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SESSÃO DE 5 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios—os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Discussão sobre a acta a proposito de duvidas sobre a validade da eleição do sr. Alves Passos para membro da commissão de administração publica— Approvação da acta — Apresentação de requerimentos, projectos de lei e notas de interpellação — Incidente que durou toda a sessão e não ficou concluido, levantado pelo sr. Rodrigues de Freitas, com o fim de suscitar a observancia da disposição 15.ª annexa ao regimento da camara.

Chamada—54 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Alfredo da Rocha Peixoto, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, Antonio Julio, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Carlos, Bento, Vieira das Neves, Francisco de Albuquerque, Correia de Mendonça, Francisco Costa, Caldas Aulete, F M. da Cunha, Pinto Bessa, Van-Zeller, Gomes da Palma, Sant'Anna e Vasconcellos, Jayme Moniz, Santos e Silva, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Pinto de Magalhães, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Cardoso Klerk, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Costa e Silva, Nogueira, Mexia Salema, José Tiberio, Affonseca, Pires de Lima, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Thomás de Carvalho, Thomás Lisboa, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Teixeira de Vasconcellos, Boavida, A. J. Teixeira, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Carlos Ribeiro, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco Mendes, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Perdigão, Franco Frazão, Assis Pereira de Mello, Lobo d'Avila, Dias Ferreira, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Sá Vargas, Mello Gouveia, Menezes Toste, Luiz de Campos, Rocha Peixoto, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, Cunha Monteiro, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram—os srs. Barros e Sá, Arrobas, Eduardo Tavares, Camello Lampreia, Mártens Ferrão, Melicio, Baptista de Andrade, Teixeira de Queiroz, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, Pedro Roberto, Visconde de Valmór.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Leu-se a acta.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Hontem no fim da sessão ventilou-se aqui uma questão que para mim nada tem de pessoal. Desde o momento em que eu, como membro da opposição, não via que podesse ser apurado um candidato opposicionista, era-me indifferente que fosse eleito o sr. Alves Passos ou outro qualquer deputado governamental; por consequencia, n'aquillo que vou dizer é claro que não entra absolutamente questão pessoal.

Entraram na urna 83 listas, e d'estas nenhuma era branca, e como só as listas brancas não são contadas para o effeito do computo da maioria absoluta, entendo que todas as outras listas hão de ser contadas para esse fim.

Aconteceu porém que, elegendo-se hontem quatro commissões, houve engano da parte de alguns srs. deputados que deitaram na urna destinada para a eleição da commissão de administração publica a lista que tinham formulado para a commissão de instrucção publica, e vice-versa; e nas outras aconteceu o mesmo, o que bem o prova a inscripção que no cimo das referidas listas se continha.

Ora pelo que ouvi ter na mesa foi eleito um dos individuos apurado por 42 votos e uns d'estes votos estava incluido em uma das quatro listas a que alludo.

E sobre isto que desejo que a camara se pronuncie e estabeleça uma pratica uniforme, porque ao passo que em uma das mesas se contava alguma d'estas listas sobre as quaes evidentemente se conhecia que havia engano.

O sr. Pinto de Magalhães: — Não se póde provar.

O Orador: — Não se póde provar! E uma cousa clarissima. Pois deitando-se na urna destinada para a eleição da commissão de administração publica uma lista contendo nomes a menos, e que era destinada para a eleição da commissão de marinha, como dizia a inscripção, não se conhecia logo que havia manifesto engano? De certo que sim. Mas embora, o que desejo é que pronuncie a camara sobre o que se deve seguir em tal hypothese.

Por consequencia, espero que a camara tome uma resolução a este respeito, porque, se não contarem os votos d'aquellas listas, não se póde considerar eleito o individuo que teve 41 votos, quando a maioria absoluta é 42. Se se contarem os votos contidos n'esta lista que é evidente que entraram por engano, e que por consequencia não exprimem a vontade de quem deitou a lista na urna, é claro que é necessario proceder á eleição de mais um membro.

A este respeito, repito, desejava que houvesse uma resolução definitiva da camara e que ficasse servindo de regra.

