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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso proferido na sessão de 4 de abril, e que devia ler-se a pag. 1015, col. 2.ª, lin. 67.ª do Diario n.º 78

O sr. Dias Ferreira: — Sr. presidente, tinha eu dito na sessão de hontem que, debaixo do aspecto administrativo, me parecia que as franquias municipaes e as liberdades do municipio ficavam, por este projecto, não só offendidas, mas inteiramente aniquiladas.

Associando-me ás idéas já anteriormente emittidas pelos distinctos oradores que têem tomado parte no debate, tenho combatido os artigos em que se confia ao governador do districto a tutela de certas deliberações das camaras, que não pertencem ao contencioso administrativo nem ao ramo de funcções que competem aos governadores civis com o voto consultivo do conselho de districto, mas sim ás attribuições deliberantes d'esta corporação districtal.

E combati o pensamento de tirar esta tutela administrativa do conselho de districto, corpo de origem popular, para se entregar ao governador do districto, porque similhante disposição é retrograda e anti-liberal.

Sobre este ponto não me demorarei mais tempo, porque todos os cavalheiros que têem tomado parte no debate, e que se têem referido a este objecto, têem sido unanimes em asseverar que esta innovação é um golpe profundo nas liberdades reconhecidas no direito vigente. Mas não é só por este lado que as franquias municipaes ficam aniquiladas. Não só se tira ao conselho de districto e se entrega ao governador do districto a tutela administrativa, que aquelle exercia sobre as camaras municipaes e suas resoluções, mas proseguiu-se no systema combinado de collocar as municipalidades na inteira dependencia dos delegados do governo.

A parte penal, a execução das penas e multas impostas aos membros das camaras municipaes por faltarem ás sessões, que corre perante um poder independente, foi arrancado ao poder judiciario e entregue ao administrador do concelho. Tudo se devolveu aos delegados do poder executivo; a tutela administrativa passou para o governador do districto; a execução da multa passou para o administrador do concelho, e passou para este a execução das penas por um transtorno absoluto de todos os principios de jurisprudencia.

Eu declaro a V. ex.ª que, se os artigos a este respeito passarem como estão no projecto, não sei como se hão de applicar.

A execução por faltas, que é a execução de uma pena, é a execução de uma condemnação, é entregue á auctoridade administrativa, quando era da competencia do poder judicial.

As camaras municipaes conhecem das faltas dos seus vereadores, e da legitimidade ou illegitimidade d'essas faltas, mas desde o momento em que as camara» municipaes declaram illegitimas as faltas, o respectivo secretario, sem dependencia de despacho do presidente, ha de enviar dentro de um praso curto, dentro de um praso de horas, a certidão dás faltas, certidão que tem força de execução apparelhada, ao administrador do concelho, para este proceder á execução n'um praso que se lhe não marca.

Supponha V. ex.ª que os vereadores vem com embargos á execução. Quem julga os embargos? E o administrador do concelho? Quem os recebe? É o administrador do concelho? Quem os julga procedentes ou improcedentes? E tambem o administrador?

Ainda mais. Supponha V. ex.ª que a execução corre sobre bens de raiz. Quem defere aos termos do processo? É o administrador do concelho? A execução é puramente administrativa.

Havendo recurso de algum despacho que offenda a lei, quem, resolve n'este caso? É o administrador do concelho? É applicavel a lei geral sobre execuções administrativas? Creio que não. Desde que se propõe, como vamos ver,

uma legislação especial e com transtorno de todos os principios de jurisprudencia, ninguem póde saber até que ponto fica derogada ou de pé a lei interior.

Ha cartas de sentença condemnatoria que não são lavradas pelo poder judicial, como são, por exemplo, as copias authenticas das actas que declaram os nomes dos membros das commissões de recenseamento e de outros individuos, que faltaram ao cumprimento de deveres que lhes são impostos nas leis eleitoraes; mas corre a execução perante o poder judicial, onde o condemnado póde deduzir embargos nos termos das mesmas leis.

