido, o sr. Ferreira de Almeida, com respeito á marinha de guerra, e que para

Página 1158

1158 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

fundamentar a sua discordancia bastam as rasões allegadas por s. exa.

Entende que na nossa situação geographica, com uma raia secca e sem defeza, e cercada de mar desde Caminha até á extremidade do Algarve, por onde nos podem invadir e bostilisar; com colonias espalhedas pelo oceano, na costa occidental e oriental da Africa, na India, na China, e na Oceania, que não podemos defender das nações poderosas, e com os recursos de que dispomos, a marinha de guerra é completamente inutil.

Podemos, apesar d'isso, livrar-nos, com tempo e despendio relativamente pequeno, do peso que estamos soffrendo da marinha mercante estrangeira, que absorve e monopolisa quasi todo o nosso commercio maritimo da metropole e das colonias.

Para esse fim é que apresenta o seu projecto, que leu.

Diz mais que nós não precisâmos senão de marinha policial, marinha de ordem publica, marinha de transportes e de communicações officiaes com as nossas colonias, e que tudo o que se gaste com marinha de guerra, como marinha de combate ou marinha de corso, é, na sua opinião, um desperdicio e uma inutilidade. As nações pequenas não podem defender-se por meio da força e menos ainda atacando pelo mar os interesses dos inimigos que as maltratam, porque a sua unica defeza consiste no respeito que mereçam pelo seu credito e boa administração, ou nas condições especiaes da sua posição geographica.

O orador fez ainda, largas considerações sobre este assumpto, e terminou mandando para a mesa dois requerimentos: um de João Severino da Silva Reis, major reformado da guarnição de Macau e Timor; e outro de Joaquim Ferreira, major reformado da guarnição de Moçambique, pedindo que lhes seja applicada a doutrina da lei de 25 de junho de 1889.

Abstendo-se de fazer considerações sobre este pedido, associa-se comtudo ás palavras proferidas por varios srs. deputados ao mandarem para a mesa requerimentos identicos.

Mandou tambem para a mesa um requerimento, pedindo que, com a possivel brevidade, sejam remettidos, pelo ministerio das obras publicas, todos os documentos sobre que se baseou a resolução do governo para mandar abrir concurso para a construcção do caminho de serviço da estação de Guimarães, em portaria de 8 do corrente mez de julho.

O projecto ficou para segunda leitura. Os requerimentos tiveram o destino indicado a pag. 1152.

O sr. Alpoim: - Sr. presidente, eu tinha prevenido, ha dias, o sr. ministro das obras publicas de que desejava fazer-lhe algumas perguntas com relação á real companhia vinicola, e s. exa., que vejo agora presente, prestou-se, é certo, a comparecer n'esta camara; não me foi possivel, porém, realisar as minhas perguntas, porque se deram motivos que a camara não desconhece, e que me impediram de estar aqui durante alguns dias da semana passada.

Sr. presidente, a hora está adiantada, e v. exa. deseja entrar na ordem do dia, e eu nem quero protelar os trabalhos d'esta camara, nem quero cortar com outras discussões a questão de que pretendo occupar-me e que exige uma larga resposta de s. exa., porque, segundo informações que julgo fidedignas, o governo pretende vibrar no Douro mais um golpe que será um golpe de morte.

O que desejo, pois, é que ou o sr. presidente do conselho, ou o sr. ministro das obras publicas, venham a esta camara, o mais breve que lhe seja possivel, para responder a todas as perguntas que pretendo fazer, e que prendem com a correspondencia e telegrammas trocados entre a associação commercial do Porto e o governo.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Comprehende a camara que os ministros não podem vir todos os dias ao parlamento, porque muitas vezes prendem-n'os diversos negocios de interesse publico; mas nenhum dos ministros se furta ao dever de vir aqui, desde que a sua presença é reclamada.

Pela minha parte, com excepção de hontem, em que estive preso por uma discussão na camara dos dignos pares, tenho comparecido n'esta casa successivamente, estes ultimos dias, como ha pouco o illustre deputado foi o primeiro a declarar.

Transmittirei, no entretanto, ao sr. presidente do conselho o desejo que o sr. Alpoim manifestou, de dirigir, especialmente a s. exa. algumas perguntas com relação á companhia vinicola; e digo especialmente porque o illustre deputado bem sabe que, sendo o governo solidario, e estando aqui presente o ministro por cuja pasta correm todos os assumptos relativos áquella companhia, podia desde já formular as perguntas que quizesse. Se o não faz é porque tem motivos especiaes para desejar que a resposta lhe seja dada pelo nobre presidente do conselho.

Eu não posso affirmar que s. exa. virá á camara na segunda feira, porque alem de se achar empenhado na discussão do bill na outra casa do parlamento, questão que e grave, acresce que ainda hontem o sr. Vaz Preto apresentou por escripto uma serie de perguntas, declarando ao mesmo tempo que desejava que ellas fossem respondidas pelo sr. presidente do conselho; e como essas perguntas dizem respeito á pasta da guerra, o sr. Antonio de Serpa, apesar de ter de saír de Lisboa por motivo urgente de serviço publico, teve de ficar, e terá de comparecer n'aquella camara até que tenha ensejo de responder ao sr. Vaz Preto.
Sr. presidente, permitta-me v. exa. n'esta occasião dizer á camara que muito senti que o sr. Alpoim não duvidasse affirmar que o governo desejava dar um golpe de morte na companhia vinicola.

