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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa a minha moção de ordem.
«E ao mesmo tempo concede licença para que o processo a que este parecer se refere possa continuar.»
Aceito os fundamentos em que a commissão baseia o seu parecer.
Entendo que, segundo a lei eleitoral e o acto addicional á carta, os eleitores tinham direito de eleger o sr. Manuel Bento da Rocha Peixoto emquanto a sua pronuncia não fosse ratificada pelo jury ou não tivesse passado em julgado, e que a camara não póde por esse motivo invalidar a sua eleição nem negar-lhe o direito que tem de tomar assento no corpo legislativo.
Tem-se porém admittido a praxe n'esta casa, que me parece inteiramente contraria ao fim para o qual a garantia dada aos deputados foi estabelecida.
Quando a constituição poz os membros do corpo legislativo ao abrigo de qualquer accidente que os podesse sujeitar ao poder judicial, que é independente, não tsve em vista de maneira nenhuma dar um privilegio especial ás pessoas que podessem achar-se obrigadas a provarem a sua innocencia perante outro poder, que não é o que faz as leis.
V. ex.ª sabe que este artigo marcado na constituição teve seu fundamento nos actos do poder despotico nos tempos em que a soberania popular não tinha ainda adquirido nem o imperio nem o poder que actualmente tem na vida da sociedade, e o seu fim foi unicamente privar o poder executivo do abuso de por um accidente ou por uma ficção poder arrancar ao seio da representação politica qualquer dos seus membros que lhe podessem ser incommodos, como aconteceu em França com mr. Désprémenil, facto que é do conhecimento de todos os srs. deputados. Foi isto que deu logar a que a assembléa dos notaveis declarasse a inviolabilidade de todos os seus membros. E d'ahi passou o principio para todas as constituições.
V. ex.ª ha de permittir-rae que dê logar a que se acalme uma especie de agitação que ha á roda de mim, porque não desejo de maneira alguma lançar este debate fóra do campo em que me parece que deve ser mantido.
Eu não creio que as garantias dadas á representação nacional tenham por fim abolir um principio da constituição, que diz que a lei é igual para todos, quer premie quer castigue.
Se podessemos admittir o contrario, seria transportar em 1871 para o parlameuto o direito de asylo e converter a camara dos deputados em couto de frades. Todavia não é a intenção da garantia dada aos membros do corpo legislativo.
O sr. Manuel Bento da Rocha Peixoto acha-se obrigado a provar perante o poder judicial, que é innocente de um crime, pelo qual foi pronunciado juntamente com outros cidadãos. Se por acaso a camara dos deputados não tem o proposito firme, approvando esta eleição, de dar o primeiro passo para que a acção das leis vá caír sobre os cidadãos que estão igualmente implicados com o sr. Rocha Peixoto no crime de que elle é accusado, parece me que não deve ter duvida em consignar desde já no processo da eleição, que ao mesmo tempo concede licença, que necessariamente lhe deve ser pedida, para que o poder judicial que ha de julgar os seus cumplices, o julgue ao mesmo tempo do crime de que é accusado.
De certo não faria estas considerações á camara e confiaria plenamente em que a camara, quando lhe fosse pedida a licença para que é processo possa continuar, não hesitaria em a conceder, se não visse um aresto do supremo tribunal de justiça, que a camara applicou ao sr. Pinto Bessa, contra quem votei na occasião em que um parecer igual lhe negava a licença para continuar o processo; se a camara, digo, não tivesse admittido aquelle aresto que dá por finda e acabada, com a negação da licença, a causa crime instaurada contra qualquer deputado.
Desde que o supremo tribunal de justiça assentou este aresto e que a camara dos deputados, no parecer n.º 2, que tenho diante de mim, o reconheceu, é da minha obrigação provar perante o paiz que, dando um voto em harmonia com as prescripções legaes da lei, não voto o principio immoral de que os deputados representantes do povo estão ao abrigo da responsabilidade a que estão sujeitos perante um poder, que é independente, e principalmente no caso sujeito, quando o processo já continua, n'esse poder, contra os iniciados no mesmo crime.
V. ex.ª ouviu ha dias, e eu tambem ouvi, que tem havido necessidade de se lançar mão de meios violentos para reprimir certas tendencias que se dizem existir na nossa sociedade e que podem importar um facto muito para lamentar lá fóra. Eu digo que, para reprimir essaa tendencias, o remedio que nós temos, que está á nossa disposição, é dar exemplo em todos os actos que partem das estações mais elevadas.
Não desejo tomar mais tempo á camara. A minha moção de si é simples; o meu animo está de tal maneira desmedido de qualquer sentimento que não seja o desejo de fazer respeitar a representação nacional, que eu por emquanto me abstenho de fazer considerações, que mais tarde tenha a fazer, se por acaso as minhas idéas ou os principios que aqui expuz, e que estão perfeitamente em harmonia com os nossos deveres como representantes do paiz e em desempenho da commissão de que fomos encarregados, forem combatidos.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
A camara concede ao mesmo tempo licença para que o processo instaurado contra o sr. deputado Manuel Bento da Rocha Peixoto, a que se refere este parecer, possa continuar.
Sala das sessões, 4 de agosto de 187l. = Barros e Cunha.
Foi admittida.
O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Peço perdão á camara de interromper esta discussão, ainda que momentaneamente, para mandar para a mesa a seguinte proposta de lei (leu).
Peço a v. ex.ª, em conformidade do costume, a urgencia d'esta proposta.
Leu-se na mesa e foi enviada á commissão de fazenda a seguinte proposta:
N.° 5-Y
Senhores. — A cobrança do real de agua na cidade do Porto sendo effectuada nas barreiras produzirá o excellente resultado de tornar mais productivo o imposto, menos vexatorio e mais proporcional.
O custeio d'aquella cobrança passa a fazer parte das despezas já existentes com a fiscalisação da alfandega, e dispensa por conseguinte os encargos addicionaes resultantes do systema actualmente em vigor. Importantes corporações da cidade do Porto têem representado no sentido da medida indicada, e muitos habitantes d'aquella cidade têem manifestado a sua opinião no mesmo sentido.
Por todas estas rasões tenho a honra de submetter á vossa consideração a seguinte
Proposta de lei
Artigo 1.° O imposto do real de agua sobre o vinho e mais bebidas alcoolicas e fermentadas que entrarem para consumo da cidade do Porto, será cobrado nas barreiras juntamente com o imposto estabelecido pelo decreto com força de lei de 30 de junho de 1870.
Art. 2.° A taxa a que ficam sujeitos o vinho e mais bebidas alcoolicas e fermentadas, reunidos os dois impostos, nos termos do artigo antecedente, é a seguinte:
Vinho e geropiga—110 réis por decalitro.
Aguardente e mais bebidas espirituosas — 260 réis por decalitro.