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N.º 7.

SESSÃO DE 9 DE ABRIL.

1853.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 80 Srs. deputados. Abertura: — Ao meia dia e um quarto. Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Uma declaração: — Do sr. Vasconcellos e Sá, participando que o sr. Palma não comparece a sessão de hoje por motivo de molestia. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do sr. Arrobas, participando que, por motivo de doença, não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

2. Do ministerio da guerra, participando que tinha enviado para a secretaria da camara, a fim de serem distribuidos pelos srs. deputados, 120 exemplares das contas daquelle ministerio, relativas á gerencia do anno economico de 1850 — '1851, e ao exercicio de 1819 — 1850; e declarando que espera enviar, com brevidade, a camara as contas de gerencia de 1851 — 1852, e do exercicio de 1850 — 1851, da ultima das quaes se tracta incessantemente. — As contas mandaram-se distribuir, e o officio foi remettido á commissão de fazenda.

3. Do ministerio da fazenda, acompanhando um mappa demonstrativo dos rendimentos da alfandego municipal de Lisboa, nos mezes de outubro e fevereiro ultimo, comparado com o que se arrecadou em igual época nos annos de 1851 a 1852, assim como uma nota do rendimento daquella extincta alfandega, no mez de setembro de 1852, comparado tambem com igual mez de 1852; satisfazendo assim a um requerimento do sr. barão d'Almeirim. — Para a secretaria.

4. Do mesmo ministerio, acompanhando um mappa do rendimento comparado da alfandega municipal de Lisboa nos mezes de outubro, novembro, dezembro, janeiro e fevereiro de 1851, 1852 e 1853, satisfazendo assim a um requerimento do sr. barão d'Almeirim. — Para a secretaria.

5.º Do mesmo ministerio', acompanhando um mappa do producto mensal da venda dos bens nacionaes, e venda e remissão dos fóros, censos e pensões, apropriados por decreto de 30 de agosto de 1852, com as mais declarações pedidas em um requerimento do sr. Carlos Bento da Silva, no qual se satisfaz por esta fórma. — Para a secretaria.

6. Do mesmo ministerio, acompanhando a conta da applicação dada ás sommas recebidas dos caixas geraes do contracto do tabaco e sabão, na conformidade do decreto de 9 de outubro de 1852, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Carlos Bento da Silva. — Para a secretaria.

7. Do mesmo ministerio, acompanhando a cópia authentica da portaria circular de 31 de janeiro deste anno, a que se refere a de 5 do mez de março, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Avila. — Para a secretaria

8. Do mesmo ministerio, dando as informações, que

lhe foram pedidas pela commissão de fazenda sobre o serviço que prestam os dois escrivães da ementa do tabaco. — Á commissão de fazenda.

9. Do mesmo ministerio, acompanhando a relação nominal dos empregados da administração geral do pescado do reino, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido pela commissão de fazenda. — Á commissão de fazenda.

10.º Do mesmo ministerio, acompanhando a cópia do despacho de 26 de abril de 1851, contendo as regras a observar no calculo do cabimento para a concessão de vencimentos de inactividade, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Santos Monteiro. — Á commissão de fazenda.

11.º Do mesmo ministerio, devolvendo, com as informações que lhe foram pedidas, o requerimento do bacharel Antonio Maria Lopes da Silva Leitão e Castro, ex-juiz da India e Mina. — Á commissão de fazenda.

12. Do mesmo ministerio, acompanhando os documentos que dizem respeito, e que existem naquella secretaria, relativamente a pretenderem 03 officiaes maiores, officiaes ordinarios, e amanuenses das diversas secretarias de estado demittidos em 1833, ser subsidiados com h importancia dos seus antigos vencimentos, satisfazendo assim a um requerimento da commissão de fazenda. — Á commissão de fazenda.

13. Do mesmo ministerio, acompanhando uma nota da importancia do tribulo de 15 por cento para as estradas, que se cobrou em cada um dos districtos do reino, no anno economico do 1851 — 1852, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Vasconcellos e Sá. — A commissão das obras publicas.

SEGUNDAS LEITURAS.

Proposta: — Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 109, apresentado pela commissão do orçamento da camara dos srs. deputados, em 30 de junho de 1852. — Visconde de Castro e Silva.

Foi admittido, e enviado á commissão de fazenda, o seguinte

Projecto de lei (sr.º 18 A — N.º 109 da sessão passada): — Foi em virtude da resolução da camara dos srs. deputados de 21 do corrente remettido á commissão do orçamento o officio do ministerio da fazenda de 27 do mez passado, que acompanhou as representações da camara municipal de Villa Nova de Gaia, nas quaes pede que lhe seja entregue ametade dos direitos do consumo do vinho — cobrados dentro das barreiras da dicta villa, como fôra concedida á camara municipal do Porto, pela carta de lei de 7 de abril de 1838..

A commissão examinou as tres representações da camara de Villa Nova de Gaia de 2 de junho de 1848, 11 de maio de 1849, e 94 de outubro de 1851 as informações do governador civil do Porto, do director da alfandega da mesma cidade, e da direcção das alfandegas e impostos indirectos do thesouro publico, e a resposta do procurador geral da corôa

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Deste exame resulta que a camara municipal de Villa Nova de Gaia se acha privada da faculdade de lançar impostos sobre o consumo do vinho, que a todas as camaras municipaes é concedida pelos artigos 137.º e 142.º do codigo administrativo do reino; — que a mesma camara não tem meios necessarios para occorrer ás suas despezas, que, segundo o oiça-mento approvado por decreto de 6 de junho de 1816, ciam de 22:530$392 réis, sendo a receita apenas de 8:950$050 reis, que a sua divida ao cofre do districto em 30 de junho de 1845 era de 21:482$138 réis; e que finalmente as auctoridades, que sobre este objecto foram mandadas informar, são concordes em que se conceda a camara de Gaia, pela alfandega do Porto, uma quota do rendimento dos direitos do vinho consumido na mesma villa.

Não convem aos interesses da fazenda publica permittir á camara e conselho municipaes de Gaia addicionar algum imposto aos direitos de consumo estabelecidos por lei, nem conceder á mesma camara a pedida ametade dos direitos do consumo dos vinhos; porque no triennio de 1839, 1840 e 1811, o termo medio do rendimento dos dictos direitos foi de -1:572$320 réis; e no de 1815, 1816 e 1847, foi de 19:245$+90 íeis. Qualquer imposto addiciona! municipal faria diminuir este rendimento do estado, que tem ido em augmento. Cumpre todavia notar que este rendimento não é só proveniente do vinho destinado para o consumo dos habitantes de Gaia, mas tambem do que, despachado para consumo, é applicado para completar os cascos de vinho de primeira qualidade armazenados em Villa Nova de Gaia para a exportação da Europa. A lei reconhece que, durante o tempo em que os vinhos de primeira qualidade estão em deposito, tem um certo desfalque em pipa, que ordinariamente é supprido pelo vinho de segunda qualidade.

As bem conhecidas circumstancias da fazenda publica não permittem por ora dar para a camara de Gaia senão unia pequena somma; por isso a commissão, conformando-se com a opinião emittida pela direcção das alfandegas e impostos indirectos do thesouro publico em 13 de março de 1849, tem a honra de offerecer á vossa discussão e approvação o seguinte projecto de lei.

artigo 1.º Será entregue á camara municipal de Villa Nova de Gaia, pela thesouraria da alfandega do Porto, em prestações mensaes, a quantia de um, conto e seis centos mil réis, tirada do producto dos direitos do consumo do vinho maduro e verde cobrados nas barreiras da mesma villa.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contra lio.

Sala da commissão, 30 de junho de 1 852. — João José Vaz Preto Giraldes (com declarações) — Antonio Cesar de Vasconcellos — José da Silva Passos = José Maria do Casal Ribeiro — Francisca Joaquim Maya =. Barão d'Almeirim — Faustino da Gama — Manoel da Silva Passos — José Joaquim da Silva Pereira = Custodio Manoel Gomes (com declarações) s. José Ferrea a Pinto Basto — Thomaz d Aquino de Carvalho = José Maria Grande — Antonio Maria Ribeiro da Costa Holtreman = Antonio d'Oliveira Marreca.

O sr. Barão de Almeirim — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Estimarei que este meu requerimento não tenha a sorte desgraçada, que têem tido outros que tenho apresentado nesta sessão; porque apenas um foi satisfeito pelo governo. Faz hoje um mez que eu apresentei aqui um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo, especialmente do rendimento das sete casas depois da reforma, e nos mezes correspondentes aos annos anteriores á reforma; e outro sobre o modo porque se tem executado o decreto que mandou estabelecer a reorganisação do celleiros communs, e até hoje ainda não vieram (que eu saiba) estes esclarecimentos. Estimo que este que agora mando para a mesa, tenha uma sorte mais feliz. O sr. Antonio Emilio: — Mando para a mesa a declaração — de que fallei á sessão de hontem por motivos fortes, que me embaraçaram de comparecer. A camara ficou inteirada.

O sr. Alves Martins: — Mando para a mesa uma representação da companhia geral da agricultura das vinhas do Alto-Douro, em que pede á camara que tome em consideração a situação em que ella se acha, em relação a uma proposta que aqui apresentou o sr. Maya, para serem pagos os precatorios passados sobre a junta do deposito publico da cidade do Porto, pois espera que a camara attenda aos creditos que a mesma companhia tem sobre o governo.

O sr. Jacinto Tavares. — Sr. presidente, pedi a palavra, não tanto para advogar a causa de um individuo, como para chamar d attenção da camara, e dos srs. ministros da corôa (que muito sinto aqui se não acharem) sobre um desagradavel acontecimento que terá logar dentro em poucos dias, e que comporta, nada menos, que uma perda consideravel para a nação, e um grande desdouro para nós!

Sr. presidente, corre por ahi, e corre como toda a certeza a triste e desagradavel noticia de que o sr. Antonio Feliciano de Castilho se retira de Portugal para o Brasil a 13 ou 14 do corrente mez, a fim de ir alli procurar, aos 53 annos da sua idade, Os meios que aqui lhe faltam de alimentar a sua familia, e de tractar da educação de seus caros filhinhos!.. E consentiremos nós, sr. presidente, que por similhante causa se retire do paiz esse homem singular, esse homem verdadeiramente extraordinario, que, não obstante ter a infelicidade de perder, aos 6 annos de idade, totalmente a vista, com admiração, e assombro de todos se formou na universidade de Coimbra, sem poder em toda a sua vida ter lido, nem ao menos, duas linhas de um compendio?!.. Esse escriptor eximio, esse poeta famigerado, que com tanta gloria nacional tem enriquecido a nossa litteratura com suas numerosas e excellentes obras 1 Esse mestre de quasi todos os nossos jovens poe as, que tanta honra já dão á sua patria, aos quaes elle com toda a benevolencia e amor tem por tantas vezes conduzido, como pela máo ao Helicon e ao Parnazo, e dado generosamente a beber as cristallinas e inspiradoras aguas da Hippocrene?.. Consentiremos nós, sr presidente, que, por similhante causa emigre do paiz em que nasceu, esse homem verdadeiramente humanitario, que preferiu ao doce e mimoso tracto das musas a que desde menino estava acostumado, o amor do povo portuguez, a cuja illustração se tem totalmente dedicado nestes ultimos annos, procurando empregar todo o seu talento, todas as suas profundas meditações, todo o seu tempo, e talvez parte do apoucado pão da sua familia em inventar, como felizmente tem inventado, um methodo simples, ameno, e recreativo, pelo qual se pode, sem repugnancia, aprender a lei e escrever com toda a fa-

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cilidade honra ás nações mais cultas; e no qual se vê profundamente gravado o cunho da rapidez, com que a providencia, pelos seus altos juizos, parece ler querido caracterisar as invenções do nosso seculo; e isto sem nenhuma outra recompensa mais do que a gloria de ver já fundadas, por toda a superficie do reinos e das ilhas mais de 100 escólas, em que gratuitamente se ensinam milhares de filhos do povo.'!... Consentiremos nós, sr. presidente, que a patria perca um filho que tantos e tão grandes serviços lhe tem feito, e que muitos outros póde, deseja e ha de fazer-lhe, se a vida lhe não faltam Não, certamente não, srs. deputados; em tal não haveis consentir; porque todos vós sois homens de letras, e nós todos, como portuguezes e deputados, amamos e não podemos deixar de amar os interesses, a gloria e a honra da nação a que pertencemos, e de que somos representante:.

Longe de nós o darmos motivo a que nossos vindouros nos avaliem tão mal, como nós ainda hoje avaliamos os contemporaneos do nosso principe dos poetas! Longe de nós o darmos causa a que lá para o futuro venha algum dia o Brasil disputar a Portugal a naturalidade do sr. Castilho, e dos seus cinco talentosos filhinhos; porque essa questão seria para Portugal ião desairosa, como foi para sete cidades da antiguidade a que entre ellas se agitou sobre a naturalidade do principe dos poetas gregos, a quem ainda vivo e depois de cego nenhuma dellas livrou da mizeria e da necessidade de andar mendigando o pão do seu sustento!

Espero portanto, srs. deputados, que haveis de concorrer da vossa parte quanto puderdes para que se evite este mal. (Apoiados)

Fundado pois nessa esperança, tenho a honra de remetter para a mesa o seguinte:

Requerimento: — Requeiro que o governo, por meio do sr. ministro competente, venha quanto antes propôr a esta camara os meios, que lhe parecerem mais convenientes, para remover a causa que obriga o sr. Antonio Feliciano de Castilho a sair do paiz. — J. J. Tavares.

Foi declarado urgente, e entrou em discussão.

O sr. José Estevão. — Sr. presidente, a proposição do illustre deputado está mais que recommendada, porque a recommenda o assumpto, o interessado, e o illustre orador. Eu não me levantei senão para concertar com a camara o meio de tractarmos deste negocio do modo mais proprio a dar um prompto resultado favoravel á pessoa de quem se tracta, e honroso para o paiz, porque a questão é de honra e de interesse nacional. (Apoiados)

Parece-me que será conveniente esperar a presença do sr. ministro do reino; porque quaesquer que sejam as idéas do governo, e que as parcialidades politicas possam ler, não póde ignorar-se-lhes agrando tendencia de protecção para todos os homens de grande talento, e que illustram o povo. Não sei mesmo, talvez que devamos attribuir a modestia muito louvavel da pessoa de que se tracta, o ver-nos quasi obrigados a tomar conhecimento de assumptos desta ordem. A não ser isto, talvez o governo tivesse por si mesmo meios com que podesse vir a aproveitar um dos talentos mais raros da nossa terra, o do sr. Castilho. Sobre tudo seria muito louvavel que se tire todo o partido da sua instrucção de leitura repentina, quero dizer para se collocar á testa destas escólas de instrucção, que se têem creado, e de que nós estamos mais precisados do que de outra qualquer applicação, visto que a instrucção entre nós é tão acanhada e mesquinha que quasi podemos perder a esperança de ensinar a lêr a geração nossa coeva, porque da creação de escólas, sem ter á testa dellas homens que tenham a energia bastante para lh'a fazer conhecer, pouco se póde esperar.

Limito-me a pedir que se adie a discussão até estar presente o sr. ministro do reino, para que logo que appareça se lhe dê conhecimento desta proposta, porque é mais que provavel que s. ex. consiga um meio de collocar o sr. Castilho convenientemente; e eu não quero só que se ponha impedimento á partida deste benemerito cidadão para o Rio de Janeiro, mas quero que se aproveite no serviço publico.

Desgraçadamente o orçamento entre nós não chega para nada, porque dá de comer a muito servidor do estado, mas a intelligencia tem nelle uma fraca dotação. E necessario dota-la convenientemente, porque sem intelligencia não se governam os estados. (Milo bem)

O sr. Avila: — Eu fui provenido em quasi tudo que acabou de dizer o sr. deputado José Estevão; mas a minha opinião relativamente ao modo como se propoz esta questão, é diversa da do illustre auctor do requerimento. Eu intendo que o nobre deputado devia converter este requerimento em uma interpellação ao sr. ministro do reino, porque se por ventura esse requerimento fosse posto á votação da camara da maneira como está redigido, eu com muita pena minha havia de ver-me obrigado a votar contra, elle, porque não póde por fórma nenhuma provocar-se da camara uma votação para que o ministerio venha propôr nesta casa uma pensão contra os principios que se têem estabelecido, isto é, que a iniciativa sobre pensões é da attribuição do poder executivo.

Eu peço pois que logo que estiver presente qualquer dos membros do governo que tem de assistir necessariamente á questão que se discute nesta camara, e digo qualquer membro do governo, porque eu não julgava mesmo necessario, que a interpellação tivesse logar unicamente em relação ao sr. ministro do reino, uma vez que o nobre deputado chamasse a attenção de qualquer dos membros do governo sobre este objecto, que não póde deixar de manifestar-se favoravel á opinião do nobre deputado; este membro do gabinete havia de concertar com os seus collegas, e combinarem entre si os meios de poder remediar aquillo que se chama uma calamidade para o paiz, e no que estou de accôrdo.