V. ex.ª acredita que se fosse lançada uma lista com a designação de administração publica, contendo onze membros, em outra uma onde se devia lançar uma lista de nove membros para a commissão de marinha! Não é acreditavel.

Apresento estas duvidas com o fim especial de provocar uma resolução da camara a este respeito. Para mim é naturalmente indifferente que seja apurado para esta commissão o sr. Alves Passos ou outro qualquer cavalheiro governamental. O meu fim é outro. A minha opinião é que desde a occasião em que se conheça que houve engano n'aquellas listas não se devem contar os votos; mas ao passo que se não devem contar os votos n'essas listas que não exprimem a vontade do votante, que hão de ser contados para a maioria absoluta, porque o regimento só exceptua as listas brancas e não as inutilisadas, e n'este caso é necessario haver mais um voto para que seja eleito o membro que falta para a commissão de instrucção publica.

O sr. Visconde de Montariol: — Hontem fui nomeado por v. ex.ª para presidir ao escrutinio da commissão de instrucção publica.

Entraram na urna 83 listas, e entre ellas quatro defeituosas que pertenciam a outras commissões. Pergunto ao illustre deputado que me precedeu: como quer que se contem estas listas, como nullas ou como validas? Em qualquer dos casos me servo a sua resposta.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Quero que se considerem nullas.

O Orador: — Então sendo nullas, ficam 79 listas, e a maioria absoluta é de 40 votos, e o sr. Alves Passos, que teve 41 votos está eleito.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Isso não póde ser, porque é preciso que se contem.

O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que não estabeleçam dialogos.

O sr. Correia Caldeira: — Como é possivel contar as istas nullas? O que é nullo não serve para nada.

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O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados o favor de deixar fallar o orador.

O Orador: — Se não são nullas, aquelle voto não póde deixar de se contar ao sr. Alves Passos, e por consequencia está tambem eleito.

Esta é a logica que aprendi, e não a logica que muitas vezes se apresenta na camara.

O sr. Agostinho da Rocha: — A questão está posta pelo sr. visconde de Montariol.

Entraram na urna 83 listas, sendo 4 imperfeitas, por consequencia ficam 79, e a maioria absoluta é de 40 votos.

O sr. deputado Alves Passos teve 42 votos, mas annullando-se um voto, ainda assim teve maioria absoluta, porque fica com 40 votos.

Parece-me que o sr. Francisco de Albuquerque não se propoz a pôr em duvida a validade da eleição do sr. Alves Passos; hontem poz-se isso em duvida, mas julgo que o pensamento do sr. deputado não é esse.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Não, senhor

O Orador: — Emquanto á parte das observações de v. ex.ª tendentes a promover uma resolução da capara sobre o modo de se apurarem essas listas, sobre isso nada tenho que dizer.

O sr. Falcão da Fonseca: — Devemos aproveitar o tempo, e por consequencia em vista das observações que acabaram de se apresentar, parece-me desnecessario dizer mais cousa alguma, alem do que hontem disse a este respeito, a não ser que no regimento não ha disposição alguma sobre este ponto.

O sr. Mariano de Carvalho: — O sr. visconde de Montariol foi muito logico na sua argumentação, mas poz mal as premissas.

São nullas ou não são as listas de que se trata? Senão são, conta-se um voto ao sr. Alves Passos, e tem maioria absoluta; e se são nullas, não se contam para a maioria absoluta. Assim argumentou o sr. visconde.

Esta segunda premissa é mal posta, porque as listas podem ser nullas para um effeito e não o serem para outro Eu apresento um exemplo.

Imagine-se uma eleição de deputados em um circulo. A votação recáe em tres candidatos, dois dos quaes são elegiveis e um tem uma pronuncia passada em julgado, e por consequencia não é elegivel. Os votos que recáem sobre este ultimo são nullos, mas as listas não são, porque servem para a contagem da maioria absoluta. Do mesmo modo se contam para a maioria absoluta as listas inutilisadas por, terem signaes externos.

