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s. ex.ª fosse primordial instrumento d'esse facto, mas acreditando que era sómente de auctoridade secundaria.

Entretanto o sr. ministro, em vez de responder, como convem sempre ao governo, com a moderação que exige o seu cargo, não procedeu assim. Entendo que o deputado póde ser um pouco excessivo muitas vezes nos seus discursos, mas que uma grande differença se deve dar sempre entre um ministro da corôa quando responde e um deputado quando faz as suas reflexões, ainda que empregue uma phrase mais ou menos forte, o que não houve da minha parte.

Foi com grande admiração minha que vi levantar-se o Sr. ministro fallando de um modo que me parecia não sei o quê. Parecia-me, referindo-me á antiguidade, á mithologia antiga, Jupiter Tonante, quando indignado ordenava aos elementos que desencadeassem as suas fúrias sobre o miseravel mortal que tinha provocado as suas iras. S. ex.ª levantou-se com uma acrimonia e com azedume tal que fazia o maior, contraste possivel com a maneira polida e moderada com que me tinha exprimido; e na verdade fiquei maravilhado e estupefacto. A camara estava em muito pequeno numero para poder avaliar devidamente a maneira por que o sr. ministro respondeu aquellas minhas breves reflexões.

S. ex.ª, levantando-se, começou a sua resposta por um pequeno exordio que vinha a ser uma ironia ao que eu acabava de referir, e a ironia parece-me que não está bem na bôca de ninguem, mas muito menos na dos srs. ministros.

Disse s. ex.ª que = se esperasse, que eu havia de esclarecer a camara e o paiz sobre as construcções e sobre as machinas de vapor =. Eu não venho aqui dar lições de mechanica transcendente, de mechanica applicada a machinas. Estudei mechanica, mas certamente não venho resolver para aqui os grandes problemas d'essa sciencia, não venho resolver os problemas da estatica, dynamica e hydrostatica, de todas essas partes em que se divide a mechanica. E se fosse preciso fazer aqui uma prelecção de mechanica transcendente, seria bom que v. ex.ª mandasse pôr aqui dentro uma pedra para se poderem fazer as demonstrações, para se poder dar uma prelecção sobre os differentes problemas que ha relativamente á applicação da mechanica ás machinas de vapor, e mesmo a todos os misteres industriaes.

Portanto a camara não podia esperar que, ainda mesmo que eu tivesse essa intelligencia superior, necessaria para a esclarecer com uma prelecção de mechanica, eu viesse aqui explicar e descrever as theorias e os problemas sobre o principio das velocidades virtuaes, sobre as alavancas, sobre o parallelogrammo das forças, sobre o movimento de um systema, etc. e tudo o mais que aquelles que têem estudado mechanica sabem. De certo seria isso uma cousa fastidiosa, seria improprio de um parlamento.

Portanto se o sr. ministro disse á camara que aguardasse essa minha prelecção, a camara não podia espera la de mim, e foi no meu entender uma ironia mal cabida de que s. ex.ª se serviu. Nem tenho a intelligencia precisa para elucidar a camara sobre qualquer materia, nem tenho a pretensão de vir elucida-la; o que venho aqui fazer é discutir e votar como sei, e conforme a minha consciencia. Nem em sciencia nenhuma, nem nas cousas as menos scientificas, as minhas prelecções poderiam determinar a camara a resolver em qualquer sentido. Nem eu as venho fazer; eu venho simplesmente discutir conforme sei. Não voto ás cegas, e não costumo votar sem motivar o meu voto, embora incorra nas censuras dos meus collegas, embora digam que penso mal. Se avalio as cousas por uma differente fórma é isso devido a minha intelligencia; mas não sou a mais obrigado do que cumprir com o meu dever da fórma que posso.