Por consequencia não querendo eu que este negocio se adie, e porque me parece que poderia resolver-se por este meio mais depressa, indico-o como o mais proprio para resolver a questão.

Escuso de levantar a minha voz relativamente ao merito reconhecido do cavalheiro de que se tracta; d inutil qualquer testemunho a este respeito, porque se acha tanto na confissão do proprio auctor do requerimento, como no que acabou de dizer o sr. José Estevão, como na convicção de todos a este respeito.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, pelo que eu vejo, todos estão de accôrdo neste assumpto, e nada ha mais que dizer. A proposta do illustre deputado foi bem acceita pela camara, e eu presto-lhe tambem o meu fraco apoio, e o contingente do meu

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Voto, e por esta circumstancia póde-se desculpar com sinceridade todo e qualquer desvio de curialidade que haja na proposta. O nobre deputado conseguiu o seu fim que é chamar a attenção do governo, porque póde dar-se o caso que o ministro a quem respeita este negocio, não venha á sessão de hoje. Mas a proposta foi para a mesa, a camara acceitou-a para que fosse tractada com brevidade, e então é de esperar que o sr. secretario mande participar esta resolução da camara ao sr. ministro do reino, que virá na segunda feira, e então poder-se-ha tomar uma decisão sobre este assumpto.

Sobre a materia da proposta junto a minha opinião á opinião do illustre deputado; e se acaso o nobre deputado não tivesse feito a proposta, eu teria tido muito gosto em a fazer; mas póde contar com o meu voto, e creio que com o de todos os nossos collegas, (Apoiadas) Portanto parece-me que em V. ex.ª ou o sr. secretario dando conhecimento da proposta do nobre deputado ao sr. ministro do reino, s. ex. terá a bondade de vir á camara dizer o que determina a esse respeito.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Duas idéas vogaram na discussão; a primeira apresentada paio sr. Estevão para que se adiasse a discussão desta proposta até estar presente o sr. ministro do reino; a segunda apresentada pelo sr. Avila para que se adiasse até estar presente algum dos srs. ministros.

O sr. José Estevão: — Ha ainda uma terceira idéa, porque realmente supponho que este assumpto não póde deixar de ser tractado de preferencia na presença do sr. ministro do reino, que não tardará muito que venha, e se não vier, não ha inconveniente nenhum em que o objecto fique para segunda-feira, communicando-se a s. ex.ª segundo o expediente do sr. Cunha...

(O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu retiro essa idéa, para não embaraçar a questão...

(Entrou o sr. Ministro da fazenda: — Vozes. — Acabou a questão).

O sr. Presidente: — Como entrou o sr. ministro da fazenda eu vou instrui-lo do que se tem passado na camara. O sr. Jacinto Tavares mandou para a mesa a seguinte proposta (Leu). O illustre deputado ponderou que o sr. Castilho ía sair do paiz por motivo, parece, de escacez de meios, e concluiu com esta proposta que a camara considerou urgente. Depois o sr. José Estevão propoz que a discussão se adiasse até estar presente o sr. ministro do reino, e e o sr. Avila até que estivesse presente algum dos srs. ministros, e agora estava para se votar.

O sr. Jacinto Tavares: — Sr. presidente, sendo novo na vida parlamentar, talvez não tenha seguido neste negocio as formulas devidas; mas tenho docilidade bastante, para adoptar o que se me indica, como melhor meio de chegar ao fim, que vejo, com prazer, que todos nós queremos attingir.

O sr. Avila: — Eu desejo que o sr. ministro da fazenda veja quaes foram as razões que tive para pedir que o negocio fosse adiado até entrar algum dos srs. ministros da corôa. Eu declaro que, sem embargo das razões que tinha apresentado o illustre auctor da proposta, eu sentia que estivesse redigida em termos, que, se fosse posta á votação, eu havia de votar contra ella, porque a achava em desharmonia com 05 principios que esta camara tinha já admittido a respeito de questões que tinham alguma analogia com esta, e não quererei nunca que nos vamos intrometter nas attribuições do poder executivo: por consequencia eu havia de votar contra a proposta pela forma porque estava redigida; mas intendendo que a intenção do illustre deputado, auctor da proposta, era chamar a attenção do governo sobre a sahida deste benemerito cidadão e as causas que a motivaram, eu julgava que, em logar do requerimento, o illustre deputado devia contentar-se em dirigir ao governo uma interpellação expondo essas mesmas considerações, e deixar ao governo o resolver o negocio pelo modo que julgasse mais conveniente. Accrescentei que me parecia, que apesar deste negocio pertencer directamente ao sr. ministro do reino, tanto importava que fossem as ponderações feitas diante do sr. ministro do reino como de qualquer outro membro do gabinete, porque esse membro do gabinete o que podia fazer (e peço perdão por aventar a minha opinião a este respeito) era ouvir as ponderações do illustre deputado e as manifestações da camara, e concertar com os seus collegas sobre o meio mais conveniente e mais regular de chegar ao fim que se desejava, meio que se precisasse do concurso do poder legislativo, o governo ficava prevenido para o vir apresentar ao parlamento. Aqui estão as considerações que eu fiz. Julgo desnecessario accrescentar que eu uni os meus votos aos do illustre deputado e do sr. José Estevão que já tinha fallado sobre o assumpto, para desejar que o negocio fosse resolvido por maneira que se obtesse o resultado que pretende o illustre auctor do requerimento.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — É certo que o governo sabe, ou lhe consta que o illustre cidadão a quem se refere a discussão actual, tenciona sahir do paiz, talvez porque não se julga habilitado para poder continuar a viver aqui em consequencia de poucos meios. O governo tem o maior desejo de que se não effectue esta retirada, que é um pouco desagradavel para o paiz, e para a administração que está á frente dos negocios (Apoiados). O governo tem a intenção de procurar os meios, que cabem nas suas attribuições, para poder evitar esta retirada; (Apoiados — Muito bem) se comtudo julgar que não pode dentro da esfera das suas attribuições chegar ao fim a que se propõe, o governo virá pedir o concurso do poder legislativo para poder conseguir o fim do illustre deputado (Apoiados — Muito bem.) Creio ler nesta parte satisfeito aos desejos do nobre deputado, e que creio que são tambem os desejos da camara. (Muitos apoiados).

O sr. Presidente: — Não sei se em vista da explicação do sr. ministro da fazenda o sr. Jacinto Tavares quer ainda, que haja votação sobre a sua proposta. (Vozes: — Retire, retire)

O sr. Jacinto Tavares: — Eu retiro a proposta.

O sr. Presidente: — Então declarar-se-ha na acta que o sr. deputado se deu por satisfeito com a explicação dada pelo sr. ministro.

O sr. Santos Monteiro: — Mando para a mesa cinco pareceres da commissão de fazenda.

O sr. Magalhães Coutinho; — Pedi a palavra para mandar, para a mesa essas representações dos empregados da liquidação da secretaria da guerra, pedindo algumas providencias a esta camara, relativas á sua collocação e vencimentos.

O sr. Barão d'Almeirim: — Pedi a palavra sim-

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plesmente para declarar á camara, que depois que eu fallei aqui, ainda agora, queixando-me de não terem sido satisfeitos alguns requerimentos meus, fui informado de que effectivamente hoje tinha chegado satisfeito um desses requerimentos; mas ainda não estão todos; fiz esta declaração porque não gosto nunca, nem desejo ser tachado de falta de lealdade, quando fallo sobre qualquer objecto.

O sr. Corrêa Caldeira: — Como felizmente está presente na primeira parte da ordem do dia o sr. ministro da fazenda, desejaria que s. ex.ª tivesse a bondade de declarar primeiro se exigiu os esclarecimentos que eu pedi quando a celleiros communs, de que já em outra occasião fallei estando presente o sr. ministro; o em segundo logar se s. ex.ª transmittiu á junta do credito a requisição da commissão de fazenda desta camara, que exige que a junta do credito publico remetta o recenseamento dos individuos credores da junta que pelo sou rendimento estão em circumstancias de serem membros da mesma junta. Escuso de lembrar á camara que este negocio é de muita urgencia e importancia, porque delle depende o acabar a situação illegal em que está a junta do credito publico. Ha a anciedade publica a este respeito, e ha além de tudo o mais a necessidade do cumprimento da lei. Eu espero que o sr. ministro tenha dado as suas ordens para que se satisfaça a exigencia da camara, e este negocio acabe. Eu queria que s. ex.ª tivesse a bondade de dar uma explicação a este respeito.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Em quanto á primeira parte do requerimento devo dizer, que não só dei já as minhas ordens, mas até me parece que deverá ter chegado á camara a resposta ao requerimento; pelo menos já me apresentaram o officio de informação que deve vir á camara, e já o approvei; e penso que deve ler chegado; se não chegou, é objecto que deve vir em poucos momentos.

Em quanto á outra parte que locou o nobre deputado, posso affirmar á camara que assignei a portaria para a junta do credito publico, em que se lhe determina que satisfaça ao que foi proposto pela commissão de fazenda da camara dos srs. deputados, e que ella ha de cumprir em conformidade das ordens da governo.

O sr. Cunho Sotto-Maior: — Como está presente o sr. ministro da fazenda, queria que s. ex.ª tivesse a bondade de declarar se me póde responder a uma interpellação que annunciei a s. ex.ª acêrca da venda dos bens nacionaes. Para mim a questão parece-me clara; mas varios compradores de bens nacionaes, e alguns licitantes encarregaram-me de eu exigir do sr. ministro da fazenda, que declarasse se na venda dos bens nacionaes com fóros, censos e pensões, estes direitos dominicaes ficavam pertencendo ao comprador, ou se revertiam a favor da fazenda publica.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Posso satisfazer ao illustre deputado dizendo que sempre se tem intendido no thesouro que os direitos dominicaes passam para o comprador na occasião em que se vende a parte dos bens nacionaes a que elles estão ligados. Se o illustre deputado precisa mais alguma explicação a este respeito, trarei os documentos necessarios para poder responder, e então gerei mais extenso e explicito; mas parece-me que com esta minha resposta satisfaço ao fim principal a que se propunha o illustre deputado.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto n. 7, acêrca dos actos da dictadura.

O sr. Presidente: — Continua com a palavra o sr. Cunha Sotto-Maior.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, hontem coube-me a palavra muito tarde, e tão tarde que eu apenas pude indicar á, camara o resumo do]que tencionava dizer: se v. ex.ª e a camara me dão licença eu recapitularei em poucas palavras o que disse hontem.

Eu tinha dicto que não me sendo possivel examinar em uma só discussão 235 decretos da dictadura, circunscreveria o meu exame a quatro dos seus decretos, sendo um o decreto de 30 de agosto que arrancou ao banco o fundo de amortisação, o decreto de 11 de outubro que alterou a legislação vinhateira do Douro, o decreto sobre a nossa conversão, e o decreto sobre o codigo penal. Eu declarei francamente á camara que entrava nesta discussão sem fé, e sem a mais pequena esperança; e que fallando-me estas duas qualidades, a camara não devia estranhar que me faltasse tambem a da caridade, porque eu tinha rigorosa obrigação de ser inexoravel para com os homens que eu, encontrava surdos diante de todos os clamores de pautos direitos offendidos, desattenciosos para com tantas supplicas, e pertinazes diante de tantos desvarios. Disse que não commetteria a ridicula puerilidade de discutir, se a dictadura foi legal ou illegal, visto que o governo e a commissão tinham combinado ambos na, illegalidade da dictadura. Como a hora estivesse para dar, e eu não quizesse truncar p meu discurso, limitei-me a fazer algumas reflexões sobre alguns periodos do discurso do sr. ministro da fazenda, que, repilo, pelo escandalo da sua inexactidão feriram-me, e feriram-me muito.

Estava eu quando deu a hora lendo um periodo do discurso do sr. ministro da fazenda, que eu torno a lêr, porque quero proceder nesta questão com summa franqueza e summa lealdade. Se por acaso na leitura do periodo que eu fizer do discurso do sr. ministro da fazenda, houver alguma passagem, alguma frase, uma palavra sequer que não seja exacta, estou prompto a receber toda e qualquer admoestação que o sr. ministro da fazenda tenha a bondade de me fazer.

Sr. presidente, é realmente pequeno, permitta-me a camara esta frase, é realmente ridiculo que um parlamento esteja a discutir se uma lei é um contracto ou não é um contracto. Parecia-me, sr. presidente, e creio que me parecia muito bem, que toda a lei, como é a conservação de direito? e é a imposição de deveres, era um contracto; e parecia-me que a posse em que o banco estava do fundo de amortisação, era em resultado de um contracto bilateral, de um contracto rigoroso, de um contracto synallagmatica) mas com pasmo e admiração minha ouvi o sr. ministro da fazenda declarar que não era contracto. E quer a camara saber porque não era contracto? Era porque não estava assignado por um tabellião! De sorte que acima de todos os poderes publicos, acima das decisões do parlamento, acima dos actos da dictadura, acima da assignatura da Rainha, ha uma entidade neste paiz que é o tabellião! (Risadas)

Mas o decreto de 19 de novembro deu o fundo

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de amortisação ao banco.» O sr. ministro da fazenda diz: mas não vejo lá a assignatura do tabellião, et Mas o parlamento confirmou a posse do fundo de amortisação ao banco.» O sr. ministro da fazenda diz: mas o tabellião não exarou isso n'umas notas. Mas a Rainha assignou os actos da dictadura e do parlamento, deu-lhes a sua sancção.» Mas o tabellião não confirmou a sancção da Rainha! De maneira que acima da dictadura, acima do parlamento, acima da Rainha, acima de todos os poderes publicos, acima «la lei, acima da respeitabilidade da conservação de direitos e da imposição de deveres ha neste paiz uma entidade que é o tabellião! (Risadas)

Ora, sr. presidente, já eu vejo que foi em virtude da sorte futura que estava reservada aos tabelliães que Camões de entre os palmares da India e margens do Ganges, queimado e abrazado pelos raios ardentes do sol do Oriente, escrevia estes versos

a Cesse tudo o que a Musa antiga canta Que outro valor mais alto se levanta.»

Era o tabellião! (Risadas geraes)

Ora eu tenho admirado a isenção honrosa do sr. ministro da fazenda; eu via que todos os collegas de s. ex. se arreavam com cruzes e grã-cruzes, que todos se promoviam a titulares, que todos se vestiam de arminhos de por, e ficava admirado de vêr a isenção do sr. ministro da fazenda, o desprendimento de s. ex.ª para todos estes atavios; e eu julgava muito bem, que esta isenção da parte do nobre ministro era uma abnegação honrosa; mas enganei-me. Eu vou explicar a abnegação do sr. ministro da fazenda; é que o sr. ministro como sabe que ha na capital um logar de tabellião vago, quer ser tabellião (Risadas geraes) e então quando saír do ministerio em logar de par do reino, de grã-cruz, ou de ministro em qualquer côrte estrangeira quer o tabellionato, porque este e o primeiro poder desta terra, a Rainha, o parlamento, a dictadura, os ministros, são tudo actos addicionaes, mas o tabellião é em religião o papa e em poderes publicos o autocrata. O tabellião não sanccionou o decreto de 19 de novembro, logo não presta esse decreto. De sorte que o sr. Antonio Simão de Noronha, e o sr. Frederico Bartholomeu valem mais que o parlamento, que a camara dos deputados, e a dos pares, que a dictadura, que os ministros, que a Rainha, e que a lei! Ora, sr. presidente, diga-me V. ex. é isto serio?..

Mais, sr. presidente, o decreto de 19 de novembro, em todas as decisões do parlamento, em todos os actos dimanados dictatorialmente do ministerio está confessado, está reconhecido tanto quanto litteralmente, tanto quanto grammaticalmente se póde confessar e reconhecer que é um contracto bilateral, oneroso, e synallagmatica, e só uma ignorancia crassa e supina é que póde negar a evidencia deste facto, a exactidão desta verdade.

O governo de então dirigiu-se ao banco, e disse: — Quereis pagar as notas promissorias a companhia Confiança Nacional? Quereis emprestar 300 contos ao governo? Quereis emprestar 300 contos ao contracto do tabaco? Quereis amortisar por mez 18 contos de notas? Quereis tornar a vosso cargo o emprestimo de 4:000 contos? Quereis isto, quereis aquillo? O banco respondeu — Quero, mediante estas condições. Pois se quereis, mediante essas condições (disse o governo), ahi tendes o decreto de 19 de novembro. Não é este accôrdo um contracto! Desde que o mundo é mundo não é assim que se contractou sempre?

