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SESSÃO DE 4 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de requerimentos, projectos de lei e notas de interpellação. Ordem do dia: Approvação da proposta do sr. Braamcamp e rejeição das outras propostas apresentadas durante a discussão da eleição de Villa Verde — Discussão e approvação do parecer n.º 4 da commissão de verificação de poderes sobre o processo eleitoral do circulo n.º 3 (Ponte de Lima)—Eleição de commissões,

Chamada— 45 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Albino Geraldes, Alfredo da Rocha Peixoto, Cerqueira Velloso, Ayres de Gouveia, Soa res e Lencastre, Correia Caldeira, Barros e Sá, A. J. Teixeira, Antonio Julio, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Vieira das Neves, Francis co de Albuquerque, Francisco Correia de Mendonça, F M. da Cunha, Sant'Anna e Vasconcellos, Jayme Moniz, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Ban- deira Coelho, Baptista de Andrade, Cardoso Klerk, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Menezes Toste, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Affonseca, Pires de Lima, Alves Passos, Thomás Lisboa, D.Miguel Coutinho, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs. Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Boavida, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Claudio Nunes, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco Mendes, Francisco Costa, Camello Lampreia, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Gomes da Palma, Perdigão, Santos e Silva, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, J A. Maia, Dias Ferreira, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Costa e Silva, Moraes Rego, Sá Vargas, Mello Gouveia, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Pedro Roberto, Thomás de Carvalho, Thomás Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram—os srs.: Barjona-de Freitas, Saraiva de Carvalho, Eduardo Tavares, Silveira Vianna, Silveira da Mota, Melicio, J. M. dos Santos, Lourenço de Carvalho, Camara Leme.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta—Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representação

Da camara municipal de Setubal, pedindo auctorisação para despender do cofre da viação a quantia de 3:000$000 réis, e applica-la a melhoramentos municipaes.

Á commissão respectiva.

Requerimentos

1.° Requeiro que, por intermedio da mesa da camara dos senhores deputados, me seja fornecido pela secretaria documento authentíco, que mostre o andamento que teve o requerimento por mim apresentado na ultima sessão legislativa do anno passado, e que era respectivo aos fóros de Evora, e qual o resultado.

Sala das sessões, 3 de agosto de 1871. = Domingos Pinheiro Borges, deputado por Evora.

Foi mandado cumprir.

2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos relativos ao caminho de ferro do sul:

I. Rendimento total das estações de Lisboa, Barreiro e intermedias até á dos Pegões, proveniente do transporte de passageiros, mercadorias ou de outra qualquer origem com destino a Vendas Novas;

II. Rendimento de todas as estações comprehendidas entre Lisboa e Vendas Novas, proveniente de quaesquer transportes para a estação de Montemór;

III. Rendimentos cobrados nas estações de Montemór e Vendas Novas, proveniente de quaesquer transportes para Lisboa e estações intermedias.

Sala das sessões, 3 de agosto de 1871. = Domingos Pinheiro Borges.

3.° Requeiro, pelo ministerio do reino, os seguintes documentos:

I. Os relatorios apresentados pelo governador civil de Evora a junta geral do districto, nos ultimos cinco annos;

II. Mappa do movimento dos expostos especificando a entrada e obitos nos ultimos cinco annos;

III. Documentos que demonstrem os esforços empregados pela auctoridade administrativa do referido districto, para melhorar o estado agricola do districto, especialmente na parte relativa a exposições agricolas e policia dos campos;

IV. Estado da viação districtal e municipal no districto de Evora, com a indicação do emprego que têem tido os fundos que por lei são destinados á viação municipal;

V. Nota dos fundos primitivos da casa pia de Evora, alterações subsequentes e suas causas;

VI. Nota dos obitos occorridos na mesma casa pia nos ultimos dois annos, com a indicação das causas provaveis, que têem dado logar aos casos fataes de tisica, a que têem succumbido ultimamente bastantes alumnos.

Sala das sessões, 3 de agosto de 187l. =Domingos Pinheiro Borges, deputado por Evora.

4.° Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio da guerra copia do relatorio dirigido ao coronel de caçadores n.º 3 pelo commandante da força militar que assistiu á eleição do circulo de Macedo de Cavalleiros.

Sala das sessões, 3 de agosto de 1871. = José Dias Ferreira.

5.º Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara uma nota indicando a importancia de titulos de divida publica que na junta do credito publico consta ser possuida por individuos residentes no Brazil.

Sala das sessões, 3 de agosto de 1871. = O deputado, Antonio Augusto Pereira de Miranda.

6.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida a esta camara copia da resposta do director interino da alfandega do Porto á portaria publicada no Diario do governo de 22 de junho de 1871, a qual lhe ordenava que indicasse as bases mais convenientes de um regulamento de cobrança do real de agua na cidade do Porto.

Sala das sessões, 3 de agosto de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado pelo circulo n.º 13.

Foram remettidos ao governo.

7.° Requeiro que á respectiva commissão, a fim de dar parecer, seja remettida a representação da sociedade do palacio de crystal, por mim apresentada n'esta camara na sessão de 1 de dezembro de 1870.

Sala das sessões, 3 de agosto de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado pelo circulo n.º 13. Foi satisfeito.

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Nota de interpellação

Requeiro que seja informado o sr. ministro do reino, de que o desejo interpellar relativamente á portaría de 26 de junho de 1871, que teve por fim prohibir a continuação das conferencias que tinham logar no casino lisbonense.

Sala das sessões, 3 de agosto de 1871. = Conde de Villa Real.

Mandou-se fazer a devida communicação.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — O decreto de 20 de setembro de 1852 determina no n.º 1.° do § 2.° do artigo 41.°, que todo o concelho que não exceder a 2:500 fogos, ainda que tenha menos de 1:000, constituirá de per si uma só assembléa eleitoral.

A lei de 23 de novembro de 1859 conservou a mesma disposição, mas acrescentou que a divisão das assembléas eleitoraes, feita pela commissão de recenseamento em virtude d'aquella lei, ficaria definitivamente feita para todas as eleições de deputados, emquanto não fosse alterada por lei.

O concelho de Vouzella, segundo o mappa annexo á lei de 23 de novembro de 1859, tinha 2:346 fogos, é segundo, o que acompanha o decreto de 18 de março de 1869 tem 2:457 fogos.

Não obstante a disposição clara da lei a commissão do recenseamento, que deu execução á lei de 1859, dividiu em duas assembléas o concelho de Vouzella, que não podia ter senão uma. Esta divisão não foi contestada, não houve contra ella a reclamação que a lei permittia, e ficou por conseguinte considerada legal emquanto não fosse alterada por lei.

A actual commissão de recenseamento alterou aquella divisão fundada no preceito de lei, que não admitte mais de uma assembléa nos concelhos que não excedam a 2:500 fogos; mas infringiu a outra disposição, que só permitte ás côrtes a alteração das assembléas. Á divisão está má, está illegalmente feita, mas a commissão de recenseamento não tem competencia para a alterar.

Para que a lei seja cumprida e acatada apresento á camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O concelho de Vouzella constituirá uma só assembléa para a eleição de deputados.

Art. 2.° Fica por este modo alterada á divisão feita pela commissão do recenseamento, em virtude da lei de 23 de novembro de 1859.

Lisboa, 3 de agosto de 1871. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Foi admittido e ficou para ser enviado á commissão respectiva.

Renovações de iniciativa

1.ª Renovo a iniciativa dó projecto de lei n.º 42 de 187Í pertencente á ultima legislatura.

Sala da camara, 3 de agosto de 1871. = Antonio Correia Caldeira, deputado por Monsão é Melgaço:

lei admittida e ficou para ser enviada á commissão respectiva.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei que apresentei na sessão de 15 de março de 1871, segundo é qual a importancia das licenças, á que se refere á lei de 1 de setembro de 1869, e que digam respeito ao exercicio de commercio ou de industria, será cobrada juntamente com á importancia da contribuição industrial.

Sala da camara, 3 de agosto de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado pelo circulo n.º 13.

Foi admittida e ficou para ser enviada á commissão respectiva.

O sr. Presidente: — Consta na mesa que está anojado o sr. deputado por Leiria, convido os srs. secretarios da mesa a irem desanojar o nosso collega o sr. João Chrysostomo Melicio.;

O sr. Correia de Mendonça: —Pedi a palavra para chamar a attenção de s. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas, sobre um objecto importantissimo para os habitantes da cidade de Lagos, que faz parte do circulo que tenho a honra de representar n'esta casa.

Sr. presidente, a estrada de Lagos a Villa Nova de Portimão foi traçada e concluida de fórma, que ficaram contíguos á estrada até ao sitio denominado Telheiros (logo ao saír de Lagos) uns pantanos mixtos que como todos sabem, são a causa de febres paludosas que affligem as pessoas que habitam nas suas proximidades.

O deseccamento de taes pantanos é reclamado pelos habitantes de Lagos, cidade antigamente tão salubre, e tem merecido a attenção de differentes auctoridades, e entre ellas do actual illustrado governador civil que preside ao districto do Algarve.

Creio que s. ex.ª já expoz ao governo quão urgente era tal deseccamento, e que até já se mandára proceder ao orçamento das despezas necessarias para tal fim.

Espero que s. ex.ª, o sr. ministro de obras publicas, providencie de fórma que com urgencia se proceda á extincção de taes pantanos que, sendo consequencia de uma obra publica, deveriam ser deseccados por conta do governo. Espero que s. ex.ª não descurará um objecto de tal magnitude, é que este melhoramento com tanta justiça reclamado se effectuará com promptidão.

O sr. Arrobas: — Mando para á mesa um projecto de lei para ser creada uma comarca judicial em S. Thiago de Cacem.

O sr. Presidente: — Não está mais nenhum sr. deputado inscripto para fallar sobre a ordem do dia.

Continuam a estar inscriptos, para quando estiver presente o sr. ministro do reino, quatro srs. deputados.

Se alguns srs. deputados têem papeis a mandar para a mesa podem faze-lo.

Passa se á

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão das propostas apresentadas durante a discussão da eleição de Villa Verde

O sr. Presidente: — O unico sr. deputado inscripto para fallar era o sr. Luiz de Campos, mas tem a palavra para um requerimento o sr. Dias de Oliveira.

O sr. Dias de Oliveira: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se esta materia está sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Presidente: — A primeira proposta a votar é a do sr. Braamcamp, que é a que estava em discussão.

Diz assim (leu).

Foi approvada.

O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que tenham a bondade de se conservar de pé, para se poderem contar os votos nas votações que vão ter logar.

Segue-se uma proposta do sr. visconde de Moreira de Rey, para que se nomeie uma commissão de inquerito parlamentar, segundo os artigos da carta. É a seguinte (leu).

O sr. Francisco de Albuquerque: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara se quer que a votação ácerca d'esta proposta seja nominal.

Foi rejeitado este requerimento, e posta á votação a proposta, foi tambem rejeitada.

