SESSÃO NOCTURNA N.° 70 DE 25 DE MAIO DE 1898 1263
E, segundo me communicam, deu-se até no ultimo domingo, em algumas praças ou mercados do norte e centro do paiz, um facto bastante extraordinario que podia ter sido de graves consequencias e que reclama promptas providencias por parte do governo, que tão bem intencionado se tem mostrado en acudir acertadamente a esta lamentavel crise da fome.
N´alguns mercados onde escasseava o milho, apparecendo apenas pequena quantidade, insufficiente ao consumo, quando se apresentaram nos seus logres os vendedores, proprietarios ou commerciantes, o povo invadia tumultuariamente e á viva força os logares da venda, assenhorcava-se do cereal e marcava por sua conta o preço por que o dono o devia vender, não consentindo que elle fosse pago por mais que a taxa diminuta que entendia estabelecer, impondo se e mantendo violentamente, á força e com ameaças de maior desordem, o terror que obrigava os vendedores a sujeitarem-se a tudo, resignadamente e com prejuizo. Por exemplo, no mercado da Mealhada e em outros do concelho da Anadia, entenderam os arbitradores e cabeças de motim que o milho devia ser vendido a 500 réis o alqueire, embora muito bem soubessem que elle tinha custado muito maior preço aos commerciantes; e para sustentar tão extraordinaria maneira de negociar, muitos populares, voz em grita, ameaçadores, armados de varapaus, invadiram o mercado, fazendo tumultos e ameaças aterradoras e obrigaram assim os indefezos vendedores a venderem-no por aquelle preço, com grande prejuizo, sem que lhes fosse garantido, pela auctoridade administrativa, o seu livre direito de vender ou não.
Alguns vendedores mais resolutos, em quem o receio da perda era superior ao medo da ira popular, que se refugiaram nas casas e lojas abertas para não venderem o milho com aquelle grande prejuizo, foram obrigados á viva força, impellidos violentamente a voltar para o mercado, a expol-o e a vendel-o pelo preço que o povo marcara, sob pena de serem maltratados e espancados, o que não deixaria de lhes succeder se tentassem resistir.
Isto que venho dizendo, e é verdade, não só prova que continua a escassez do milho em alguns pontos do paiz, mas a urgente necessidade de que o governo providenceie para que a medida tão justa e equitativa que o sr. ministro das obras publicas tomou, dê o resultado que ha a esperar, evitando-se, por um lado, negociatas, muito lucrativas á sombra da lei protectora, de especuladores desalmados que tentem enriquecer-se á custa do sustento dos pobres, e por outro, arbitrariedades sem nome e selvagerias brutaes, que podem provocar perigosas alterações da ordem publica.
Nas actuaes circumstancias do paiz, tão desoladoras e lamentaveis, não havendo, nem podendo haver ninguem contente por causa da crise economica e financeira, em geral, e em especial a da fome que o paiz dolorosamente atravessa, toda a prudencia é pouca e é necessario que as auctoridades competentes tomem providencias acertadas e que ao mesmo tempo estejam armadas com as instrucções e poderes necessarios, dados pelo governo, para poderem reprimir quaesquer abusos que provoquem tumultos, ameaçando a ordem publica, e que se convertam em perigoso rastilho de maiores e mais graves desordens, e para que seja mantido inteiramente o direito e a liberdade de commercio nos mercados, podendo cada um expor, comprar e vender os seus generos pelos preços que lhe convier e como quizer, ao abrigo da lei. (Apoiados.}
Sr. presidente, abstenho-me de fazer mais considerações sobre o importante assumpto, pois não tenho senão que louvar o sr. ministro das obras publicas e o governo, pelas acertadas medidas que tomaram e chamar a sua attenção para este ponto, esperando que, com o zêlo que lhe merecem todas as questões de interesse publico, se providenceie sem demora e não seja necessario esperar que os factos venham reclamar essas providencias com mais urgencia, não se prevenindo a tempo e mais facilmente, o que depois póde custar a remediar. É preciso, é indispensavel que se não façam esperar as medidas preventivas necessarias, a fim de em todas as localidades, ou ao menos nas freguezias mais excitadas, se garantir a ordem publica e o exercicio da liberdade commercial, que por todos devem ser respeitadas.
Por hoje, termino aqui as minhas ligeiras considerações, que ampliarei mais tarde, se me for preciso e as circumstancias o reclamarem.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Eu communicarei ao sr. ministro do reino as reflexões que s. exa. acaba de fazer, porque a manutenção da ordem publica pertence ao ministerio do reino.
O ministerio das obras publicas já tomou as providencias que podia tomar, e que me parece que foram convenientes (Apoiados), permittindo a livre entrada do milho.
O decreto que publiquei fez baixar o preço do milho, que estava subindo, não tanto em virtude do preço d´esse cereal, mas em virtude da especulação que se estava dando, e eu posso asseverar que não ha falta d´esse genero. Portanto todas as desordens que se deram n´esses mercados são talvez provocadas, não pela falta de cereal, que talvez o haja n´essa localidade, mas por effeito de alguma especulação. Em todo o caso, a manutenção da ordem publica pertence às auctoridades administrativas, e eu darei parte ao sr. ministro do reino das reflexões que s. exa. acaba de fazer, para que sejam tomadas as devidas providencias.
(O sr. ministro não reviu.)
O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma aos projectos de lei n.ºs 42 e 44, approvados na sessão de hontem. Vão portanto ser enviados para a outra casa do parlamento.
O sr. Avellar Machado: - Referindo-se tambem ao contrato de supprimento, caucionado pelas 72:718 obrigações dos caminhos de ferro, acha audaciosa a declaração do sr. ministro da fazenda, de que não publicará os nomes dos participantes no emprestimo.
A gravidade d´esta declaração e a importancia do assumpto exigem que se realise sem mais delongas a interpellação do sr. Mello e Sousa, e por isso insta para que ella seja dada para ordem do dia com toda a brevidade.
Associa-se em seguida às considerações do sr. Dantas Baracho, com relação á policia de Lisboa, devendo ao mesmo tempo notar que a portaria de louvor áquella corporação prova, mais uma vez, quanto foi sabia a organisação que lhe deu o sr. Franco Castello Branco.
(O discurso será publicado na integra, quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Tenho a declarar ao sr. deputado e a todos que pediram que se marcasse dia para se realisar a interpellação, que muito brevemente será marcado esse dia.
O sr. Alfredo Cesar de Oliveira: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que, dispensado o regimento, entre já em discussão o projecto n.° 35. = O deputado, Alfredo Cesar de Oliveira.
Foi approvado.
Leu-se na mesa, é o seguinte
Projecto de lei
Artigo 1.° É concedido á associação das escravas do Santissimo Sacramento e de Nossa Senhora da Conceição da villa de Aldeia Gallega do Ribatejo o edificio do convento do Desaggravo (vulgo Conventinho), em Lisboa, logo que falleça a ultima freira.