Vou dar-vos, senhores, a synopse historica da organisação do banco de Portugal.

Em 4 de novembro de 1816 expediu o ministerio da fazenda varias portarias á direcção do banco de Lisboa e á direcção da companhia Confiança Nacional, com a copia authentica das disposições fundamentaes de um projecto de credito para rehabilitar o banco, regularisar o meio circulante, assegurar o pagamento de varios creditos sobre o estado, reanimar a confiança, e melhorar o credito publico. Nas mencionadas portarias sollicitava o governo das referidas direcções, que lhe communicassem com a maior brevidade possivel, se por parte das respectivas corporações, se annuia ás sobredictas disposições fundamentaes.

Em 6 do dito mez, a direcção do banco deu conhecimento das disposições fundamentaes á assembléa geral, que elegeu uma commissão para as examinar, e dar o seu parecer. No mesmo dia a direcção da companhia Confiança Nacional conferenciou com a commissão geral dos seus accionistas, e reconhecendo a commissão que a direcção estava auctorisada para resolver o negocio de que se tractava, declarou, por unanimidade de votos, que a direcção concluisse este assumpto, como julgasse mais conveniente.

No dia 10 reuniu-se novamente a assembléa geral do banco de Lisboa, para resolver sobre o parecer da sua commissão que propoz algumas substituições, additamentos e emendas de redacção nas disposições fundamentaes. Discutiu-se e approvou-se o parecer da commissão.

No dia 11 a direcção do banco communicou ao governo a annuencia da assembléa geral ás disposições fundamentaes, salvas as modificações especificadas. No dia 12 fez outro tanto a direcção da companhia Confiança Nacional.

Em virtude pois do accôrdo entre o governo, o banco de Lisboa, e a companhia Confiança Nacional, publicou-se o decreto de 19 de novembro, declarando-se expressamente no relatorio, que o precede — que por parte de ambas as corporações fóra accordado nos termos em que a sua juncção poderia levar-se a effeito.

Então, senhores, houve ou não houve accôrdo? Ha ou não ha contracto?

Sr. presidente, o meu antigo amigo e collega, o sr. ministro da fazenda, discorrendo sobre o decreto de 30 de agosto, e vantagens do caminho de ferro, disse — «que não contava que existisse neste paiz uma corporação, que defendesse tão apaixonadamente os interesses apparentes do estabelecimento que dirigia, e que os sacrificasse aos grandes interesses do paiz; e que estava persuadido de que se por parte do banco se não tivesse promovido o descredito do governo, o ministerio teria obtido os meios que pertendia»; mas peço licença a s. ex. para lhe dizer, que a sua asserção não é exacta.

Os interesses que o banco defendia e defende, não eram nem são apparentes; eram e são importantes e serios. Resiste a que, em troca de garantias reaes, lhe dê o governo obrigações do thesouro, que não valem cousa alguma. O banco, pelo artigo 33 da sua carta organica, não póde entrar em negociações de risco, e negociações de risco são, por via de regra, as emprezas dos caminhos de ferro. Não obstante esta consideração, offereceu a direcção interessar-se na factura do

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caminho de ferro com a quantia avultada de 1:000 contos de réis. Quando o banco prevenia os capitalistas nacionaes e estrangeiros, que não acceitassem como penhor de futuros emprestimos as inscripções que o governo arrebatára, pertencentes ao fundo de amortisação, e que estavam em deposito na junta do credito publico, não desacreditou a nação; porque quatro ministros, calcando aos pés as leis, ferindo direitos sagrados, e desprezando deveres respeitaveis, não são a nação portugueza. O banco representou contra o decreto de 30 de agosto, reclamou contra as suas disposições, protestou contra os seus effeitos; dirigiu-se em corporação ao palacio das Necessidades, e depositou nas mãos da Soberana a sua mais que justa reclamação: o governo respondeu que a O decreto de 30 de agosto havia ser infallivelmente cumprido. Achaes, senhores, depois desta succinta, mas verídica exposição, que o banco se desmandou? Em que Como? O banco fez o que lhe cumpria que fizesse: ferido nos seus interesses, reclamou; desattendido na sua reclamação, expoz ao publico a injustiça que soffria, e a norma do seu procedimento. Nada mais legal, e nada mais franco.

Sr. presidente, continuando nas suas arguições ao banco, disse o sr. ministro da fazenda ácerca das difficuldades que encontrára para os meios da estrada de Lisboa ao Porto «que linha pertendido levantar dinheiro nas praças estrangeiras, porque os capitalistas portuguezes não lho emprestavam, e não o ía pedir ao banco, porque lho negava. Que o banco de Portugal estava acostumado a fazer emprestimos ao governo, não para obras publicas, mas para supprimentos ao thesouro; e que havia de mostrar á camara o sudario vergonhoso dos emprestimos do banco, e a origem dos seus creditos.

Tambem não é exacta esta asserção do sr. ministro. O banco do Porto offereceu ao governo a quantia de 400 contos para a estrada de Lisboa ao Porto, ao juro de 7 por cento; o banco de Portugal offereceu 300 contos a 5 por cento, e prestava-se a gerir gratuitamente os 100 que fallavam, procurando prestamistas particulares: mas o ministerio não acceitou estas propostas, porque em ambas havia a clausula de o governo não tocar nos 400 contos, e porque um cavalheiro, nosso collega e meu amigo, aconselhou em plena sessão, que não gastassem 400 contos de réis na estrada de Lisboa ao Porto, e que tractassem dos caminhos de ferro Pois se o banco de Portugal offereceu a subscripção de 1:000 contos de réis para o caminho de ferro; se o banco do Porto, e o de Portugal offereceram 400 contos para a estrada macdamisada de Lisboa ao Porto, como, e para que diz o sr. ministro da fazenda, que os capitaes portuguezes se recusaram formalmente a todo e qualquer emprestimo para obras publicas? Para que servem estas inexactidões? Que espera lucrar o sr. ministro com ellas?

Em quanto ao sudario vergonhoso dos emprestimos feitos pi lo banco, como não sei até que ponto mereça credito esta asserção, estou resolvido a esperar pelos resultados da commissão de inquerito, nomeada pela camara. Mas posso desde já lamentar, que tendo o sr. ministro da fazenda uma opinião tão pouco favoravel a respeito do banco, offerecesse a este estabelecimento, pernicioso ao paiz, a cobrança das contribuições directas de todo o reino, e o auctorisasse a ler, ainda que indirectamente, agentes seus

financeiros em mais de 500 concelhos, com acção immediata sobre os contribuintes.

Disse mais o sr. ministro — que o banco apresentava continuamente difficuldades sobre difficuldades, pedindo garantias sobre garantias, tudo com o proposito de enxovalhar o governo; e que, pedindo o governo a ridicula quantia de 70 contos ao banco do Porto sobre letras do contracto do tabaco, não pudera realisar esse emprestimo, em consequencia da influencia que o banco de Portugal exercia sobre o banco do Porto.

O banco leve muita razão para pedir garantias sobre garantias. O banco fazia emprestimos, e recebia letras da secretaria da fazenda, sem hypotheca alguma, leiras que nunca foram pagas com pontualidade. Se o banco do Porto não emprestou 03 70 contos, que o sr. ministro pedia sobre letras do contracto do tabaco, é porque no Porto alguem haveria ao facto da proposta apresentada em 7 de março para a rescisão do contracto do tabaco.

Passo, sr. presidente, a tractar do decreto de 30 de agosto, que privou o banco da posse do fundo de amortisação.

Em maio de 1816 houve uma revolução neste paiz. Os cavalheiros, que em virtude, ou por força maior desse acontecimento, a Soberana chamou ao seu conselho, julgaram que deviam assumir a dictadura, e effectivamente concentraram em si todos os poderes. Um dos actos do ministerio de maio de 1846, foi o decreto do 1.º de outubro, que creou na junta do credito publico a caixa de amortisação. Peço licença á camara para lêr esse decreto, que é o seguinte:

«Sendo indispensavel e urgente fixar os meios de prover ao supprimento do deficit da despeza corrente a cargo do thesouro publico, que se vencer até que comece a effectuar-se a cobrança da decima e impostos annexos do anno proximamente findo; e convindo providenciar sobre este importante objecto, de maneira que possam igualmente ser attendidas outras obrigações anteriores, conforme opportunamente fôr determinado; Hei por bem, ouvindo o conselho de estado, decretar p seguinte:

«Artigo 1.º E creada na junta do credito publico, e debaixo da sua immediata gerencia, uma caixa de amortisação, para serem por ella pagos e satisfeitos os encargos provenientes da receita, que o governo houver de crear, a fim de supprir o deficit da despeza corrente, até que principie a cobrança da decima e impostos annexos; e para satisfazer aos outros fins que legalmente forem decretados.

«Art. 2.º A caixa de amortisação é desde já dotada:

«1.º Com os fóros nacionaes, comprehendendo-se nesta expressão todos os fóros, censos e pensões, e quaesquer direitos dominicaes, que pertençam ou venham a pertencer á fazenda publica.

«2.º Com quaesquer outros bens nacionaes, que igualmente pertençam ou venham a ser adjudicados á mesma fazenda.

«3. Com todas as dividas activas dos extinctos conventos e corporações religiosas.

«4.º Com todas as dividas provenientes de impostos vencidos até 31 de dezembro de 1841.

«5.º Com 100 contos de réis, deduzidos dos rendimentos das alfandegas, desde o fim do actual anno economico em diante.

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«6. Com Os juros de quaesquer bonds, apolices e inscripções de divida fundada, interna e externa, que de qualquer maneira forem sendo resgatados.

«Art. 3.º O thesouro publico continuará a administrar os bens e a promover a arrecadação dos rendimentos mencionados no artigo antecedente; mas todo o seu producto entrará directamente na caixa de amortisação.

«Art. 4.º Por um decreto especial será regulada a alienação dos fóros e mais bens pertencentes á fazenda publica.

«Art. 5.º A despeza que a gerencia da caixa de amortisação occasionar, será paga pelo rendimento da mesma caixa.

«Os ministros e secretarios de estados das differentes repartições o tenham assim intendido, e façam executar. Paço de Belem, em o 1. de outubro de 1816. = RAINHA. — Duque de Palmella Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque — Visconde de Sá da Bandeiras Joaquim Antonio de Aguiar = Conde de Lavradio — Judio Gomes da Silva Sanches.

(Diario do Governo, de 2 de outubro, n.º 232.)

Este decreto foi confirmado pelo de 16 de novembro. A dictadura setembrista de maio de 1846 creou o fundo de amortisação; ‘a dictadura cartista de outubro do mesmo anno, adoptando essa creação, fortaleceu a com novas provisões, tendentes a dar maior alcance ao pensamento dos cavalheiros que referendaram o decreto do 1.º de outubro. Como se não bastasse este accôrdo, o parlamento, pela carta de lei de 16 de abril de 1850, confirmou os decretos do 1. de outubro e 16 de novembro a respeito do fundo de amortisação, tal e qual o publicaram as duas dictaduras.

O decreto de 13 de novembro de 1850 tirou ao banco o fundo de amortisação. Peço-vos, senhores, licença para lêr tanto esse decreto, como a portaria de 14 dirigida ao banco.

«Manda a Rainha, pela secretaria de estado dos negocios da fazenda, transmittir á direcção do banco de Portugal, para sua intelligencia, e execução na parte que lhe lora, a inclusa cópia authentica do decreto de 13 do corrente mez, pelo qual, e em consequencia dos acontecimentos que teem tido logar na direcção do fundo especial de amortisação. Houve a Mesma Augusta Senhora por bem determinar que sejam entregues á junta do credito publico, para se sem conservados em deposito, todos os rendimentos que constituem a dotação especial do dito fundo, ficando suspensas as funcções da mencionada direcção. Paço das Necessidades, em 14 de novembro de 1850. = Antonio José d'Avila. — Para a direcção do banco de Portugal.»

«Tendo em consideração o relatorio dos ministros e secretarios de estado de todas as repartições, e reconhecendo que, em consequencia dos acontecimentos que teem tido logar na direcção do fundo de amortisação, a mesma direcção não póde continuar a funccionar; e não havendo na lei da sua creação meios sufficientes para remover os embaraços que se teem manifestado: Hei por bem ordenar que, em quanto as côrtes não resolverem as propostas que sobre este objecto lhes hão de ser apresentadas pelo Meu governo na proxima sessão, sejam entregues a junta do credito publico, para alli serem conservados em deposito, todos os rendimentos que constituem a dotação especial do dito fundo; ficando entretanto suspensas as funcções da mencionada direcção. Os ministros e secretarios de estado de todas as repartições assim o tenham intendido, e façam executar. Paço das Necessidades, em 13 de novembro de 1350. =: RAINHA. = Conde de Thomar = Felix Pereira Magalhães = Adriano Mauricio Guilherme Ferreri = Visconde de Castellões — Conde do Tojal = Antonio José d'Avila.

Em abril de 1851 houve a regeneração; um dos lameiros actos do ministerio regenerador foi a revogação do decreto de 13 de novembro, que havia, não arrancado ao banco o fundo, mas sim, e ião sómente, po-lo o fundo em simples deposito na junta do credito publico. O decreto de 10 de maio de 1851 restituiu ao banco õ fundo de amortisação. Mas a regeneração não se contentou só com o seu decreto de 10 de maio; fez ainda mais. Todos sabem que o sr. conselheiro Ferrão, vogal do fundo de amortisação, foi o auctor e o mantenedor da resistencio que o fundo oppoz ás ordens do governo, e que a regeneração, em troca deste serviço, agraciou o sr. conselheiro Ferrão com a grã-cruz de Santiago. A regeneração nomeou o sr. Ferrão ministro da fazenda, a regeneração elevou o sr. Ferrão á dignidade de par, e tudo isto porque o sr. Ferrão havia defendido os direitos e immunidades do fundo de amortisação. Hoje porém, essa mesma regeneração arranca ao banco, por meio de uma espoliação violentissima o fundo de amortisação, que os regeneradores da vespera, o do dia depois, tinham jurado respeitar de uma maneira inviolavel. Vou lêr á camara o decreto de 10 de maio de 1851, porque desejo instruir este processo com todos os documentos.

«Ministerio dos negocios da fazenda = Secretaria de estado. = Pelo decreto de 13 de novembro de 1851 determinou Vossa Magestade, que todos os rendimentos, que constituem a dotação especial do fundo de amortisação, fossem entregues a junta do credito publico, para alli serem conservados em deposito, em quanto as córtes não resolvessem as propo-las que sobre este objecto lhes haviam de ser apresentadas pelo governo de Vossa Magestade, ficando entretanto suspensas as funcções da respectiva direcção.

«lista medida foi adoptada pelos motivos que constam do relatorio que precedeu áquelle decreto, e ahi se reconheceu que ella era opposta á lei da creação do fundo de amortisação. Não só por esta razão, mas tambem para evitar a continuação dos graves inconvenientes, e grandes prejuizos que tem soffrido, e estão sofrendo os possuidores das acções sobre o dicto fundo, em consequencia da adopção daquella providencia, intendem os actuaes ministros de Vossa Magestade, que é do seu dever propôr, desde ji, que se declarem. de nenhum effeito as disposições do decreto de 13 de novembro ultimo, reservando-se o governo apresentar opportunamente ás córtes aquellas alterações que por ventura se julgarem convenientes e necessarias na legislação que regula este importante objecto. Por esta fórma ficam attendidas as representações que a direcção do banco de Portugal dirigiu ao governo em 3 e 7 do corrente mez, sobre tão transcendente assumpto, e por isso os ministros de Vossa Magestade consideram indispensavel a providencia que se contém no decreto, que respeitosamente submettem á regia approvação.

«decretaria d'estado dos negocios da fazenda, em

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10 de maio de 1851. — Barão de Nossa Senhora da Luz = Barão de Francos — Marino Miguel Franzini.

«Tomando na devida consideração o relatorio dos ministros e secretarios de estado interinos das diversas repartições: hei por bem revogar o decreto de 13 de novembro do anno proximo passado, que ordenou que tossem entregues á junta do credito publico, para ahi serem conservados em deposito todos os rendimentos que constituem o fundo especial de amortisação, ficando entretanto suspensas as funcções da respectiva direcção; devendo a direcção do fundo de amortisação, restabelecida em virtude do presente decreto, reunir-se immediatamente para proseguir nos seus trabalhos, na conformidade da legislação em vigor, como exigem os interesses do thesouro, e os dos possuidores das acções sobre o dicto fundo Os ministros e secretarios d'estado interinos das diversas repartições assim o tenham intendido e façam executar.

«Paço das Necessidade, em 10 de maio de 1851. = RAINHA. = Barão de Nossa Senhora da Luz = Barão de Francos — Marino Miguel Franzini.

