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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
apreciará devidamente; e se quizer constituir-se-ha até em sessão secreta; mas negar-nos o direito de obtermos documentos é estabelecer verdadeiro conflicto entre s. ex.ª e a camara.
Esta questão é politica, é da dignidade da camara, refere-se a um de seus maiores e melhores direitos.
Se não estou filiado em qualquer dos actuaes partidos, sou porém sincero e dedicado defensor dos principios liberaes, e do decoro d'esta camara.
Mas é notavel que o sr. presidente do conselho de ministros defenda ora uma, ora outra de duas doutrinas oppostas segundo as suas conveniencias; é que, por felicidade excepcional, a sua intelligencia anda sempre accorde com a sua commodidade. Assim, por exemplo, quando pedi os pareceres da junta consultiva das obras publicas sobre o despacho que s. ex.ª havia dado a um requerimento da empreza do caminho de ferro do norte, s. ex.ª não teve duvida em apresenta-los. Igualmente ha succedido muitas outras vezes.
Sr. presidente, o governo não se póde negar a dar os esclarecimentos que lhe forem pedidos e que sirvam para apreciar os negocios publicos e os actos ministeriaes, sem elles muitas vezes mal poderemos discutir.
Se a doutrina herética do sr. marquez d'Avila for approvada pela camara, não sei se poderei pedir, por exemplo, um telegramma do ministerio do reino sobre as lutas eleitoraes.
Supponha v. ex.ª que um de nós deseja fazer uma interpellação ao sr. presidente do conselho; annuncia e realisa-a, conhecendo mal o negocios porque o governo se recusa a mandar documentos; o ministro ergue se e diz: «o sr. deputado vem fazer accusações sem ter documentos em que as fundamente; isto não se faz.»
Se porém o deputado pede documentos para seu esclarecimento, e para ver se ha logar a uma interpellação, o ministro responde: « Não os mando», a não ser que o auctor dos documentos não seja membro d'esta casa, e não peça ao sr. marquez que os traga. Então, por obsequio, sempre virão!
Sr. presidente, a questão é clara; e eu não sei que a camara possa recusar-se a votar a minha moção. A camara fará o que entender.
O sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra.
O Orador: — A camara esclarecida pela palavra do sr. ministro da fazenda, poderá votar por modo diverso da minha opinião; mas creio que os deputados da nação portugueza não devem querer que aos srs. ministros fique o arbitrio de não nos mandarem quaesquer documentos, principalmente aquelles que podem ser base de accusação do gabinete.
Effectivamente é novo em Portugal vir um ministro mezes depois de um deputado lhe ter pedido certos documentos de que, necessitava, dizer que não manda esses documentos. E isto o que acontece com um parecer pedido pelo sr. Mariano de Carvalho.
A obrigação do sr. marquez d'Avila logo que lhe foi se licitado um documento que s. ex.ª não queria trazer aqui, era declara-lo franca e immediatamente, ou provocar uma deliberação da camara, fundado na probidade nossa.
Supponha v. ex.ª que qualquer de nós accusa os srs. ministros, e para fundar a accusação é preciso documentos que existem no ministerio do reino ou da fazenda; os srs. ministros riem do poder da camara em vez de a respeitarem. Dizem: «Não mandamos os documentos, porque não é isso conveniente.» E a accusação não se réalisa.
Podéra ser conveniente; se por causa d'elles talvez s. ex.ª deixassem de ser ministros!...
E pois clara a impossibilidade de nos desempenharmos de üma de nossas obrigações, se a opinião do sr. ministro do reino e do seu collega da fazenda for aceita pela camara.
Eu prezo muito a publicidade (apoiados), é uma das condições do systema representativo.
Creio que só podem ser inimigos da publicidade aquelles que julgam que é inconveniente ao seu decoro a publicação de certos documentos.
Que se diria se eu pedisse copia das actas do conselho d'estado, quando funccionasse como corporação politica destinada a esclarecer o poder moderador?! Diriam barbara esta pretensão e de todo desusada!
Mas supponha v. ex.ª que eu queria saber se houve culpa dos conselheiros d'estado, por conselhos que tivessem dado a El-Rei? N'esse caso eu tambem não podia ver copia das actas? Como realisaria a accusação?
Sr. presidente, melhor é dizer-se que uma parte importante da carta constitucional não existe, para então sabermos que reformas havemos de pedir; isto será melhor do que julgarmos que temos certos direitos, e bastar o sr. marquez d'Avila e de Bolama para que elles deixem de vigorar (apoiados. — Vozes: — Muito bem).
O sr. Ministro da Fazenda: — Pedi a palavra, porque o illustre deputado que me precedeu, na occasião de fazer reflexões sobre o assumpto em discussão, disse que n'uma sessão da commissão de fazenda tinham sido feitas promessas, as quaes não tinham sido cumpridas.
Eu vejo sempre inconveniente nas allegações do que se passa no seio de uma commissão, sem que estejam presentes as actas do que se passou n'essa commissão.
Mas o illustre deputado parece-me tira toda a importancia á circumstancia aggravante, que suppõe encontrar no promettimento da remessa, que não se verifica, de um documento, quando reflectir que não pertence ao ministerio a meu cargo, e que o sr. ministro do reino é que é o juiz competente da inconveniencia ou não inconveniencia d'essa remessa, comquanto eu conheça, como não posso deixar de conhecer, o documento.
Eu acho um grande inconveniente e um perigo n'esta nossa tendencia para a generalisação das questões que se apresentam.
Sei que me faltam todos os predicados da verdadeira eloquencia, e não posso acompanhar o illustre deputado na argumentação da necessidade da resistencia a perigos que desconheço.
Na occasião em que s. ex.ª invocou uma disposição que importava uma modificação ao regimento, o que s. ex.ª praticou foi um acto que revela que o illustre deputado tem a grandissima vantagem de ser muito mais moço do que eu, e de ter estado livre do incommodo de commetter erros. Quando tiver commettido erros, ha de ser mais benevolo (apoiados) para com os outros.
O illustre deputado suppõe que os erros são apanagio exclusivamente dos individuos que se sentam n'estas cadeiras, e julga-se tão alheio a todas as fragilidades, a que foi condemnada a especie humana, que suppõe que em caso nenhum poderá ser victima da severidade com que julga os outros.
O illustre deputado reconhece muito bem o preceito, que partiu de tão alto que não póde ser suspeito, de que aquelle que se achava isento de peccado apedrejasse o que se lhe apresentasse nas condições contrarias...
O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu fallava na carta.
O Orador: — Não fallou na carta, fallou em uma disposição do regimento.
Ora eu lhe conto a historia d'essa disposição, e s. ex.ª verá como as inducções que se tiram são exactamente contrarias á opinião que s. ex.ª quer estabelecer.
D'antes, para se fazer um requerimento ao governo, levantava-se qualquer deputado, e apresentava o seu requerimento nos seguintes termos: «Peço que o governo remetta a esta camara, não havendo inconveniente, taes e taes documentos» (apoiados). Era esta a redacção.
E peço perdão por eu ter vivido mais do que s. ex.ª, o que é triste vantagem, e lembrar-me do que aconteceu n'esse tempo.
E entendeu-se n'essa occasião, como todos os esclareci