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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. Ministro da Fazenda, proferido na sessão de 11 do corrente, publicada no Diario n.° 155, e que devia ler-se a pag. 1667, col. 2.ª, lin. 79.ª

O sr. Ministro da Fazenda (Dias Ferreira): — Não venho renovar a discussão sobre a these, o que é o direito de propriedade? Tanto para os effeitos do projecto como para os da minha proposta primitiva, é completamente indifferente que estas corporações e individuos tenham ou não o direito de propriedade.

Devo dizer a v. ex.ª e á camara que esta minha opinião a respeito do direito de propriedade, não se formou depois de ter o logar que hoje occupo, porque quando se discutia n'esta casa a lei de 22 de junho de 1866, já eu sustentava que aquellas corporações não gosavam do direito de propriedade; e tinha o prazer de que no mesmo dia em que sustentava tal opinião no parlamento, uma intelligencia muito distincta do nosso paiz, e que é dos primeiros ornamentos da imprensa portugueza, sustentava tambem n'uma folha, que então se publicava, essa mesma opinião (muitos apoiados). E direi em poucas palavras a rasão do meu parecer.

Sr. presidente, o direito de propriedade e o de liberdade resumem em si todos os direitos absolutos que nascem com o homem e o acompanham em todas as phases da vida, como as qualidades essenciaes da sua natureza. Os direitos de propriedade e de liberdade que nasceram com o homem não podem ser filhos da lei; e se estas corporações são todas creadas em virtude da lei, como podia eu vir aqui sustentar na minha ordem de principios, que tinham o direito de propriedade?! (Apoiaãos.) E de mais a mais o direito de propriedade não consiste só na faculdade de possuir, mas na de usar!! (Apoiaãos.) Aqui tem V. ex.ª em simples palavras as rasões por que sustentei e sustento que na minha ordem de idéas, estas corporações não têem o direito de propriedade, e não posso de certo sustentar a desamortisação desde o momento em que Se lhes der esse direito com esta significação.

V. ex.ª sabe perfeitamente que antes de occupar este logar, regi por alguns annos a cadeira de direito philosophico da universidade de Coimbra, o comquanto seja o menos competente de quantos -têem estado á frente daquelle ensino, tenho uma certa ordem de idéas, e certo systema formado, e não posso nem devo declarar-me contra o que tenho ensinado, fallado e escripto, dizendo hoje: «Que taes corporações têem direito de propriedade» (apoiados).

E considere a camara que não sou eu o unico ministro espoliador, porque em todos os paizes os ministros da fazenda vão pedir aos estabelecimentos publicos e aos particulares os sacrificios precisos para o thesouro, e por consequencia todos têem essa tendencia fatal e desgraçada. Mas note-se que procedem assim sem perderem de vista os interesses d'esses estabelecimentos e sem os condemnarem ao esquecimento ou ostracismo, porque o estado é tambem interessado nas vantagens d'esses mesmos estabelecimentos.

V. ex.ª sabe o procedimento que acaba de ter o parlamento austriaco e as providencias de alcance que tomou, porque n'aquelle paiz as difficuldades financeiras tambem são graves. E era a isso que eu me referia quando hontem disse á camara que se a minha proposta não merecesse a sua approvação receiava que mais tarde nós tivessemos de saír da situação financeira unicamente por meios extremamente violentos, porque os meios empregados naquelle paiz, meios que não approvo nem rejeito debaixo do ponto de vista das relações internacionaes, me parecem violentos.

Porém os expedientes financeiros hão de accommodar-se ás difficuldades da situação, que eu não queria que se aggravasse no nosso paiz a ponto de ser forçoso recorrer a meios extremos.

Mas lá tambem ha direito de propriedade, ha a propriedade dos particulares, e comtudo o ministro da fazenda de Austria commetteu o grande acto de coragem (se fosse eu chamavam-lhe espoliação) de propor medidas á camara que affectavam não só o rendimento, mas iam até ao capital dos particulares.

