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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Os factos são estes. Cada um seguirá a opinião que quizer. Mas a classificação do facto incriminado existe feita no despacho de pronuncia, e a esse respeito não ha duvida, porque o despacho de pronuncia foi remettido a essa camara, e está transcripto e foi impresso conjunctamente com este parecer.
Os individuos que foram mandatarios, que foram instrumentos do crime, que cederam ás instigações do sr. deputado eleito, acham-se pronunciados! Contra elles prosegue sem duvida alguma o processo instaurado. Agora o mandante, o inventor do crime, o que do crime usou para seu interesse e com elle aproveitou, segundo diz o despacho de pronuncia; o que por acto immediato tomou parte n'esta dolosa inscripção, e assim se fez eleger deputado; esse entra n'esta camara, recebe a investidura do privilegio que o separa dos outros pronunciados, e vem fazer leis em vez de ir soffrer as penas a que pelas leis está sujeito! Isto póde ser? A illustre commissão diz que mais tarde a camara ha de occupar-se da grave questão, se ha de dar, ou não, para a continuação do processo, a licença que a camara affirma, quando a recusa, que não terá outro effeito senão suspender a accusação; mas que tem o effeito de extinguir a accusação, porque a camara sabe perfeitamente, e a este respeito não póde allegar a menor ignorancia, que o poder judicial, livre e independente, julga que depois da negação da licença, por parte da camara, todo o processo criminal fica extincto e não póde reviver.
Se uma lei d'este paiz me obrigasse a votar forçosamente a conclusão d'este parecer, como parecem acredita-lo os illustres membros da commissão de verificação de poderes, que muito respeito; se uma lei do paiz, repito, me obrigasse a este voto indubitavel e inquestionavelmente; eu não hesitaria longo tempo, pois logo que perdesse a esperança de poder revogar uma lei tão injusta e immoral, trataria de empregar os meios para deixar de pertencer a um paiz que quizesse ter leis de tal ordem. Mas não ha, felizmente, lei nenhuma que nos obrigue a um voto que á consciencia repugna.
Nós não estamos aqui em tribunal de policia correccional. Cora relação ao objecto que tratámos temos funcções muito mais altas a desempenhar, e com maior latitude, do que tem um simples juiz encarregado de applicar a lei. O juiz tem de se restringir o mais possivel ás palavras da lei, e não tem a mesma liberdade de acção para recorrer ao seu espirito, e nem póde preferi-lo ao rigor stricto da letra.
Nós estamos n'uma posição diversa, quasi opposta. Não só fazemos as leis, mas somos parte principal e integrante do poder encarregado de as interpretar o de lhes fixar o verdadeiro sentido.
Temos portanto de dar uma decisão que seja rigorosamente conforme com o espirito do legislador, com a idéa que presidiu á lei que se acha feita, e não podem aqui prender-nos duvidas mais ou menos plausiveis, sophismas mais ou menos subtis, com que a habilidade ainda a mais rara ou o talento mais superior tentem destruir o fim da lei e a idéa do legislador, a pretexto de se respeitar a palavra escripta.
A illustre commissão limita os seus argumentos com a maxima habilidade de que todos os seus membros são dotados; eu comprehendo este procedimento; causa tão injusta, defendida por tão habeis patronos, não podia ter outro meio de defeza. Aqui a maxima simplificação era para a defeza a primeira necessidade.
Diz a commissão: «O acto addicional e o decreto eleitoral dizem = pronuncia passada em julgado. A pronuncia não passa em julgado senão depois de intimada; e a pronuncia n'este processo não foi intimada aos pronunciados, apenas intimaram o despacho ao ministerio publico =. É este o argumento.
A illustre commissão reconhece tanto a irregularidade d'este processo, que na historia forense póde de certo citar-se como caso unico, sente tanto a impossibilidade juridica da falta de intimação que acrescenta: «Não queremos saber porque.» Este é realmente o extremo da simplificação!. D'aqui não póde passar-se!
Vejamos as proprias palavras da commissão. «Qualquer que fosse a causa, a verdade é que o despacho de pronuncia a nenhum dos indiciados foi intimado».
Eu concordo, mesmo sem ver o processo e só pelo inteiro credito que me merecem os membros da commissão, que não ha a certidão lavrada pelo escrivão do processo de que intimou o despacho de pronuncia. Até ahi vou eu, e posso ir. Mas no que não concordo, á vista da lei, e muito, principalmente como membro do poder legislativo, é em que não ha outra especie de intimação que não seja a lavrada pelo escrivão e assignada pelas pessoas intimadas. N'este ponto separo-me completamente.
Sr. presidente, permittam-me os illustres membros da commissão, por quem, repito, eu tenho a maxima consideração e respeito, que lhes diga, que estes argumentos não são para aqui; podem ser admissiveis n'um tribunal stricti júris onde as attribuições do juiz estão por lei e pela natureza do seu poder, muitissimo limitadas; mas não podem admittir-se aqui perante uma camara, que faz parte do poder que legisla e interpreta as leis, e que exerce, como attribuição exclusiva, esta dupla e importantissima funcção.
Na terminologia juridica que estudei, e na pratica forense em que lido, ha differença muito sensivel entre citação, notificação e intimação.
Cito mesmo para auctorisar a minha opinião, ao acaso, a reforma judiciaria excelentemente anotada pelo sr. Castro Netto.
Diz elle em a nota ao artigo 194.°: «Citação é o chamamento para o principio de uma causa; notificação e chamamento para essa causa proseguir; e intimação a noticia, de. qualquer acto da. causa».
Portanto, estar ou não intimado para o fim da lei um despacho de pronuncia, ou qualquer acto de um processo, não tem outra significação que não seja o saber-se, que o intressado ou o pronunciado, teve d'esse acto ou do despacho que o pronunciou completa noticia. A intimação não é nada mais do que a notícia de um acto de qualquer causa;, se essa noticia existiu, a intimação para o fim da lei, para a intenção do legislador, está indubitavelmente feita.
O sr. Correia Caldeira: —Será bom dizer noticia official.
O Orador: — Fazendo a vontade ao meu illustre collega com o maior prazer direi =a notícia official =.
A regra de direito estabelecida em todas as nossas leis. de processo, tanto nas antigas, como nas actuaes, em relação a recursos muito mais importantes, do que são os aggravos, nos recursos de appellação é a seguinte:
Artigo 681.°§ 13.° da novissima reforma judiciaria: «Não póde appellar o que consentiu na sentença expressa ou tacitamente, ¡obrando algum acto que mostre approvação; o que confessou judicialmente; e o que transigiu sobre o julgado».
Pelos §§ 2.° e 3.° do mesmo artigo 681.° da novissima reforma judiciaria a publicação da sentença na presença das partes, ou dos seus procuradores, suppre a intimação, porque desde a publicação em audiencia correm, e se contam n'esses casos os prasos dos recursos.
Já se vê que mesmo nos tribunaes onde são mais restrictas as attribuições, é inadmissivel a doutrina da illustra commissão, que singularmente sustenta, que não póde haver intimação sem a certidão do escrivão que intimou ou sem o acto do escrivão intimar.
Para a lei a unica cousa essencial é a noticia do acto a intimar, é a certeza de que essa noticia existiu, não é nem póde ser a exigencia de que seja o escrivão quem dê a noticia, nem de que a affirme por certidão.
No campo em que esta camara se acha enllocada, com as suas attribuições amplíssimas, mais inadmissivel é esta singular doutrina. Em presença do espirito, da lei cumpre