O que o sr. Falcão da Fonseca disse não é exacto, por que o regimento diz que as listas brancas não se devem contar para a maioria absoluta. Portanto só as listas brancas senão devem contar; as que forem nullas por qualquer outro motivo, contam-se. Se á camara quer revogar o regimento, está no seu direito, mas emquanto elle vigorar, temos obrigação de respeita-lo.

Assisti hontem ao escrutinio e vi que a lista deitada na urna para certa commissão, tinha na parte superior um letreiro indicando que era para outra commissão. O deputado que votou assim tinha confiança no sr. Alves Passos para a commissão designada na sua lista, mas podia não o querer eleger para a outra. A lista foi trocada contra vontade do votante, e não convem nem é decoroso que estejamos a aproveitar equivocos.

Em conclusão. As listas nullas contam-se ou não para a maioria absoluta? Pelo regimento contam-se, logo o sr. Alves Passos não está regularmente eleito. A camara póde resolver o que quizer, mas a verdade é esta.

O sr. Pinheiro Borges: —Na sessão de hontem apresentei algumas duvidas ácerca do apuramento do nome do sr. Alves Passos na eleição da commissão de instrucção publica, unicamente com o proposito de alcançar que se respeitem as intenções dos srs. deputados que concorreram á eleição das commissões, desejando que se desfizessem os erros inevitaveis da troca de listas, e que sempre se tem dado quando se fazem cumulativamente mais de uma eleição. A eleição de muitas commissões ao mesmo tempo, tem a vantagem de facilitar o expediente, e hei de votar que assim se proceda todas as vezes que as circumstancias o requisitem, e que se proponham os meios de desfazer os equivocos.

Este processo de eleger não é novo, seguiu se nas eleições das commissões da camara passada, só houve a differença, com relação ao que se praticou agora, que o escrutinio foi sempre feito pela mesa da camara, de modo que n'ella se desfaziam os enganos indicados pela designação das listas.

Encontravam-se, por exemplo, duas ou tres listas com designação differente d'aquella que indicava a uma cujo escrutinio se apurava, punham-se aquellas listas de parte, e quando se escrutinava a uma respectiva ás listas separadas, se se encontrava n'ella a verificação do engano, isto é o mesmo numero de listas com designação diversa, contavam-se para cada commissão os votos que, as listas respectivas designavam.

Era isto que eu desejava que se fizesse. Na occasião do apuramento da commissão de instrucção publica, que eu presenciei por se ter verificado proximo do meu logar, appareceram algumas listas com indicações differentes, sendo uma para a commissão de marinha e duas para a de administração, e n'uma d'estas vinha o nome do sr. Alves Passos que tambem era votado para a commissão de instrucção, e por isso este voto lhe dava a maioria precisa para s. ex.ª ficar apurado. Eu era de opinião que esta lista fosse apurada como as outras da commissão de administração, respeitando-se a intenção do votante.

O sr. Presidente: — Emquanto os srs. deputados estiverem em grupo na sala de modo que os srs. tachygraphos não possam tomar as notas precisas e indispensaveis, não continuo a dar a palavra.

O Orador: — Devo declarar que me me prézo de ser imparcial, e que para socegar a minha consciencia já verifiquei que effectivamente em uma das urnas, e parece-me que foi n'aquella em que foram recebidas as listas para a commissão de marinha, entrou uma lista com a designação de «instrucção publica», em que vinha incluido o nome do sr. Alves Passos. Por consequencia para mim que me decido sempre pela justiça, o sr. Alves Passos está bem eleito. O que peço á camara é, que se continuar a fazer eleições cumulativamente, seja o apuramento feito na mesa, e ahi se destruam os inconvenientes resultantes da agglomeração de eleições, reunindo as listas que tiverem a mesma designação.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Para mostrar que a opinião do meu illustre collega e amigo que acaba de fallar não procede, basta dizer a v ex.ª que se acaso se fizesse a troca das listas conforme a sua designação, podia o resultado não ser tambem a expressão da vontade dos votantes. Outro dia aconteceu que, não querendo eu votar na lista do governo, nem tambem com lista branca, peguei nas listas que ali estavam (indicando a mesa dos tachygraphos), troquei-as e lancei n'uma uma a lista que devia ser lançada n'outra, porque o meu fim era inutilisar o meu voto com relação aquellas listas. Já vê v. ex.ª que se foram trocadas as listas, como quer o sr. Pinheiro Borges, e contadas conforme a sua designação, dá em resultado contarem se listas que o proprio votante não quereria que se contasse.

