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Discurso proferido na sessão de 5 de abril, e que devia ler-se a pag. 1028, col. 1.ª, lin. 32.º do Diario n.º 79

O sr. Pequito: — Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem, e portanto cumprindo as prescripções do regimento passo a ler a minha moção (leu).

Confesso que uma parte da minha proposta se acha até certo ponto prejudicada pela resolução que a camara já tomou sobre um requerimento apresentado pelo sr. Fradesso da Silveira. S. ex.ª apresentou no principio d'esta discussão uma proposta de adiamento fundamentada, por escripto, e requereu que todas as propostas d'esta natureza fossem discutidas antes do projecto. Suscitou-se por essa occasião uma pequena discussão na camara, e a final decidiu-se que as propostas de adiamento ficassem em discussão conjunctamente com o projecto. Como eu votei a favor do requerimento, permitta-me a camara que a tal respeito diga ainda algumas palavras.

Effectivamente no regimento encontra-se estabelecida a regra de que as propostas de adiamento devem ser primeiramente discutidas, e que só depois se deve entrar na discussão do objecto a que ellas se referem, caso não sejam approvadas; mas tambem não é menos exacto, como V. ex.ª muito bem disse á camara, que a pratica seguida n'estes ultimos tempos tem sido discutir quasi sempre simultaneamente as propostas de adiamento com os projectos a que se referem. O que me parece mais natural, mais regular, e mais logico é que, quando se propõe que um projecto se adie, se examine e resolva, antes de o discutir, se convem ou não convem que esse projecto seja adiado. Portanto o preceito do regimento é que, a meu ver, se deve observar na generalidade dos casos; mas a pratica, seguida pela camara algumas vezes, tambem me parece conforme á boa doutrina, porque só depois de apresentadas as propostas de adiamento, e depois de fundamentadas pelo seu auctor, a camara vê que este examina as disposições do projecto, e pretende deduzir d'ahi motivos para o adiar, e que os oradores inscriptos para lhe responder têem de examinar tambem essas disposições; nada mais rasoavel em taes circumstancias do que resolver que, visto ter de discutir-se o projecto por occasião de se discutir o adiamento, fiquem um e outro conjunctamente em discussão.

Essas circumstancias porém não eram, na minha humilde opinião, aquellas que se davam por occasião de votar o requerimento do illustre deputado, o sr. Fradesso da Silveira, S. ex.ª requereu em geral que todas as propostas de adiamento fossem, como a sua, discutidas e votadas previamente; ora parece-me que, não podendo ter conhecimento dos motivos justificativos das outras propostas que ainda se não tinham apresentado, a camara não quereria tornar extensiva a essas propostas a resolução que entendesse dever tomar sobre a daquelle illustre deputado, a qual ella já conhecia, e cujas rasões já podia ter apreciado.

Foi esta a unica rasão por que me pareceu dever approvar o requerimento, pois que não conhecendo ainda as rasões em que outras propostas se poderiam apoiar, não me julgava habilitado a votar que todas ellas ficassem em discussão conjunctamente com o projecto. Não foi nem a politica, nem o espirito de partido ou opposição, que não tenho, que me levou a votar daquelle modo. Mas a camara tomou outra resolução, e eu sou o primeiro a respeita-la e a obedecer-lhe como devo.

I Ficou pois prejudicada a proposta que tive a honra de ler á camara, na parte que tinha por fim reservar a discussão do projecto, que nos occupa, para occasião mais opportuna, em que a opinião publica, já despreocupada e tranquilla, o podesse avaliar com toda a imparcialidade, e aceitar com menor repugnancia, se fosse convertido em lei. Mas se as rasões com que no ultimo considerando da minha proposta pretendi mostrar a conveniencia de se adiar por emquanto a discussão não serviram para conseguir tal fim, poderão talvez servir ainda, juntas com outras, para mostrar que convem adiar para mais apropriado ensejo a resolução definitiva sobre um projecto que faz tão profundas e radicaes mudanças na administração, e que fere tantos e tão importantes interesses.

Sr. presidente, eu disse que a occasião era impropria para o discutir e votar, porque o espirito publico se achava innegavelmente excitado, e o que disse não tenho duvida alguma em repeti-lo.