Se me não engano, tenho historiado com exactidão, e fidelidade escrupulosa a vida do fundo de amortisação. Duas dictaduras, uma progressista, e outra cartista, instituem e fortalecem o fundo de amortisação, Os representantes da nação, as côrtes, e a Soberana confirmam os actos das duas dictaduras. Uma terceira dictadura, a regeneração jura com a intenção Trágica de Orestes um respeito religioso ao fundo de amortisação. Escutai: setembristas, cartistas, corruptos, regeneradores, dictaduras, parlamento, poder moderador, poder executivo, a revolução e a reacção, a legalidade e a illegalidade, a guerra e a paz, a Maria da Fonte e a emboscada, differentes parcialidades politicas, e diversas fórmas de governo, homens de systemas oppostos, e de tendencias contrarias, todos contribuiram para a origem e meios de vida do fundo de amortisação.

Como acontece, pois que os mesmos homens, a mesma situação, os Spartacos que juraram guerra eterna nos abusos, os Annibaes, que sanctificaram nos aliares da patria o seu odio ás espoliações, os Fabricios que olhavam com desprezo para o ouro de Pyrrho, se lancem agora de comedidos e sofregos, ás caixas do fundo de amortisação!! Deixe-me V. ex.ª, sr. presidente, exclamar como o poeta romano: — Sacra James auri quid non cogis moriatis pectora.

O sr. ministro da fazenda, continuando a discorrer sobre as medidas salvadoras, decretadas a favor do banco, disse: — «Que convidára o banco a acceder palavras de s. ex.ª) ás medidas que o governo tencionava promulgar, e que fizera o mesmo depois dellas promulgadas.» — Sinto muito dizer, que o sr. ministro se enganou. Esta asserção é de todo inexacta. O governo apenas convidou a direcção para lhe dar leitura, simples leitura, do decreto de 30 de agosto; e a direcção respondeu, como não podia deixar de responder, que não se julgava por fórma alguma auctorisada para annuir a uma lai proposta, e pedia, por conseguinte, que o sr. ministro lhe confiasse o projecto que havia lido, para a direcção, á vista delle, convocar e ouvir a assembléa geral. O sr. ministro não annuiu, e lies dias depois publicou o decreto de 30 de agosto. Esta é a verdade; e para prova do que digo vou lêr a cai la convocatoria da direcção aos accionistas:

«Srs. accionistas. — O vice-presidente da direcção deste estabelecimento recebeu, no dia -27 de agosto proximo passado, uma carta do ministro da fazenda, convidando-o para, com outros membros da direcção, assistir, nesse mesmo dia, a uma conferencia com o governo.

«A direcção assistiu com effeito a essa conferencia, e vendo que o governo tractava de alterar, nas disposições do decreto de 19 de novembro de 1846, a parte relativa ao fundo especial de amortisação, e a prestação mensal de 18 contos de réis, com que o banco de Lisboa concorre para a amortisação das no-las do banco de Lisboa, ponderou verbalmente na mesma conferencia, que não estava habilitada com a auctorisação da assembléa competente, para prestar annuencia ás bases do projecto que acabava de ouvir lêr; e que assim pedia, não só algum tempo para meditar sobre ellas, mas até que lhe fossem remettidas officialmente, a fim de vos serem presentes.

«Com surpreza, porém, da direcção appareceu no Diario do Governo, do 1. deste mez, publicado, entre outros, o decreto de 30 de agosto ultimo, pelo qual o governo se appropría do fundo de amortisação; e reduz a 9 contos de réis a prestação mensal do banco, para a amortisação das notas do banco de Lisboa; e estabelece como compensação das garantias estipuladas no contracto com o banco de Portugal, garantias diversas, e outras fórmas de pagamento.,

«Logo que o sobredicto Diario chegou ao poder da direcção, reuniu-se esta extraordinariamente, e, sollicitando a vossa convocação, deliberou representar immediatamente no governo, pedindo a revogação do sobredicto decreto, na parte em que fere as condições estabelecidas no contraem homologado pelo decreto de 19 de novembro de 1816, confirmado pelas leis de 19 de agosto de 184-8, e 26 de abril de 1850.

«Para vosso conhecimento, a direcção junta ao presente relatorio as cópias authenticas, tanto do decreto de 30 de agosto ultimo, que hontem lhe foi enviado, com portaria do 1. deste mez, como da representação que dirigiu, tambem na data de hontem, no governo de Sua Magestade. E aguarda da vossa intelligencia n deliberação sobre o que em seguida terá de practicar, para manter os direitos e prerogativas do banco de Portugal.

«Sala da direcção, 3 de setembro de 1852. = José Lourenço da Luz — José Manoel Leitão = Francisco de Assis Basto — Augusto Xavier da Silva — Antonio José Pereira Serzedello — José Ignacio de Andrade — Joaquim José Fernandes — Henriques Nanes Cardozo, n

Para que se dirá pois que a direcção do banco foi consultada?! A direcção do banco, reconhecendo que não estava auctorisada para intervir com a sua opinião neste negocio, disse que dependendo elle da resolução dos seus accionistas, pedia tempo para convocar a sua assembléa geral, o sr. ministro respondeu — Não dou tempo, acceder a este decreto — mas o resultado foi o banco não acceder. Intendo tambem que, não lendo o sr. ministro desmentido esta carta, que appareceu publicada nos jornaes, ella é na minha opinião uma sentença passada em julgado.

Mas dizei-me francamente, senhores: vós que estranhais o procedimento do banco, vós que o tendes vilipendiado, dizei-me, que estabelecimento se conduziu ainda com mais dignidade? O que querieis que o banco fizesse? Esperaveis por ventura que o banco se sujeitasse indigna e vilmente ás vontades e capri-

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chos do sr. ministro da fazenda? Não querieis que a sua direcção consultasse os seus accionistas, e ouvisse a sua assembléa? Não querieis que reclamasse? Pois não vimos todos que, porque um homem poderoso reclamou contra um decreto, este decreto foi logo revogado? Não vimos todos que, porque um fabricante reclamou contra os direitos estabelecidos na nova pauta, essa reclamação foi logo attendida? Pois, em vista destas attenções e defferimentos, não podia tambem o banco esperar que se ouvissem as suas queixas, que se attendessem os seus rogos, que justiça lhe fosse feita? Em que paiz vivemos nós, senhores?! Pois porque reclama o fabricante do acido sulfúrico da Verdelha, é logo attendido, fazendo-se até sair um supplemento ao Diario do Governo em um domingo, determinando-se que este acido, em logar de pagar 30 réis pague 300 réis; e aquelles que tem sido altamente offendidos, não hão-de poder reclamar? Neste paiz só haverá contracto do tabaco, conde do Farrobo, e fabrica da Verdelha? Tal será a desgraçada situação a que chegámos!

Passo, senhores, a examinar o estado do paiz em maio e novembro de 1846. Os governos tinham exhaurido os cofres do banco de Lisboa, e da companhia Confiança Nacional de todo o seu metal; o credito era ficticio, as transacções na praça eram poucas ou nenhumas, um enorme atrazo nos pagamentos, grandes antecipações nas rendas publicas, revolução em maio, e guerra civil em novembro. Estas circumstancias afflictivas ordenaram imperiosamente a incorporação da companhia Confiança Nacional e banco de Lisboa, ao banco de Portugal. Foi o supplicio de Merencia; um vivo apertado entre dois cadaveres. Estes factos ninguem os negará. Posso dizer que o banco de Portugal não era responsavel pelos actos e gerencia do banco de Lisboa e da companhia Confiança Nacional, mas prescindirei deste argumento para não incommodar a camara, e não ir além da baliza que marquei.

Pelo decreto de 19 de novembro ficaram a cargo do banco de Portugal, além do seu credito anterior sobre o governo, os seguintes encargos: — a amortisação de 18:000$000 réis mensaes de notas do banco de Lisboa; o pagamento do capital e juros das notas promissorias da companhia Confiança Nacional, na importancia de 2.030:678$893 réis; a obrigação de tomar arções, sobre o fundo especial de amortisação, com vencimento de juro, dando para cada 100 nominaes de acções, sobre o fundo, 161 nominaes de inscripções de 5 por cento; a obrigação de emprestar no governo a quantia de 300:000$000 réis; e o encargo de emprestar ao contracto do tabaco e sabão, a somma de 300:000$000 réis.

O banco ale hoje tem amortisado 4.032:9381$400 rs. de notas do banco de Lisboa: sendo réis 1.260:000$000 directamente, e á custa dos seus meios activos, em conformidade com o artigo 21.º do decreto de 19 de novembro; e 2.772:938$400 réis indirectamente, e em virtude do imposto creado pela lei de 13 de julho de 1818, quantia que é encontrada no credito passivo do governo.

O banco de Portugal tem pago mais, em virtude do artigo 23.º do decreto de 19 de novembro, 3.717:000$000 réis do capital e juros das notas promissorias da companhia Confiança Nacional.

O banco de Portugal tomou effectivamente acções sobre o fundo de amortisação com vencimento de juro, dando por cada 100 nominaes de acções sobre o fundo 161 nominaes de inscripções de 5 por cento; e satisfez este encargo, imposto pelo artigo 35.º do decreto de 19 de novembro, trocando 1.554:700$000 réis de inscripções contra 964:931$403 réis de acções sobre o fundo.

O banco de Portugal tambem effectivamente emprestou ao governo a quantia de 300:000$000 réis em conformidade do artigo 24.º do decreto de 19 de novembro; e ao contracto do tabaco emprestou igualmente a somma de 300:000$000 réis, em virtude do artigo 36.º do mesmo decreto.

A carta de lei de 13 de julho de 1848, obrigou o banco de Portugal a capitalisar, ao juro de 4 por cento, todas as notas do banco de Lisboa, que lhe fossem apresentadas; o banco de Portugal capilalisou em virtude da dita lei, 556:560$000 réis de notas do banco de Lisboa: vendo, porem o agio diminuir, e muito, voluntariamente capilalisou mais a somma de 1:275 contos.

O banco de Portugal, conseguintemente, cumpriu os encargos que lhe foram determinados, tanto pelos actos da dictadura, como pelas decisões do parlamento; o governo, porém, fallou aos compromissos mais importantes, a que se obrigára para com o mesmo banco. Era decididamente uma grande vantagem para o banco, o curso forçado das notas; mas avaliando o banco o vexame que provinha a todos os interesses publicos e particulares, do curso forçado, cooperou para a diminuição e extincção de um tal flagello, amortisando e capitalisando maior somma de notas do que aquella n que era obrigado; subscrevendo as medidas do governo tendentes a acabar com o agio, e encontrando nos creditos passivos do estado as sommas que este despendia na amortisação. Quanto ás vantagens que o banco podia recolher do fundo especial de amortisação, tinham falhado na melhor parte. Começou o governo per não entregar os 120 contos deduzidos dos rendimentos das alfandegas, conforme, e mui expressamente determinava o artigo 26.º, n.º 4, do decreto de 19 de novembro. O banco contava no fundo de amortisação com os fóros, censos, e pensões, e direitos dominicaes, que pertencessem, e viessem a pertencer á fazenda publica. O governo, não só não activava a cobrança destes rendimentos, mas distraía o que se cobrava; e até 31 de janeiro de 1851, havendo recebido pela venda e remissão dos fóros, censos, pensões, e direitos dominicaes, a somma de 300:000$000 réis, não entregou ao banco um só real desta quantia; mandando comtudo expressamente o decreto de 19 de novembro, no artigo 29.º, que o tribuna! do thesouro continuaria a administrar e a promover a arrecadação dos productos e rendimentos dos fóros nacionaes, mas que todas as sommas recebidas seriam directamente entregues ao banco de Portugal Pertencendo tambem ao banco os juros dos bonds, apolices, e inscripções que se resgatassem desde 19 de novembro de 1846 até hoje, nenhum destes juros lhe foi entregue.

Apesar de todas estas não pequenas violações de promessas ião solemnes, recrudesce hoje a guerra contra o banco. Vejamos, senhores, o que ha de verdade na alluvião de imprecações com que nos alludem.

O ministerio Palmella, em 3 de agosto de 1816, em vista de uma consulta do tribunal do thesouro publico, nomeou os srs. visconde de Oliveira, barão de Villa Nova de Foscôa, e Luiz José Ribeiro, com

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missarios regios, junto da direcção do banco de Lisboa; e o artigo 3.º do decreto de 3 de agosto mandava, que os commissarios regios dessem semanalmente parte ao governo do estado do banco. Supponho e julgo suppôr bem, que na secretaria da fazenda devem existir essas informações semanaes; peço ao sr. ministro que as leia o que nos diga depois quaes os maleficios que os commissarios regios notaram na gerencia do banco.

Tres annos depois a camara do srs. deputados, sendo presidente do conselho o sr. duque de Saldanha, nomeou (em 9 de fevereiro de 1819) uma com missão de inquerito. Foram membros dessa commissão, os srs. Agostinho Albano, Palmeirim, e Carlos Bento. O sr. Agostinho Albano falleceu; mas vivem os srs. Palmeirim, e Carlos Bento, que occupam actualmente um logar distincto no centro da camara, e que apoiam em globo, ou em detalhe os srs. ministros. Peço aos inimigos mais ou menos figadaes do banco, e ao sr. ministro da fazenda, que leia o relatorio da commissão de inquerito, e informe depois a camara ácerca do seu conteudo.

E moda hoje dizer-se e querer-se mal ao banco; e o dictado resa «o que se usa, se escusa.» Mas tendo eu examinado documentos officiaes, e relatorios de differentes ministerios, de épocas distinctas, não encontrei motivos para me associar ás cóleras levantadas contra o banco. No relatorio apresentado ás côrtes, em 21 de abril de 1837, pelo meu illustre e bom amigo, o sr. Passos (Manoel), leio o seguinte (pag. 7):

«Neste deficit não se comprehende a somma de 4:834 contos que o governo deve ao banco... O deficit tem de se considerar maior, se por ventura quizermos desde já satisfazer ao banco, como parece de justiça, o empenho com elle contraído» Como acabava de demonstrar o sr. Manoel da Silva Passos, não só não punha em duvida a legitimado dos creditos do banco, mas não se envergonhara de declarar, que era de justiça pagar-lhe, e desde já.

O sr. Manoel da Silva Passos, o ministro de 1836, que teve a franqueza de declarar, ter o braço cançado de assignar decretos de demissões, e medidas revolucionai ias, é o proprio ministro, que no seu orçamento, apresentado ás camaras, vinha dizer, que era de justiça pagar no banco e desde já!...

O sr. Passos (Manoel): — Se o illustre deputado me dá licença, eu dou uma explicação!

O Orador: — Pois não!

O sr. Passos (Manoel): — O decreto de 24 de outubro é unicamente da responsabilidade do sr. José da Silva Carvalho. Assim o intendeu o sr. Francisco Antonio de Campos; assim o intendeu uma commissão nomeada, e de que foram membros os srs. Faustino da Gama, e José Ferreira Pinto Bastos; assim o intendeu a junta do credito publico; e assim o intendeu tambem o sr. José da Silva Carvalho n'uma conferencia que teve logar, e em que affirmou a sua propria responsabilidade. A minha administração não tinha mais nada a fazer senão reconhecer o facto, mas a responsabilidade é dos ministros anteriores. A minha administração não póde ser responsavel, nem mesmo quanto á especie de moeda em que se devia fazer o pagamento, porque este negocio foi resolvido por uma portaria do sr. Florido. Portanto, já se vê que a minha administração não fez mais do que reconhecer a divida.

O Orador: — Sinto muito não concordar com a explicação que v. ex.ª acaba de dar. V. ex.ª fez mais do que reconhecer a materialidade do facto, porque v. ex. disse, que era de justiça pagar-lhe, e desde já; já se vê que reconheceu a justiça da pretenção.

O sr. Passos (Manoel): — Eu não fiz mais do que reconhecer a divida do banco, e não decidi nada a respeito da especie de moeda em que devia ser feito o pagamento.

O Orador. — Pois eu tambem ainda não fallei na especie de moeda.

O sr. Passos (Manoel): — Bem; então quanto ao mais estamos de accôrdo.

O Orador. — Eu quiz invocar o testemunho de v. ex.ª para dar força á minha opinião; e esta invocação que faço, é uma honra para mim, e honra o caracter de v. ex.ª

V. ex.ª não se limitou só a reconhecer a materialidade do facto; reconheceu que era de justiça pagar e desde já. Mas se a opinião de v. ex.ª não fosse bastante, linha tambem um I opinião muito honrada neste paiz, que é o sr. Manoel Antonio de Carvalho. O sr. Manoel Antonio de Carvalho, hoje barão de Chancelleiros, no orçamento para o anno de 1838-1839, diz:

«Além do deficit acima mencionado, ha mais a satisfazer ao banco de Lisboa a importancia de 4:354 contos.» Tambem o sr. barão de Chancelleiros reconhecia a divida, e não encobria a justiça do pagamento.