Já se vê que a camara não podia aguardar que estivesse prevenido para fazer uma prelecção de mechanica, muito principalmente na applicação das doutrinas d'essa sciencia. Eu disse que = se podia montar no arsenal da marinha o machinismo necessario para se fazerem todas as peças das machinas para quaesquer barcos de vapor =. S. ex.ª disse que = era impossivel =. Mas eu não sei que humanamente haja nada impossivel, e sei que é um axioma que tudo o que um homem faz póde fazer outro qualquer, isso é um axioma; mas o sr. ministro disse logo = é impossivel; prove o sr. deputado como se póde fazer =. Pois eu vou provar como se póde fazer. Tenho presente uma nota dada por pessoa competente; é um homem pratico e muito instruido n'esta parte do machinismo dos vapores. Quer a camara e o sr. ministro saber o que elle diz? Diz o seguinte:

1 Torno (Centre Brake) de 30 pollegadas..... libras 1:300

2 Tornos (dito) de 16 pollegadas............ 540

1 Machina de aplainar, que deve aplainar 6 pés de largo e 6 pés de altura... 610

1 Machina (chamada Botting) 7 pés de diametro e 20 pollegadas stroke (giro)... 420

1 Machina de fazer parafusos de 3/4 pollegada até 2 pollegadas... 120

1 Machina de fazer parafusos de 1/4 pollegada até 1 pollegada... 50

1 Machina (chamada Shaping machine) de 20 pollegadas stroke (giro)... 205

Libras... 3:245

Com as ferramentas acima mencionadas e com as que já existem no arsenal real póde-se fazer machinas a vapor da força de 10 a 800 cavallo.

N.B. A fabrica de machinas a vapor mais approvada é a dos srs. Smith, Peacock & Tanneth. Victoria Foundry. = Leeds.

Portanto já vê o sr. ministro que se póde fazer, e que com 3:245 libras póde montar as machinas necessarias, e 3:245 libras não é nada; é melhor gasta-las n'isto do que gastar 30:000 libras, como se gastou em Inglaterra, com os

desmanchos e arranjos que soffreu a corveta Sá da Bandeira...

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): - Não é exacto.

O Orador: — É o que consta....

O sr. Ministro da Marinha: — As contas da corveta vieram para a camara, e o illustre deputado póde verificar querendo...

O Orador: — Bem sei; ahi consta a despeza que se fez com a corveta em Inglaterra. Portanto o que está provado é que se podem cá fazer as machinas precisas para os navios de guerra, e que de certo não custariam o preço que custam em Inglaterra.

Ainda ha pouco tempo não havia cá quem fizesse caldeiras para vapor no arsenal, e hoje já ha quem as faça, e no arsenal já se fazem caldeiras.

Tambem não havia quem fizesse barcos de ferro, e já hoje ha quem os faça, e tanto que ahi temos mr. Burnay que tem barcos a vapor de forro, que fazem a carreira de Lisboa para Belem, e na sua officina se fazem as proprias machinas,

Portanto as machinas a que me referi podem fazer se cá, não é cousa nenhuma impossivel, e o sr. ministro não devia dizer = não é possivel =, porque é possivel havendo meios e direcção, e se não ha mestres habeis para dirigir e ensinar esses trabalhos, então é manda-los vir de Inglaterra, como se tem feito já para outras cousas, e como o está fazendo a Turquia que manda vir mestres de Inglaterra para ensinarem e dirigirem estas officinas em grande. D'este modo nós teriamos machinas aqui feitas, e o dinheiro que se vae gastar em Inglaterra póde gastar-se com os nossos operarios. Isto é o que eu entendo, o sr. ministro póde entender o que quizer; hei de manifestar as minhas opiniões, e não ha necessidade nem motivo para o sr. ministro se agastar. O sr. ministro está de uma susceptibilidade tal, que se lhe não póde dizer nada; s. ex.ª está muito susceptivel, não sei para quê nem porquê...

O sr. Ministro da Marinha: — Quando ha alguma insinuação...

O Orador: — Eu não fiz nem faço nunca insinuações, digo sempre bem alto e bem claro o que entendo, exponho com franqueza e com lealdade á camara as minhas opiniões (apoiados), não as escondo; s. ex.ª póde ou não aceita-las, mas o que não póde é coarctar a liberdade que tenho, e todos, de, as apresentar ainda que em opposição a ss. ex.ª que se julgam infalliveis e o supra-summum de tudo quanto ha n'este paiz!

