DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 4
d'aquella cidade, a qnem a morte, cerrando ha dias os olhos, não deixou ver as maiores desgraças da sua terra. E, entretanto, a laboração fabril diminue de intensidade. Os depositos da Covilhã e os armazens de Lisboa aumentam os respectivos estoques. A vida industrial da cidade definha dia a dia. Os capitalistas não vêem seguro o seu capital. Os industriaes sentem que o seu trabalho não é remunerado. E alguns mil operarios atravessam em grupos as das da cidade, outrora prospera, certos de que o sol de amanha illuminará um dia mais triste ainda!
E a familia do operario, como se fosse necessario attingir o maximo da miseria organica, luta nas suas mansardas com a febre typhoide e o typho exanthematico!
Na cidade da Covilhã, no centro industrial de tão densa população, não existe canalização de aguas de alimentação, rede de esgoto completa, habitações hygienicas para operarios.
A habitação do operario da Covilhã...
A casa do operario covilhanense, em regra, tem 14m2,2 de superficie habitavel. Uma pequena sala de entrada, de 9m2,60 (3m,20X3m), serve de sala de jantar, dispensa, recreio das crianças, rouparia e dormitorio dos filhos. De manhã removem-se as camas e, de dia e de noite, a um lado dessa mesma sala, está uma pequena mesa com um crucifixo. O quarto de dormir do casal, onde apenas cabe uma cama, tem 32 (1m,5x2m). O cubiculo que serve de cozinha, tem 1m2,80 (1m,50X1m,20), com a altura de 2m,80; e, ao meio do soalho, abre um alçapão com a capacidade necessaria para conter apenas um saco de carvão. Nem o fogão da cozinha tem chaminé, nem a cozinha possue o luxo de uma pia de despejo.
Em casas d'estas, e ainda mais acanhadas, vivem quatro e seis pessoas. Alegra-as a luz e vivifica-as o ar que entra pela porta da rua. Muitas destas habitações não teem janella ou postigo!
Como é possivel falar de hygiene a estes desgraçados que nunca sentiram o sorriso da felicidade?! Como executar as posturas municipaes que obrigam os inquilinos a inutilizar dentro de casa os desperdicios da cozinha, as aguas sujas e os dejectos?!
Se as das não possuem canalização de esgotos - e esta é a hypothese mais frequente os inquilinos d'essas mansardas despejam na rua publica as aguas sujas, que exhalam cheiro pestilencial e servem de caldo de cultura a quantos microbios se lhe juntam. Crianças aos cardumes chafurdam ás vezes nessa immundicie marroquina...
O mesmo destino possuem os desperdicios da cozinha; são lançados na rua para não ficarem a fermentar em casa por estes dias de calor tropical.
Dos dejectos fica em casa a minima porção. As crianças dejectam nas ruas ................
Neste quadro realista está apenas a descrição de algumas das immundas da Covilhã.
A canalização de aguas da cidade é em extremo defeituosa. Algumas aguas de alimentação são vehiculadas em cales de pedra assentes no leito das ruas, com janellas de espaço a espaço para a visita da veia de agua. Em certos logares existem arcas de distribuição, que ficam ao nivel do pavimento das ruas.
Imagine-se o que acontece quando a agua das chuvas lava as ruas, entra, por mil pontos, na canalização das aguas da alimentação e vehicula todos os germens morbigenos que pulluilam no pavimento das ruas immundas!
Não admira que a febre typhoide reine na infeliz cidade em todas as epocas do anno, e que, nestas condições, seja impossivel fazer efficazmente a prophylaxia da doença!
Na casa do operario não existe, em geral, isolamento possivel, e muitas vezes succede, como agora, deitar-se, lado a lado, no mesmo, cubiculo minusculo, um doente de febre typhoide e um doente de typho exanthematico!
Se no hospital da cidade existisse um pavilhão de isolamento para doenças desta ordem, poderia a intervenção da autoridade conseguir o isolamento de todos os casos clinicos d'esta natureza. Infelizmente o hospital tem apenas rendimento para sustentar 32 doentes...
Entende a classe industrial da Covilhã que só a revisão pautai poderá minorar a crise afflictiva da industria de lanificios. É a proposta sobre pautas apresentada pelo sr. ministro dos negocios da fazenda satisfaz as principaes reclamações da industria.
A difficuldade do desconto, a concorrencia dos productos nacionaes e estrangeiros, o aggravamento do preço do fabrico pela importação e compra da materia prima, machinas e carvão, são assuntos em que, apenas tenuemente, se pode exercer a intervenção dos poderes constituidos.
E a Covilhã não reclama dos poderes publicos senão as providencias que podem e devem ser promulgadas.
A esta altura de tão intensa crise, a cidade da Covilhã ainda não pediu, como com menos motivo outras classes teem requerido e obtido, a dispensa de pagamento de certos impostos, durante alguns annos.
A Covilhã reclama dos poderes publicos:
1) a revisão pautal;
2) a dispensa do pagamento de impostos durante o proximo anno economico;
3) a publicação de providencias que permittam ao estado ou a empresas particulares produzir a hulha branca com as aguas da Serra da Estrella;
4) a continuação da estrada das Pedras Lavradas que, ligando a Covilhã com a Beira Alta, abre novos horizontes á sua expansão industrial e commercial.
De momento, porem, contenta-se com a promulgação das providencias constantes deste projecto de lei, embora reconheça que a continuação da estrada indicada auxilia efficazmente a resolução da crise operaria. Tratando-se de obras realizadas dentro do concelho, não procede a recusa por parte dos operarios de acceitar trabalho fora do concelho da Covilhã.
A autorização constante dos artigos 1.° e 2.° pode render 100:000$000 réis, que permitte á camara da Covilhã fazer o saneamento, abastecimento, distribuição de aguas e canalização de esgotos, construir o posto de desinfecção, e iniciar a construcção de um bairro operario, chamando para este género de, construcções o capital disponivel.
Os mais elementares preceitos de hygiene aconselham a prohibição de se arrendarem casas que não reunam um minimo de condições hygienicas indispensaveis, não possuam a superficie e cubagem exigida pelo numero dos seus habitantes. Mas seria pueril pensar na execução de posturas dessa ordem antes de o Estado, a camara ou qualquer empresa particular construir casas destinadas a habitações operarias.
A providencia dos §§ 1.° e 2.° do artigo 1.° representa a execução das primeiras obras para a construcção de um bairro operario, que desaccumule a cidade da Covilhã. De futuro, os capitães particulares completarão o pensamento d'esta lei.
Se restar algum capital, poderão ser construidos os outros edificios a que se refere o § 1.° do artigo 1.°
As providencias visadas satisfazem a verdadeiras necessidades sociaes e, de momento, dão Irabalho a muitos operarios que o não teem.
O subsidio annual de 1:000$000 réis, destinado a alimentar doentes no hospital D. Amelia, constitue inilludivel necessidade social que não carece de ser demonstrada. O Estado tem o impreterivel dever de voltar olhos amigos para as classes trabalhadoras. Basta-lhes a organização capitalista das sociedades modernas.