Mas, ouvi dizer ao sr. ministro da fazenda, que em 1827 o sr. Manoel Antonio de Carvalho reprehendera o banco de Lisboa. É verdade; houve a reprehensão, e foi severa. Porém, o que fez o sr. Manoel Antonio de Carvalho, durante a reprehensão e depois da reprehensão? Di-lo-hei eu, já que o não disse o sr. ministro. O sr. Manoel Antonio de Carvalho mandou que do terreiro publico, e de outras repartições fiscaes fosse todo o metal disponivel para o banco fazer frente á corrida das notas; e Sua Alteza a Senhora Infante Dona Isabel Maria, então regente, mandava pelo sr. Franzini pôr á disposição do banco as suas joias e alfaias. A differença entre o procedimento do ministro em 1827, e do ministro actual, é palpavel. Um reprehendia e soccorria, outro reprehende e tira: um queria salvar o banco, outro tem pretenções de assassina-lo.

Sr. presidente, a historia do banco entre nós é, pouco mais ou menos, a historia de todos os bancos preteritos e presentes, e provavelmente será tambem a historia dos bancos futuros.

Para que é pois, vir lançar insinuações improprias contra o banco, e ao mesmo tempo confessar que ignoram a historia, a theoria, e a doutrina dos bancos?

O banco de mais credito, que existe é o banco de Inglaterra. O banco de Inglaterra nasceu de um emprestimo feito ao governo, por uma companhia em 1694, na somma de 1.200:000 libras sterlinas, para a sustentação da guerra com a França. A vida do banco de Inglaterra não foi feliz nos primeiros tempos: tres annos depois da sua instituição, as notas do banco perdiam entre 15 e 20 por cento; o banco não as pagava senão na decima parte do seu valor, de quinze em quinze dias, até que chegou a não pagar senão 3 por cento ao mez.

Esta depreciação provinha de haver o thesouro emittido uma tal quantidade de bonds, que o seu desconto era de 30 e 40 por cento, apesar de serem re-

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cebidos, uns estações publicas, em pagamento dos impostos. O banco arrastado pelo governo, havia emittido um grande numero de notas, na occasião em que as particulares corriam a trocadas por metal, que o banco não possuia. Esle estado vicioso de uma circulação ficticia levou o thesouro á triste necessidade de não pagar os seus bonds, e de ter de os consolidar com vencimento de juros. D'ahi começa a enorme divida da Inglaterra.

Pouco depois concedeu o governo ao banco a faculdade de elevar o seu fundo social até libras sterlinas 2.201:171, com a condição positiva de tomar sobre si 1.001:101 libras de bonds consolidados.

Em 1697 renovou o banco o prazo da sua duração até 1711, com a clausula de poder o governo, mediante um aviso de doze mezes, sujeitar a carta organica á revisão do corpo legislativo: em 1708 foi effectivamente revista, e prorogada até 17:12. O banco servia o governo em todos os emprestimos, antecipações, e outras operações de credito. Na sua nova caria estava determinado, que durante o prazo marcado, nenhuma associação, já existente, ou por existir, podesse fazer emprestimos, abrir creditos, receber depositos, emittir bilhetes, notas, e ordens a praso maior de seis mezes. O governo inglez sacrificava em beneficio do banco, pelo monopolio que lhe concedia, todas as vantagens que o publico podia e devia recolher da concorrencia; mas subscrevia a essas condições, pela impossibilidade em que estava de pagar ao banco o que lhe devia. O banco de Inglaterra não estabeleceu tão pouco caixas filiaes nas provincias; e por esta falla diversos bancos fundados fóra de Londres, emittiram desde 1732 uma lai quantidade de notas, que deu em resultado a fallencia do maior numero de bancos provinciaes; fallencias, que por mais de uma vez comprometteram seriamente o proprio banco de Inglaterra.

As transacções com o governo continuam. Em 1797 o banco, exhausto de numerario por causa dos emprestimos e adiantamentos feitos ao governo, foi auctorisado por uma lei a suspender o pagamento das suas notas.

Em 1812 a desconfiança acêrca do banco chegou a tal ponto, que o governo teve de nomear uma commissão de inquerito. A commissão examinou o estado do banco, e a summa do seu relatorio era pouco mais ou menos a seguinte: — As causas do mal são duas; a impossibilidade do governo pagar, e a emissão excessiva de notas,

A commissão propoz como remedio, que empregasse o banco todo o melai que podesse haver, em pagar as suas notas, e que as notas pagas fossem retiradas da circulação. O banco seguiu o conselho da commissão (conselho, e não lei) e com effeito o curso melhorou.

E necessario que nos desenganemos, de que n'um paiz pequeno e atrazado como o nosso, não ha uma só innovação, e que vamos na recua das outras nações, importando para o paiz aquillo que ellas adoptaram, e o que muitas vezes já tem abandonado. A pertenção de dar lições sobre a economia publica, á face da Inglaterra, é uma pertenção cerebrina, e demasiadamente ridicula.

Confesso que em consequencia de um attributo de demasiada humildade, que me affecta sempre, não acredito em que a Inglaterra faça caso algum do que digo; mas do que dizem os outros illustres deputados, isso sim. Em quanto a mim estou persuadido que a Inglaterra não ha-de alterar o seu systema mercantil por causa daquillo que disser. Conto apenas com a attenção dos meus collegas, e já esta attenção não é pouco.

A camara dos communs nomeou uma commissão de inquerito ao banco, e esta commissão, depois de sei examinado o estado em que elle se achava, veiu dizer — O banco de Inglaterra não está muito bem, mas póde viver; se quebrar é por culpa do governo, porque pede emprestado e não paga. É exactamente o que acontece no nosso paiz. Não desgosto do systema; acho-o commodo. Tomára eu achar um banco assim para mim. Se tivesse um banco que me emprestasse quanto eu quizesse, para pagar como quizer e quando quizer, era famoso; e desde já peço ao sr. ministro da fazenda que, se souber de algum nestas circumstancias, me diga qual é e onde é, porque tambem lá quero ir.

Estou envergonhado do papel que faço de mestre de primeiras letras; mas como o sr. ministro não está ao facto do que é um banco, intendo que devo entrar em mais minuciosas explicações.

Peço licença para lêr a traducção litteral do artigo 27.º da lei que regula ainda hoje a emissão das no-las do banco, e que concedeu certos privilegios, por tempo determinado, no governador e companhia do banco de Inglaterra.

19 de junho de 18-41.

Ministerio de sir Robert Peei.

Art. XXVII. Os privilegios do banco podem ser revogados.

O governador e companhia do banco de Inglaterra gosarão o privilegio de banco exclusivo por esta lei, sujeitos as condições nella consignadas, e á sua expiração no prazo, e pela maneira que se determina na presente lei. E gosarão tambem de todos os privilegios e vantagens concedidas pela lei do anno do reinado de El-Rei Guilherme IV, e por outra qualquer lei subsequente, por este modo declarada em vigor em todas as disposições, que se não opponham á doutrina da presente lei, em qualquer tempo antes do dia 1.º de agosto de 1855, precedendo aviso de um anno, dado pelo parlamento ao dicto governador e companhia do banco de Inglaterra, e o pagamento da somma de libras 1.115:000, sendo esta somma a divida nacional, que actualmente deve a fazenda publica ao banco de Inglaterra, sem abatimento ou desconto algum, e precedendo, ainda mais, o pagamento da divida atrasada proveniente da somma de libras 100.000 annuaes mencionadas na lei de S. M. Guilherme IV, que fica citado, e juntamente os juros respectivos; e tambem o pagamento do capitai e juros que se devem ao governador, e companhia do banco de Inglaterra, pelos exchequers, coupons, e fundos parlamentares, que o dicto governador, ou seus successores tenham em seu poder, o a que tenham direito quando receberem o dicto aviso. Depois de feitos todos estes pagamentos, e não antes, serão os privilegios concedidos ao banco retirados, terminado o prazo marcado pelo dicto aviso. Qualquer resolução da camara dos communs, participada pelo seu presidente ao governador e companhia do banco

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de Inglaterra, será considerada como participação bastante para os effeitos aqui especificados.»

Quiz com a leitura deste artigo mostrar á camara como em Inglaterra e tractado o banco.

Vou dizer-vos, senhores, a quantia que devia o governo ao banco de Lisboa em novembro de 1846; e o credito actual do banco de Portugal sobre o estado; e depois mostrar-vos-hei os prejuizos que tem soffrido e vai soffrendo o banco com os decretos salvadores dos srs. ministros.

Divida do estado e de particulares ao banco de Lisboa, quando se creou o banco de Portugal em 19 de novembro de 1816.

Do estado...................... 5.716:000$000

De particulares................. 3.573:000$000

9.289:000$000

Sommando os creditos directos do banco de Lisboa sobre o estado................ 5.716:000$000

Póde reputar-se o credito indirecto a somma de notas promissorias da companhia confiança nacional, pelas quaes esta, para emprestar ao governo, levantou do banco..... 973:000$000

O que perfaz................... 6.689:000$000

e assim vem a ser o credilo sobre

particulares.................. 2.600:1

9.289:000$000

de 5 e 4 a 3 por cento pelo decreto

de 18 de dezembro de 1852.

Reducção no valor dos titulos: para cima de.....................

Reducção no juro dos dictos titulos:

pelos vencidos segundo o decreto de 3 de dezembro de 1851 para cima de.....................7....

pelos que se vencerem segundo o decreto de 18 de dezembro de 1852 para cima — annualmente de....

Quanto com o que lhe toca das mezadas do contracto? Em virtude do decreto de, 3 de dezembro de 1851 foram capitalisados os juros do 1. semestre de 1852 e deferida a respectiva amortisação,

o que perfaz..................

Em virtude do decreto de 9 de outubro de 1852 a quantia annual

de..........................

E no emprestimo dos 4:000 contos?

Pela capitalisação, determinada no decreto de 3 de dezembro de 1851:

para cima de...................

Pela reducção nos juros, determinada no decreto de 26 de julho de 1852:

para cima de..................

E pela reducção a dos juros, primitivos, determinada no decreto

de 18 de dezembro de

para cima de..........

Emprestimos de 1835?

1852-

Varios creditos do banco de Portugal sobre o estado, Reducção nos juros, decretada em não incluindo juros, divida fundada, e commissões 26 de julho de 1852 no ultimo de fevereiro de 1853.

3.269:899$571 1.118:334$434

Emprestimo dos 4.000:000$000.

Emprestimos ao governo em 1835..

Divida do governo, convertida em acções sobre o fundo de amortisação.....................

4.813:262$060 9.231:496$065

39:000$000 6:000$000

pelos juros vencidos — para cima de pelos juros a vencer — para cima —

annualmente de...............

Estas quantidades todas, se fossem sommadas não obstante serem de diversa natureza, importariam em réis.........................

150:000$000 332:973$204

48:000$000

19:000$000

523:000$000

6:000$000 13:000$000

4.243:973$204

Desta somma pertence ao capital dos accionistas...... 8.000:000$000

A satisfação de diversos encargos do banco.......... 1.231:496$065

Quanto soffreu o banco de Portugal com o decreto de 30 de agosto, que lhe tirou o fundo de amortisação?

Reducção no valor das acções ao das obrigações do thesouro:

para cima de................... 2.679:000$000

Reducção no juro das dietas acções:

pelos vencidos — para cima de..... 341:000$000

pelos que se vencerem — para cima

— annualmente de............ 82:000$000

Quanto com a conversão da divida

Desde setembro de 1822 até hoje, isto é, logo depois da creação do banco de Lisboa, não tem corrido um só anno, não tem havido ministro da fazenda, um unico sequer, começando no sr. Sebastião José de Carvalho, e parando no sr. Fontes de Mello, que não tenha pedido dinheiro ao banco. Começando, repilo, no sr. Sebastião José de Carvalho, e parando no ultimo, que é o sr. Fontes Pereira de Mello, todos os ministros contraíram emprestimos com o banco. E quereis saber, senhores, qual é a somma emprestada? São 90.861:000$000, quasi um milhar de milhões!

Será possivel que o banco tivesse leiras e tretas para enganar em 30 annos seguidos 32 ministros successivos? Dar-se-ha caso que todos os ministros fossem ignorantes e corruptos, e que só o sr. Fontes seja alliado e honesto? Não seria honrado e intelligente o conde de Murça, ministro de D. João VI? O conde da Louzã, ministro de D. Miguel? Não seria hon-

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lado o baião de Villa Nova de Foscôa, o visconde de Sá da Bandeira, Manoel da Silva Passos, José Jorge Loureiro, Manoel Antonio de Carvalho, duque de Palmella, e Julio Gomes, que foram ministros da fazenda da Senhora Dona Maria II?!!! Acceito como ignorantes e corruptos todos os ministros pertencentes no lado direito da camara; mas ao menos deixem me acreditar na intelligencia, na probidade, e no patriotismo destes cavalheiros citados, que mais ou menos partilham das opiniões da esquerda.

Sr. presidente, passo a tractar do decreto de 18 de dezembro, que fez a conversão dá nossa divida. Li e reli com attenção, senão todos, pelo menos alguns, mas os principaes, economistas que escreveram sobre este ramo. Consultei a historia financeira dos paizes mais importantes, e que estabelecem arestos e doutrinas nestes assumptos; percorri depois a nossa legislação sobre esta materia, e fiquei plenamente auctorisado para affirmar que lá fóra não houve ainda medida alguma, que de longe sequer se assimilhe com o decreto de 18 de dezembro, e cá dentro nada achei que, de perto sequer, se pareça com esse decreto. Li as theorias austeras e inhumanas de Malthus) os rigores algébricos de Ricardo) os paradoxos violentos de Proudhon) li a demolição social e economica de Pierre Leroux, de Victor Considerant, de Louis Blanc, e não encontrei nessas obras as provisões do decreto de 18 de dezembro. Pelo contrario achei que Proud'hon, o auctor do libello famoso contra a propriedade, escriptor de uma critica negativa sem igual, homem irreverente perante Deos, e petulante para com todos os poderes publicos, achei em Proud'hon- um respeito profundo pela divida nacional. O grande demolidor, que atterrou a propriedade com as suas theorias, não hesitou em confessar que atacar simultaneamente o capital e a renda, é ferir a producção na sua origem, e o estado na sua vida.

Não obstante o que deixo ponderado, ouvi dizer aqui «que todos os nossos ministros da fazenda, economistas e não economistas, fizeram ácerca da divida publica, pouco mais ou menos, o mesmo que fez o actual secretario da fazenda com o decreto de 18 de dezembro.» Não é exacta tal asserção.

E como eu sou o primeiro a confessar e a reconhecer a pouca ou nenhuma, se tanto se quizer, auctoridade da minha palavra, peço licença para comprovar a minha asserção com documentos, esperando que a camara se não enfade com a leitura que vou fazer, e que tende a mostrar que todas quantas conversões tem havido na nossa divida foram offerecidas, permittidas, commentadas, acceitas, ou recusadas, e que o sr. Fontes póde vangloriar-se de que os seus actos não tiveram antecedentes, e não lerão imitadores.

A primeira conversão que teve logar neste paiz, foi a seguinte:

«Tomando em consideração o gravame que resulta á fazenda publica do pagamento de juros, que não podem deixar de reputar se hoje sobremaneira lesivos, por não estarem em relação com o preço actua) dos capitaes, nem com o elevado gráo, a que tem subido o credito publico da nação portugueza, apesar dos incalculaveis sacrificios, e estragos causados pela usurpação; e usando da auctorisação concedida ao governo pelo artigo 3.º da carta de lei de 19 de dezembro do anno ultimo: Hei por bem Ordenar desde já, que os titulos de G por cento, emittidos no reino pelo governo legitimo, sejam convertidos em outros de 4 por cento, ou remidos a dinheiro pela maneira seguinte:

Art. 3.º Os proprietarios das dictas apolices de 6 por cento deverão apresentar na commissão interina da junta do credito publico, desde o 1.º até 31 inclusivè do proximo mez de maio, as suas apolices, declarando nesse acto se annuem ri conversão proposta) e uma vez feita, a escolha será invariavel. Os que assim não comparecerem, se intenderá terem effectivamente acquiescido á dicta conversão, do mesmo modo que se expressamente o houvessem declarado.

5.º No mesmo tempo e logar receberão aquelles, que tiverem declarado não convir na proposta conversão, um cheque sobre o banco de Lisboa, metade em papel-moeda, e metade em metal, pela importancia do capital e dos juros do referido 1.º semestre, das apolices que entregarem.

Paço das Necessidades, em 23 de abril de 1835. — José da Silva Carvnllio.it

Depois seguiram-se o

Decreto de 29 de setembro de 1835.