E com relação a outro ponto, parece-me que a questão lei perfeitamente posta pelo sr. Mariano de Carvalho.

Diz-se que se as listas são nullas, não se contam para effeito nenhum. Não é assim. As listas podem ser nullas para esse effeito e não o serem para outro. E não é esta uma jurisprudencia nova. Se bem me recordo, já houve uma eleição de deputados muito disputada, o vencimento

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foi pequeno, inutilisaram-se vinte e tantas listas que foramr appensas ao processo eleitoral, para a junta preparatoria resolver, e essas listas entraram para o computo da maioria, mas não se contaram os nomes n'ellas incluidos. Por consequencia, essas listas foram annulladas em relação a um effeito, mas foram julgadas validas para o computo da maioria. E exactamente o que póde dar-se a respeito desta questão, e o que eu peço é que se tome uma resolução que se applique conformemente a casos similhantes.

O sr. Falcão da Fonseca: — Pelo que têem dito os illustres oradores que impugnam a eleição do sr. Alves Passos, a questão agora reduz-se a estabelecer uma disposição no nosso regimento, que possa prevenir estas hypotheses. O sr. Mariano de Carvalho, referindo-se a ter eu dito que não havia disposição regimental a este respeito, disse que não era tanto assim. Devo dizer ao illustre deputado, que o nosso regimento diz no artigo 85.° o seguinte (leu).

Por consequencia, eu continuo a dizer que no nosso regimento não ha disposição alguma que obrigue a annullar estas listas, tendo entrado na urna 83 listas sendo a maioria absoluta 42, o sr. Alves Passos ficou eleito e muito bem eleito (apoiados).

O sr. Mariano de Carvalho: — A primeira parte do breve discurso do sr. Falcão da Fonseca, tenho a responder que não impugno a eleição do sr. Alves Passos, por ser o illustre deputado o eleito; impugno a eleição, porque entendo que o illustre deputado não teve maioria absoluta.

Eutenda-se bem que foi isto o que quiz dizer o sr. Francisco de Albuquerque, e é o que eu digo.

O sr. Francisco de Albuquerque lembrou perfeitamente á camara qual tem sido a pratica n'estes casos, em relação ás listas defeituosas que apparecem nas eleições geraes pára deputados.

N'essas eleições as listas brancas não se contam para o computo da maioria absoluta; mas as inutilisadas por outro qualquer motivo contam-se sempre. Esta é a praxe constante.

Para esclarecer melhor o assumpto, estabeleço uma hypothese que se póde verificar n'esta casa. Resolvemos hontem eleger quatro commissões simultaneamente, votou-se em quatro urnas e nomearam-se quatro mesas para o apuramento. Mas supponha v. ex.ª que se votava só n'uma urna, e que uma lista tinha em cima a indicação «commissão de instrucção publica?»

V. ex.ª ou a camara contavam esse voto para a commissão de administração publica?

Certamente que não.

Imagine v. ex.ª que os srs. deputados que votam no sr. Alves Passos não queriam elege-lo para a commissão de administração publica, mas queria para a de instrucção publica? (Apoiados.) Havemos de viciar-lhe o voto? A disposição regimental citada pelo sr. Falcão da Fonseca não vem nada para o caso.

O artigo 85.° diz o seguinte (leu).

Nós não contestámos esta eleição por as listas terem nomes de mais ou de menos, mas pela indicação que continha a lista aonde se achava o nome do sr. Alves Passos.

Portanto entendo que a unica maneira de sairmos d'esta difficuldade, é tomarmos uma resolução a este respeito, para a que o eleito não se aproveite de um voto que lhe não pertence.