Pois se nós ámanhã propozermos augmento de contribuição, quer dizer, se diminuirmos a renda dos cidadãos em proveito do thesouro, não vamos atacar o direito de propriedade? Não vamos restringir ou cercear uma parte do rendimento dos particulares? Pois o que é o imposto? E um cerceamento nas rendas dos cidadãos. E isto, não é outra cousa (apoiados).

No momento em que os illustres deputados, em nome do direito de propriedade, vierem sustentar que se lhes não póde pedir qualquer sacrificio, então difficilmente se poderão adoptar providencias para saír do estado penoso em que o paiz se acha (apoiados). Quando mesmo se peça alguns sacrificios ás corporações não se offende o direito de propriedade por mais sagrado que seja, aliás offendia-se o direito de propriedade de toda a gente quando se lhe pedisse o imposto, porque, no fim de tudo, o imposto vae diminuir parte dos interesses dos que gosam do direito de propriedade. Deus nos livre da applicação de similhantes principios e de taes doutrinas quando se trata de pedir sacrificios para o paiz (apoiados).

A minha proposta tem sido interpretada, por diversos modos dentro e fóra do paiz. Cada um a entende segundo a impressão que ella lhe faz á primeira vista assim pela redacção dos artigos como pelo pensamento do meu relatorio, e talvez alguem deduzisse tambem elementos de interpretação da situação do nosso thesouro e das circumstancias em que nos encontrámos. Mas esta minha proposta tem uma significação liberal e progressista, e tende a não deixar desarmadas as corporações nos seus interesses.

Disse hontem n'esta casa um illustre deputado, que sempre que eu me referia á minha proposta fallava d'ella com certa saudade. Devo dizer a v. ex.ª e á camara, que ainda hoje tenho saudades da minha proposta, e oxalá que o paiz se não colloque em circumstancias de ir alem do que ía a minha proposta. A minha proposta não era nenhum acto de espoliação (apoiados).

E devo dizer aos illustres deputados, e nenhum dos meus illustres collegas se offenderá com isto, que da minha proposta tomo eu inteira responsabilidade. Espero mesmo que fique toda sobre os meus hombros, posso com ella.

Tambem devo declarar que á minha proposta não serviu de base lei alguma estrangeira, mas unicamente o estudo profundo que eu fiz sobre o estado financeiro do paiz, e sobre os meios de lhe acudir. Portanto se a lei franceza de 1813 estabelece regras e disposições analogas ás da minha proposta, não lhe serviu de imitação.

Devo prevenir a camara, ainda que a prevenção não lhe seja muito agradavel, como o não é ao meu coração, que estou persuadido de que, para conjurar a nossa situação financeira, precisâmos de lançar ao paiz gravissimos sacrificios.

E aproveito a occasião de responder a um trecho que leu o nobre deputado que acabou de fallar.

Se os illustres deputados se persuadem de que, no momento em que tiverem votado os sacrificios precisos para I se conjurarem as tempestades da nossa situação financeira, hão de voltar para suas casas e ser ali recebidos debaixo de arcos triumphaes, enganam-se completamente (apoiados).

O paiz todo quer sacrificios, quer augmento de imposto, e é o primeiro a incitar-nos, a enthusiasmar-nos e a declarar-nos que quer tudo isso; mas em seguida ha de vir a resistencia popular.

Não julguem entretanto os illustres deputados que ha contradicção entre este pedido e a, resistencia. Essa resistencia é filha de uma lei natural. É que os sacrificios produzem sempre uma dor; e que essa dor não póde deixar de se manifestar nos primeiros momentos.

Por consequencia não ha contradicção, e o paiz não ha de deixar de nos acompanhar e de nos dar força na occasião suprema.

Se vieram a proposito as observações do illustre deputado e provocadas pela leitura de um trecho, tambem não deixa de vir a proposito a consideração de que os applausos que havemos de receber, depois de voltarmos aos nossos circulos, não nos hão de ser dados no dia seguinte áquelle em que impozermos ao paiz os sacrificios que será necessario impor-lhe para podermos conjurar as difficuldades da nossa situação.