Mas ha ainda uma novidade que me surprehendeu, novidade inaceitavel e contraria a todos os principios, ainda os mais elementares do direito e do processo; e vem a ser que uma sentença proferida pelo juiz de direito é executada perante o administrador do concelho! Cousa nunca vista! A execução da sentença e o seu processo correm sempre em juizo do peditório principal; e se ha alguma excepção, é a favor dos tribunaes ordinarios. Perante estes ainda correm processos de execução de sentenças proferidas nos tribunaes excepcionaes. Assim os accordãos do tribunal de contas e as sentenças dos tribunaes são executados nos juizes civis. Mas uma sentença proferida por tribunal ordinario entregue ao administrador do concelho para a executar, é cousa nunca vista, é o transtorno formal de todos os principios de jurisprudencia.

Peço a attenção da camara para o artigo 68.° do codigo.

Não pronuncio uma palavra, nem exponho qualquer opinião ácerca das disposições e pensamento d'esta proposta, sem indicar os artigos, em que me fundo.

Diz o artigo 68.°: «Os vereadores que sem causa legitima faltarem a alguma sessão da camara incorrerão, por cada sessão a que faltarem, em uma multa de 10#000 réis em. proveito do cofre da camara municipal.

«§ 1.° O vereador que, sem causa justificada, der tres faltas seguidas ou der cinco interpoladas no praso de um anno, incorrerá além das multas, na perda da qualidade de vereador, sendo além d'isso inelegivel na primeira eleição que depois d'esse facto se fizer.

«§ 2.° A pena comminada no § precedente, será applicada pelo poder judicial.»

Ha aqui duas penas, uma penalidade aggravada, que vem a ser a perda da qualidade de vereador, e a pena da multa. Pois a execução da pena de multa em que é condemnado o vereador por sentença do juiz de direito corre perante o> administrador do concelho. O juiz condemna na pena de multa, e os termos da execução da sentença não correm perante o administrador do concelho! E para prova leia a camara o artigo 69.°, que diz: «A cobrança das multas em que os vereadores incorrerem, quer seja por infracção do disposto no artigo precedente ou no artigo 76.°, quer por outro qualquer motivo, será feita por execução administrativa».

Ora se corre perante o administrador do concelho a execução das multas, em que os vereadores incorrem por infracção do disposto no artigo precedente, que é o artigo 68.°, lá se acha comprehendida no § 1.º a multa em que o vereador é condemnado por sentença do juiz de direito, quando dá tres faltas seguidas, ou cinco interpoladas no praso de um anno.

De modo que o juiz de direito pronuncia na sua sentença a pena da perda da qualidade de vereador e a pena da multa; e a execução da pena de multa vae correr perante o administrador do concelho. É sempre o mesmo pensamento de pôr todas as franquias municipaes aos pés dos delegados do governo.

A tutela das attribuições administrativas da camara passa para o governador do districto, e a execução da parte penal passa para o administrador do concelho. No que as camaras estavam dependentes do conselho de districto ficam agora dependentes do governador do districto, e as garantias que ellas encontravam no poder judicial ficam agora á discrição do administrador do concelho.

Ora, questões penaes não podem ser commettidas ao administrador do concelho sem uma sophismação completa dos bons principios de jurisprudencia.

O artigo não póde deixar de saír da proposta, e estou persuadido que nem a illustre commissão nem o governo se hão de oppor á eliminação.

Mas, sobre o ponto das multas, tenho eu uma outra duvida em vista da proposta, duvida que talvez a illustre commissão ou o sr. ministro do reino possa resolver; eu não o pude conseguir.

Com relação ás faltas dos vereadores ás sessões da Camara, só depois d'esta ter tomado conhecimento da legalidade ou illegalidade das faltas, depois de as ter declarado illegitimas é que o secretario da camara manda a certidão da falta ao administrador do concelho, para se instaurar o processo de execução.

Mas quem ha de conhecer da legitimidade das faltas dos membros do conselho parochial ás respectivas sessões? O escrivão do conselho parochial ha de tambem mandar uma certidão d'estas faltas ao administrador do concelho, para os referidos membros do conselho parochial soffrerem a metade da. multa que se impõe aos vereadores; mas não vejo designada na proposta a corporação ou auctoridade que ha de conhecer da legitimidade d'essas faltas.

De modo que um membro do conselho parochial póde faltar com muita legalidade; e os escrivães a quem não incumbe verificar a legitimidade d'essas faltas mandam a respectiva certidão ao administrador do concelho para executar uma pena em que o condemnado, não só não foi ouvido, nem convencido, mas nem sequer condemnado.

Ha porventura algum artigo na proposta onde se designe quem possa conhecer da legalidade das faltas dos membros do conselho parochial?