O sr. José Maria de Alpoim: - Eu disse apenas que tinha algumas rasões para suppor isso, em vista do projecto dos alcools e dos addicionaes.

O Orador: - O projecto dos addicionaes não é só para o Douro, e o projecto dos alcools ainda não entrou em discussão. Quando entrar, haverá então ensejo proprio para demonstrar se elle realmente prejudica o Douro ou outra qualquer região do paiz e, sobretudo, se prejudica mais do que o projecto dos alcools, apresentado pelo sr. Marianno de Carvalho.

N'este momento é um pouco intempestiva a apreciação de s. exa. (Apoiados.)

Era mais simples ter perguntado o illustre deputado ao governo o que elle pensa sobre o assumpto, porque eu prestava-me a responder, e s. exa. formava logo a sua opinião.

O sr. José Maria de Alpoim: - Eu não fiz ao sr. ministro das obras publicas as perguntas a que mo referi, e sim manifestei o desejo de que compareça n'esta casa o sr. presidente do conselho, porque s. exa. fez declarações do tal ordem na camara dos pares que me forçam a pedir-lhe explicações que julgo necessarias.

Foi por isto que eu pedi a comparencia do sr. presidente do conselho, e não por menos consideração por v. exa., nem porque eu tivesse a minima suspeita de que v. exa. não poderia responder-me.

O Orador: - Agradeço ao illustre deputado a delicadeza e lealdade das suas declarações.

No emtanto, como eu estou com a palavra, embora o illustre deputado não me fizesse perguntas, eu não quero furtar-me a dar algumas explicações sobre o assumpto.

O sr. José Maria de Alpoim: - Desde o momento em que s. exa. quer dar explicações, eu peço ao sr. presidente, que abra uma inscripção especial sobre o assumpto.

O Orador: - Ninguem supponha que eu vou intercallar na discussão do projecto dos tabacos outra questão, mais ou menos larga. Não desejo que aconteça com a ques-

Página 1159

SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1890 1159

tão dos tabacos o mesmo que aconteceu com os addicionaes.

(Interrupção ao sr. Alpoim, que não se percebeu.)

Se o illustre deputado me permitisse, tudo acabava em paz e socego.

O facto do governo responder quando é interpellado, não obriga o deputado que tinha feito a pergunta, a contestar immediatamente.

Se a camara entende que este assumpto merece, depois das minhas declarações, uma discussão larga, uma inscripção especial, a camara resolve n'esse sentido e o ministro das obras publicas não se furta a vir aqui cumprir o seu dever.

Agora eu, como membro do governo, convidado por um deputado da opposição a prevenir o sr. presidente do conselho de que deseja a sua presença na camara, porque, atemorisado com o telegramma da associação commercial, pretende formular algumas perguntas e já accusa o governo de querer vibrar um golpe de morte na região do Douro; como membro do governo, digo que estou no direito de dizer a s. exa. que os seus receios são absolutamente infundados e que o governo não pensa em vibrar tal golpe de morte, pela simples rasão de que não tomou ainda resolução alguma sobre o assumpto.

(Interrupção do sr. Alpoim.)

Deixe-me s. exa. acabar. Eu não tenho a habilidade do, em quatro palavras, dizer tudo.

O sr. Alpoim: - Desculpe-me v. exa. tel-o interrompido.

O Orador: - Pelo contrario, muito me agrada.

Eu sou filho do parlamento e não me perturbam as interrupções. Vou continuando.

Foi proferida a sentença.

Não quero occupar-me d'ella n'este momento, porque seria irritar a discussão.

(Interrupção.)

Foi proferida a sentença no processo pendente no tribunal arbitral, em virtude da deliberação, tomada pelo governo transacto, de considerar nullo e rescindido o contrito com a companhia vinicola. A sentença foi proferida, rejeitando-se a excepção de incompetencia apresentada pelo governo e dando-se provimento ao recurso. O processo foi-me apresentado na secretaria. Comprehendendo a gravidade do assumpto e a grande urgencia que havia em tomar qualquer resolução, estudei esse processo e como tinha, sobre diversos pontos, duvidas, e duvidas graves, fui com elle a casa do sr. procurador geral da corôa para ouvir a sua opinião sobre esses pontos.

Com grande desgosto meu, o sr. procurador geral da corôa disse-me que se dava por suspeito n'este negocio, mas que, por melindres especiaes, que s. exa. queria resalvar, o que muito honra o seu caracter, só officialmente e por escripto queria declarar os motivos da suspeição, e, por consequencia, desejava que o processo entrasse tambem officialmente na procuradoria geral da corôa.