Dito isto devo declarar francamente á camara que não apresentei todos os esclarecimentos necessarios para se poder calcular o valor dos bens a que se refere o projecto de lei, porque não tinha esses esclarecimentos completos. S. ex.ª ha de fazer-me a justiça de acreditar que, so os tivesse completos, outro teria sido o meu procedimento.

As bases que tomei para esta avaliação foram os inventarios que já existiam no ministerio da fazenda quando tive a honra do ser chamado aos conselhos da corôa; a lotação dos passaes, que, pelo rendimento d'elles, devia calcular-se em 2.000:000$000 réis, mas que, servindo-me de outras bases, calculei que subia a 3.000:000$000 ou a 4.000:000$000 réis, e informações extra-officiaes que me foram fornecidas com relação aos bens do alguns estabelecimentos importantes, como as misericordias de Lisboa e Porto, que ainda não tinham feitos os seus inventarios.

Estou já a prever que algum dos cavalheiros que impugnam a proposta, se levanta mais tarde e diz: «Ahi está a espoliação, porque foi garantir o rendimento segundo a lotação, quando suppõe que os bens se vendem na praça por 4.000:000$000 réis! E depois diz-nos que a proposta é o mais inoffensiva para as corporações, e o mais vantajosa para o estado!»

Disse e sustento. Não sei que podesse adoptar-se uma medida mais vantajosa para as corporações o estabelecimentos do que esta, em que se lhes diz! «O governo garante-lhes desde já todo o rendimento, e depois entrega-lhes todo o excesso que a praça der».

E ainda que a avaliação dos rendimentos fosse baixa, a praça corrigia qualquer falta, e trazia todas as compensações.

Mas levantaram-se apprehensões ácerca da entrega do valor da praça, que não podiam ser contra mim, porque todos comprehendem que eu não podia ser ministro até á epocha em que vendidos os bens na praça, o governo tivesse de dar ás corporações o resto do valor que resultasse da praça. Todos comprehendem que quando isso se désse eu não podia já estar no ministerio, e então a questão de desconfiança não era commigo.

Mas eu estou persuadido de que nenhum ministro, nem nenhum parlamento, se prestava a deixar de entregar ás corporações aquillo que de direito lhes pertencesse.

Mas levantaram-se apprehensões, e a commissão quiz por isso dar outra fórma á realisação do meu pensamento. Este pensamento era, que o governo não lançasse n'este estado do credito titulos de divida publica no mercado. Os titulos de divida publica que se emittirem em virtude d'esta proposta são averbados pela junta do credito publico aos estabelecimentos respectivos, onde ficam intransmissiveis e inalienaveis, e então não vem affrontar o mercado.

Eu já disse hontem, e digo hoje, que o movimento resultante da compra dos fundos do mercado pelas corporações, nem sequer se sentia, visto que essas compras eram em pequena quantidade, para evitar os inconvenientes de agglomerar muitos bens no mercado. Além de que os hospitaes e misericordias podiam empregar os seus fundos tambem em obrigações de credito predial, faculdade que não têem em virtude do projecto.

j Entretanto, como digo, o movimento era tão insignificante que não influia na praça.

O que tem prejudicado a alta dos fundos são as emissões que todos os governos têem feito, por circumstancias, já se vê, inevitaveis e estranhas á sua vontade, mas a que têem sido obrigados pelo imperio das necessidades.

Portanto, era este o pensamento fundamental da minha proposta. A commissão não alterou o pensamento, e sim deu-lhe outra fórma, mas q que eu tenho visto é que elle nem assim merece a sympathia de alguns illustres deputados (apoiados).

A idéa de 50 por cento não tem caracter de deducção; se tivesse um tal caracter era extremamente desigual, como acabou de demonstrar o illustre deputado a quem me refiro. Já hontem tratei de demonstrar que esta idéa me parecia que tinha sido desenvolvida e sustentada pela commissão encarregada de propor ao governo os meios necessarios para a salvação da fazenda publica.