O sr. Presidente: — Segue-se a proposta do sr. Rodrigues de Freitas, concebida nos seguintes termos (leu).

Foi rejeitada.

O sr. Presidente: — Segue-se outra do sr. visconde de Moreira de Rey, que é a seguinte (leu).

Tenho a lembrar que o fecho d'esta proposta não é aceitavel, porque diz -passa á ordem do dia—, que é aquillo em que nós estamos.

Posta á votação, foi rejeitada.

O sr. Presidente: — A ultima proposta é do sr. Osorio de Vasconcellos, que diz assim (leu). Foi tambem rejeitada.

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O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do parecer n.º 4, ácerca da eleição de Ponte de Lima.

Leus na mesa e é o seguinte:

Pareoer n.º 4

Senhores. — A vossa primeira commissão de verificação de poderes examinou attentamente o processo eleitoral relativo ao 3.° circulo, Ponte de Lima, e vem apresentar-vos o seguinte parecer:

Concorreram á uma 2:940 eleitores, obtendo o cidadão Manuel Bento da Rocha Peixoto 2:929 votos, os quaes constituem maioria no numero real dos votantes.

Contra o processo eleitoral não houve protesto nem reclamação, porque correu em fórma legal.

Na assembléa do apuramento protestou João Augusto Malheiro e mais cinco cidadãos, dizendo: l.º, que o eleito Rocha Peixoto fôra o candidato indicado pelo governo, e por isso muitos cidadãos se abstiveram de votar; 2.°, que o mesmo Rocha Peixoto não tinha capacidade eleitoral, porque, estando indiciado criminoso, no julgado da Barca, por despacho de pronuncia confirmado tios tribunaes superiores, era inelegível— não podia votar, nem ser votado.

Este protesto foi logo contraprotestado por outros cidadãos, allegando que a eleição fôra livre, e que o eleito não estava indiciado em pronuncia passada em julgado.

Não allegaram os protestantes acto algum de violencia, fraude ou coacção que possa viciar ou tornar suspeita a eleição, e por isso entende a vossa commissão que o primeiro fundamento do protesto não tem valor nem merece consideração.

Quanto á incapacidade eleitoral allegada em rasão da pronuncia em processo criminal, é certo que pela disposição do artigo 6.° n.º 2.° do acto addicional, e pela do artigo 9.º § 3.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, que ainda hoje é a lei reguladora do direito eleitoral, não póde ser eleito deputado, nem votar nas assembléas primarias, o individuo que estiver interdicto da administração dos seus bens e o indiciado criminoso em pronuncia ratificada pelo juiz ou passada em julgado.

As disposição d'estas leis alterou, modificou, ou antes declarou a do artigo 67.° § 3.° da carta constitucional, que tambem excluia de votar e ser votado o cidadão pronunciado em querela ou devassa, mas não exije, clara e expressamente, que a pronuncia fosse definitiva. Hoje é doutrina corrente, ponto assentado em direito e em jurisprudencia, que a pronuncia não produz o effeito de suspender a capacidade eleitoral senão quando transita em julgado.

Quanto aos factos, consta do processo, que por despacho judicial de 8 de abril de 1870, proferido pelo juiz de direito dos Arcos, foram pronunciados criminosos, em que rela dada pelo ministerio publico, o presidente e cinco membro! da commissão do recenseamento eleitoral do concelho da Barca, porque sendo elles os que assignaram o livro do recenseamento, e os encarregados de fazer a revisão do mesmo recenseamento, são os responsaveis pela falta criminosa de se haverem inscripto indevidamente e com dolo muitos individuos que não deviam ser recenseados.

Pelo mesmo despacho foi tambera pronunciado criminoso, com admissão de fiança, o presidente da camara Manuel da Barca, Manuel Bento da Rocha Peixoto, por haver dirigido e aconselhado a indevida e dolosa inscripção no recenseamento politico de alguns cidadãos a que faltavam as condições legaes, e haver convertido em seu proveito e interesse proprio esta inscripção como deputado que ali se propoz na eleição de 13 de março do alludido anno. A lei invocada pelo juiz, para auctorisar a pronuncia, foi o artigo 128.° § 1.° do decreto de 30 de setembro de 1852 e artigo 40.° da lei de 23 de novembro de 1859.

O despacho da pronuncia, como dito fica, é de 8 de abril de 1870, e por certidão passada, a requerimento do ministerio publico, pelo escrivão do processo, em 21 de julho corrente, consta que n'esse dia tal despacho de pronuncia ainda não tinha sido intimado a nenhum dos iniciados criminosos; mas que, tendo sido intimado ao agente do ministerio publico, este aggravara para a relação do districto da parte do mesmo despacho era que foi admittida fiança aos indiciados, e em que não pronunciou outros individuos contra os quaes havia querelado. Este aggravo, interposto pelo agente do ministerio publico, não foi provido na relação, nem posteriormente fui attendido o recurso de revista que do accordão da relação interpoz para o supremo tribunal de justiça.

Qualquer que fosse a causa, a verdade é que o despacho de pronuncia a nenhum dos indiciados foi intimado, á quanto ao cidadão eleito tambera é verdade que nunca figurou no processo como requerente; d'onde resulta que, contra esse despacho, estão abertos ainda todos os recursos legaes, com effeito suspensivo, permittidos nos artigos 985.° e 996.° da reforma judiciaria. Assim o despacho da pronuncia não está definitivo, nem passou em julgado, e não póde produzir o effeito de suspender o exercicio do direito eleitoral.

Por estas considerações, a vossa commissão, attendendo que contra o cidadão Manuel Bento da Rocha Peixoto não se verifica a condição de haver pronuncia passada em julgado que possa exclui-lo de votar e ser votado; attendendo que, ainda depois do mesmo cidadão por proclamado deputado, o processo judicial da querela contra elle dada ha de correr os tramites legaes, e a camara tem ainda que pronunciar-se ácerca da licença para proseguir ou não a accusação, é de parecer que seja proclamado deputado e admittido a prestar juramento.

Sala da commissão, em 28 de julho de 1871. = José Maria da Costa e Silva— João Antonio dos Santos e Silva — Antonio Rodrigues Sampaio— Antonio Correia Caldeira — D. Miguel Pereira Coutinho— Ignacio Francisco Silveira da Mota= Antonio José de Barros e Sá.

Senhores. — O bacharel João Augusto Malheiro e mais cidadãos d'este concelho de Ponte de Lima, e circulo eleitoral, abaixo assignados, conhecedores de que no dia de hoje, 16 de julho, se tem de proceder á formação da assembléa de apuramento para a verificação de todo o acto eleitoral e publicação solemne do deputado que tem de representar na camara este circulo, não podem deixar de vir protestar, muito solemnemente, contra todo o acto eleitoral, apuramento e contagem de votos que nas diversas assembléa8 se fez a favor do bacharel formado em direito, Manuel Bento da Rocha Peixoto, que os supplicantes sabem ter sido o deputado indicado e protegido pelo governo, e sobre quem por influencia das diversas auctoridades recaíu a votação nas primeiras assembléas.

Os supplicantes, e ainda uma grande parte ou a maioria dos cidadãos d'este concelho, conhecendo as intenções do governo, que não só recommendou por via de seus delegados, mas ainda protegeu a candidatura do mencionado Manuel Bento da Rocha Peixoto, que n'este districto se inculcava ainda acima do proprio ministro, a quem queria mandar, se abstiveram de concorrer ao acto eleitoral, prescindindo de um direito que a lei fundamental do estado lhe garantia, com o fim premeditado de virem protestar contra a eleição de similhante deputado, era quem a maioria do concelho não votou, renunciando o seu direito, para não sanccionar um acto de tanta immoralidade.

O decreto de 30 de setembro de 1852 e lei de 23 de novembro de 1859 considera elegiveis todos os cidadãos que têem o direito de votar, sem condição de residencia, domicilio ou naturalidade. Se porém o cidadão não póde votar nas assembléas primarias, não póde ser eleito deputado, e quando o seja, ou sobre elle tenha recaído uma votação, mesmo unanime, esse acto é nullo e illégal, é mesmo um escandalo e uma offensa directa á lei e aos tribunaes.

O bacharel Manuel Bento da Rocha Peixoto está privado do direito de votar nas assembléas primarias, porque muito expressamente é excluido pelo decreto de 30 de setembro de 1852, artigo 9.°, n.º 2.°, achando-se como se

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acha pronunciado em crime de falsificação, no julgado da Barca, de que tomou conhecimento o juiz de direito da camara.

O despacho proferido no requerimento que se junta prova em demasia a existencia de um processo e de uma pronuncia, existindo em segredo, porque nem o réu se apresentou á prisão, nem buscou afiançar-se.

Dada a pronuncia, dá-se a exclusão do direito de votar, e não podendo votar não póde ser eleito deputado.

Se o decreto de 30 de setembro de 1852, nas circumtancias especiaes do caso, considerava o bacharel Manuel Bento da Rocha Peixoto inhabil para o cargo de deputado, da mesma fórma a carta constitucional e acto addicional o julgava incapaz, como é expresso no artigo 7.° e artigo 6.° n.º 2.°, que diz assim: «Os que estiverem interdictos da administração de seus bens, e os indiciados em pronuncia ratificada pelo juiz ou passada em julgado».

É de presumir que se pretenda argumentar, com as expressões da lei «pronuncia ratificada pelo jury, ou passada em julgado», circumstancia que se não verifica no bacharel Manuel Bento da Rocha Peixoto, a quem ainda o despacho de pronuncia se não intimou.

E realmente a maior das immoralidades, que o criminoso faça gala do seu crime, que se apresente perante uma auctoridade administrativa, e que esta, desprezando os seus deveres, não o entregue, sem ordem que não precisa, no poder judiciario e ao rigor da lei, para que se não lembre d'esta e dos tribunaes que sustentaram a decisão do jury de primeira instancia.

A falta de intimação do despacho de pronuncia não obsta a que se formule a exclusão do deputado e menos a ratificação da mesma pelo jury, porque esta foi suspensa pela lei de 28 de novembro de 1840, e aos tribunaes superiores concedidas as attribuições que estavam antes no jury de pronuncia, de fórma que, achando-se no acto addicional da carta ainda a idéa da ratificação dá pronuncia pelo jury, segue-se que para a exclusão basta hoje que não existe o jury de pronuncia a existencia da confirmação superior.

O despacho que pronunciou o bacharel Manuel Bento da Rocha Peixoto já teve confirmação superior, porque tendo corrido todos os tribunaes, em ultima instancia foi denegada a revista, dando-se d'esta fórma a formal confirmação do despacho que o pronunciou, e não se diga que elle não figurou, recorrendo ou sendo recorrido, porque os tribunaes onde subiu o processo que d'elle tratava, tiveram de apreciar o despacho como apreciaram, confirmando pela denegação da revista.