Em virtude d'este incidente, comprehende o illustre deputado que eu fiquei com as mesmas duvidas que tinha, sem poder resolvel-as e obrigado a mandar officialmente o processo á procuradoria geral da corôa.

O sr. Eduardo José Coelho: - E o accordão já foi intimado ás partes?

O Orador: - Se s. exa. tivesse a paciencia de me ouvir mais um minuto, não teria necessidade de fazer a pergunta.

Como no processo faltava a intimação ás partes, tanto ao ministerio publico, como ao advogado da companhia, ordenei ao sr. secretario geral do ministerio que mandasse lavrar as intimações, e já hoje recebi communicação de que foram feitas.

Vae, pois, o processo agora officialmente ao sr. conselheiro procurador geral da corôa. Se porventura s. exa. distribuir o processo a algum dos seus ajudantes, muito bem. Se levar o seu melindre até ao ponto de não querer, nem sequer, distribuil-o, serei obrigado a mandal-o ao ajudante mais antigo para esclarecer o governo sobre as duvidas que tem e desde o momento em que essas duvidas sejam esclarecidas, o governo tomara a resolução que julgar mais justa e conveniente.

Já o illustre deputado vê que eu tinha rasão quando lhe dizia que me permittisse explicar. As minhas explicações haviam de satisfazer, e resumem-se ellas no seguinte:

O governo tinha duvidas sobre o assumpto; foi por isso e com urgencia, consultar o conselheiro procurador geral da corôa; não póde ouvir a resposta do magistrado porque s. exa. quer dar-se por suspeito, mas quer dar as rasões da suspeição officialmente. Remettido o processo, se s. exa. o não distribuir a qualquer dos seus ajudantes, o governo, distribuil-o-ha ao ajudante mais antigo.

Eis aqui tudo. Nada mais póde o governo informar nem responder a qualquer pergunta, por isso que não tomou ainda resolução alguma sobre o assumpto.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. José Maria de Alpoim: - Devo declarar a v. exa. que não me satisfizeram as explicações do sr. ministro das obras publicas; (Apoiados.) e salvo o respeito por s. exa., quer-me parecer que a idéa do mandar o processo ao sr. procurador geral da corôa é uma dilacção, uma maneira de protelar esta questão, que é muito importante. (Apoiados.)

Por esta rasão e por muitas outras que eu exporei, quando s. exa. marcar um dia para conversarmos sobre este assumpto, peço a v. exa. com a mesma instancia com que ha pouco pedi, que compareça para esse fim n'esta camara com a maior brevidade possivel.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Posso vir um ou mais dias; mas de novo declaro que não posso discutir o assumpto pela simples rasão de que tenho duvidas sobre o processo e preciso ouvir sobre elle o sr. procurador geral da corôa, como já disse. (Apoiados.)

Nem s. exa. nem ninguem me podem obrigar a discutir, quando eu não esteja habilitado para essa discussão. (Apoiados.)

O que me admira muito é que este negocio seja considerado de tanta urgencia em relação a mim, tendo o processo saído ha cinco ou seis dias do tribunal arbitral, e não houvesse urgencia para o partido progressista quando se levantavam duvidas, de que resultou a rescisão do contrato, e o recurso para o tribunal arbitral. (Muitos apoiados.) As urgencias só agora apparecem. (Muitos apoiados.)

O sr. José Maria de Alpoim: - Ahi vem o sr. ministro das obras publicas, com o costumado processo das retaliações empregado pelos actuaes ministros! (Apoiados da esquerda.)

É absolutamente preciso que s. exa. venha aqui para dirimir pontos graves. (Apoiados da esquerda.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Já disse que estava prompto a vir aqui; mas o que desejo é que desde já se fique sabendo que não posso discutir o assumpto, visto que preciso esclarecimentos do sr. procurador geral da corôa; e não ha ninguem que possa negar ao ministro o direito de ouvir o magistrado do ministerio publico sobre um processo official. (Muitos apoiados.) Que mais queria o illustre deputado que eu fizesse?

Não mostrei, porventura, que reconhecia a urgencia do assumpto, indo, não officialmente, mas particularmente, com o processo na minha pasta, a casa do sr. procurador geral da corôa?

Não referi eu já que s. exa. cuja respeitabilidade do caracter está acima de todas as duvidas, e que foi nomeado pelo partido progressista, aonde muita, (Apoiados.) me declarou que tinha melindre em responder no processo, e

Página 1160

1160 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que querendo, por isso, dar-se por suspeito, officialmente, só officialmente desejava que elle lhe fosse remettido para declarar as rasões da suspeição?

Que culpa tenho eu de qualquer demora, motivada por este incidente?

Ouvidas as rasões da suspeita d'aquelle magistrado e se elle não quizer distribuir o processo, serei eu, como já disse, quem o ha de distribuir ao ajudante mais antigo, porque de modo algum posso prescindir dos esclarecimentos da procuradoria geral.

Póde o illustre deputado, ou algum outro, accusar-me por este facto? Seria accusar-me por cumprir o meu dever de ministro. (Muitos apoiados.)