O meu illustre amigo, o sr. Sampaio, muito digno relator da commissão, affirmou hontem, se eu percebi bem, que deviamos deixar certas maiorias, que não deviamos ligar tanta importancia a uma certa opinião publica, que se havia manifestado contra certas medidas apresentadas pelo governo, pois que todos sabiamos como taes maiorias e opinião publica ás vezes se manipulavam, se compunham e se arranjavam.

Eu não entro n'esta questão, mas estou persuadido de que realmente existe no paiz uma certa inquietação, um certo alvoroço, que não são factícios, que não deixam de ter importancia, e que a camara e o governo não devem desprezar, mas que devem pelo contrario examinar bem e ver de que procedem.

Para mim tenho que elles derivam de um certo mau estar presente, e de outro peior que se receia. Seja o que for, entendo que a camara e o governo precisam averiguar e conhecer bem d'onde vem este mal, e que assumem uma grande responsabilidade se o não fizerem devidamente.

No estado de sobresalto e de excitação em que se me afiguram os animos, parece-me impropria a occasião de discutir um projecto de tanta importancia, pois que é mais do que provavel não se apreciarem com a necessaria imparcialidade nem as perfeições nem os defeitos que encerra. E considero tanto mais impropria essa occasião, quanto que não julgo a reforma administrativa de necessidade urgentissima e impreterivel.

Não quero com isto dizer que tenhamos recebido da administração todos os serviços, todas as vantagens que ella nos póde dar; longe d'isso, tenho só em vista significar que a sua reforma não é tão urgente, que não permitta aguardar melhores tempos, mais propicia conjunctura para se discutir e approvar.

E é proprio da prudencia do legislador escolher as occasiões e dispor as cousas de modo que as suas leis sejam recebidas, senão com satisfação, ao menos com a menor repugnancia possivel, porque só assim podem evitar-se ou diminuir-se em grande parte as difficuldades muito graves de execução, sempre inherentes a providencias legislativas d'esta ordem.

Todos sabem pela leitura de Filangieri, e de outros escriptores que as leis devem ter bondade absoluta, e bondade relativa: que para terem aquella, precisam ser a expressão dos principios eternos do justo; e que para terem esta, carecem de ser acommodadas ás circumstancias peculiares dos povos que têem de as receber. E eu digo-o sinceramente, ainda que com sentimento, que estes principios não me parece terem sido convenientemente attendidos em algumas propostas do governo, não só consideradas em si mesmas, mas no modo por que foram apresentadas, pois que pela sua importancia, pelos interesses que vão ferir, pelas circumstancias da sua apresentação, seriam capazes de esgotar as forças de tres ou quatro ministerios, que não tivessem saído, como saíu o actual, de um facto politico tão importante, como foi a fusão.

Passarei agora a dar mais algum desenvolvimento aos outros considerandos da minha proposta. Funda-se o primeiro no atrazo em que se acha a construcção das nossas estradas. Ninguem ignora esse atrazo e imperfeição. A rede dos caminhos de ferro póde apenas dizer-se começada; a das estradas de 1.ª ordem não esta ainda em meio; a das estradas de 3.ª ordem esta como a dos caminhos de ferro. E é, em tal estado de viação, que convirá supprimir um avultado numero de districtos, e um numero muito mais avultado de concelhos, adoptando para a organisação de cada um d'estes ultimos a base ou o minimo de 5:000 fogos? E possivel que no Minho, onde a viação tem chegado a um certo desenvolvimento, e onde a população se encontra muito condensada, se organisem, sem grande inconveniente, os concelhos com esse minimo da população; em outras provincias, e especialmente no Alemtejo, não póde ser.

E quer a camara saber a carnificina (permitta-se-me a expressão) que, se o projecto for convertido em lei, se ha de fazer nos concelhos actuaes? Para isso basta saber que, ainda que o minimo de fogos, escolhido para base, fosse de 4:000 (que é de 5:000), tinham de ser alterados 208 dos concelhos actuaes, pois que, segundo o mappa junto ao projecto, em n.° 2, de 302 que existem, só 94 têem mais de 4:000 fogos. Ora, estaremos nós em circumstancias, n'um estado de viação tão atrazada, de ir alterar 208 concelhos e supprimir talvez não menos de 150? Creio que não, sr. presidente. Em tão momentoso assumpto decido-me pelo systema de reforma gradual e successiva, que não teria tantas resistencias, e poderia reunir muitos mais elementos e forças para debellar as que tivesse. E se o projecto for convertido em lei, como esta, receio que encontre gravissimas difficuldades na execução.