Por estas considerações, e tendo os supplicantes em vista que seria um escandalo tomar assento na camara o homem envolvido no crime de falsidade, e considerando que a confirmação do despacho de pronuncia é ponto definido, vem trazer a esta assembléa de apuramento seu protesto, não para obstar á que a assembléa o considere eleito deputado, porque não está nas suas attribuições apreciar a capacidade eleitoral do individuo, mas sim para ficar consignada na acta a existencia de seu protesto, e ser enviado ao. governo, a fim de que, presente á junta preparatoria da constituição da camara, por esta possa ser apreciado, por ser o tribunal competente para conhecer da capacidade eleitoral do individuo, nos termos do artigo 104.º do citado decreto de 30 de setembro de 1852.

Ponte de Lima, 16 de julho de 1871. = João Augusto Malheiros = João Afonso Pereira Lima- Gabriel Antonio de Sousa — Francisco Joaquim Gonçalves Pereira = Manuel José da Rocha.

Os eleitores d'este circulo eleitoral, recenseados n'esta villa, abaixo assignados, tendo agora conhecimento do protesto apresentado por alguns eleitores d'este circulo contra o apuramento dos votos que recaíram no bacharel Manuel Bento da Rocha Peixoto, vem por este meio, e pelo modo mais solemne, apresentar este contraprotesto firmado nas seguintes rasões:

Porque foi espontaneamente eleito pela quasi totalidade dos eleitores d'este circulo, sem interferencia alguma do governo e das suas auctoridades;

Porque o protesto é contradictorio e sem prova alguma do que se allega apresentado;

E finalmente porque o cidadão Manuel Bento da Rocha Peixoto é elegivel, porque a carta constitucional no artigo 9.° § 2.° só declarava inelegíveis por se acharem suspensos dos direitos politijos os que fossem condemnados por sentença condemnatoria a prisão ou degredo, emquanto durarem os seus effeitos, mas o acto addicional á mesma sé julga inelegíveis os indiciados em pronuncia ratificada pelo jury ou passada em julgado, palavras que copiou, e de que se serviu o decreto eleitoral no artigo 10.° com referencia ao antecedente; casos que aqui se não dão, nem mesmo se provam.

Assim pois, repellindo as expressões menos convenientes que o despeito e inimisade politica fez escrever contra aquelle cidadão, vem apresentar este contraprotesto para ser mencionado na acta, e acompanhando-a ser devidamente apreciado pela junta preparatoria da camara dos senhores deputados.

Ponte de Lima, 16 de julho de 1871. = Antonio de Magalhães Barros de Araujo Lima = Adelino Augusto Gonçalves = Thomás José de Faria = Lino Augusto de Araujo Magalhães Barros = José de Abreu Maia = José Epiphanio Rodrigues de Moraes = Manuel Antonio da Silva Li-ma = João Antonio Lopes.

Vistos estes autos, os depoimentos das quatorze testemunhas inquiridas e perguntadas n'este summario, desde fl. 93 até 116, combinadas com os tres corpos de delicto a fl. 8, 24 e 32, e autos de investigação a fl. 43, 49 e 58 e documentos juntos, especialmente os a fl. 15, 17 e 20, e os de fl. 55, 57 e 66, resulta de tudo isto suffiçiente e legal prova indiciaria para obrigar, como obriga, á prisão e livramento, não só ao presidente e mais membros da actual commissão do recenseamento politico do concelho da Barca, d'esta comarca, D. Francisco de Faro, Francisco Joaquim de Abreu e Sousa, Manuel Monteiro da Costa Lobo, Francisco Antonio da Fonseca e Brito, Manuel da Costa Pereira Malheiro e João Antonio Alvares Pereira do Magalhães, todos da villa e julgado da Barca, os quaes, como se vê a fl. 34 v; foram os que assignaram e rubricaram esse livro do recenseamento do corrente anno de 1870, e que, como encarregados de fazer a revisão do tal recenseamento, são sem duvida os responsaveis pelo facto criminoso de n'elle haverem inscripto indevidamente e com dolo muitos cidadãos que não podiam nem deviam ser recenseados, especialmente pela falta de legal censo, como mostra o já dito exame a fl. 36, combinado com os documentos a fl. 55, 66 e 67, e o attestam as testemunhas do summario; mas tambem obrigam ao actual presidente da camara municipal d'aquelle concelho, Manuel Bento da Rocha Peixoto, que os autos attestam ser quem dirigiu, aconselhou e por acto immediato tomou parte n'essa indevida e dolosa inscripção, que converteu em proveito e interesse proprio, como deputado 'que ali se propoz n'essa ultima eleição de 13 de março ultimo, o que assim é positiva e expressamente incriminado pelo artigo 128.° § 1.° do decreto de 30 de setembro de 1852, e por isso com fiança, que a todos admitte, nos expressos termos do artigo 40.° da lei 23 de novembro de 1859, que revogou o artigo 150.° do dito decreto.

Nem se pretenda que tal delido seja abrangido pela penalidade do artigo 133.º do citado decreto, porque este refere-se positiva e taxativamente á falsificação dos cadernos enviados ás assembléas eleitoraes, nos cadernos, actas e mais papeis remettidos ás assembléas de apuramento e era geral em todos os documentos respectivos aos recenseamentos; e o facto referido não está era nenhum d'estes, porque

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é a inscripção indevida e dolosa no recenseamento original, expressa e designadamente determinada no já citado artigo 128.° § 1.° do citado decreto, e não carece de demonstração alguma que as leis penaes não admittem applicação extensiva.

Todas as outras irregularidades e contravenções respectivas ao já dito recenseamento, que os autos apresentam, sendo como são incriminados pelos respectivos artigos das Citadas leis, o especialmente pelo artigo 127.º do citaio decreto de 1852, e aitigo'43.° e seguintes da citada lei de 1859 com penas pecuniarias, e por ellas era incompetente, apresente processo de querela, e como tal o declaro na fórma expressa no artigo 143.° § 1.° do citado decreto.

Era tal caso estão pois:

1.° Não se achar o livro do recenseamento de 1870 assignado e rubricado pelo respectivo administrador do concelho da Barca (artigo 29.° § 2.° do citado decreto);

2.° Não terem os membros da respectiva commissão assistido pelo menos em maioria a toda a revisão d'esse recenseamento (artigó 121.° do citado decreto);

3.° Não se terem anisado as copias authenticas do mesmo recenseamento nas portas das igrejas para as legaes reclamações (artigo 30.° do citado decreto);

4.º Não existirem as certidões de affixação e as copias na respectiva repartição (artigo 37.° § 2.° do citado decreto);

5.° Não se ter feito patente esse livro do recenseamento no local das sessões da commissão e no archivo da respectiva camara municipal, e antes haver-se occultado e subtrahido d'ali contra o que dispõem os artigos 130.° § unico, e 37.° § 2.° do citado decreto;

6.° Não se haverem passado as certidões do recenseamento que por differentes individuos foram pedidas em prasos que as leis marcam (artigos 79.° e 125.° do citado decreto);

7.° Finalmente haver-se feito obra por esse recenseamento assim irregular, procedendo-se por elle á eleição de deputados n'aquelle concelho no dia 13 de março findo e não pelo do anno anterior de 1869, que era o legal, na fórma do artigo 37.° § 3.° do citado decreto e artigo 18.° § unico da citada lei, havendo-se até a respectiva commissão recusado a cumprir a intimação que para tal fim lhe foi feita em 11 do mesmo março, o que é tambem incriminado pelo artigo 188.° do codigo penal correccionalmente. Todo este montão de illegalidades são tambem aggravantes d'esse facto principal de indiciação referida contra os querelados já mencionados. Não obrigam porém a outro qualquer individuo, nem mesmo a esses que se diz escreveram no respectivo livro, porque quando mesmo isto se verificasse, o que o summario não mostra em devida e legal fórma, existe a justa presumpção de que não obraram senão como meros instrumentos da respectiva commissão que os encai regou e retribuiu, e por isso sem dolo e elemento constitutivo d'aquelle delicto, na fórma expressa no artigo 128.° § 1.° do citado decreto de 1852.

Lance pois o escrivão os nomes de todos os individuos no respectivo relatorio, e passe contra todos competentes mandados de captura, que por termo nos autos entregará ao ministerio publico, que intimará desde já para os effeitos legaes, bem como aos individuos, quando forem presos ou afiançados, pois que fica o summario encerrado.

Arcos, 8 de abril de 1870. = José Augusto Osorio Sarmento Mosqueira.

Ill.mo e ex.mo sr. — Diz o agente do ministerio publico n'este juizo, que pretende aggravar respeitosamente do despacho ultimamente proferido nos autos de querela do ministerio publico contra a commissão recenseadora da Barca e outros de que é escrivão Alves, por entender offendido parte do artigo 133.° do decreto de 30 de setembro de 1852 e lei de 1859 (de 23 de dezembro) emquanto admitte fiança, e outros muitos do dito decreto e lei citados na querela na parte em que não indiciava todos os querelados como tudo mais explicitamente mostrará competentemente. — Escrivão, Alves.

Pede a v. ex.ª se digne mandar que junto aos autos se lhe tome o competente termo de aggravo de instrumento para a respectiva relação do districto, e se sigam os maisao fim pretendido--E. R. M. —Abril, 9 de 1870. = O delegado, Aluísio Guilherme Pereira de Faria.

Junte aos autos, e estando em tempo tome por termo o aggravo requerido, e siga os termos.

Arcos, 9 de abril de 1870. — Mosqueira.

Domingos José de Faria, escrivão e tabellião de um dos officios de direito n'esta villa e comarca dos Arcos de Valle de Vez, por Sua Magestade Fidelissima, que Deus guarde, etc.

Certifico a exigencia do dr. Aluísio Guilherme Pereira de Faria, delegado do procurador regio n'esta mesma villa e comarca: que no meu poder e cartorio existem uns autos de querela publica intentada pelo ministerio publico, n'esta dita comarca representado por aquelle doutor delegado; que por virtude d'esta querela e por despacho n'eila proferida em 8 de abril de 1870, ficaram pronunciados com admissão de fiança, não só o presidente e mais membros da actual commissão do recenseamento politico do concelho da Barca, tambem d'esta comarca, D. Francisco de Faro, Francisco Joaquim de Abreu e Sousa, Manuel Monteiro da Costa Lobo, Francisco Antonio da Fonseca e Brito, Manuel da Costa Barbosa Pereira Malheiros e João Antonio Alvares Pereira de Magalhães, todos da villa e julgado da Barca, em rasão de serem estes os que assignaram e rubricaram o livro do recenseamento no anno referido de 1870, no qual se acham inscriptos indevidamente e com dolo muitos cidadãos que não podiam nem deviam ser recenseados, especialmente pela falta de legal censo, mas tambem o presidente da camara municipal d'aquelle concelho, Manuel Bento da Rocha Peixoto, por ser como os autos attestam, quem dirigiu, aconselhou, e por acto immediato tomou parte n'essa ndevida e dolosa inscripção, que converteu em proveito e interesse proprio, como deputado que ali se propoz na eleição de 13 de março do alludido anno.