S. ex.ª não tinha rasão para me responder de uma maneira tão irada como aquella por que me respondeu. Eu tinha dito que se podiam já fazer as machinas, e já provei a minha asserção pela leitura da nota a que me referi. Eu não fiz mais que uma indicação, pedi que se pozese aqui em pratica o que já está em todos os paizes. Não pedi novas descobertas, pedi a applicação de uma cousa já inventada e a respeito da qual s. ex.ª não podia dizer = não é possivel =; mesmo uma nova descoberta sobre o movimento dos barcos sem ser a vapor é possivel. Napoleão I não podia acreditar que houvesse um barco que andasse a vapor, mas o facto provou que podia. E o mesmo aconteceu a respeito dos telegraphos electricos, tambem se não acreditava, mas o facto provou a possibilidade e utilidade da invenção. Repito, não pedi ao sr. ministro que mandasse inventar, pedi que mandasse applicar o que já está inventado e applicado em muita parte.

Mas parece-me que o que provocou as iras do sr. ministro não foi isto, foi uma outra cousa que veiu de mistura com esta, foi uma outra cousa de que s. ex.ª não gostou. Porém eu quando digo as cousas não é para os outros gostarem, digo o que entendo em minha consciencia, agrade ou não agrade. Nós não estamos a representar aqui para agradar uns aos outros. O que provocou as iras do sr. ministro foi eu dizer que entendia que era um arbitrio a maneira como estão sendo mandados á junta e reformados os officiaes de marinha. Eu não fiz mais que narrar um facto — que varios officiaes superiores de marinha tinham sido intimados para irem a junta de saude sem elles o pedirem, e que a junta os deu por incapazes do serviço, e o sr. ministro depois lhes deu o destino conveniente.

Ora, quanto aos factos posteriores, estava s. ex.ª no seu direito procedendo como procedeu; mas o facto primordial, o facto de mandar os officiaes á junta, n'isto é que entendo que o sr. ministro não estava no seu direito de fazer.

O sr. Ministro da Marinha: — Estava no meu direito, e eu lhe provarei se estava ou não.

O Orador: — Pois uma vez que o sr. ministro diz que = estava no seu direito =, eu lhe vou provar em como não estava.

Ha uma lei, a de 28 de agosto de 1858, que estabeleceu um corpo de veteranos. Eu concorri com o meu voto para a factura d'essa lei, porque era deputado n'essa occasião. No artigo 7.° d'essa lei, depois de varias outras disposições, diz se o seguinte.

«Artigo 7.° Só têem direito a serem admittidos para o futuro no corpo de veteranos de marinha: 1.° O officiaes da armada, os officiaes da extincta brigada, os officiaes do batalhão naval, os officiaes de fazenda e os de saude naval; 2.° O officiaes marinheiros, ai praças de marinhagem, os officiaes inferiores, e praças de pret da extincta brigada e do batalhão naval, que, apresentando boas informações de serviços e procedimento, provarem por documentos authenticos, que estão litteralmente comprehendidos nas disposições de qualquer dos paragraphos seguintes:

«§ 1.° Os que tiverem vinte e cinco annos de serviço effectivo, contados de»de a idade de quinze annos, e forem julgados incapazes do serviço activo pela junta de saude naval.

«§ 2.° Os que, por motivos de ferimento em combate ou de grave desastre occorrido em acto de serviço, ficarem mutilados de perna ou de braço, ou completamente cegos, ou finalmente julgados, pela, junta de saude naval, inteiramente impossibilitados do mesmo serviço. Os individuos comprehendidos em qualquer d'estas hypotheses ficarão addidos ás correspondentes companhias de veteranos, sómente para o abono de seus vencimentos e para as devidas apresentações de trimestre. 1

«§ 3.° Os que se tiverem mutilisado por molestias contrahidas em serviço activo nos cruzeiros da costa de Africa, e forem julgados incapazes de serviço activo pela junta de saude naval.» 11

Logo que diz a lei? Diz que para se obter esta recompensa é preciso provar varios quesitos; mas quem é que ha de provar? De certo que ha de ser o official que requer a recompensa; ha de ser o official quem ha de provar que tem tantos annos de serviço, e que está inteiramente no caso de poder invocar as disposições da lei em seu favor. Mas ser o ministro quem recompense o official sem elle o pedir; dizer o ministro: «Venha cá, sr. official, queira apresentar-se na junta de saude, para eu depois o recompensar, e lhe provar que lhe poso applicar a lei!!» Isto sem o official se queixar de falta de saude, e sem se recusar ao serviço que lhe é destinado, isto é que não póde ser, isto é que entendo que o sr. ministro não podia fazer. É tornar-se o sr. ministro procurador do official contra sua vontade, e provar lhe que está nas disposições da lei para lhe applicar um beneficio que elle por ora não quer.