Não foi, portanto, culpa minha; foi um motivo de força maior que obstou a que eu me habilitasse a resolver de prompto o assumpto.

Repito, virei á camara quando o illustre deputado quizer; mas com respeito ao assumpto da companhia vinicola, emquanto o magistrado do ministerio publico não tiver esclarecido as minhas duvidas, em virtude das quaes mandei o processo, não posso, com grande desgosto meu e salvo o respeito que tenho pelo illustre deputado, dar-lhe outra resposta. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. José Joaquim de Sousa Cavalheiro: - Mando para a mesa um projecto de lei auctorisando a camara municipal do concelho de Freixo de Espada á Cinta a transferir do cofre de viação municipal, para o cofre geral, a quantia de 783$329 réis, para ser applicada a obras urgentes do municipio.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Elmano da Cunha: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão do regimento, tendo sido nomeado presidente o sr. Costa Moraes e eu secretario. = Augusto Cesar Elmano da Cunha.

Para a acta.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Alpoim: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu use da palavra.

Vozes da esquerda: - Falle, falle.

Vozes da direita: - Ordem do dia, ordem do dia.

O sr. Alpoim: - Fazem-se accusações e não querem que se responda? (Apoiados da esquerda.) Eu propunha-me dizer muito poucas palavras.

Vozes da direita: -O rdem do dia, ordem do dia.

O sr. Alpoim: - É extraordinario! Faz-se em volta d'esta questão, que é gravissima, um tão grande segredo...

Vozes da direita: - Ordem do dia.

O sr. Alpoim: - Eu estou no direito de fazer um requerimento. Requeiro a v. exa. que consulte a camara...

O sr. Presidente: - Não posso consultar a camara, desde que disse que se passava á ordem do dia.

Vozes da direita: - Ordem do dia, ordem do dia.

O sr. Alpoim: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Varios srs. deputados pedem a palavra para antes de se encerrar a sessão.

OBDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.° 120 relativo ao addicional de 6 por cento

O sr. Francisco Machado: - Prosegue no seu discurso, começado em uma das sessões anteriores, analysando algumas verbas do orçamento, comparando contas de diversos annos, e fazendo varias observações no intuito de demonstrar que as gerencias regeneradoras augmentam sempre os deficits, ao passo que as accusações formuladas no mesmo sentindo contra a gerencia progressista são destituidas de fundamento.

Termina mandando para a mesa a seguinte:

Proposta

A camara, considerando que o governo não tem feito economias pelas quaes se prove e justifique a necessidade de lançar um addicional de 6 por cento sobre as contribuições do estado, e attendendo a que, pelo contrario, tem aggravado inutilmente e por acto proprio, sem intervenção do parlamento as despezas publicas, rejeita o projecto em discussão e passa á ordem do dia. = F. J. Machado.

Foi admittida.

O sr. Luciano Monteiro (para um requerimento): - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

(Susurro.)

O sr. Manuel da Arriaga: - Não se ouviu aqui. Peço que se repita o requerimento.

O sr. Luciano Monteiro: - Vou repetir o me requerimento.

(Susurro.)

O sr. Manuel de Arriaga (elevando a voz): - Não se ouve.

O sr. Luciano Monteiro: - Não tenho duvida em repetir o requerimento. Não é necessario que v. exa. levante tanto a voz.

O sr. Manuel de Arriaga (com vehemencia): - Hei de levantar quanto quizer.

O sr. Presidente: - A mesa ouviu bem o requerimento do sr. Luciano Monteiro. E para se julgar a materia sufficientemente discutida. (Apoiados da direita.) Vou submettel-a á votação da camara.

Foi approvado.

O sr. Manuel de Arriaga: - Protesto contra o requerimento. E a terceira vez que me estrangulam a palavra. Fica lavrado o meu protesto. (Vozes: - Ordem, ordem.)
Tenho uma moção de ordem para mandar para a mesa.

O sr. Presidente: - Os srs. deputados que estavam inscriptos e tiverem propostas a mandar para a mesa, podem fazel-o.

O sr. Bandeira Coelho:-Peço a v. exa. o favor de mandar ler os nomes dos srs. deputados que estavam inscriptos. Mando para a mesa um additamento.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

São exceptuadas das disposições d'esta lei as collectas da contribuição sobre a propriedade rural.

Sala das sessões, em 8 de julho de 1890. = Luiz de Mello Bandeira Coelho = José Antonio de Almeida = Francisco de Barros Coelho e Campos.

Foi admittida.

O sr. Manuel Vargas: - Mando tambem para a mesa uma proposta.

Leu se na mesa a seguinte:

Proposta Artigo 1.º:

14.° O imposto de transito em caminhos de ferro. = Manuel F. de Vargas.

Foi admittida.

O sr. Manuel de Arriaga: - Visto que não me chegou a palavra, vou ler a minha moção.

Vozes: - Não póde ser. Não tem a palavra.

(Susurro.)

Vozes da direita: - Ordem, ordem.

Página 1161

SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1890 1161

O sr. Manuel de Arriaga: - Ouçam a minha moção.