Que do mencionado despacho de pronuncia recorreu por aggravo de instrumento para a relação d'este districto do Porto o mesmo doutor delegado, na qualidade de agente do ministerio publico, por entender offendido parte do artigo 133.° do decreto de 30 de setembro de 1852 e lei de 23 de novembro de 1859; que em 12 de julho do anno findo de 1870 requereram os mencionados presidente e membros da commissão de recenseamento, sómente, que o processo de que se trata ficasse sem effeito em virtude do artigo 1," do decreto de 6 de junho do fallado anno findo, publicado no Diario do governo n.º 126; que esta pretensão lhes foi indeferida por despacho de 16 do dito julho; que os preditos presidente e membros da commissão requereram, em 29 d'aquelle julho se lhe mandasse tomar termo de appellação para a relação do Porto, do supradito despacho; e sendo-lhes ainda indeferida esta pretensão por despacho de 30 do mesmo julho, interpozeram então aggravo de instrumento, que lhes foi attendido; que tanto este aggravo como o outro, interposto pelo agente do ministerio publico, foram competentemente reméttidos para a relação do Porto, não constando do processo que algum d'elles se ache decidido; que em vista do que deixo relatado, entendo que o despacho de pronuncia ainda não passou em julgado; que este ainda não foi intimado a algum dos individuos pronunciados, o que me parece por ter havido recurso; e que não havendo no processo outros termos posteriores vejo que não tem seguido, mas não é das minhas attribuições saber a rasão.

Arcos de Valle de Vez, 21 de julho do anno de 1871. E eu, Domingos José de Faria, escrivão, a escrevi e assigno. = Domingos José de Faria.

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O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa a minha moção de ordem.

«E ao mesmo tempo concede licença para que o processo a que este parecer se refere possa continuar.»

Aceito os fundamentos em que a commissão baseia o seu parecer.

Entendo que, segundo a lei eleitoral e o acto addicional á carta, os eleitores tinham direito de eleger o sr. Manuel Bento da Rocha Peixoto emquanto a sua pronuncia não fosse ratificada pelo jury ou não tivesse passado em julgado, e que a camara não póde por esse motivo invalidar a sua eleição nem negar-lhe o direito que tem de tomar assento no corpo legislativo.

Tem-se porém admittido a praxe n'esta casa, que me parece inteiramente contraria ao fim para o qual a garantia dada aos deputados foi estabelecida.

Quando a constituição poz os membros do corpo legislativo ao abrigo de qualquer accidente que os podesse sujeitar ao poder judicial, que é independente, não tsve em vista de maneira nenhuma dar um privilegio especial ás pessoas que podessem achar-se obrigadas a provarem a sua innocencia perante outro poder, que não é o que faz as leis.

V. ex.ª sabe que este artigo marcado na constituição teve seu fundamento nos actos do poder despotico nos tempos em que a soberania popular não tinha ainda adquirido nem o imperio nem o poder que actualmente tem na vida da sociedade, e o seu fim foi unicamente privar o poder executivo do abuso de por um accidente ou por uma ficção poder arrancar ao seio da representação politica qualquer dos seus membros que lhe podessem ser incommodos, como aconteceu em França com mr. Désprémenil, facto que é do conhecimento de todos os srs. deputados. Foi isto que deu logar a que a assembléa dos notaveis declarasse a inviolabilidade de todos os seus membros. E d'ahi passou o principio para todas as constituições.

V. ex.ª ha de permittir-rae que dê logar a que se acalme uma especie de agitação que ha á roda de mim, porque não desejo de maneira alguma lançar este debate fóra do campo em que me parece que deve ser mantido.

Eu não creio que as garantias dadas á representação nacional tenham por fim abolir um principio da constituição, que diz que a lei é igual para todos, quer premie quer castigue.

Se podessemos admittir o contrario, seria transportar em 1871 para o parlameuto o direito de asylo e converter a camara dos deputados em couto de frades. Todavia não é a intenção da garantia dada aos membros do corpo legislativo.

O sr. Manuel Bento da Rocha Peixoto acha-se obrigado a provar perante o poder judicial, que é innocente de um crime, pelo qual foi pronunciado juntamente com outros cidadãos. Se por acaso a camara dos deputados não tem o proposito firme, approvando esta eleição, de dar o primeiro passo para que a acção das leis vá caír sobre os cidadãos que estão igualmente implicados com o sr. Rocha Peixoto no crime de que elle é accusado, parece me que não deve ter duvida em consignar desde já no processo da eleição, que ao mesmo tempo concede licença, que necessariamente lhe deve ser pedida, para que o poder judicial que ha de julgar os seus cumplices, o julgue ao mesmo tempo do crime de que é accusado.

De certo não faria estas considerações á camara e confiaria plenamente em que a camara, quando lhe fosse pedida a licença para que é processo possa continuar, não hesitaria em a conceder, se não visse um aresto do supremo tribunal de justiça, que a camara applicou ao sr. Pinto Bessa, contra quem votei na occasião em que um parecer igual lhe negava a licença para continuar o processo; se a camara, digo, não tivesse admittido aquelle aresto que dá por finda e acabada, com a negação da licença, a causa crime instaurada contra qualquer deputado.

Desde que o supremo tribunal de justiça assentou este aresto e que a camara dos deputados, no parecer n.º 2, que tenho diante de mim, o reconheceu, é da minha obrigação provar perante o paiz que, dando um voto em harmonia com as prescripções legaes da lei, não voto o principio immoral de que os deputados representantes do povo estão ao abrigo da responsabilidade a que estão sujeitos perante um poder, que é independente, e principalmente no caso sujeito, quando o processo já continua, n'esse poder, contra os iniciados no mesmo crime.

V. ex.ª ouviu ha dias, e eu tambem ouvi, que tem havido necessidade de se lançar mão de meios violentos para reprimir certas tendencias que se dizem existir na nossa sociedade e que podem importar um facto muito para lamentar lá fóra. Eu digo que, para reprimir essaa tendencias, o remedio que nós temos, que está á nossa disposição, é dar exemplo em todos os actos que partem das estações mais elevadas.

Não desejo tomar mais tempo á camara. A minha moção de si é simples; o meu animo está de tal maneira desmedido de qualquer sentimento que não seja o desejo de fazer respeitar a representação nacional, que eu por emquanto me abstenho de fazer considerações, que mais tarde tenha a fazer, se por acaso as minhas idéas ou os principios que aqui expuz, e que estão perfeitamente em harmonia com os nossos deveres como representantes do paiz e em desempenho da commissão de que fomos encarregados, forem combatidos.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara concede ao mesmo tempo licença para que o processo instaurado contra o sr. deputado Manuel Bento da Rocha Peixoto, a que se refere este parecer, possa continuar.

Sala das sessões, 4 de agosto de 187l. = Barros e Cunha.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Peço perdão á camara de interromper esta discussão, ainda que momentaneamente, para mandar para a mesa a seguinte proposta de lei (leu).

Peço a v. ex.ª, em conformidade do costume, a urgencia d'esta proposta.

Leu-se na mesa e foi enviada á commissão de fazenda a seguinte proposta:

N.° 5-Y

Senhores. — A cobrança do real de agua na cidade do Porto sendo effectuada nas barreiras produzirá o excellente resultado de tornar mais productivo o imposto, menos vexatorio e mais proporcional.

O custeio d'aquella cobrança passa a fazer parte das despezas já existentes com a fiscalisação da alfandega, e dispensa por conseguinte os encargos addicionaes resultantes do systema actualmente em vigor. Importantes corporações da cidade do Porto têem representado no sentido da medida indicada, e muitos habitantes d'aquella cidade têem manifestado a sua opinião no mesmo sentido.

Por todas estas rasões tenho a honra de submetter á vossa consideração a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° O imposto do real de agua sobre o vinho e mais bebidas alcoolicas e fermentadas que entrarem para consumo da cidade do Porto, será cobrado nas barreiras juntamente com o imposto estabelecido pelo decreto com força de lei de 30 de junho de 1870.

Art. 2.° A taxa a que ficam sujeitos o vinho e mais bebidas alcoolicas e fermentadas, reunidos os dois impostos, nos termos do artigo antecedente, é a seguinte:

Vinho e geropiga—110 réis por decalitro.

Aguardente e mais bebidas espirituosas — 260 réis por decalitro.

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Cerveja e mais bebidas fermentadas —100 réis por decalitro.

Vinagre — 60 réis por decalitro.

Art. 3.° São isentos do imposto de que trata o artigo 2.°:

1.° As bebidas nacionaes que entrarem por uma e saírem immediatamente por outra barreira;

2.° As bebidas estrangeiras que tiverem pago os direitos de importação pela pauta geral das alfandegas, quando forem superiores aos direitos de consumo em vigor.

Art. 4.° O vinho e geropiga destinados á exportação pagarão unicamente 60 réis por decalitro.

§ 1.° A mesma taxa pagará a aguardente nacional que tiver o peso de 6 graus e d'ahi para cima, segundo o areometro de Tessa, e for destinada para beneficiação do vinho de embarque.

§ 2.° Os armazens dentro da cidade do Porto em que se depositarem liquidos destinados á exportação ficarão sujeitos á fiscalisação da alfandega.

Art. 5.° As bebidas alcoolicas, cerveja e mais bebidas fermentadas que se fabricarem dentro de barreiras na cidade do Porto, ficam sujeitas ao imposto do real de agua nos termos da lei de 27 de dezembro de 1870.

Art. 6.° Será tambem cobrado nas barreiras o imposto do real de agua das carnes que entrarem para consumo da cidade do Porto.

§ unico. Exceptua-se o imposto da carne do gado abatido no matadouro municipal, que será pago na alfandega do Porto.

Art. 7.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio da fazenda, em 4 de agosto de 1811. = Carlos Bento da Silva.

O sr. Barros e Sá: — O parecer não foi impugnado; escusado é pois occupar-me da sua defeza.

Emquanto ás considerações expostas pelo illustre deputado que me precedeu, tenho a dizer que tanto eu, como os mais membros da commissão, as aceitamos em principio, porque são de verdade incontestavel, mas não concordamos na applicação que actualmente se lhes pretende dar.

Não é occasião propria para resolver que o processo criminal progrida ou não progrida. Ha de tratar-se d'essa materia a seu tempo, quando á camara for remettido o processo nos termos da lei. Hoje não temos elementos para apreciar e resolver.

A commissão foi tão cautelosa que preveniu o argumento e a objecção, dizendo n'um considerando especial que a camara havia ainda, e a seu tempo, resolver ácerca da continuação da accusação.

A admissão do deputado eleito não importa a sustentação do processo; pelo contrario muito expressamente se diz que tal materia ha de ser tratada ainda. O processo ha de seguir os preceitos legaes, ha de vir á camara, e então esta resolverá o que for justo.