Quando um official qualquer, seja do exercito ou seja da marinha, se julgar com direito a qualquer recompensa, e a pedir, ha de provar com documentos a justiça que lhe assiste; mas quando o official não pede essa recompensa, quando não a quer, quando está prompto para o serviço, dizer-se-lhe = vá á junta para ser reformado, é o mesmo que quando o sultão honra um teu servidor distincto, que lhe caíu em desagrado, enviando-lhe o cordão para se suicidar.

Quando um official representa que o seu estado de saude lhe não permitte prestar certo serviço ou ir para qualquer commissão, o ministro n'esse caso deve ordenar que elle se apresente á junta para ella o inspeccionar, e ver se está ou não capaz de servir; mas quando o official se não queixa, quando se não recusa a serviço algum, querer por força obriga lo a ir á junta para o julgar incapaz de serviço não póde ser, nunca se fez.

Uma voz: — Mas a junta póde julga-lo capaz de servir.

O Orador: — Mas é que não julga; ainda que o official diga que tem saude, a junta não o entende assim; e declara-o sempre incapaz de servir. E quer v. ex.ª saber mais? Eu acredito mais o que diz o official do que acredito o que diz a junta. Se o proprio sr. ministro fosse á junta e dissesse que estava bom e a junta declarasse que estava doente, eu acreditava o que dizia o sr. ministro e não acreditava o que dissesse a junta; ainda que a junta fosse composta do sr. dr. Beirão e outros homens eminentes como s. ex.ª friso). Neste ponto não acredito o que elles dizem. Depois do individuo dizer que está de saude perfeita e prompto para desempenhar qualquer serviço que lhe seja ordenado, não comprehendo que o possam obrigar a ir á junta de saude, nem acredito mais na declaração da junta do que na do official. Demais isto é um objecto importante, porque estas reformas sobrecarregam o thesouro com augmento de despeza, e é uma offensa aos direitos dos individuos com quem isto se pratica.

(Interrupção do sr. ministro da marinha.)

O Orador: — Pois o nobre ministro ignora o que se tem praticado? Eu lh'o vou contar, visto que me provoca.

Ha um chefe de esquadra chamado Joaquim Antonio de Castro; não o conheço, mas sei que era chefe de esquadra, e membro do supremo tribunal de justiça militar. Parece que bastava esta circumstancia importante para elle não ser mandado á junta, porque era atacar, por assim dizer, o poder judicial. Pois um juiz qualquer póde ser pelo governo posto fóra do seu logar quando e como quizer? Se elle não cumprisse as suas obrigações era outro caso, mas este ía ao tribunal e cumpria com o seu dever; nunca se queixou; com que direito o mandou o sr. ministro a junta de saude? Que lei o auctorisou a proceder assim? Nenhuma. N'um bello dia tres membros da junta de saude dirigiram se a casa d'este official, bateram-lhe aporta; o official recebeu os com toda a urbanidade, perguntou lhes o que queriam; e elles responderam que = eram membros da junta de saude, e que tinham recebido ordem para o inspeccionar =. O official respondeu que = estava bom de saude, que cumpria com os seus deveres, que ía regularmente ao supremo tribunal, e por consequencia que estava prompto para o serviço que lhe estava commettido =. Pois a junta, apesar d'isto, declarou que não estava capaz de servir!

Já se vê que isto é um acto de tal ordem, que não posso deixar de classificar como repugnante e como uma affronta a um general. O general póde exercer a sua commisão, e se não está no caso de a poder exercer, dá parte ao governo, e este verificando que não está apto para o serviço manda-lhe applicar a lei da reforma. Mas não foi isto o que praticou s. ex.ª Reprovo inteiramente este systema; e digo a s. ex.ª que se no exercito se fizesse o mesmo, a maioria dos nossos generaes estavam reformados. (Interrupção.)

Orador: — Pois bem; nesse caso ficarão só os rapazes, porque os mais não valem nada (riso). Mas o thesouro póde com esta despeza? Se nós estamos em paz esses officiaes podem servir, e principalmente os de marinha, porque estes podem estar nos seus camarotes sentados n'uma poltrona, e commandar os seus navios, o que não acontece com os officiaes do exercito que têem de montar a cavallo e que