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O sr. Presidente: - Peço ordem. V. exa. póde mandar a sua moção para a mesa; aqui será lida. O illustre deputado não tem a palavra. (Apoiados.)

(O sr. Manuel de Arriaga começa a ler a sua moção.)

(Augmenta é susurro.)

Vozes: - Está fóra da ordem.

O sr. Manuel de Arriaga: - Ouçam, ouçam.

Vozes da direita: - Não póde ser. Está fóra da ordem.

O sr. Manuel de Arriaga: - Ouçam.

(Continua a ler).

A sessão torna-se tumultuosa, e durante o tumulto proferem-se algumas phrases que não podem ser percebidas na mesa da tachygraphia. Apenas se ouviu a palavra - choupa.

O sr. Manuel d'Assumpção (com energia, dirigindo-se á mesa): - Sr. presidente, se v. exa. não faz retirar as palavras que o sr. Manuel da Arriaga acaba de proferir, eu peço a palavra.

Vozes da direita: - Ha de retirar a phrase.

Outras vozes: - Ordem, ordem.

(O sr. Manuel de Arriaga insiste na leitura da sua moção, e solta algumas phrases que levantam protestos decisivos.)

O sr. Manuel d'Assumpção: - Ha de retirar a phrase. (Muitos apoiados.)

Vozes: - Retire, retire.

O sr. Manuel de Arriaga: - Eu disse que tenho pena de que a minha moção não seja uma choupa para metter no touro embravecido que quer aniquilar as nossas finanças.

O sr. Manuel d'Assumpção: - Ha de retirar a phrase.

O sr. Manuel de Arriaga: - Não retiro a phrase, nem a corrijo.

(Levanta-se maior agitação. Estão de pé muitos srs. deputados.)

O sr. Presidente: - Eu não dei a palavra ao sr. deputado. (Muitos apoiados.)

Peço a v. exa. que mande a sua proposta para a mesa.

O sr. Manuel de Arriaga: - Eu acato a pessoa de v. exa. acima de tudo.

V. exa. auctorisa ou não que eu leia a minha moção?

O sr. Presidente: - V. exa. não póde ler a sua moção, porque não tem a palavra e a discussão está finda. (Muitos apoiados.)

O que póde é mandal-a para a mesa. (Muitos apoiados.)

O sr. Manuel de Arriaga: - Então peço a v. exa. que a faça ler em voz alta, e peço sobre ella votação nominal.

(Levanta-se de novo grande agitação, e o sr. presidente depois de agitar a campainha repetidas vezes, suspende a sessão.)

Eram cinco horas e vinte minutos.

(As seis horas menos dez minutos reabriu a sessão.)

O sr. Presidente: - Para satisfação do requerimento do sr. Bandeira Coelho, declaro que estavam ainda inscriptos contra o projecto os srs. Arriaga, Bandeira Coelho, Dias Costa, Alfredo Brandão, Guerra Junqueiro, Ressano Garcia, Eduardo Villaça, Bernardino Pinheiro, Elias Garcia e Casal Ribeiro; e a favor os srs. Virgilio Teixeira, Adriano Monteiro, Costa, Germano de Sequeira, Jalles e Vargas.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta de additamento Artigo 1.°

14.° O imposto de transito em caminhos de ferro. = Manuel F. de Vargas.

Foi admittida.

Leu-se mais e foram successivamente admittidas as seguintes:

Propostas

São exceptuadas das disposições d'esta lei as collectas da contribuição sobre a propriedade rural. = Luiz de Mello Bandeira Coelho = José Antonio de Almeida = Francisco de Sarros Coelho e Campos.

Proponho que á 10.ª excepção, constante do projecto de lei sob n.° 20, relativo ao addicional de 6 por cento, se acrescentem algumas palavras, devendo, pois, aquella 10.ª excepção ficar redigida pela fórma seguinte:

10.ª As collectas do contribuições de rendas de casa não inferiores a 5$000 réis e as collectas de contribuição sumptuaria relativas a cavallos, éguas ou muares de carga, ou empregadas no serviço de agricultura, quando só accidentalmente prestam commodo pessoal. = Os deputados, Virgilio Teixeira = João de Paiva.

Proponho que ao artigo 1.° seja acrescentado o seguinte numero:

14.° Ficam isentas d'este imposto as fabricas de manteiga artificial. = Teixeira de Vasconcellos.

Emendas ao projecto de lei n.° 120.

Á excepção n.° 7 acrescentar as palavras seguintes: o aquella que recaia exclusivamente em prédio rustico até 5$000 réis inclusive.

Á excepção 8.ª acrescentar a palavra - qualquer - adiante da, palavra - novamente - e supprimir as palavras - de que falla o artigo 2.° da lei de 13 de julho de 1889 - ficando a 8.º assim redigida:

8.ª As collectas de contribuição predial que recaírem durante os primeiros seis annos, sobre predios devastados pela phylloxera que entrem novamente em qualquer cultura.