O pensamento do artigo 2.° é garantir em todo o caso o rendimento certo de 6 por cento. Ora as inscripções, assim como hoje estão a menos de 50 por cento, creio que hão de subir acima de 50 por cento, e então estas corporações haviam de perder, e não tinham o rendimento de 6 por cento. A commissão teve a idéa de garantir o rendimento de 6 por cento sem sujeição ás oscillações do mercado, e para isso tomou as precauções convenientes. A commissão teve a idéa de que houvesse um rendimento constante de 6 por cento, e mesmo no relatorio, aliás bem escripto e muito judicioso da commissão financeira, composta de cavalheiros a quem ninguem póde negar competencia e zêlo, affirmava-se que os bens não davam o rendimento de 6 por cento, lucrando assim com a inversão era titulos de 6 por cento. A commissão de fazenda não quiz que em caso algum o rendimento descesse abaixo de 6 por cento.

Quanto ao valor dos bens, já posso dizer á camara que tenho modificações a fazer no meu calculo, em sentido favoravel ás corporações.

Recebi ultimamente mais alguns inventarios e informações diversas, que me convencem de que os bens, em logar de valerem 12.000:000$000 a 15.000:000$000 réis, valem muito mais, não entrando, já se vê, n'este calculo os baldios dos municipios e juntas de parochia.

V. ex.ª e a camara sabem que estas informações não podem ter um caracter de grande authenticidade, mas ainda assim excedem a cifra que eu tinha calculado pelos dados necessariamente insufficientes que possuia na occasião em que redigi esta proposta.

E devo dizer, como explicação, ao illustre deputado e á camara, que se as propostas que o governo trouxe ao seio da representação nacional não vem acompanhadas de grandes esclarecimentos, foi para evitar o volumoso do relatorio, que seria um grande livro, se em logar de conter os principios j fundamentaes de cada uma, entrasse em largos desenvolvimentos de todas.

Reservei-me para no seio das commissões e perante a camara dar todas as explicações que os illustres deputados julgassem convenientes.

Emquanto á dispensa dos estatutos dos estabelecimentos de credito, direi que, na proposta primitiva do governo, unicamente se auctorisava a dispensa dos estatutos da companhia de credito predial, e eu digo francamente a v. ex.ª a idéa que presidiu positivamente á redacção d'este artigo.

A companhia de credito predial, pelos seus estatutos, faz emprestimos cuja amortisação não póde exceder o periodo de sessenta annos, nem póde ser inferior a um periodo de dez annos.

Podia ser que as circumstancias exigissem que o governo não fizesse uma operação financeira dentro d'estes prasos determinados e dentro daquellas condições, e por consequencia era conveniente estar auctorisada a companhia a contratar com o governo, no caso em que este lhe propozesse alguma operação, e contratar, já se vê, sem prejuizo das seguranças, que ella deve sempre exigir a bem de seus interesses. Era necessario auctorisa-la a dispensar os estatutos n'este ponto, que é uma meia formalidade; não digo que seja inutil aquella disposição, mas, com relação ás seguranças que a companhia deve exigir para os seus emprestimos, não é realmente uma condição indispensavel. Para isso era preciso ter prevenido esta hypothese para que, no caso de ser preciso alguma operação, aquella companhia não ficasse privada de entrar n'ella.

Mas, se me perguntam agora qual é o meu pensamento a respeito d'esta operação, devo dizer que não tenho por emquanto idéa nenhuma de fazer uma operação hypothecaria sobre aquelles bens, e o governo conta que não precisará de a fazer; entende que basta estar armado com os meios para poder adquirir os recursos indispensaveis para poder occorrer ás despezas ordinarias e extraordinarias d'este anno economico e remir os encargos da divida fluctuante, emquanto, pela venda dos bens nós não temos o credito na altura precisa para poder fazer uma consolidação, para não se ver forçado a recorrer á operação hypothecaria.

Agora vem a proposito dizer ao illustre deputado, o sr. Mártens Ferrão, que não tinha havido contradicção com as minhas palavras no calculo que fez o nobre presidente do conselho de ministros, porque s. ex.ª dizia que, para amortisar a divida fluctuante completamente e para occorrer ao deficit d'este anno economico por meio da emissão de titulos de divida publica, calculando os encargos pelos do ultimo emprestimo, teriamos que emittir uma somma de réis 60.000:000$000 em inscripções, e eu pelo contrario não