Se a camara julgar valida a eleição, muito bem; se não, tendo-se de fazer nova eleição, porque ainda faltam membros para a commissão de instrucção publica, pouco importa que as listas contenham mais um nome.

Assim fica tudo sanado sem inconveniente algum (apoiados).

O sr. Pinto de Magalhães (para um requerimento): — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de consultar a camara sobre se este incidente está sufficientemente discutido.

Julgou-se discutido.

O sr. Presidente: — Vae votar-se a acta.

O sr. Mariano de Carvalho (sobre o modo de propor): — Pergunto a v. ex.ª se, approvando-se a acta, se entende que votâmos a validade da eleição do sr. Alves Passos?

O sr. Presidente: — Está claro que sim.

O sr. Mariano de Carvalho: —N'esse caso vou mandar para a mesa uma proposta.

Algumas vozes: —Nâo póde ser depois de julgada discutida a materia.

O sr. Santos e Silva (sobre o modo de propor): — A acta contém diversos assumptos. A camara póde estar de accordo em relação a uns e em desaccordo com relação a outros. Se a acta se pozer á votação destinguindo-se o ponto sujeito, está terminada a questão, e cada um vota como entende.

Já que estou com a palavra, aproveito-a para mandar para a mesa por parte da commissão de poderes o parecer sobre a legalidade do diploma do sr. deputado Franco Frazão. Como não ha duvida, rogo a v. ex.ª que queira consultar a camara sobre se dispensa o regimento para o parecer entrar desde já em discussão, visto que o sr. deputado eleito está nos corredores.

O sr. Presidente: —Depois de concluida esta votação.

O sr. Mariano de Carvalho (sobre o modo de propor): — Eu tive o intuito, quando pedi a palavra sobre a acta, de provocar uma resolução da Camara.

Vou agora mandar para a mesa uma proposta, visto que a que fiz verbalmente não foi admittida para sobre ella recaír votação. Creio que estou no meu direito.

O sr. Presidente: — A materia está discutida.

O Orador: — Não me cansaria a pedir a palavra a v. ex.ª sobre o modo de propor, se não se tivesse estabelecido aqui um precedente novo, que é quando um orador está fallando e o interrompem, ser-lhe retirada a palavra. Foi o que ma succedeu e que me obrigou a pedir a palavra de novo para lembrar á camara que proceda n'estes casos como se procede muitas vezes em pareceres de commissões; votam-se os pareceres salvas as emendas que porventura se mandem para a mesa. Todos nós entendemos, quando se estava discutindo a validade da eleição do sr. Alves Passos, que havia de recaír sobre elle uma votação.

Alguns srs. deputados têem duvidas e eu sou um d'elles, em votar contra a acta que só é inexacta na parte em que dá por eleito o sr. Alves Passos.

Digo mais. Se v. ex.ª quer vencer todas as difficuldades sem inconvenientes, faça que continue a discussão que tinha ficado pendente da sessão passada. Quando se estava discutindo este ponto, reconheceu-se não haver numero, e adiou-se para hoje. Agora póde a acta pôr-se á votação e depois discute-se e vota-se a questão pendente, isto é, se o sr. Alves Passos está eleito. Se v. ex.ª está de accordo com isto, ficam remediadas todas os difficuldades.

O sr. Presidente: — Tenha a bondade de mandar a sua proposta para a mesa.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que se vote a acta sem prejuizo da questão relativa á eleição do sr. Alves Passos.

Sala das sessões, 5 de agosto de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Não foi admittida á discussão.

O sr. Rodrigues de Freitas (sobre o modo de propor): — Declaro que vou approvar a acta, a qual não póde ser posta á votação senão no todo, embora depois se possa contestar a eleição do sr. Alves Passos. São cousas diversas.

A respeito do que se passou, a acta é completamente fiel. Entretanto, podia depois suscitar-se a outra questão. Posta á votação a acta, foi approvada.

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EXPEDIENTS

A QUE SE DEU O DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo os esclarecimentos pedidos pelos srs. Luiz de Campos e Osorio de Vasconcellos, relativos ás conferencias democraticas no casino.