N.º B. A lei é de 13 de agosto de 1889 e não de 13 de julho de 1889.

Á excepção 9.ª acrescentar á palavra - officios - as palavras - e agentes de serviços agricolas e pecuarios.

Supprimir a excepção 11.ª, substituindo-a pela seguinte:

11.ª As collectas de contribuição de registo por titulo oneroso, a que se refere o artigo 2.° da lei de 2 de agosto de 1888. = O deputado, Ignacio do Casal Ribeiro.

O sr. Campos Rodrigues: - Por parte da commissão de fazenda peço a v. exa. que se digne enviar á mesma commissão as emendas que foram apresentadas para sobre ellas elaborar o seu parecer.

Foram mandadas.

Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

Os eleitos do povo, representantes da nação em côrtes, reconhecendo:

1.° Que é uma das necessidades primordiaes da sua autonomia e credito, na crise que atravessa dentro e fóra do paiz, a reconstituição das suas finanças e economia em bases solidas que prevaleçam a quaesquer contingencias presentes e futuras;

2.° Que as ultimas administrações d'estado pelos dois partidos que se arrevesam no poder, o regenerador e o progressista, são a prova provada de que mantida a actual estructura geral da administração do estado, o statu guo, é de todo o ponto impossivel o equilibrio dos orçamentos, sem manifesta violação da principios mais elementares da economia social;

3.° Que não podendo por um lado manter-se por mais tempo este statu quo, e por outro lado convindo remodelar as finanças e harmonisal-as com o systema fiscal, uma tal reforma carece, na actual conjunctura, da espontânea acquiescencia e decidido apoio da opinião, e que tanto este como aquella se podem assegurar desde já por completo

Página 1162

1162 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

n'essa reforma em tudo o que corte pelo superfluo, pelo inutil e pelo nocivo;

4.° Finalmente, que o projecto dos 6 por cento dos addicionaes, alem de ser um mero e vulgar expediente de occasião que a crise que se atravessa não permitte, alem de deixar na estructura geral da administração do estado o muito que ahi ha de superfluo, inutil e nocivo, tende a aggravar, á sombra do fisco, um regimen de excepção a favor das classes abastadas, designadamente das que vivem das especulações da bolsa e dos privilegios concedidos aos titulos de divida publica, e, o que é peior, a affectar, no que ha de mais substancial á vida, as classes laboriosas exactamente quando ellas começam a ser chamadas a exercer maior influencia na direcção do estado, e classes que o governo diz querer proteger: rejeitam in limine o projecto em discussão, e convidam o governo a apresentar-lhes um outro de remodelação geral de administração publica em que reduzida a lista civil n'uma terça parte, eliminadas as verbas destinadas ao não exclusivo e privativo da familia real, ao augmento da segurança publica que não está em perigo, á policia secreta, e a outras muitas, sem fins especificados, como as que se encontram no capitulo 6.º do orçamento do ministerio das obras publicas na importancia de muitas dezenas de contos, que são outras tantas portas para abusos, se consignem os preceitos que abaixo seguem, os quaes, ou no seu conjuncto total, ou na maioria d'elles, são mais do que sufficientes para se entrar n'uma administração desafogada, prospera e autonoma.

Taes são:

1.° A substituição do actual corpo diplomatico por uma nova organisação do corpo consular;

2.° A organisação do serviço militar pela fórma que tive a honra de apresentar n'uma das sessões anteriores para o fim capital de aliviar a nação de encargos enormes e inuteis de um exercito permanente;

3.° O augmento na taxa do imposto do sêllo nas transacções de credito com o governo;

4.º A elevação do actual imposto de rendimento que competir aos juros dos titulos de divida publica, consolidada e amortisavel, pelo menos á metade do que pagam as propriedades rusticas e urbanas;

5.° A inclusão na contribuição predial dos palacios, quintas e outros bens de raiz que forem parte da dotação dos reis de que são isentos pelo artigo 1.° n.° 3.° do regulamento de 25 de agosto de 1881; e bem assim a obrigação para os senhorios de pagarem a respectiva contribuição de renda de casas, dos predios que deixarem de alugar pelo exagero das rendas. - O deputado por Lisboa, Manuel de Arriaga.

Não foi admittida.

O sr. Presidente: - Estão sobre a mesa diversas moções. A primeira que foi apresentada é a do sr. Fernando Mattozo Santos.

Vae ler-se para se votar.

Leu-se a seguinte

Moção de ordem

A camara, considerando que o addicional de 6 por cento que, no projecto em discussão, se propõe seja cobrado sobre as actuaes contribuições do estado, ou é desnecessario ou só servirá para satisfazer encargos inutilmente creados pelo actual governo; que de mais tal imposto alem de inopportuno aggrava diferenças preexistentes e portanto é duplamente vexatorio; resolve rejeitar o projecto e passa á ordem do dia.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 1 de julho de 1890. = F. Mattozo Santos.

O sr. Francisco José Machado: - Requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se permitte votação nominal sobre esta moção.