Vi Cumprindo que a diminuição dos encargos publicos, sempre reclamada pelo interesse nacional, tenha logar á medida que o governo se ache habilitado para a effeituar, é havendo já, pelo decreto de 23 de abril do presente anno, determinando que fosse reduzido a 4 por cento, o juro da divida de G por cento, distractando-se os capitaes não invertidos, operação esta que se acha a ponto de ultimar-se: Hei por bem, pelos mesmos fundamentos do citado decreto, ordenar o seguinte:

«Art. 2.º Os possuidores de apolices de 5 por cento, que preferirem o distracte, devem apresenta-las na mesma commissão desde o 1.º até ao ultimo do proximo mez de outubro. Os que, dentro deste praso não declararem preferir o distracte, na fórma do artigo 3.º do referido decreto, tem acquiescido á inversão. = José da Silva Carvalho.»

Decreto de 29 de março de 1836. «Não estando o governo habilitado para realisar o pagamento dos distractes das apolices de 5 por cento, que, na conformidade do artigo 3.º do decreto de 29 de setembro de 1835, deverá fazer-se desde o dia 2 de janeiro do corrente anno, e segundo o decreto de 29 de dezembro de 1835 desde o 1. de abril proximo futuro: Hei por bem que fique sem effeito a conversão de todas as apolices de 5 por cento, ordenada pelo citado decreto de 29 de setembro de 1835: devendo a commissão interina da junta do credito publico entregar competentemente as apolices que tiver recebido, fosse para inverter em inscripções de 4 por cento, fosse para receber o distracte correspondente. = Francisco Antonio de Campos.»

Decreto de 20 de maio de 1836. «Sendo necessario submetter á consideração das córtes as medidas convenientes, sobre os padrões de juros reaes, e lendo em vista as propostas feilas sobre este objecto por muitos dos possuidores desses padrões: Manda a Rainha, pela secretaria d'estado dos negocios da fazenda, communicar á commissão interina da junta do credito publico que deve, sem perda de tempo, fazer os annuncios necessarios, a fim de que compareçam na mesma commissão todos os possuidores particulares dos dictos padrões, para declara

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rem se annuem ás propostas, que lhes serão apresentadas com o objecto de receberem inscripções de juro em mela), pagos em épocas determinadas, sem desconto de decima, ou outro algum onus.

Paço das Necessidades, em 20 de maio de 1836. = José da Silva Carvalho»

«A commissão interina da junta do credito publico, dando cumprimento á portaria acima transcripta, convoca todos os proprietarios particulares de padrões de juros reaes, para que compareçam na mesma commissão até no dia lo de junho proximo futuro, a fim de declararem se annuem ou não ás propostas que lhes serão apresentadas para ficarem os mesmos padrões reduzidos a inscripções com o juro de 4 por cento em metal.

Commissão interina da junta do credito publico, 21 de maio de 1836. = José Joaquim de Noronha Feital'.»

O decreto de!) de janeiro de 1837, permittindo a conversão dos padrões de juros reaes, debaixo de certas clausulas e condições, mais. ou menos duras, foi facultativo, e não imperativo. Propunha, não impunha. Marcou 60 dias para os possuidores desses titulos acceitarem ou recusarem a conversão. Km 9 de janeiro de 1837 o governo era a dictadura, o governo era filho de uma revolução, e cia tão senhor de baraço e cutelo, que um dos seus ministros, como já disse, declarou «que linha o braço cançado de assignar demissões, e de promulgar medidas revolucionarias»; mas todavia respeitou as condições elementares do credito publico. E tanto assim foi, que querendo o governo converter era inscripções de 4 por cento, pelo seu valor ao par, a quantia de 400 contos de divida liquidada a favor da companhia dos vinhos do Porto, e capitalisar 600 contos, passando inscripções a favor da mesma companhia, veiu ao parlamento pedir a carta de lei de 17 de maio de 1837.

Em 1840 o governo intendeu que, para garantir aos mutuantes dos emprestimos estrangeiros o pontual pagamento dos juros dos seus respectivos capitaes, devia fazer uma reducção temporaria no pagamento desses juros. O ministerio era composto dos srs. conde de Bomfim, Costa Cabral, Florido e tombem o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães; mas os ministros de então, incluindo o sr. Rodrigo da Fonseca, vieram ao parlamento pedir a auctorisação necessaria; e só depois de obtida ella pela carta de lei de 17 de outubro de 1840, é que se procedeu á reducção; reducção proposta e offerecida, e como tal acceita por uns, e rejeitada por outros. Note a camara: só depois da lei de 17 de outubro é que appareceu, como sua consequencia, o decreto de 19 de novembro.

Darei tambem conhecimento á camarada acta do conselho de ministros em maio de 1841, remettida confidencialmente ao fallecido barão de Moncorvo, nosso ministro em Londres naquella época, quando se procedeu á conversão da divida ingleza. E por esta occasião direi, que não se pense, a respeito de uma questão que eu trouxe á camara, que está esquecida, porque hei de mostrar ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, em tempo competente, que essa questão não está morta; vá o raio ferir quem ferir, o estilhaço ha de ferir muita gente. Apesar do governo não ler mandado os documentos que pedi, e de todos me abandonarem neste negocio, para salvar um homem que não nomeio, pela minha parte não recuo diante do cumprimento dos meus deveres.

A acta do conselho de estado a que me referi, é a seguinte:

«Em 3 de maio de 1841, presentes o presidente do conselho de ministros, conde de Bomfim, e os mais membros da administração abaixo assignados, sobre a conveniencia que os credores da divida externa, portadores de fundos portuguezes, estariam em dar uma nova organisação, que tornasse o pagamento della menos oneroso ao estado, do que o é pelo decreto de 3 de dezembro, e satisfizesse mais os dictos credores; resolveu-se que se recebessem as propostas dos interessados neste objecto, se elles se, resolvessem a offerecel-as. E porque o ministerio deseja attender aos direitos e pretenções que possam ter os dictos credores, resolveu-se mais, que pelo ministerio dos negocios estrangeiros, se auctorisasse o barão de Moncorvo, ministro de Sua Magestade em Londres, para receber quaesquer propostas. — Conde de Bomfim — A. R. da Costa Cabral = Rodrigo da Fonseca Magalhães = Barão do Tojal

Está assignada pelo actual ministro do reino, o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que então queria ouvir os interessados; intendia que não se devia proceder á conversão da divida ingleza sem ouvir os credores, e hoje é o proprio, e Os seus collegas, que não querem ouvir os credores! Mas os srs. ministros procedem assim, e escondem todos os documentos, para que se ignore a historia occulta e mysteriosa das suas transacções; porém, estão muito enganados, porque, pouco a pouco, irei descobrindo todos estes mysterios; pois como deputado da opposição, o que quero é levar o escandalo ás ultimas consequencias (Sussurro — ah!) Pois que! Estranhais, senhores! E porque sois novos no parlamento; se fosseis mais antigos, não estranharíeis esta frase. Estranhais que queira-mos deitar a baixo o poder! Pois o que querem as opposições!

Sr. presidente, continuarei nas minhas considerações ácerca do decreto de 18 de dezembro. Toda a conversão é voluntaria, porque o credor deve optar entre o embolso e a conversão. A conversão actual é forçada, e como tal é uma verdadeira espoliação. As conversões effectuadas até hoje foram sempre propostas, e nunca impostas.. A conversão diminue o juro, mas o seu caracter distinctivo, o seu principio e a sua consequencia simultanea, trazem uma especie de compensação — o augmento do capital. Embolso, reducção, conversão, amortisação, são expressões correlativas. O embolso leva em vista o mesmo fim que n amortisação, que a reducção, que a conversão; este fim é a diminuição dos encargos da divida publica. A amortisação reduz pela compra parcial e voluntaria do capital; a conversão reduz pela diminuição dos juros.

Todas as conversões verificadas até hoje offereceram a opção. Sully converte parte da divida em 1607, propondo, e não impondo. Convertam, ou recebei o vosso capital, disse o grande ministro. E naquelle tempo fazia-se economia politica sem conhecimento, e portanto sem a avaliação dos principios. Colbert reduziu em mais de um quinto os juros da divida publica, mas embolsando em dois annos seguidos (de 1680 a 1682) com fundos levantados a 20 sobre rendas constituidas a 14, 15 e 16 dinheiros, os credores que não quizeram subscrever á conversão. Em 1825, mr. de Villele reduziu a 3 por cento 30 milhões, a 41 por cento de rendas declaradas por lei, e no proprio corpo da apolice, reduziveis.

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Em Inglaterra tem-se procedido por varias vezes á reducção do juro. A primeira conversão foi em 1716; houve outra em 1729, outra entre 1750 a 1753, e depois em 1826, 1830 e 1831. Seis conversões conta a Inglaterra. A divida Ingleza consolidada recebe, por via de regra, em virtude das conversões, o juro de 3 por cento: mas alguns titulos ha ainda com o juro de 5 por cento, entre outros os chamados novos 5 por cento, creados em 1834. Em todas as conversões, effectuadas em Inglaterra, reconheceu-se e respeitou-se a opção, como um direito sacratissimo. Smollet, fallando da primeira conversão, diz — «Custou a acreditar que uma nação, acabrunhada por dividas enormes, e exhausta por guerras longas e profiadas, podesse embolsar os credores que se recusassem á conversão. Mas effectivamente embolsou todos aquelles, que não quizeram annuir á diminuição do juro.» — O bill dizia que os credores participariam até o dia 23 de fevereiro de 1750, se subscreviam ou não á proposta da conversão; que no entanto os 4 por cento seriam integralmente pagos até 2) de dezembro, mas que a 25 de dezembro do anno proximo, 1751, o juro seria de 3 por cento. Vejam, senhores, a circumspecção, e o religioso respeito do ministerio inglez para com os credores do estado. Tres grandes companhias ficaram indecisas: os accionistas opinavam uns pela conversão, outros pelo embolso. O ministerio, para dar tempo ás companhias, prorogou, por um novo bill, o praso até 13 de maio. Quiz que os interessados deliberassem muito á sua vontade, e discutissem a conveniencia ou inconveniencia da medida proposta. Na conversão de 1822 o chanceller do thesouro publica o aviso aos credores a 22 de fevereiro, a 25 apresenta a proposta na camara dos communs. Grande numero de credores declaram que acceitam a conversão, a 18 de março estava effectuada a reducção de nada menos de 30 milhões de francos, sobre um capital de perto de 4 mil milhões. Mas quaes foram as condições, que o parlamento estabeleceu no seu bill de 12 de março? Foram as seguintes: deu 30 dias aos credores, residentes na Gram-Bretanha, para subscreverem á conversão, ou distractarem. Deu 3 mezes aos credores residentes na Europa. Deu 1 anno aos credores que estivessem fóra da Europa. E declarou que todos aquelles, que não estivessem pela conversão, seriam embolsados no mez de julho, e d'ahi por diante.

Poder-se-ha dizer que foi o que se fez cá? Haverá alguma cousa no procedimento dos srs. ministros, que se pareça com isto? Aqui os srs. ministros, que já linham assumido a dictadura, assumem outra dictadura, reunem-se na secretaria da fazenda, e decidem entre si unicamente, que devem converter, e converteram; e depois querem que a nação inteira, e o parlamento estejam por tudo! E depois veem justificar as suas medidas pela necessidade! Foi a necessidade que fez a conversão? O governo não tinha real, e devia viver. É sempre a necessidade com que se pertende justificar todos os crimes. Tambem um juiz perguntando a Diogo Alves — porque assassinara a familia do medico Andrade? — Ouviu ao réo — porque tinha fome, era pobre, e queria viver. — Tambem os assassinatos perpetrados por Mattos Lobo eram a necessidade da vingança. De sorte que todos os maleficios, todos os crimes, todas as vinganças, todas as atrocidades, e todos os escandalos são os resultados da necessidade, que é nada mais que o resultado da ignorancia, e da pouca intelligencia. O homem practica o mal, é porque a sua intelligencia não alcança a comprehender as grandes emanações d.is intelligencias sublimes e illustradas. Não ha necessidade para o erro; o erro é um desvario, mas não é uma necessidade.

Outro grande e candalo é — a desigualdade — que ataca o principio essencial do governo representativo. O decreto de 18 de dezembro contém esta grande desigualdade. A maior parte das inscripções de 5 por cento provém originariamente de apolices que venciam o juro de 6 por cento, e de padrões de juros reaes, provenientes de dinheiro em metal, mutuado ao par. Uma apolice do capital de 100$000 réis, antes do decreto de 22 de abril de 1835, rendia 6 por cento; depois, pela conversão, mas com a clausula da opção pelo capital ao par, ficou rendendo 4 por cento. Pela caria de lei de 20 de agosto de 1818 foi o juro de todos os titulos de divida fundada affectado com a reducção de 25 por cento; ficaram portanto os possuidores das inscripções, que em 1845 rendiam 6 por cento, reduzidos a 3 por cento, e em peior condição do que os possuidores das inscripções de 5 por cento, porque, não tendo estes soffrido reducção alguma, ficaram recebendo 3.

Pelo decreto de 18 de dezembro de 1852 os possuidores das antigas inscripções de 6 por cento, reduzidos ao juro de 4 por cento em 1835, e depois a 3 por cento em 1818, são agora obrigados a converter, recebendo 80 em inscripções de 3 por cento pelo capital de 100 de 4 por cento, isto é, ficam reduzidos a 2 I por cento, aquelles que ha dezoito annos recebiam 6 por cento.

As inscripções de 4 por cento, provenientes de padrões de juros reaes, ficam ainda de peior condição. Pelo decreto de 9 de janeiro de 1837 determinou-se que os possuidores dos referidos padrões, que os quizessem converter em inscripções de 4 ½ por cento, deveriam sujeitar-se ás seguintes condições: receberem, os de 5 e 4 por cento, 75 em inscripções de 4, por 100 em padrões, e os de 4 e 3 ½, 62 ½ em inscripções de 4, por 100 em padrões; que todos renunciariam aos juros vencidos até 31 de julho de 1833, e receberiam os juros vencidos desde agosto de 33 a dezembro de 36, em titulos azues, infimamente depreciados no mercado. Quem no 1. de janeiro de 37 tinha um padrão de 100$000 réis, ao juro de 5 por cento, ficou reduzido a 3; deduzindo-se-lhe 25 por cento, em virtude da lei de agosto de 1848, ficou com 2 ½ deduzindo-lhe-se-lhe agora 20 por cento no capital, para receber 80 em inscripções de 3 por cento do capital a que actualmente está reduzido, fica com 1 ½ por cento. Em janeiro de 1837 recebia 5$000 réis, hoje receberá 1$800.

Notem bem: depois da injustiça absoluta, o escandalo não menor da desigualdade. Aos que possuem titulos de distracte, da mesma natureza, da mesmissima origem das inscripções de 4 por cento, porque provém das apolices de 6 por cento, a conversão dá 120 em inscripções de 3, por 100 do capital que actualmente possuem. Aos que têem inscripções de 5 por cento, que só soffreram a deducção de 25 por cento no juro, dão-se-lhes> 100 em inscripções por 100 do capital: aos das inscripções de 3 por cento dão-se-lhes 100 por 100: aos possuidores de cautelas ou liquidações do thesouro 100 por 100: aos possuidores dos bonds da divida externa 100

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por 100. E só aos possuidores de inscripções de 4 por cento, áquelles que mais têem soffrido, e que portanto estavam em peior posição, é que o decreto de 18 de dezembro manda dar 80 em inscripções por 100 do seu capital!

No relatorio deste decreto diz o governo — que o paiz não paga o que póde, e o que deve. — Não sei, se o paiz paga o que póde, mas sei que paga mais do que deve. Direi á camara os tributos que paga este pobre povo, e depois decidir-se-ha ale que ponto é exacta a temeraria asserção do actual gabinete.

Os predios urbanos são collectados na decima, que foi na sua primitiva um imposto de guerra, mas que ainda escorre sangue: são collectados, além da decima, em 3 por cento, e depois em mais 5 por cento, e depois em mais 15 por cento. Os inquilinos são collectados em 4 por cento sobre a renda, e em 5 por cento addicionaes. Os predios rusticos são collectados em 10 por cento, em 15 por cento para estradas, e em 5 por cento addicionaes.

Toda e qualquer industria é collectada em 10 por cento sobre os rendimentos presumiveis, ou conhecidos, ou pela renda da casa; e em mais 5 por cento addicionaes, e em 15 por cento para estiadas.

Quem torna dinheiro a juros é collectado, na somma mutuada, em 10 por cento, em 5 por cento addicionaes, e em 15 por cento para estradas.

Paga-se o imposto sobre criados, que chega até 12$000 réis; paga-se o imposto das cavalgaduras, que sóbe até 9$000 réis. Paga-se o subsidio litterario; paga-se o real de agoa, que nos leva ainda um real sobre cada canada de vinho, que se vende atavernado por grosso ou miudo, e 4 réis em arratel de carne.