Para a secretaria.

2.º Do ministerio da fazenda, remettendo alguns esclarecimentos pedidos pelo sr. Van-Zeller.

Para a secretaria.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — O concelho de S. Thiago de Cacem, augmentado actualmente com as populosas freguezias de Mellides e de Alvalade, comprehende uma extensão territorial, um numero de fogos e uma população muito superiores a algumas das comarcas judiciaes que hoje existem.

O incommodo que soffrem os habitantes d'este concelho, indo como jurados ou como testemunhas á actual cabeça de comarca é enorme, em rasão da distancia a percorrer, da insalubridade do clima, da demora que os cidadãos são obrigados a ter com situação tão desfavoravel, aggravada pela falta de meios, quasi geral, para se manterem por tanto tempo a tão grandes distancias de suas casas.

Os concelhos de Alcacer e Gandula, com a populosa e rica freguezia do Torrão, hoje pertencente ao primeiro d'estes concelhos, que ficam continuando a pertencer á comarca de Alcacer do Sal, são sufficientes para manter a existencia d'esta comarca.

Para evitar os soffrimentos que estão supportando os habitantes do concelho de S. Thiago pelas causas acima indicadas; e considerando que a administração da justiça deve ser sujeita á condição de commodidade dos povos, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É creada uma comarca judicial no concelho de S. Thiago de Cacem.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 4 de agosto de 1871. = Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Foi admittido, e ficou para ser enviado á commissão respectiva.

O sr. Presidente: — Vae ler-se um parecer da commissão de poderes.

É o seguinte:

Senhores. — A vossa commissão de verificação de poderes, achando legal o diploma do sr. deputado eleito João Antonio Franco Frazão, é de parecer que seja proclamado deputado o respectivo cidadão.

Sala da commissão, 5 de agosto de 1871. = José Maria da Costa e Silva = João Antonio dos Santos e Silva = Antonio Correia Caldeira = Antonio Rodrigues Sampaio = D. Miguel Pereira Coutinho.

Foi logo approvado, sendo proclamado deputado o sr. João Antonio Franco Frazão.

Foram introduzidos na sala e prestaram juramento os srs. Manuel Bento da Rocha Peixoto e João Antonio Franco Frazão.

O sr. Rodrigues Sampaio: — Mando para a mesa a seguinte declaração de voto (leu).

O sr. Dias Ferreira: — Mando para a mesa um documento relativo á eleição por Macedo de Cavalleiros. Peço a v. ex.ª se digne envia-lo á commissão respectiva.

Tenho tambem a honra de mandar para a mesa o seguinte projecto de lei (leu).

O sr. Presidente: —Uma e outra cousa terão o destino competente.

O sr. Barros e Cunha: — Sinto-me com alguma impaciencia de principiar a tratar dos negocios serios do meu paiz, e em consequencia d'isso mando para a mesa duas notas de interpellação; uma ao sr. ministro das obras publicas, ácerca da viação geral na provincia do Algarve, doa melhoramentos na barra de Villa Nova de Portimão e da canalisação da ria de Silves; outra, sobre os modos por que se cobram os fóros da fazenda nacional.

V. ex.ª sabe perfeitamente que o assumpto da primeira nota de interpellação tem sido d'aquelles que tenho empregado mais o meu cuidado e solicitude.

Passou na camara dissolvida uma lei a este respeito, e não devemos perder tempo em fazer justiça aos povos do circulo que tenho a honra de representar e á importante provincia do Algarve em geral.

É do conhecimento do s. ex.ª o sr. Carlos Bento da Silva, ministro das duas pastas a que este negocio está sujeito, que ha um imposto especial applicado para fins especiaes que tem sido desviado d'esses fins, e que é necessario que, por todos os meios, em execução da lei que aqui se votou, convirja com as verbas que são destinadas á construcção da ponte por conta do estado para se dotar aquella provincia ao mesmo tempo com melhoramentos da bana e canalisação da ria de Silves, obras de que ella carece para aproveitar os importantes productos da sua agricultura.