Dizer-se desde já que se concede licença para a accusação é sentenciar sem ver nem ter o processo, que nós não temos, que está ainda no juizo.

Estamos de accordo quanto aos principios, não concordámos na applicação. A moção pecca por extemporanea.

O sr. Correia Caldeira: — Tinha pedido a palavra para o fim exclusivo de declarar a v. ex.ª e á camara, que o sr. deputado eleito, Manuel Bento da Rocha Peixoto, me encarregou, no caso de que a eleição fosse contestada, de declarar á camara que entregava á sua imparcialidade a resolução sobre o assumpto, sem que elle pela sua parte julgasse necessario vir á barra defender a sua eleição.

Quanto á proposta apresentada pelo sr. Barros e Cunha, cujos sentimentos liberaes sou o primeiro a reconhecer, entendo que é completamente inoportuna a occasião para nos occuparmos d'este assumpto. Quando o processo for remettido á camara, v. ex.ª sabe que elle ha de ser remettido a uma commissão, que essa commissão ha de apresentar o seu parecer, e que sobre esse parecer é que ha de recaír a discussão. Sem isto é completamente inoportuna a discussão a esse respeito.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Principio por declarar a v. ex.ª e á camara, que o meu maior desejo é que esta eleição seja approvada sem difficuldade e depois de pequena discussão.

Eu tenho este innocente desejo, porque é esta eleição a que, no meu modo de pensar, representa melhor a politica do governo e os seus actos eleitoraes; porque é ella a que com mais rigorosa exactidão exprime as idéas de legalidade e os principios de moralidade politica do ministerio actual.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Apoiado.

O Orador: — Ministerialmente considerado, o cidadão eleito por este circulo não é simplesmente um eleito como qualquer dos outros, que a contento do governo vieram tomar assento n'esta casa. Este é o filho dilecto da politica do sr. marquez d'Avila; é o seu mais genuino representante; é o reflexo vivo das suas altas qualidades politicas; é finalmente o seu encarregado de dirigir as eleições, o general de plano e de execução das mais notaveis operações. Emfim o sr. ministro do reino creou, e teve este eleito, como logar tenente eleitoral nas provincias do norte.

Desde que a camara, na sua alta sabedoria, recusou a commissão de inquerito para tomar conhecimento das accusações gravissimas que eu hontem aqui annunciei, a logica pede, a coherencia exige, que o director eleitoral nas provincias do norte seja admittido n'esta casa, e que a sua eleição, embora soffra uma pequenina impugnação, não encontre todavia obstaculo nem escrupulos na approvação definitiva.

Vamos, senhores, edificar este paiz, assombrando o com a lei e com a moralidade! Nada de hesitações nem de pueris escrupulos! Mostremos claramente que tendo nossos paes, com grande esforço, com grande trabalho, com grave risco de suas vidas, em grande numero sacrificadas, e com a ruina dos seus bens e fortunas, extinguido aquelles privilegios proprios e indispensaveis da idade media e do feudalismo, tendo desapparecido das nossas leis e da nossa sociedade o direito de asylo e aquelles privilegios de couto e asylo, que tinham o poder de absolver os maiores crimes; nós inventâmos e praticâmos no systema representativo um novo asylo, um novo refugio contra todos os crimes e contra todos os peccados, subtrahindo á acção da justiça o criminoso pronunciado, não como co-réu ou mero cumplice, mas como aquelle que dirigiu, aconselhou e induziu os outros, e que, segundo diz o processo, foi o unico que tirou proveito e em interesse proprio converteu a falsificação sobre que existe a pronuncia...

O sr. Alfredo da Rocha, Peixoto: — O processo não falla em falsificação.

O Orador: — Ouço n'um áparte affirmar-se que não é falsificação; vou ter algumas palavras do despacho de pronuncia, e conhecendo nós a operação feita, não será difficil descobrir o nome que verdadeiramente lhe cabe (leu).

Talvez eu me engane no termo (não seria isso muito para estranhar em quem, como eu, pouca pratica e pouco uso tem das palavras forenses e da terminologia judicial); todavia, se isto não é falsificar, será talvez proceder exacta, rigorosa e verdadeiramente conforme á verdade e á realidade dos factos. Pensei que a este respeito não poderia haver duas opiniões, mas visto que a divergencia apparece, não a estranharei; limito-me a torna-la bem saliente.

Pelo facto de se inscreverem indevidamente, e com dolo, muitos cidadãos que por lei não podiam ser inscriptos, o recenseamento não fica falsificado. Segundo a theoria do illustre deputado, que me dirigiu o áparte, fica perfeito, fica exaclissimo, fica apreciavel, e fica sobretudo muito util para trazer a esta casa um cidadão eleito, que de certo sem essa operação não viria aqui, porque, a poder vir sem a praticar, e de suppor que em seu juizo não a praticára.

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Os factos são estes. Cada um seguirá a opinião que quizer. Mas a classificação do facto incriminado existe feita no despacho de pronuncia, e a esse respeito não ha duvida, porque o despacho de pronuncia foi remettido a essa camara, e está transcripto e foi impresso conjunctamente com este parecer.

Os individuos que foram mandatarios, que foram instrumentos do crime, que cederam ás instigações do sr. deputado eleito, acham-se pronunciados! Contra elles prosegue sem duvida alguma o processo instaurado. Agora o mandante, o inventor do crime, o que do crime usou para seu interesse e com elle aproveitou, segundo diz o despacho de pronuncia; o que por acto immediato tomou parte n'esta dolosa inscripção, e assim se fez eleger deputado; esse entra n'esta camara, recebe a investidura do privilegio que o separa dos outros pronunciados, e vem fazer leis em vez de ir soffrer as penas a que pelas leis está sujeito! Isto póde ser? A illustre commissão diz que mais tarde a camara ha de occupar-se da grave questão, se ha de dar, ou não, para a continuação do processo, a licença que a camara affirma, quando a recusa, que não terá outro effeito senão suspender a accusação; mas que tem o effeito de extinguir a accusação, porque a camara sabe perfeitamente, e a este respeito não póde allegar a menor ignorancia, que o poder judicial, livre e independente, julga que depois da negação da licença, por parte da camara, todo o processo criminal fica extincto e não póde reviver.

Se uma lei d'este paiz me obrigasse a votar forçosamente a conclusão d'este parecer, como parecem acredita-lo os illustres membros da commissão de verificação de poderes, que muito respeito; se uma lei do paiz, repito, me obrigasse a este voto indubitavel e inquestionavelmente; eu não hesitaria longo tempo, pois logo que perdesse a esperança de poder revogar uma lei tão injusta e immoral, trataria de empregar os meios para deixar de pertencer a um paiz que quizesse ter leis de tal ordem. Mas não ha, felizmente, lei nenhuma que nos obrigue a um voto que á consciencia repugna.

Nós não estamos aqui em tribunal de policia correccional. Cora relação ao objecto que tratámos temos funcções muito mais altas a desempenhar, e com maior latitude, do que tem um simples juiz encarregado de applicar a lei. O juiz tem de se restringir o mais possivel ás palavras da lei, e não tem a mesma liberdade de acção para recorrer ao seu espirito, e nem póde preferi-lo ao rigor stricto da letra.

Nós estamos n'uma posição diversa, quasi opposta. Não só fazemos as leis, mas somos parte principal e integrante do poder encarregado de as interpretar o de lhes fixar o verdadeiro sentido.

Temos portanto de dar uma decisão que seja rigorosamente conforme com o espirito do legislador, com a idéa que presidiu á lei que se acha feita, e não podem aqui prender-nos duvidas mais ou menos plausiveis, sophismas mais ou menos subtis, com que a habilidade ainda a mais rara ou o talento mais superior tentem destruir o fim da lei e a idéa do legislador, a pretexto de se respeitar a palavra escripta.

A illustre commissão limita os seus argumentos com a maxima habilidade de que todos os seus membros são dotados; eu comprehendo este procedimento; causa tão injusta, defendida por tão habeis patronos, não podia ter outro meio de defeza. Aqui a maxima simplificação era para a defeza a primeira necessidade.

Diz a commissão: «O acto addicional e o decreto eleitoral dizem = pronuncia passada em julgado. A pronuncia não passa em julgado senão depois de intimada; e a pronuncia n'este processo não foi intimada aos pronunciados, apenas intimaram o despacho ao ministerio publico =. É este o argumento.

A illustre commissão reconhece tanto a irregularidade d'este processo, que na historia forense póde de certo citar-se como caso unico, sente tanto a impossibilidade juridica da falta de intimação que acrescenta: «Não queremos saber porque.» Este é realmente o extremo da simplificação!. D'aqui não póde passar-se!

Vejamos as proprias palavras da commissão. «Qualquer que fosse a causa, a verdade é que o despacho de pronuncia a nenhum dos indiciados foi intimado».

Eu concordo, mesmo sem ver o processo e só pelo inteiro credito que me merecem os membros da commissão, que não ha a certidão lavrada pelo escrivão do processo de que intimou o despacho de pronuncia. Até ahi vou eu, e posso ir. Mas no que não concordo, á vista da lei, e muito, principalmente como membro do poder legislativo, é em que não ha outra especie de intimação que não seja a lavrada pelo escrivão e assignada pelas pessoas intimadas. N'este ponto separo-me completamente.

Sr. presidente, permittam-me os illustres membros da commissão, por quem, repito, eu tenho a maxima consideração e respeito, que lhes diga, que estes argumentos não são para aqui; podem ser admissiveis n'um tribunal stricti júris onde as attribuições do juiz estão por lei e pela natureza do seu poder, muitissimo limitadas; mas não podem admittir-se aqui perante uma camara, que faz parte do poder que legisla e interpreta as leis, e que exerce, como attribuição exclusiva, esta dupla e importantissima funcção.

Na terminologia juridica que estudei, e na pratica forense em que lido, ha differença muito sensivel entre citação, notificação e intimação.

Cito mesmo para auctorisar a minha opinião, ao acaso, a reforma judiciaria excelentemente anotada pelo sr. Castro Netto.

Diz elle em a nota ao artigo 194.°: «Citação é o chamamento para o principio de uma causa; notificação e chamamento para essa causa proseguir; e intimação a noticia, de. qualquer acto da. causa».

Portanto, estar ou não intimado para o fim da lei um despacho de pronuncia, ou qualquer acto de um processo, não tem outra significação que não seja o saber-se, que o intressado ou o pronunciado, teve d'esse acto ou do despacho que o pronunciou completa noticia. A intimação não é nada mais do que a notícia de um acto de qualquer causa;, se essa noticia existiu, a intimação para o fim da lei, para a intenção do legislador, está indubitavelmente feita.

O sr. Correia Caldeira: —Será bom dizer noticia official.

O Orador: — Fazendo a vontade ao meu illustre collega com o maior prazer direi =a notícia official =.