Os empregados publicos pagam, uns 15 por cento, outros 20 por cento, outros 25 por cento; e pelo decreto de 3 de dezembro de 1851 pagam todos mais 6 por cento do ordenado integral.

Paga-se a contribuição dos concelhos para a universidade, paga-se a terça, pagam-se sizas, a transmissão, o sello de verba, uma infinidade de mulctas judiciaes, e de emolumentos. Pagam-se 5, 6 e 10 por cento para a amortisação das notas: Nenhum requerimento, certidão, attestado, documento, é recebido nas secretarias, nos tribunaes, nas estações publicas senão fôr feito e passado em papel sellado. As camaras municipaes tem um arbitrio o mais nato e discricionario possivel no lançamento das fintas e coimas. N'um mappa apresentado á camara em 1850, as contribuições municipaes, directas e indirectas, importaram em 500 contos de réis. A derrama para a congrua dos parochos leva-nos 320 contos. As juntas geraes lançam de contribuições 250 contos. A estes 1:070 contos ajunte a camara a sustentação dos expostos, os emolumentos das secretarias e repartições publicas, e os emolumentos judiciaes, e terá a somma de perto de 1:500 contos que a nação paga, mas que o orçamento não menciona, e sobre os quaes não diz palavra!

Os impostos indirectos excedem toda a espectativa. Os pannos pagam 60 por cento. Pela alfandega grande de Lisboa não passa um unico objecto que pague menos de 17 por cento (O sr. Santos Monteiro: — Não é na alfandega grande.) O orador: — Fallo dos impostos indirectos» e quando tracto dos impostos indirectos, não descrevo a alfandega grande de Lisboa; fallo da alfandega municipal. Foi um erro que confesso. Quereis levar-me ao patibulo por isso? (Biso)

Ajunte-se a isto os direitos das pautas, que são enormes e pezadissimos, e diga-se depois com a mão na consciencia — se um paiz que está acabrunhado I com estes impostos — um paiz que tem tolerado mil I prodigalidades, desvarios, e desperdicios; que paga com generosidade tudo quanto lhe é lançado do imposto — um paiz que viu vender milhões e milhões dos bens da sua riqueza nacional — um paiz que paga para estradas, e que não tem estradas; que paga para instrucção, e que não tem instrucção — se este paiz não paga o que póde, não paga o que deve! E esta asserção do sr. ministro da fazenda achou acólitos, não porque partisse do sr. Frontes, mas porque o sr. Frontes é poder. Mas saiba desde já s. ex. que, quando sair dessas cadeiras, esses mesmos que hoje applaudem todos os seus actos, não lhe hão-de achar depois tanta lucidez no seu espirito, tanta cordura de caracter, e tanta probidade no seu procedimento, até talvez achem que saíu rico do ministerio, porque é o poder que adulam, não são as qualidades pessoaes de s. ex. — qualidades pessoas que eu aprecio, porque na fórma e no fundo, encontro o sr. Fontes muito melhor que os outras seus collegas, e todos os que o apoiam — porque ainda a gangrena da corrupção não leve tempo para o corromper.

Continuando na demonstração dos tributos e impostos, que pezam sobre o paiz, apresentarei á camara o seguinte exemplo — uma pipa de vinho cos ta, a duas ou tres legoas da capital entre 3$200 a 3$600, e paga de direitos... Quereis saber quanto? 15$000 réis! Isto é, 200 por cento!!1 Uma pipa de vinho custa em Torres Vedras, daqui sete legoas, o infimo e arastadissimo preço de 2$400 réis; quando chega a Lisboa não se póde vender por menos de 16 a 18$000 réis!!!

Aqui está o paiz, que não paga o que deve, que não paga o que póde!

A França tira da propriedade a 6.º parte da sua renda; mas a França tem abundancia de capitaes, de braços; tem facilidade de communicações, e numerosos focos de consumo. Em Inglaterra o tributa agrario — land tax — tem passado por immensas modificações e todas ellas progressivamente beneficas. Cohden, quando tractou da revogação da lei dos cereaes, Peei quando discutiu o seu plano da liberdade commercial, Thompson fallando na camara dos communs, Foebres escrevendo sobre assumptos financeiros, mostraram que o imposto territorial em Inglaterra tem diminuido, desde 1820 até 1834, na somma de 16 milhões de libras sterlinas, que fazem 160 milhões da nossa moeda.

O imposto predial em França tem diminuido ha sessenta annos 80 milhões: em 1792 o imposto predial rendia 240 milhões, hoje rende 160: isto é diminue successivamente mais de um milhão por anno. E no entanto a prosperidade material da França tem augmentado, e augmenta de uma maneira prodigiosa, e a sua população tem igualmente agmentado.

Perguntarei a s. ex.ª, que estão continuamente citando exemplos lá de fóra, porque é que não alliviaram este povo de tantos tributos, que pezam sobre elle? Porque é que vieram dizer simplesmente que alliviaram as sizas, imposto que não sae alem da circumvalação de Lisboa, e a respeito do qual

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nada aproveita senão algum vendedor de cavalgaduras na feira da Ladra?

(Entrou o sr. ministro do reino).

Estimo muito ver entrar o sr. ministro do reino, porque a presença de s. ex. é para mim sempre muito agradavel, s. ex.ª póde ter algum odio, ou algum preconceito para comigo, mas é immerecido: seja pois bem-vindo o sr. ministro do reino, porque vou entrar na questão do vinho do Douro, e, se a acabar cedo, pedir-lhe-hei que me ouça tambem ácerca do seu querido codigo penal.

Mas, antes de entrar nesta questão, e para mostrar o pouco caso que s. ex. fazem das discussões do parlamento, e da opinião dos deputados, lerei ainda sobre o decreto de 30 de agosto um periodo de uma portaria dirigida ao banco, na qual o sr. ministro da fazenda diz que este decreto havia de ser infallivelmente cumprido (Leu). Já s. ex.ª sabia que a camara havia de approvar aquelle decreto; então os deputados são nomeados, e não são eleitos! Com que direito se dispunha assim da opinião dos deputados, para se dizer — apesar da vossa intelligencia, da vossa capacidade, e das vossas opiniões — o decreto de 30 de agosto ha de ser infallivelmente cumprido! (O sr. Corrêa Caldeira: — Apoiado; e a conversão).

Estas cousas dizem-se ás escondidas, baixo; mas n'um acto publico é um escandalo. Não e um ministro, que tem o arrojo de o dizer n'um documento official, sabendo que este decreto havia de infallivelmente vir á sancção do parlamento.

Mas nada disto deve admirar. Lá está a conversão sendo executada, antes de ser approvado pelo parlamento o decreto de 18 de dezembro. E então que esperanças deve haver neste paiz, onde os mais altos funccionarios procedem do modo, como já mostrei, a respeito de um vogal da junta do credito publico, que, tendo escripto um folheto contra o decreto de 30 de agosto, e posto um deferimento em um requerimento, dizendo que a junta não podia pasmar as inscripções, porque isso estava dependente da approvação das côrtes, está passando hoje as apolices, que ha pouco dizia se não podiam passar! E depois destes factos, diz-se que os deputados da opposição veem aqui atacar homens, que estão ausentes, e vai-se para a imprensa vomitar injurias contra mim, e contra os meus collegas, porque lemos a coragem de vir ao parlamento stygmatisar estas torpezas, e estes escandalos! Tambem eu podia perguntar — porque insultais o banco, quando não estão presentes nenhuns de seus membros? — Pela minha parte declaro que hei de fallar sempre sem consideração nenhuma, quando tiver que atacar o governo, embora seja sobre a junta do credito publico, ou sobre uma junta de bois (Hilaridade).

Ainda a respeito de conversões, citarei um facto que teve logar o anno passado em França. Depois da elevação de Luiz Napoleão a imperador, correu na bolsa, que o imperador queria proceder a uma conversão. O Moniteur immediatamente declarou que «esta noticia e duplicadamente inexacta: primeiro, porque o governo não tentava fazer tal conversão; e segundo, porque, quando de tal se tractasse, uma tal medida não podia ser levada a effeito sem o concurso e approvação do poder legislativo, e acquiescencia dos credores.» Neste mesmo dia o Jornal dos Debates publicava que «um» despacho communicado pelo telegrafo electrico annunciava, que a primeira camara dos estados geraes «da Hollanda tinha approvado um projecto de lei «sobre a conversão dos 4 por cento.» Vêde, senhores, como estas cousas correm nos outros paizes. Luiz Napoleão, o homem que fez o golpe de estado de 2 de dezembro, o homem que pegou nos generaes mais populares, nas illustrações mais illustradas de França, nos banqueiros mais ricos do paiz, que os metteu entre duas alas de cabos de policia, e os mandou encerrar nas enxovias; que não teve nenhuma consideração para com personagens de ião elevadas cathegorias, nem para com muitas outras cousas, e este homem, que apenas apparecem os receios que referi a respeito da divida publica, manda declarar officialmente a que é falso o boato que corria na bolsa, e a que, se acaso qualquer conversão tivesse logar, seria proposta, discutida, approvada e sanccionada uno corpo legislativo!...» Ora parece-me que os srs. ministros não quererão ler a pertenção de serem mais que Luiz Napoleão!...

Sr. presidente, vou entrar na questão importante dos vinhos do Douro, e peço ao illustre relator da commissão, que me não faça a injuria de deprehender que, porque eu fallo, só contra alguns decretos da dictadura, a consequencia é que approvo os outros decretos; uma tal conclusão, estabelecida pelo illustre relator da commissão, impugno-a decididamente.

Combato agora especialmente os 4 decretos que enumerei, porque delles fiz mais particular exame; e quando fallar pela segunda vez, talvez falle tambem contra o decreto relativo aos legados pios não cumpridos, decreto que é uma iniquidade tremenda; e a respeito deste objecto direi de passagem

— que tenho sido perseguido, e incessantemente instado para não fallar sobre este decreto, porque os interessados me teem feito a seguinte ponderação: — se fallar na camara contra este decreto, o governo, despeitado pela sua opposição, retira as intenções beneficas em que está a nosso respeito, e nós somos victimas, porque o ministro interino da justiça já nos prometteu que havia de modificar o decreto. — Ora, em virtude deste pedido, e porque eu não quero fazer victimas, nem prejudicar interesses, estou quasi resolvido a não fallar ácerca deste decreto. (Vozes:

— Falle, falle.) Isso depende da minha vontade; se me dér na cabeça fallar, fallarei; se não, não.

Mas tambem me pediram que não fallasse ácerca do decreto de 11 de outubro de 1852, e disseram-me que o governo estava disposto a attender ás reclamações dos lavradores do Douro) a isto respondi que era exigir muito, porque, se fosse cedendo assim, então não me ficaria cousa nenhuma sobre que fallar (Riso). Fallarei, pois, sobre o decreto de 11 de outubro, e fallarei, porque quero mostrar á camara e ao paiz, que esse decreto e o resultado da subserviencia do governo portuguez ás exigencias do governo inglez!... E algumas das circumstancias que se deram para a publicação daquelle decreto são, entre outras, pouco mais ou menos, as seguintes. Ao nosso ministro em Londres (que o ministerio diz — tem feito importantes serviços ao governo e ao paiz; mas, apesar de tanto, foi pagar as reclamações do dr. Kalley, o missionario protestante, expulso da ilha da Madeira) disse o governo inglez ao governo portuguez — modificai a vossa legislação sobre vinhos, e

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nós vos promettemos reduzir certos direitos, e vir a um accôrdo comvosco. — O governo portuguez effectivamente fez a reducção, fez o que o governo inglez lhe pediu, e publicou o decreto de 11 de outubro de 1852; mas o governo inglez não fez em retribuição o que o nosso ministro em Londres tinha mandado dizer, que o governo inglez havia de fazer; os ministros de cá desconfiaram, e pararam, fizeram muito bem. O governo inglez disse novamente ao governo portuguez — Modificai os direitos de entrada nas caxemiras e pannos inglezes, que então vos faremos alguma diminuição. — Ahi está a questão pendente. Veremos se nesta questão o governo portuguez póde mais do que a fabrica de Portalegre. É cousa espantosa o que o governo tem feito nas reformas que tem practicado! Estes assumptos economicos passam desapercebidos, ninguem encara com elles. O governo portuguez diminuiu direitos, prohibiu como quiz e intendeu; nessa legislação que adoptou, confunde as idéas de liberdade de commercio com as idéas de restricção, de sorte que os seus decretos são o amalgama das doutrinas mais absurdas das duas escólas. O governo portuguez prohibiu a entrada da batalha ingleza, e o que aconteceu foi que os nossos fabricantes levantaram immediatamente o preço da beitilha portugueza, que é má; de modo que temos de pagar por mais preço a beitilha portugueza, que é muito má, em vista da ingleza que é muito melhor, e era mais barata que a portugueza, apesar dos direitos elevados que pagava!... Eis as reformas economicas dos srs. ministros!...

Tanto é exacto, que a confusão apparece em todos os relatorios e decretos dos srs. ministros, que eu passo a dar conhecimento á camara de dois relatorios, ambos iguaes, mas tendentes a fins contrarios, ambos invocando os mesmos principios, e as mesmas theorias.

Em 20 de novembro de 1851, o governo expediu, por um decreto, o novo regulamento da roda, repartição e exportação do sal; e declarou que o novo regulamento era confeccionado pela commissão dos proprietarios, administradores e rendeiros das marinhas, e dos carregadores do sal em navios nacionaes e estrangeiros; declarou mais, que os meios propostos são efficazes, não só para melhorar o commercio, dar-lhe incremento e leva-lo ao antigo estado de prosperidade, tirando-o da decadencia em que se acha, mas tambem para beneficiar a sorte dos povos!

Quem diria que depois de frases tão bombásticas, e de palavras tão campanudas, o mesmo ministro publicaria o decreto de 5 de agosto de 1852, que destroe o de 20 de novembro de 1851? Quem diria que o mesmo ministro empregaria, em novembro de 1851, as mesmas palavras para conservar, que empregou em agosto de 1852, para destruir a roda?

Quereis ouvir a invocação dos mesmos principios para o sim e para o não? Escutai-me.

Relatorio do decreto de 5 de agosto de 1852.

Sendo indispensavel regular, de accôrdo com os ti bons principios economicos, o commercio do sal de Setubal; convindo acabar, desde já, com a desigualdade que em relação ao mesmo commercio, existe entre os navios de varias nações, que vão ao porto daquella villa, desigualdade que prejudica igualei mente os productores portuguezes, e os aflugenta apara os portos estrangeiros; sendo da maior importancia, no sentido dos verdadeiros interesses nacionaes, facilitar as operações do commercio, garantir á propriedade o seu livre uso, e a toda a navegação portugueza o mesmo direito, acabando com u as distincções odiosas, e com as restricções oppressivas, que até agora tem existido para aquelle importante commercio, hei por bem decretar a abolição da roda» (!)

Depois disto, diga a camara o que é que regula o ministerio nas suas reformas: será a liberdade do commercio, ou a restricção?... Invoca a liberdade do commercio para fortalecer a roda do sal, e invoca a liberdade do commercio para deitar abaixo a roda do sal!!

Tracta-se dosai de Setubal, publicam-se reformas, queixam-se dellas os proprietariorios e rendeiros das marinhas de sal — diz-se: são os rendeiros do sal! Faz-se uma conversão forçada, queixam-se os juristas — diz-se: são os juristas! Altera-se a legislação ácerca dos vinhos do Douro, queixam-se os lavradores — diz-se: são meia duzia de lavradores, que querem plantar mais alguns bacellos! Fazem-se reformas nas pautas, que prejudicam alguns ramos do nosso commercio, queixaram-se os commerciantes — diz-se: são uns poucos de vadios e proletarios que não querem trabalhar, e que não deixam que o publico ganhe com a diminuição de preço em taes e taes generos! Desattende-se Indo, tracta-se tudo isto como ninharias! — Mas, quando no meio de tanta desenvoltura apparece um decreto de 7 de agosto, e se reclama contra elle, reforma se logo. — Quando a pauta da alfandega marca um certo direito de entrada a respeito do acido sulfúrico, e alguem se queixa, vem logo um additamento á pauta, attendendo á queixa que se apresentou a respeito deste objecto!!! De sorte que ha quatro poderes no nosso paiz, a que se attende sempre e logo — ião: o contracto do tabaco, a fabrica da Verdelha, o conde do Farrobo, e a fabrica de Portalegre!!! (O sr. Corrêa Caldeira: — E o tabellião?) Oh! O tabellião é acima de tudo (Risada). E por esta occasião pergunto ao sr. ministro da fazenda, se tem registrado nas notas de algum tabellião o seu diploma de ministro e secretario de estado dos negocios da fazenda?...

Vou, sr. presidente, occupar-me do decreto de 11 de outubro de 1852. Não o farei tão bem como desejo, mas fa-lo-hei o melhor que me fôr possivel.