Consultada a camara verificou-se não haver vencimento. Em seguida posta a votos a moção foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Com a votação d'esta moção ficam prejudicadas as restantes moções de desconfiança.

Segue-se a moção de confiança do sr. Teixeira de Vasconcellos.

Vae ler-se.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se me permitte retirar a minha moção.

Assim se resolveu.

O sr. Sergio de Castro: - Faço requerimento igual ao do sr. Teixeira de Vasconcellos, em relação á minha moção de ordem.

Foi permittido retiral-a.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto para ser votado sem prejuizo das emendas que foram á commissão.

Leu-se o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° A todas as contribuições, taxas e demais rendimentos do thesouro, de qualquer ordem, natureza, denominação ou exercicio, que se arrecadarem a datar da vigencia d'esta lei, será addicionado um imposto complementar de 6 por cento do respectivo producto, constituindo esse addicional receita do thesouro.

§ 1.° São exceptuados dos disposições d'esta lei:

1.° Os emolumentos consulares e judiciaes;

2.° O imposto do solio, menos na parte que respeita ás loterias, sobre o qual será cobrado o referido addicional;

3.° O producto da venda de artefactos da administração geral dos tabacos ou da entidade que venha a substituil-a;

4.° Os direitos de importação sobre mercadorias estabelecidos nos tratados em vigor com as nações estrangeiras;

5.° Os rendimentos e recursos descriptos nos artigos 4.° e 5.° do actual mappa da receita geral do estado, menos na parte que respeita ás compensações de despeza para tribunaes administrativos, serviços agricolas, estradas de 2.ª classe e respectivo pessoal;

6.° A decima de juros;

7.° As collectas da contribuição predial até 1$000 réis inclusive;

8.° As collectas de contribuição predial que recaírem, durante os primeiros seis annos, sobre predios devastados pela phylloxera, que entrem novamente em cultura, e de que falla o artigo 2.° da lei de 13 de julho de 1889;

9.° As collectas de contribuição industrial de todos os officiaes de quaesquer artes e officios;

10.° As collectas de contribuição de renda de casas não superiores a 5$000 réis.

11.° O imposto de rendimento que competir aos juros dos titulos de divida publica, consolidada e amortisavel;

12.° As propinas de exames, matriculas e cartas de curso;

13.° Imposto do pescado.

§ 2.° O imposto de que trata esta lei será tambem cobrado sobre todas as sommas que produzirem quaesquer addicionaes, incluindo os estabelecidos pelas leis de 27 de abril de 1882 e 13 de julho de 1889, no seu artigo 10.°

§ 3.° Sobre o imposto de que trata esta lei não recáe, nas receitas cobradas pelas alfandegas, a quota de que trata o artigo 159.° do decreto de 29 de dezembro de 1887, nem sobre elle serão pagas quaesquer quotas de cobrança,

§ 4.° Fica auctorisado o governo a incluir nas taxas principaes dos tributos existentes, tanto o addicional estabelecido pela lei de 27 de abril de 1882, como o imposto de que trata esta lei.

§ 5.° No uso que o governo fizer d'esta auctorisação, relativamente ás taxas aduaneiras, poderá arredondar os direitos que resultem da mesma addição, em conformidade com o disposto no § unico do artigo 10.° da lei de 13 de julho de 1889.

§ 6.° As corporações administrativas não podem, cobrar

Página 1163

SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1890 1163

percentagens sobre o imposto estabelecido n'esta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

O sr. Eduardo Abreu: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se concorda em que haja votação nominal. Um projecto d'esta ordem não deve ser votado do outro modo.

Assim se resolveu.

Feita a chamada:

Disseram approvo os srs.: Abilio Lobo, Adriano Monteiro, Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Alberto Pimentel, Albino de Figueiredo, Alexandre Serpa Pinto, Ortigão de Carvalho, Amandio da Motta Veiga, Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Fialho Machado, Lopes Navarro, Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Jalles, Antonio Costa, Santos Viegas, Sergio e Castro, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Urbano do Castro, Elmano da Cunha, Pereira Leite, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Alves Passos, Caetano de Castro, Carlos Bocage, Christovam Ayres, Custodio e Almeida, Costa Moraes, Eduardo de Jesus Teixeira, Ribeiro de Castro, Gabriel de Freitas, Fortunato V. das Neves, Ferreira do Amaral, Severino de Avellar, Francisco X. de Castro Figueiredo de Faria, Guilherme A. Pereira de Abreu, Jacinto Candido, Jayme Costa Pinto, Alves Bebiano, Sarros Mimoso, Silveira Figueiredo, João de Paiva, Teixeira de Vasconcellos, Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Germano de Sequeira, Cardoso Pimentel, José Novaes, José de Alpoim, Avellar Machado, Ribeiro de Castro, Ferreira de Almeida, Moraes Sarmento, Lobo do Amaral, Pereira dos Santos, Figueiredo de Mascarenhas, Charters de Azevedo, Greenfield de Mello, Oliveira Peixoto, Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, Horta e Costa, Soares de Albergaria, Luna de Moura, Cau da Costa, Lourenço Malheiro, Luciano Monteiro, Luciano Cordeiro, Pimentel Pinto, Virgilio Teixeira, Manuel d'Assumpção, Theophilo Ferreira, Manuel Vargas, Pinheiro Chagas, Marcellino Mesquita, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Ignacio de Gouveia, Pedro de Lcncastre (D.), Pedro Victor, Thomás Sequeira, Antonio Teixeira de Sousa, José Cavalheiro, Pedro de Carvalho.