Tambem desejo interpellar o sr. ministro da fazenda, ácerca do modo por que se está procedendo á cobrança dos fóros da fazenda nacional, e especialmente na provincia do Algarve. Naturalmente s. ex.ª deseja habilitar-se a este respeito para me responder; por isso quando chegar essa occasião direi quaes são os pontos sobre que desejo principalmente ser esclarecido, porque talvez haja necessidade de se fazer uma reforma na legislação existente, ou talvez propor nova lei para regular este assumpto.

Não estão presentes alguns dos outros srs: ministros; porém aproveito esta occasião, estando presente um dos membros do gabinete, porque principalmente me dirijo ao governo, para saber se effectivamente s. ex.ª o sr. presidente do conselho e ministro do reino tenta levar por diante a reforma administrativa que apresentou a esta casa. Creio que é uma necessidade indeclinavel dar prompto remedio ao estado de desorganisacão em que se acha a administração d'este reino (apoiados).

Da mesma maneira s. ex.ª aqui apresentou uma reforma de instrucção primaria e secundaria, que me parece tambem que é opportuno saber se o governo renova a iniciativa d'essas propostas de lei, que não chegaram a ter parecer na camara passada, ou se não julga que esta sessão por ser extraordinaria deva occupar-se d'estes negocios ordinarios e indispensaveis á vida d'este povo que, acima de todas as cousas, tem principalmente necessidade de aperfeiçoar a sua educação. Posto que haja aqui duas escolas, uma que entende que a força é unicamente efficaz para dirigir a sociedade, ha outra tambem que entende, que unicamente a opinião, e principalmente a opinião, é o meio mais moral e forte do prevenir que haja necessidade de recorrer ao emprego da força. Eu pertenço a esta segunda escola.

Desejava tambem tratar de um assumpto, sobre o qual mandei para a mesa uma nota de interpellação, e que por iniciativa do sr. presidente do conselho de ministros, então das obras publicas, já teve uma providencia, qual é o assumpto ácerca do commercio dos nossos vinhos.

Não sei que resultado deu aquella portaria, que transformava os nossos consules em agentes commerciaes, para examinarem a qualidade dos vinhos estrangeiros, que estavam em relação com os nossos, e para fazerem apresentar nos mercados e depositos onde se negoceia este artigo, as amostras que eram remettidas a este paiz.

Não sei até que ponto essas providencias têem dado resultado.

Não está presente o sr. ministro da guerra, mas sobre os negocios da sua repartição não posso deixar de observar tambem que me parece que a organisação do exercito não póde por mais tempo ser adiada.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Apoiado.

O Orador: — Todos sabem o estado em que o nosso exercito se acha, e as necessidades que elle tem. As pro-

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messas que se têem feito de occorrer a essas necessidades, se se fazem com facilidade, com igual facilidade são completamente esquecidas; e recommendo isto principalmente aquelles que têem grande confiança no emprego da força; porque estou convencido que mesmo quando quizerem lançar mão d'esse meio, não o tem á sua disposição, porque pódese dizer que fazemos uma grande despeza; mas que não temos a força correspondente a essa despeza que fazemos.

Vejo presente o sr. ministro da marinha, e d'isso me felicito.

V. ex.ª sabe que na ultima sessão legislativa se tratou aqui da venda de navios velhos, da abolição do commando geral da armada, e da transferencia da força de marinha, que se achava ao serviço do ministerio da fazenda, para ser substituida por outra ordem de fiscalisação; e eu não sei se o sr. ministro está na resolução de manter o commando geral da armada, conforme votara juntamente commigo, ou de acceder á deliberação que então se tomou n'esta casa, por proposta do sr. relator da commissão de fazenda, que foi eleito para a de marinha, de que o commando geral da armada devia ser abolido, e reduzida a força naval.

Eu não pretendo que s. ex.ª responda immediatamente sobre este assumpto; indico apenas o desejo de tratar d'elle quando s. ex.ª julgar opportuno.