Se o governo queria attender aos clamores contra a administração da companhia, chamasse-a a juizo, e procedesse contra ella, se effectivamente a companhia fosse criminosa. Dizem mal da antiga companhia, esses que agora nos fallam em bancos ruraes, e não se lembram esses homens que agora a estão infamando, que a companhia era um banco rural, e que sem subsidio algum gastava perto de 200 contos em ordenados, em obras publicas, em juros aos accionistas, e em ordenados aos lentes e empregados da academia. A companhia adiantava dinheiro aos lavradores, comprava-lhes por bom preço grande porção de vinhos, emprestava consideraveis sommas ao estado, e pagou por muito tempo ao corpo diplomatico em Londres.

Destruístes a antiga companhia, que valia á nação com os soccorros que enumerei; como a substituistes, e porque? Dêstes ao Douro, em primeiro logar, durante a vertigem revolucionaria, a liberdade de commercio; e depois como os factos e as lições de uma

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experiencia desgraçada e severa mostraram, além da maior evidencia, que a liberdade commercial era a ruina do Domo, veiu a lei de 21 de abril de 1843, contracto bilateral entre o governo e a companhia, amparar, á borda do precipicio, a immensa e peculiar riqueza daquelle solo privilegiado, que actos successivos de demencia nacional arrastavam desatinada-mento para o abysmo. A lei de 21 de abril assegurava» compra de 20:000 pipas de vinho da 2. e 3.ª nulidade; os credores da companhia tinham os seus capitaes seguro, os accionistas tinham bem fundadas esperanças de salvar os seus fundos. Se apesar deitas vantagens, a lei de 21 de abril ora defeituosa n'uma ou n'outra providencia, inefficaz n'um ou n'outro artigo; se as 20:000 pipas compradas, em virtude do subsidio, deviam ser eliminadas da offerta, para consumo do paiz, ou para n exportação; se deviam ser queimadas para aguas-ardentes; emendassem a lei nesse artigo, emendassem o regulamento da» provas, mas conservassem a protecção aos vinhos finos, mas collocassem o Douro em estado de costear os gastos e amanhos da sua agricultura, e recolher o necessario para satisfazer modesta e parcamente as indispensaveis precisões da vida.

O decreto de 11 de outubro estabeleceria a liberdade do commercio? A liberdade do commercio! Como? Oude? Quando. Liberdade com tantas restricções! Pois a demarcação, o arrolamento, a prova, o exportavel e o não exportavel, serão as condições da liberdade?

O decreto de 11 de outubro estabeleceria a restricção? Domina nelle o principio proteccionista? Onde? Qual é o comprador que privilegiais? Qual o preço que fixais?

Offereceis a quantia de 30 contos ao exportador de 1:000 pipas de agua-ardente. Retirais o subsidio de 150 contos para prometterdes 30! Meu Deu. O premio que offereceis é um auxilio negativo, que ninguem acceitou ainda. E de mais a mais crear, á custa de todo o paiz, uma industria ficticia no Porto. Não ha vinho da actuai demarcação, que, depois de cobrir os gastos da cultura, se possa vender por menos de 9$000 réis. Restringida a demarcação, lançados fim dessa area os terrenos mais productivos e de mais facil grangeio, nem por 9$000 réis se poderá vender qualquer vinho, seja qualquer que fôr a demarcação. Mas eu acceito os 9$000 réis. Uma pipa de aguardente é o resultado de 8 pipas de vinho: 8 pipas a 9$000 reis, dão 72$000. Multiplicai 72$000 por 1$000, e tereis 72 contos. Ajuntai pelo menos 8 contos para fretes, combustivel, aluguéis, e terei» 80 contos Quem ha neste mundo que para receber 30 contos sujeitos a mais de uma contingencia, principie logo logo por desembolsar 80 contos?

O decreto de 11 de outubro invoca a liberdade do commercio: mas os premios para a fabricação das aguas-ardentes, levando em vista tirar do mercado o excesso presumivel da producção, em vez de ampliar, limita a exportação; classificando o vinho, reconhece a necessidade da fiscalisação, e para este effeito manda proceder ao arrolamento e nomêa uma commissão fiscal; estabelece a percepção dos direitos do consumo para auxiliar o Douro; todas estas medidas decretadas debaixo da invocação sonora da liberdade commercial, são medidas restrictivas. De sorte que o decreto de 11 de outubro está confeccionado, tanto contra os principios proteccionistas, como contra as douctrinas da liberdade commercial. É um amalgama indigesto das theorias mais absurdas das duas escólas. Aboliu a companhia, mas creou uma commissão mixta de negociantes e lavradores; a essa commissão encarrega a fiscalisação, incumbe-lhe a feitura dos regulamento, e manda-lhe que se sirva dos regulamentos e documentos pertencentes á antiga e nova companhia. De duas uma; os antigos regulamentos eram bons, ou eram máos; se eram bons, porque os destruístes? Se são máos, para que os mandastes consultar? Se a commissão tem de propôr as medidas que julgar necessarias, porque lhe marcaes desde já o que ella ha-de fazer?

O vinho do Porto paga dois direitos, o da exportação em Portugal, e o da importação em Inglaterra, nosso principal mercado. Vejâmos se a diminuição de 12$000 réis, feita pelo decreto de 11 de outubro, augmentará o consumo. Uma pipa de vinho tem 688 garrafas: 12$000 réis divididos por 688, dão 17 rs. Haverá aqui, ou fóra d'aqui, alguem que acredite no augmento do consumo em Inglaterra pela diminuição infimamente ridicula de 17 réis? 3!

O imposto que o vinho do Porto paga em Inglaterra é de 30, libras. Se o gabinete britannico diminuisse na menor proporção, que diminuiu o nosso, o direito de importação; se reduzisse o direito de importação a 6 libras sterlinas em vez de 30, assim como o governo portuguez reduziu de 15$000 réis a 5$000 reis, haveria então o allivio importante de 120$000 réis que havia de influir no consumo.

O calculo mais exacto, tirado do livro dos arrotamentos, e das certidões da exportação, annualmente publicadas pela alfandega do Porto, dá ao Douro a producção de 80 a 100 mil pipas de vinho no districto da companhia (campus ubi Troia fuit) que comprehendia a antiga feitoria e ramo. A exportação para a Inglaterra, e para outros paizes da Europa, anda por 30 mil pipas, O consumo interno anda entre 25 a 30 mil pipas. Ficavam fluctuante 40 mil pipas, o estas de vinho inferior, que só por distillação poderiam ser consumidas. A Inglaterra é o nosso primeiro e principal mercado. Das 30 mil pipas exportadas para a Europa, posso, sem grande temeridade, dizer que quasi todas são exportadas para os portos da Grã-Bretanha: 30 libras sterlinas de direitos de importação, com as despezas sobre o custo do vinho posto nas docas, é um direito nunca menos de 100 por cento, que ás vezes chega a 200 por cento. Quer a Camara a prova desta minha asserção? Vou lêr-lhe o officio do nosso consul em Londres, publicado na parte official do Diario, datado de 30 de Setembro de 1852.

«O consumo dos vinhos de Portugal, ao meu vêr, «seria muito mais avultado se houvesse uma diminuição nos direitos de consumo, os quaes são em, «alguns dos nossos vinhos de 100 a 200 por cento, «conforme o seu valor, cujo direito muito impede o «consumo entre a classe média.»

«A importação lotai do vinho, durante o anno passado de 1821, de Portugal, foi de 3,101,031 gallons (medida ingleza), perto de 26:965 pipas, a qual, comparada com a importação do anno antecedente de 1850 mostra uma diminuição de 162,011 gallons, ou perto de 4:000 pipas. No anno de 185], despachou-se para consumo 2,524,775 gallons, sendo a menos do que no anno antecedente 290,201 gallons, -i e para exportação despacharam-se 313,175 gallons,

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«sendo 15.908 gallons menos do que no anno antecedente.» (Diario do Governo de lo de novembro de 1859. = Assignado, Francisco Ignacio Van-zeller).

Se o direito prohibitivo que pésa em Inglaterra sobre os nossos vinhos não impede ainda assim o consumo de 26 a 27 mil pipas, é claro que a diminuição do direito de importação traria o augmento do consumo pela barateza do genero em si, e ela muito menor necessidade da contrafacção. Supponham s que o consumo em Inglaterra é do 30,000 pipas: numa população de trinta milhões, dá no decurso do anno meia canada por individuo. Todas as regras de por porção falham aqui, como vêdes.

Os inglezes não baixam o direito; porque, 1.º, lhes trazia essa diminuição um grande desfalque na sua receita; 2.º, porque augmentaria o consumo de um producto não inglez, consumo que não cobriria o desfalque da sua receita; 3.º, porque haveria subida de valor nos vinhos pela perspectiva de uma procura maior.

Mr. d'Israel, penultimo chanceller do thesouro, instado para declarar a intenção do ministerio ácerca deste assumpto, affirmou positiva e cathegoricamente «que não haveria reducção alguma de direitos sobre nos vinhos e espiritos; e confiava que todo e quaisquer governo que succedesse á sua administração, «não se lembraria de tal.»

Quereis saber como a camara dos communs acolheu esta declaração do chanceller do thesouro? Com muitos e repelidos apoiados.

A Rainha Victoria, na falla do throno disse = u Que o governo portuguez annuíra finalmente ás repetidas exigencias sobre a diminuição dos direitos «de exportação dos vinhos do Douro, e sobre a prohibição para a Europa dos vinhos de segunda qualidade.»

Ouvi com assombro a explicação que o sr. ministro da fazenda deu na sessão de 5 de abril a este paragrafo do discurso do throno da Rainha da Gram-Bretanha.

Disse o sr. ministro da fazenda o seguinte:

«Todos sabiam, que as opposições procuram ganhar-partido á custa do ministerio, e os ministerios «muitas vezes procuravam prejudicar, pelo modo que tem ao seu alcance, a ascenção das opposições ao poder. Não sabia se por força destas circumstancias «alguma cousa se tinha dito no parlamento inglez, «que sem ser absolutamente exacto, nos linha collocado de uma maneira apparentemente desagradavel. «Não podia tambem ser bastante explicito a este respeito, mas a Camara, que era muito illustrada,. Comprehendia de certo quaes tinham sido os motivos que podia ler o gabinete, que acabava de largar os negocios da Gram-Bretanha, para apresentar «o negocio dos vinhos do Douro, de uma maneira «mais favoravel para este governo, do que para o «governo do nosso paiz.»

Na opinião, pois. do sr. ministro da fazenda, a Rainha de Inglaterra mentiu pela bocca dos seus secretarios! Esta insinuação, feita por um ministro da Corôa é, pelo menos, uma grave desattenção para com a Soberana de uma nação nossa alliada.

Eu, apesar de ser opposição, não me atrevia a ser tão descortez para com uma Soberana de uma nação nossa amiga e antiga alliada! — Na frase do sr. ministro da fazenda, a Rainha de Inglaterra mentiu pela bocca dos seus ministros! — O periodo que se ha pronunciado no parlamento inglez, na falla do throno é falso. — O governo portuguez publicou o decreto de 11 de outubro de 1852, porque quiz, foi muito de sua livre vontade, e alta resolução; não fez caso nenhum do que lhe pediu o governo inglez!!!...

O governo annuindo á pertenção ingleza de expoliar para a Europa os vinhos de primeira e segunda qualidade, a superior conjunctamente com a inferior, decretou o envilecimento do genero, a sua depreciação no mercado, e rompeu todo o equilibrio entre o pedido e a offerta. A experiencia de mais de um seculo tem levado á ultima evidencia, que o unico vinho, que na Europa lucta com vantagem com os outros, e o vinho do Douro de superior qualidade. Desde 1758 até 1851, existiu constantemente a pertenção do gabinete inglez, e sempre foi desattendida pelo governo portuguez. Lord Chattam, Conde Halifax, Cromwell, lord Castlereagh, Canning, Accourt, Palmerston, todos estes grandes estadistas pediram a faculdade da exportação dos vinhos de segunda qualidade; mas todos quantos governos teem havido em Portugal, desde 1758 até 1851, recusaram formalmente curvar-se a uma lai exigencia.

Ouvi invocar o tractado de 3 de julho de 1812. O que estipulou esse tractado? Estipulou, no artigo 15 º, que as suas disposições não poderiam invalidar os regulamentas presentes e futuros do commercio dos vinhos do Douro; e no artigo 7.º linha já declarado o reconhecimento do statu quo da tarifa dós direitos impostos nas producções dos dois paizes.

É constante e corrente que, logo em seguida á ratificação do tractado de 3 de julho, entabolando-se, entre os dois governos, negociações para regular a nova pauta dos direitos, que deviam pagar os productos de cada uma das duas nações, em virtude do estipulado no artigo 7.º, que já tinha citado, apresentou o gabinete britannico uma proposta para a diminuição nos direitos de exportação dos vinhos do Douro de primeira qualidade, offerecendo, em compensação, a diminuição em varios direitos de certos productos inglezes

A companhia tinha fixado, por uma lei, o prazo da sua duração; os immensos interesses dos accionistas e credores, estavam ligados a esse prazo; tinham-se feito transacções importante? na supposição de que a lei seria superior aos caprichos e veleidades dos ministros, e de que seria a base para contractos da mais alta importancia. O gabinete actual, porém, desattendendo estas valiosas considerações, destruiu, sem consultar os interessados, o contracto bilateral, solemnemente estabelecido entre o governo e a companhia.

Ninguem reclamou contra o decreto de 11 de outubro, affirmou o illustre relator da commissão na sessão de 7 do corrente. O illustre relator está redondamente enganado. Mal se soube no Douro, que o governo tencionava alterar a legislação vinhateira, não houve quem quizesse esperar pelo decreto de; 11 de outubro: houve quem representasse logo. A associação agricola representou logo....

O sr. Maia — Mas depois da publicação do decreto de 11 de outubro, ninguem reclamou contra.

O Orador: — Depois da promulgação do decreto de 11 de outubro, já houve reclamações feitas contra esse decreto de 11 de outubro, feitas até pela companhia.

O sr. Maia. — Não houve.

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O Orador: — Houve sim, senhor; a companhia dos vinhos do Douro representou, e dirigiu a sua representação a esta camara, e foi aqui apresentada pelo sr. Avila na sessão de 3 de março, e remettida até á commissão especial encarregada de dar o seu parecer ácerca dos actos da dictadura: invoco o testimunho de s. ex. o sr. Avila a este respeito.

O sr. Avila: — É exacto que eu apresentei nesta camara uma representação da companhia dos vinhos do alio Douro, protestando, ou reclamando, contra as disposições do decreto de 1! de outubro de 1852.

O Orador: — Vêde, sr. relator da commissão, como estais atrazado na historia dos acontecimentos, e como foi temeraria a vossa proposição. Já vêdes, que houve reclamações antes e depois da publicação do decreto de II de outubro de 1852.

Antes do decreto de 11 de outubro de 1852:

A associação agricola representou logo, immediatamente. As camaras municipaes de Villa Real, Armamar, S. Cosmado, Santa Martha, Villar de Maçada, e Lamego, representaram, e fortemente, contra o futuro decreto. Sinto, e muito, que o illustre relator da commissão fosse tão inexacto.

Mas a exportação, disse ainda o illustre deputado, não tem diminuido, augmenta, e vai augmentando. Peço ao meu nobre collega, que attenda, não á cifra do numero de pipas exportadas, mas á cifrado preço porque se exportam. 25 a 30 mil pipas de vinhos de primeira qualidade, equivalem a 50 ou 60 mil da segunda qualidade. 25 a 30 mil pipas da primeira qualidade, valem de 8 a 10 milhões, somma que só se consegue com 50 a 60 mil pipas de vinho da segunda qualidade; portanto, e preciso não attender simplesmente á cifra do numero de pipas exportadas, mas á cifra do preço porque se exportam.

Repilo: desde 1758 até 1851, todos os governos de Portugal recusaram formalmente curvar-se ás exigencias inglezas, a respeito deste objecto: nenhum prestou subserviencia a essas exigencias: foi necessario que houvesse neste paiz uma cousa a que se chamou regeneração, que tem confundido todas as fortunas publicas e particulares, para que a legislação, que nunca foi completamente destruida por nenhum dos differentes ministros que tem havido em Portugal, o fosse agora pelos actuaes cavalheiros que dirigem os negocios deste malfadado paiz!!! (Vozes: — Deu a hora).

O Orador: — Deu a hora, estou cançado, tenho ainda que fazer mais algumas considerações, especificadamente a respeito do codigo penal, obra querida do sr. ministro do reino: peço que me fique reservada a palavra para segunda feira.

O sr. Presidente: — Fica-lhe reservada a palavra. A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

o redactor

José de Castro Freire de Macedo.

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