A regra de direito estabelecida em todas as nossas leis. de processo, tanto nas antigas, como nas actuaes, em relação a recursos muito mais importantes, do que são os aggravos, nos recursos de appellação é a seguinte:

Artigo 681.°§ 13.° da novissima reforma judiciaria: «Não póde appellar o que consentiu na sentença expressa ou tacitamente, ¡obrando algum acto que mostre approvação; o que confessou judicialmente; e o que transigiu sobre o julgado».

Pelos §§ 2.° e 3.° do mesmo artigo 681.° da novissima reforma judiciaria a publicação da sentença na presença das partes, ou dos seus procuradores, suppre a intimação, porque desde a publicação em audiencia correm, e se contam n'esses casos os prasos dos recursos.

Já se vê que mesmo nos tribunaes onde são mais restrictas as attribuições, é inadmissivel a doutrina da illustra commissão, que singularmente sustenta, que não póde haver intimação sem a certidão do escrivão que intimou ou sem o acto do escrivão intimar.

Para a lei a unica cousa essencial é a noticia do acto a intimar, é a certeza de que essa noticia existiu, não é nem póde ser a exigencia de que seja o escrivão quem dê a noticia, nem de que a affirme por certidão.

No campo em que esta camara se acha enllocada, com as suas attribuições amplíssimas, mais inadmissivel é esta singular doutrina. Em presença do espirito, da lei cumpre

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nos apenas examinar se o deputado eleito teve ou não teve noticia do despacho de pronuncia.

Este despacho, dizem os documentos impressos com o parecer da commissão, foi proferido em 8 de abril de 1870, e foi intimado ao doutor delegado, na qualidade de agente do ministerio publico, que aggravou para a relação por se ter concedido fiança tanto ao illustre deputado eleito como aos co-réus que com elle foram pronunciados, e ao mesmo tempo por se não haverem pronunciado mais alguns individuos.

Este recurso, com todo o processo, veio da comarca onde o illustre deputado eleito foi pronunciado para a relação do Porto, e ahi foi publicamente distribuido e depois julgado; a relação denegou provimento ao aggravo; subiu em recurso de revista ao supremo tribunal de justiça, que denegou a concessão de revista.

Ora n'este processo figuraram como recorridos tolos os individuos pronunciados, incluindo o illustre deputado eleito. Nenhum d'elles aggravou, foi só o ministerio publico quem recorreu, mas nos recursos tanto figuram os recorrentes como os recorridos, porque todos são partes interessadas.

Este recurso durou por mais de um anno até ter logar a ultima decisão no supremo tribunal de justiça. Mas este recurso não fui o unico.

Achando-se pendente o recurso do ministerio publico, os co-réus pronunciados com o illustre deputado eleito, presidente e membros da commissão de recenseamento, requereram em primeira instancia, que o processo ficasse sem effeito em virtude do artigo 1.° do decreto de 6 de julho do anno findo, publicado no Diario do governo n.º 126; e foi-lhes indeferida esta pretensão.

Appellaram para a relação, não lhes foi admittida a appellação, e aggravaram do despacho que lhes denegou a appellação, obtendo provimento n'esse aggravo.

N'estes termos será possivel que esta camara se preste a fingir que acredita, em que este individuo pronunciado nunca teve conhecimento do despacho que o pronunciou? Para mim não é possivel perante a lei e menos perante a consciencia.

Faça-o todavia a camara, se quizer, assim como o fez a commissão.

Não o faço eu.

E qual de nós está em erro? E qual de nós professa a boa doutrina? É inutil essa questão, porque eu sou o primeiro a reconhecer, que todos nós, iguaes na intenção, só nos decidimos pela força das proprias convicções. Por isso mesmo é que eu não quero participar da opinião da com missão, nem da responsabilidade que lhe reputo inherente.

O legislador, tanto no acto addicional como no decreto eleitoral, quando exigiu a pronuncia passada em julgado teve em vista adoptar uma garantia indispensavel ao exercicio do direito eleitoral. O poder judicial, que pela carta é independente, tem entre nós pelas leis orgânicas e pela pratica os despachos, promoções e transferencias dependentes do poder executivo. N'este caso, de que ainda não quizeram cuidar governos nem parlamentos, achando se sophismada a lei fundamental do paiz, e sendo possivel que algum juiz cedesse á pressão do poder executivo, muito bem fez o legislador em não considerar sufficiente o simples despacho de pronuncia, e em exigir o transito em julgado.

Mas é preciso applicar esta providencia aos casos, para que ella se creou, e não a ampliar aquelles a que cão é nem póde ser applicavel;

Se um cidadão, sendo promovido pelo poder judicial immediatamente reage contra a pronuncia, e logo recorre para os tribunaes superiores, questionando e empregando todos os meios competentes para invalidar essa pronuocia, justo, legal e necessario é que não fique inhibido de ser eleito e de fazer parte da representação nacional.

Mas o legislador não cogitou nunca, nem mesmo podia cogitar, de um caso, como este, que é unico na historia de todos os processos criminaes. Não podia lembrar-se de uma pronuncia, que existe para ser questionada em recursos em todos os tiibunaes superiores, e que só não existe para conhecimento dos pronunciados. Não podia cogitar, que um individuo, sendo pronunciado, finja que ignora á pronuncia e que em todos os recursos e em todos os incidentes do processo empregue cautela excessiva em mandar requerer pelos outros, não intimados tambem e igualmente interressados, os termos que a todos aproveitam e de cujos effeitos todos aproveitariam. Para mim mais compromette o deputado eleito o facto de fugir elle de apparecer propriamente no processo.

Á pronuncia, o crime, os recursos tudo foi commum. Emquanto uns requeriam, outro occupava-se em solicitar a promulgação da amnistia que appareceu, cuja applicação depois se requereu para todos no processo, mas que o poder judicial com muito fundamento recusou. A camara dos deputados não póde fingir que ignora, que este procedimento sempre cauteloso de não apparecer no processo, de mandar passar uma certidão em que essa circumstancia fosse expressamente mencionada e declarada, não é mais do que um pretexto para illudir as leis e mais uma tentativa para illudir a camara. Á sombra de uma interpretação forçadíssima e immoral, pretende-se que vamos ampliar um privilegio impussivel, e que assim retiremos á acção da justiça o principal auctor do crime, o unico que com elle aproveitou e que deixemos sob o rigor das leis aquelles que por este foram induzidos e aconselhados a praticar um crime de que nada aproveitaram.

A significação é esta. Eu quiz pela minha parte firma-la com toda a clareza de que posso dispor. Tomem uns e outros a responsabilidade dos actos que se praticam, e logo que salvei a minha responsabilidade propria, termino como principiei.

Estimo o mais possivel que esta eleição seja approvada porque é a que melhor representa, significa e exprime a politica e a moralidade eleitoral do governo; as suas intenções na eleição, e o seu respeito pela legalidade. Eu folgo sempre de ver que cs actos do governo se conservam em completa e rigorosa harmonia com as apreciações que algumas vezes tenho feito n'esta casa, e que prometto continuar a fazer todas as vezes que tenha occasião opportuna (apoiados).

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Barros e Sá: — Não desejo prolongar o debate, nem é preciso, pois que não vejo seriamente combatido o parecer da commissão; mas não devo escu3ar-me ao trabalho de fazer, pelo menos, uma observação que importa rectificação a uma asserção(de facto, feita pelo nobre deputado que me precedeu. É a seguinte: o deputado eleito de que se trata não está pronunciado por crime de falsidade como se pertende inculcar.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — De falsificação.

O orador: — De falsificação ou falsidade é o mesmo (apoiados), mas não está pronunciado nem por falsificação nem por falsidade. Esta observação é importante, tanto para os effeitos juridicos da pronuncia, como para os effeitos moraes.

Vozes: — Então por que foi pronunciado?

O Orador: — O despacho da pronuncia está impresso juntamente com o parecer da commissão, e foi-o de proposito para que todos os srs. deputados o estudassem e conhecessem a verdade. O deputado eleito foi pronunciado por haver aconselhado a indevida inserção no recenseamento eleitoral do concelho da Barca, de alguns individuos que não tinham o direito eleitoral, que não deviam ser recenseados. A inserção indevida no recenseamento eleitoral de individuos que não têem capacidade eleitoral, póde ser filha do erro, do engano, de incuria, da negligencia, e então não é criminosa, e póde ser filha do dólo, da malicia, da má fé,

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e então é criminosa. O juiz dos Arcos entendeu que havia indicios de que o supposto réu procedêra com dolo, e que como tal era criminoso, mas este crime é muito differente d'aquelle outro que nas conversações particulares, e já aqui, se inculca — o da falsificação de um recenseamento. Quando se diz que F. falsificou um recenseamento, diz-se que depois do recenseamento estar completo o alterou emendando-o, rasgando-o, acrescentando-o ou diminuindo-o; mas esta não é a hypothese, não é o caso de que se trata.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: —Peço a palavra.

O Orador: — O facto de que se trata podia ser filho do erro, que não constitue crime, mas a falsificação presume e presumiu sempre o dolo, é sempre criminosa. A indevida inserção de alguns individuos no recenseamento, póde bem ser equiparada á sentença injusta dada por um juiz, a qual não constitue crime se não é dolosamente dada, e não é dolosa quando é determinada por errada apreciação da causa (apoiados).

Quando uma commissão de recenseamento inscreve indevidamente alguns individuos como eleitores, quando faz isso publicamente, quando d'esse facto dá conhecimento em publico por meio dos editaes que manda affixar nas portas da igreja matriz, etc.; etc.; n'este caso é muito difficil suppor e presumir dolo, por que os interessados podem reclamar por meio dos recursos legaes. Se ao facto se deu a publicidade legal e ninguem reclamou, é porque não tinha a gravidade e o odioso que hoje se quer lançar, sobre o facto.

Sejamos justos.

O juiz entendeu assim e nós devemos partir do despacho do juiz. O deputado eleito foi pronunciado, não como infractor do artigo 133.° da lei eleitoral, artigo que pune e incrimina a falsificação do recenseamento, mas pelo artigo 128.° que pune, com penas muito mais brandas, a indevida inclusão filha do dolo.

Isto quanto á natureza do crime. Quanto porém aos termos do processo, cumpre saber que o despacho da pronuncia nunca foi intimado aos suppostos réus. Foi intimado ao ministerio publico, aos réus nunca. O ministerio publico, achando que o juiz fôra benigno na qualificação do crime admittindo fiança, aggravou, mas não foi provido. Assim o despacho passou em julgado quanto á admissibilidade da fiança, mas não passou em julgado quanto á pronuncia dos réus, os quaes todos podem ainda aggravar tambem, e podem ser attendidos pelos tribunaes superiores, ficando a pronuncia reduzida ao nada.

Temos aqui dois factos judiciaes que cumpre apreciar á face da lei. O primeiro é a pronuncia com admissão de fiança, o segundo é a falta de intimação judicial, falta que importa effeitos judiciaes, os quaes a camara não deve desconhecer.