Disseram rejeito os srs.: Albano Pinto, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Baptista de Sousa, Fuschini, Bernardino Pinheiro, Carlos Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Mattozo Santos, Fernando Palha, Almeida e Brito, Francisco Campos, Dias Costa, Francisco Machado, Ressano Garcia, Ignacio Casal Ribeiro, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Simões Ferreira, José Antonio de Almeida, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim, Paulo Cancella, Luiz Bandeira, Manuel de Arriaga, Roberto Alves.

O sr. Presidente: - Está, portanto, approvado o projecto por 87 votos contra 32.

Alguns srs. deputados pediram a palavra para antes de se encerrar a sessão; mas como a hora está quasi a dar e hoje ha sessão nocturna, conviria que s. exas. reservassem as suas considerações para occasião opportuna.

Alguns srs. deputados declaram que cedem da palavra.

O sr. Lobo d'Avila: - Serei muito breve.

Outro dia fiz aqui algumas observações, e pedi ao sr. ministro da fazenda que as transmittisse ao seu collega do reino, ácerca do estabelecimento do lazareto em Castrllo de Vide, em logar de ser em Marvão, como tinha sido n'outra epocha em que se receiára a invasão do cholera. (Apoiados.)

Hoje recebi sobre o assumpto uma representação da camara municipal de Marvão, que desejo seja publicada no Diario ao governo e para a qual chamo a attenção do sr. ministro.

Deixo de a ler para não tomar tempo á camara, mas digo que os seus fundamentos são de todo o ponto attendiveis. Basta observar que o lazareto que se vae estabelecer, fica distante uns 30 kilometros da fronteira, deixando assim exposta uma vasta região. (Apoiados.)

O lazareto, se é util, deve ser collocado na fronteira, se não é, não deve collocar-se em parte alguma.

Para complemento da nova providencia ainda querem que o caminho de ferro não pare na estação de Marvão; de maneira que aquelle povo fica temporariamente, e quem sabe por quanto tempo, privado das vantagens do caminho de ferro!

O sr. ministro da fazenda disse-nos aqui que fôra por proposta dos dignos facultativos que já de outra vez se occuparam dos mesmos serviços, que se estabelecera o lazareto em Marvão, por entenderem o que era ali o local mais conveniente e agora diz-se que a nova escolha fôra feita pelo sr. dr. Cunha Belem, um d'esses mesmos facultativos!

Peço unicamente ao sr. ministro da fazenda que chame a attenção do seu collega do reino para esta representação, que, repito, me parece de todo o ponto justa.

Resolveu-se que fosse publicada no Diario do governo.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Eduardo Abreu: - V. exa. dá-me licença?

O sr. Presidente: - A hora deu. Não se póde prolongar a sessão, porque hoje ha sessão nocturna.

O sr. Eduardo Abreu: -- É já a quarta vez que eu desejo chamar, sem nunca o conseguir, a attenção do sr. Antonio de Serpa para assumptos de saude publica.

O sr. Presidente: - A ordem da noite é a continuação da que estava dada e mais o parecer sobre as emendas ao projecto relativo ao addicional de 6 por cento.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Em virtude de resolução da camara publica-se o seguinte:

N.º 150-F

Senhores. - A vossa commissão de guerra, sendo-lhe presente a representação da liga regional dos lavradores do Baixo Alemtejo, datada de 3 do corrente mez, o relativa ao emprego da lã nacional nos lanificios adoptados para os uniformes do exercito, requereu, em 7 do mesmo mez, que sobre o assumpto d'essa representação fosse ouvido o governo de Sua Magestade pelo ministerio da guerra, que em 17 prestou a esta commissão as necessarias informações.

Vieram juntar-se á primeira mais duas representações sobre o mesmo assumpto, uma de varios proprietarios e agricultores do concelho de Montemór o Novo, outra da camara municipal do concelho e da direcção da federação agricola do districto de Evora.

Examinando a vossa commissão de guerra todos estes documentos com a attenção que reclamava a importancia do assumpto, foi ella de parecer que elles deviam ser enviados ao governo de Sua Magestade para serem tomados na consideração que merecerem.

Sala das sessões da commissão de guerra, 11 de julho de 1890. = Manuel Pinheiro Chagas = Pimentel Pinto = A. M. Serpa Pinto = J. P. de Avellar Machado = J. G. Pereira dos Santos = J. G.de Figueiredo Mascarenhas = Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro = José Estevão de Moraes Sarmento = Francisco Felisberto Dias Costa = Joaquim Greenfield de Mello = Carlos Roma du Bocage, relator.

O redactor = S. Rego.

Página 1164

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×