A pronuncia não passou em julgado, não é definitiva, não póde por isso produzir effeitos definitivos. Seria cousa repugnante e contradictoria dar e attribuir effeitos definitivos a um despacho judicial que não é definitivo.

O acto addicional no artigo 6.°, e a lei eleitoral, andaram muito cautelosamente, prescrevendo que a pronuncia judicial só podia importar os effeitos de suspender a capacidade eleitoral quando fosse definitiva, ratificada pelo jury, ou passada, em julgado. A lei é esta, é clara, expressa, terminante. E a lei constitucional que não podemos despregar, e devemos cumprir. Se a lei é clara, se o facto é evidente, que resta? Admittir o cidadão eleito a tomar posse da sua cadeira.

Disse o nobre deputado que o interessado bem sabia que estava pronunciado. Talvez o soubesse, não digo que sim, nem que não. Se o sabia, era extrajudicialmente, pois que judicialmente, sendo secreto o processo criminal, não o podia saber. Voto pois pela approvação do parecer.

O sr. Presidente: — Devo lembrar aos srs. deputados que apreciemos, não o merito interno do processo, mas a questão que está posta —a capacidade eleitoral do individuo.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: —Eu creio que a advertencia de v. ex.ª não póde referir se a mim, porque eu não apreciei o merito interno do processo. Não conheço o processo, nunca o vi, e apenas vi e apreciei o despacho de pronuncia, impresso com o parecer, na parte que é indispensavel para combater os fundamentos do parecer, a que eu me opponho.

Tinha pedido a palavra para responder a algumas observações feitas pelo illustre deputado o sr. Barros e Sá, e muito particularmente para desviar a censura que s. ex.ª pareceu dirigir especialmente a mim, quando dissa que o despacho de pronuncia tinha sido mandado imprimir para que todos o podessem ler e entender.

Eu li e estudei esse processo até entender que não precisava estudar mais; e se o illustre deputado quiz fazer-me alguma censura, permitta-me s. ex.ª que lhe diga que a respeito do estudo do processo e dos documentos, era melhor prégar com o exemplo do que com a palavra.

Disse s. ex.ª: «a inscripção podia não ser dolosa». Ora, para s. ex.ª dizer isto, tendo estudado o despacho de pronuncia, é indispensavel que o despacho de pronuncia que s. ex.ª estudou, diga o contrario do que diz aquelle que eu estudei e que foi o que s. ex.º mandou imprimir, porque este diz com todas as letras, indevida e dolosa inscripção de pessoas que não podiam ser inscriptas.

Já s. ex.ª vê que quando eu dirigia a minha argumentação, não suppondo que este facto fosse praticado por erro, mas sim que foi praticado com dólo, ía rigorosamente conforme com o estudo do despacho de pronuncia que s. ex.ª tinha feito o favor de mandar imprimir para que todos o podessem estudar.

Mas não é só isto. O artigo 128.° do decreto de 30 de setembro de 1852 diz:

«Todos aquelles que se fizerem inscrever a si, ou a outros, ou concorrerem para que elles proprios ou esses outros sejam inscriptos no recenseamento com falso nome ou falsa qualidade...»

E no § 1.°:

«Concorrerem para que se inscreva, ou deixe de inscrever indevidamente e com dolo...»

Ora, desde que a propria lei em que se funda o despacho de pronuncia está a dizer que para haver pronuncia é preciso que a inscripção seja praticada com dolo, desde que a propria lei está a dizer que o acto consiste em inscrever com falso nome ou falsa qualidade pessoas que não podiam ser inscriptas, eu, agradecendo muito os immerecido3 elogios que o illustre deputado fez á minha sciencia juridica e pratica forense, tenho a responder lhe que não ser nem posso dar a esse acto outro nome que não seja o de falsificação dolosa, embora s. ex.ª se digne inventar nome mais agradavel, mas menos proprio.

Mas diz s. ex.ª, falsificação era se fosse no fim.

A distincção é realmente singular. É crime, e tem o feio nome de falsificação, inscrever com falso nome ou com falsa qualidade algum individuo depois de encerrado o recenseamento.

Mas o mesmo acto não tem o nome feio de crime, nem póde dizer se que foi praticado com dolo, quando o acto de inscrever alguem que não podia ser inscripto, e de o fazer com dólo, inscrevendo com falso nome ou com falsa qualidade, foi feito logo desde o principio.

Por esta fórma, uma falsificação mais duradoura vinha a ser menos censuravel e menos punivel do que uma falsificação menor e mais recente. Não professo nem admitto estes principios, porque não entendo a rasão em que se fundam.

Diz tambera o illustre relator, que o despacho não passou em julgado, e que se podem interpor ainda todos os recursos para os tribunaes superiores.

Pergunto eu, em virtude de que poder affirma o illustre deputado que o interessado póde interpor o recurso? Creio que s. ex.ª não tem nas mãos as attribuições do poder ju-

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dicial, que é independente. O poder judicial é que póde dizer se aquelle individuo póde interpor recurso ou não. S. ex.ª affirma que o poder judicial ha de dizer, que sim; eu sustento que o poder judicial deve dizer, que não. Mas tanto faz a affirmativa de s. ex.ª, como a minha negativa. Nenhuma d'ellas póde decidir a questão, visto que o poder judicial, que é independente, é que ha de dizer se o recurso é admissivel ou inadmissivel.

Eu sustento que não é admissivel, porque o interessado teve sufficiente notícia do acto de pronuncia, e não ha tribunal nenhum que diga que o acto não foi levado ao conhecimento do interessado desde que elle figurou por mais de um anno em pedidos de amnistia e de concessão de fiança. Não ha de certo, tribunal nenhum que pense que um individuo póde cessão pedir de fiança ou applicação de amnistia, allegando, ao mesmo tempo ignorancia de que está pronunciado, porque a fiança, embora muitas vezes se aggrave só por fiança, não póde ter logar sem haver pronuncia. O individuo pronunciado póde não aggravar da pronuncia e aggravar apenas para que se lhe conceda fiança; mas pelo facto de aggravar para que se lhe conceda fiança, mostra plenamente que sabe que está pronunciado. se elle não estiver pronunciado não póde pedir fiança.

(Apartes).

Aggravou o ministerio publico por ter sido admittida a prestação do fiança.

Que importa isso? O deputado eleito figurou do mesmo modo em todo o processo, porque quando o ministerio publico era recorrente, este individuo era recorrido. Basta a simples noticia dos jornaes para se saber isso. Os jornaes dizem sempre-aggravo crime da comarca de tal, aggravante o ministerio publico, aggravados fulanos, etc. — Isto publica-se em todos os jornaes do Porto, e publica-se e foi publicado no Diario do governo, tanto na distribuição como no julgamento do supremo tribunal. Não se podia pois n'este caso argumentar com a falta de conhecimento. Isto não se diz a quem tem experiencia do que são processos e do que são as cousas do fôro.

Esse individuo tinha pois conhecimento perfeito de que estava pronunciado. Tinha-o pelos seus actos e pela folha official. Não podia deixar de o ter, mas não lhe convinha mostrar que o tinha; e convínhalhe pelo contrario deixar margem aberta para recorrer a este novo direito de asylo, e onde elle tinha a certeza de ser asylado, desde que o sr. marquez d'Avila e de Bolama dirigia as eleições n'este paiz. Estes é que são os factos.

Diz-se: esse conhecimento era extra-judicial. Não era extra-judicial porque elle figurou nos recursos; mas ainda que o fosse, eu creio que não ha homem nenhum no paiz, que, sabendo extra-judicialmente que se acha pronunciado, não vá requerer em juizo para aggravar e levar para a instancia superior recurso do despacho que o pronunciou, se por acaso quer aggravar. O contrario é consentir.

As observações que s. ex.ª fez a respeito de dever entender-se que, para se applicar tanto a disposição do acto addicional, como a do decreto eleitoral, era preciso que a pronuncia tivesse passado em julgado, já eu as tinha feito, com a unica differença de que não as pude fazer com a superioridade intellectual de que s. ex.ª dispõe. Estou de accordo a esse respeito; mas por isso mesmo é que eu digo que essas disposições, tanto a do acto addicional, como a do decreto eleitoral, applicam se unicamente quando o individuo pronunciado se apressa a protestar contra a pronuncia e a recorrer d'ella, porque então o deputado eleito vem para aqui conservando-se ainda a questão sub-judice, estando entregue á decisão dos tribunaes o despacho que o pronunciou. Mas este não é o caso. Nós temos presente o caso de um homem, que, em vez de reagir contra o despacho de pronuncia, consentiu tacitamente n'elle, e que, figurando n'um processo, em que se requereu a applicação da amnistia, e nos recursos que a esse respeito se interpozeram para os tribunaes superiores, e figurando tambem nos aggravos interpostos sobre a fiança, embora fingisse sempre que tudo ignorava, não podia ignorar, e consentiu sempre, porque nunca até ao dia de hoje reagiu contra o despacho que o pronunciou.

É por isso que eu citei as disposições legaes, que prohibem a appellação, que é recurso muito mais importante, o que a prohibem quando o individuo consentiu na sentença expressa ou tacitamente, ou praticou actos que revelassem que d'ella tinha conhecimento e n'ella consentia.

Ora o illustre deputado eleito praticou todos estes actos, nunca reagiu, e vera agora dizer que não consentiu! Se isso não era consentimento tácito, então podemos riscar estas duas palavras da nossa linguagem juridica.

Tenho dito.

O sr. Barros e Sá: —Diz bem o sr. visconde de Moreira de Rey, que ha observações taes que não podem fazer se ante pessoas medianamente versadas nas cousas do fôro, e scientes dos principios de direito.

Tal é a que s. ex.ª disse que para a pronuncia passar em julgado basta a noticia extrajudicial, mesmo aquella que se obtém pelos jornaes.

Eu entendia o contrario; que era precisa a intimação judicial pessoal do despacho de pronuncia. A regra é que a pronuncia é dada com admissão, ou não admissão, de fiança. No primeiro caso, deve ser intimada ao pronunciado, o qual ou presta a fiança ou vae para a cadeia. No segundo caso, é preso. O deputado eleito foi pronunciado com admissão de fiança, deverá ser-lhe intimada a pronuncia em vista do artigo 994.° da reforma judiciaria, mas não foi, e por isso tem ainda abertos os recursos legaes contra esse despacho, o qual não está definitivo. Os recursos que podem ainda ser interpostos importam effeitos suspensivos da accusação, e devolutivos da mesma pronuncia, pelos quaes esta póde ser destruída na base.

(Interrupções que se não perceberam.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — O poder judicial não é que intima.

O Orador: — Mas manda intimar.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: —E porque se não fez?

O Orador: — Não quero saber, mas sei que se não intimou. Não quero saber a rasão por que se não intimou, porque isso é estranho á questão actual d'esta camara. Cuido que se não fez a intimação, porque suscitando-se dois incidentes, um pelo aggravo do ministerio publico ácerca da fiança, e outro ácerca de applicabilidade da ultima amnistia, estes estiveram pendentes muito tempo dos tribunaes superiores, e o juiz e o delegado entenderam que emquanto pendiam estes incidentes não deviam propalar o segredo da justiça, fazendo as intimações. Cuidaram mal, mas será o individuo o culpado d'isto? Se ha falta do juiz ou do delegado, punamos, mas ao eleito? Mas os eleitores? Não póde ser.

Uma voz: — Ha mais alguma cousa que isso.

O Orador: — Talvez haja, e acredito que ha, mas a commissão não escondeu nada do que consta do processo, e o que ha fóra do processo, e haverá muito, não é para aqui.

Eu podia dizer alguma cousa do que ha; isso mesmo serviria para outro fim, mas não para esclarecer o ponto de que se trata. Em que se funda o nobre deputado para dizer que se requereu fiança? Do processo consta o contrario, e fóra do processo não se deve argumentar. O indiciado deputado eleito nunca figurou no processo, nem como recorrente, nem como recorrido. Nunca n'elle foi parte. D'elle nada sabe, nem póde saber, porque é secreto, envolve segredo de justiça.

A camara faça justiça.

O sr. Barros e Cunha: — Sabe v. ex.ª que eu declarei que aceitava completamente a jurisprudencia adoptada pela commissão de verificação de poderes, que deu parecer ácerca d'esta eleição, e que o meu fim unico não foi senão

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conceder desde já a licença para que continuasse um processo, que de certo continuaria contra o cidadão que foi eleito deputado. Se o não tivesse sido, como continuaria contra aquelles que no despacho de pronuncia são seus cumplices, pelo facto criminoso de que elle é accusado.

Diz o abbade Lièges, n'uma pergunta incisiva e curta: O que é o terceiro estado? E responde a si mesmo: A França, menos o clero e a nobreza.

Nós podemos dizer tambem: O que é a representação nacional? E tudo, menos o povo.

Ora, isto está em completa desharmonia com um artigo da carta constitucional, que diz: A lei será igual para todos, quer premie, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.

Tres, quatro, cinco ou dez cidadãos estão pronunciados; um d'elles tem a felicidade de fazer se eleger deputado, e em logar de ir responder perante o tribunal independente, que deve conhecer da culpabilidade, vem á camara dos deputados, que lhe concede direito de asylo, tornando dependente a continuação de um processo, que corre contra os cumplices d'esse cidadão, de uma licença sua.

Isto é que eu não posso admittir de maneira alguma. Está eleito, está muito bem: eleito, mas está tambem sujeito a ser julgado pelo poder independente a quem isso compete, o poder judicial, por crime anterior á sua eleição.

O sr. Presidente: —Mas não é essa a questão.

O Orador: — Peço perdão a v. ex.ª Não é, nem póde ser outra. Estou tratando da minha moção.

O Sr. Presidente: — Já fundamentou ha pouco a sua moção; só se é uma nova moção.

O Orador: —:Peço perdão; é a moção que apresentei ha pouco, não é uma nova moção. Já a fundamentei, é verdade, mas preciso sustentar a opportunidade d'ella; e tanto isto é verdade que, apesar do illustre relator da commissão ter declarado que esta decisão da camara seria inopportuna, v. ex.ª viu que elle nos citou um periodo do relatorio em que diz que esta mesma idéa está consignada.

Ora, se a duvida para o meu additamento ser aceito, por consequencia não está na opportunidade, essa opportunidade não póde ser posta em duvida, porque o illustre relator da commisão, e a commissão até, se me antecipou muito em fazer esta declaração; a differença está só na maneira de dizer, isto é, s. ex.ª fê-la de uma maneira tão confusa que precisou dos seus commentaries, da sua interpretação, para eu a perceber, e eu fi-la de uma maneira clara, terminante e que nos salva completamente (pelo menos salva me a mim) da responsabilidade em que a camara de certo ha de incorrer, se por acaso a approvação d'esta eleição for o primiero passo para arrancar ás mãos da justiça um homem que talvez erradamente a mesma justiça diz que está culpado.

O sr. Presidente: — Não ha mais nenhum sr. deputado inscripto. Vae proceder se á votação. Fez-se a chamada.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 88 espheras, sendo o parecer approvado por 53 espheras brancas contra 35 espheras pretas.

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á votação da proposta mandada para a mesa pelo sr. Barros e Cunha.

O sr. Barros e Ounha (para um requerimento): — Tendo sido approvado o parecer, e á vista das idéas que foi am aqui expostas é das declarações que se fizeram de que isso não implicava a rejeição de concessão da licença para continuar o processo, talvez fosse melhor retirar a proposta (apoiados). Requeiço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta. Foi retirada.

Em seguida foi proclamado deputado o sr. Manuel Bento da Rocha Peixoto.

O sr. Presidente: — A outra parte da ordem do dia é a eleição de commissões.

Vae proceder se á eleição da commissão de legislação. Convido os srs. deputados a formarem as suas listas.

O sr. C. J. Nunes: —Talvez fosse conveniente proceder á eleição de duas commissões simultaneamente (apoiados).

O sr. Ministro da Justiça (Sá Vargas): — Mando para a mesa uma proposta.

E a seguinte:

Proposta

Por se dar o caso de urgente necessidade do serviço publico, pede o governo á camara dos senhores deputados da nação haja de permittir, na conformidade do artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, que o sr. deputado José de Menezes Toste possa accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o do seu logar de guarda mór da relação de Lisboa.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 2 de agosto de 1871. = José Marcellino de Sá Vargas.

Foi logo approvada.

O sr. Barros e Sá: — Se a camara tem urnas em logar de duas commissões, propunha que se elegessem quatro simultaneamente.

Consultada u camara, decidiu que se elegessem quatro commissões simultaneamente.

O sr. Mariano de Carvalho: — Visto que a camara deliberou que se elegessem quatro commissões simultaneamente, pedia que se interrompesse a sessão por meia hora para se poderem fazer as listas.

O sr. Presidente: — Esperarei o tempo necessario para que os srs. deputados possam formar as suas listas para as commissões de legislação, marinha, instrucção publica e administração. As de marinha e instrucção publica devem constar de nove nomes. As de legislação e administração devem ter onze nomes cada uma.

Convido os srs. deputados a formula-las.

Corrido o escrutinio para a eleição da commissão de marinha, verificou-se haverem entrado na urna 83 listas.

Só foram votados, por haverem obtido maioria absoluta, os srs.:

José Baptista de Andrade, com..............82 votos.

João José de Alcantara.....................77 »

D. Luiz da Camara Leme................... 74 »

Joaquim Pinto de Magalhães................ 47 »

Antonio Maria Barreiros Arrobas............45 »

Faltam quatro membros para a completarem.

Para a commissão de legislação entraram na urna 83 listas.

Obtiveram maioria absoluta os srs.:

José Luciano de Castro, com............... 70 votos.

Ignacio Francisco Silveira da Mota........... 57 »

Augusto Cesar Barjona de Freitas............ 46 »

Antonio José de Barros e Sá................ 44 »

Agostinho da Rocha e Castro................ 44 »

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel 44 »

José Maria da Costa e Silva................. 44 »

Antonio Correia Caldeira.................... 43 »

José de Sande Magalhães Mexia Salema....... 43 ».

João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens 43 »

Falta um membro para a completar.

Para a commissão de instrucção publica entraram na, uma 83 listas.

Obtiveram maioria absoluta os srs.

Thomás de Carvalho, com................... 72votos.

José Teixeira de Queiroz Moraes Sarmento..... 69 »

Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima...... 60 »

Antonio José Teixeira...................... 51 »

Augusto Cesar Barjona de Freitas............ 44 »

Jayme Constantino de Freitas Moniz.......... 42 »

Manuel Joaquim Alves Passos............... 42 »

Faltam dois nomes para a completar.

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Corrido o escrutinio para a commissão de administração publica, verificou-se haverem entrado na urna 83 listas.

Obtiveram maioria os srs.

João Gualberto de Barros e Cunha, com....... 72votos.

José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello.....64 »

Antonio Rodrigues Sampaio.................45 »

Visconde de Montariol......................45 »

Augusto Cesar Cau da Costa................45 »

Jayme Constantino de Freitas Moniz..........45 »

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.....44 »

Jacinto Antonio Perdigão...................43 »

João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens 43 »

Faltam dois nomes para a completar.

O sr. Pinheiro Borges: —Tenho algumas duvidas com relação ao apuramento da eleição da commissão de instrucção publica. N'essa eleição o sr. Alves Passos obteve 42 votos. Estive presenciando o apuramento e vi que se contou para perfazer esse numero de votos o nome d'esse sr. deputado, que vinha n'uma lista que tinha outra indicação.

Reconheço que facilita o andamento dos trabalhos da camara a eleição simultanea das commissões; mas o que desejava era que a contagem se fizesse de modo, que um nome qualquer, que estava para ser contado para uma certa commissão, não fosse contado para outra.

Tenho por consequencia duvida sobre se o sr. Alves Passos está, ou não, apurado e por isso proponho que haja eleição de um novo membro para esta commissão (apoiados).

O sr. Presidente: — A camara póde resolver em sua alta sabedoria o que entender; mas parece me que a indicação que ha n'uma lista que foi lançada na urna nada influe para a contagem dos votos, nem no seu resultado (apoiados).

Vozes: — Não ha numero.

O sr. Falcão da Fonseca: — Fiz parte da mesa aonde se procedeu ao escrutinio para a commissão de instrucção publica; e devo declarar a v. ex.ª que tendo entrado na urna 83 listas, havia quatro que diziam em cima: uma, marinha; outra, administração; e duas, legislação; e suscitando-se duvidas sobre se deviam ou não ser contadas estas listas e os votos aos membros d'esta casa cujos nomes estavam ali escriptos, dirigi-me a v. ex.ª, com auctorisação do cavalheiro que presidia aos trabalhos d'aquella mesa, e perguntei-lhe o que se devia resolver a este respeito. V. ex.ª teve a bondade de me declarar que entendia que se deviam contar os votos que se tinham dado aos individuos que estavam relacionados n'estas listas.

Ora, a objecção feita pelo sr. Pinheiro Borges não me parece procedente, porquanto o numero do listas eram 83, e como d'este numero a maioria absoluta eram 42, ninguem se podia reputar eleito sem ter 42 votos.

Note v. ex.ª que se nós tivermos de descontar 4 listas, a maioria absoluta não será de 42 votos, mas sim muito menos, e em todo o caso ha de aproveitar ao sr. Alves Passos.

Parece-me pois que a camara não póde ter duvidas sobre a eleição do sr. Alves Passos, e que esta foi feita regularmente.

O sr. Pereira de Miranda (para um requerimento): — Parece-me que a camara não está em numero de poder tomar uma resolução, e por isso requeiro que este negocio fique adiado para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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