Ao meu illustre amigo, o sr. ministro da fazenda, pedirei n'este momento, se isto não contraría o seu proposito, ou se s. ex.ª não julga que é necessario prevenir-se com algumas informações, que me diga qual o resultado da reforma das matrizes.

E sobre este assumpto direi á camara que, sendo geraes os clamores no paiz sobre a desigualdade das matrizes, sendo reconhecido por todos os membros d'esta casa, que se não póde absolutamente tratar de lançar impostos sem que a base sobre que elles assentam seja melhorada, e sendo o sr. ministro da fazenda a pessoa mais interessada em que esta reforma tenha principio de execução, e devendo trazer á camara algumas providencias a esse respeito, eu desejo muito n'esta occasião, ou em outra qualquer que v. ex.ª julgue mais conveniente, dê á camara informações a esse respeito.

Creio que v. ex.ª está na mesma opinião em que eu estou, de que não é possivel adiar por mais tempo a apresentação de leis de receita ao parlamento, para que elle as tome em consideração, a fim de tornar mais lisonjeiras as circumstancias actuaes do thesouro.

Tanto menor é o deficit que se manifesta, mais faceis são os sacrificios que ha a pedir ao paiz para completar estas boas disposições que naturalmente dimanam da prosperidade dos povos.

Eu creio que os escrivães de fazenda, os delegados do thesouro, e todo este acompanhamento fiscal concorrem muito para que por esta reforma das matrizes se chegue, não á igualdade que é impossivel de obter, mas a uma approximação proporcional que é o principio mais rasoavel que se deve adoptar na avaliação da propriedade. E novamente instaria pelo systema de completa publicidade.

E uma medida indispensavel. E eu espero que v. ex.ª ha de leva-la a effeito.

Emquanto ás propostas de lei de receita, espero que o sr. ministro dax fazenda me diga se está na idéa do levar para diante a proposta da contribuição industrial que apresentou ao parlamento na sessão legislativa passada, e ficou pendente em consequencia das reclamações que de todos os lados do paiz vieram impugna-la, ou, se s. ex.ª toma novas bases para nos trazer aqui algumas novas propostas tributarias.

Eu, seja qual for o gabinete que esteja afrente dos negocios publicos, e creio que será o actual, comprometto-me desde já a dar ao governo todo o apoio e auxilio de que sou capaz e de que posso dispor para o acompanhar n'esta importante e indeclinavel cruzada de tratar de occorrer ás nossas necessidades financeiras; porque, realmente, e perdoem-me por eu insistir n'este ponto, o adiamento d'esta gravissima questão de fazenda não póde prolongar-se mais.

Eu vejo que nas contas do thesouro todos os annos entram para a receita do estado sommas enormes que nas mesmas contas se descrevem do seguinte modo «sommas entradas no cofre não provenientes de impostos ou rendimentos.» Ora, quanto nos custa esta verba de receita?

Eu disse outro dia que não queria que isto continuasse, e peço perdão de ter usado d'esta phrase autocrática, mas creio que nenhum do nós quer que continue.

Se for fazer a conta do deficit que se tem accumulado, ha de demonstrar-se que de 99:OOO:O00$O0O réis é que sobe desde 1851 até 1870.

Descontando o que se gastou em obras e melhoramentos materiaes no valor de 50.000:000$000 réis, tudo quanto se gastou a mais, comparando a despeza de 1851 a 1852 com a de 1869 a 1870, na somma de 143.000:000$000 réis, foi despendido em despezas arbitrarias, em prodigalidades indiscretas, e que se a conta se fizer com exactidão, 80.000:000$000 réis têem-se pago em reformas de juros de divida fluctuante, em reformas e commissões da mesma divida. Ora, isto não póde ser; não póde ser.

Vejo o sr. ministro a tomar notas.

Eu peço a s. ex.ª que não se assuste por esta minha in. discrição, a qual espero apresentar á camara fundada e completa, logo que isso me seja possivel, porque estou trabalhando para a fazer com a maior exactidão.

Faço agora estas reflexões; porque não desejo tomar parte na resposta ao discurso da corôa, que considerarei como um simples cumprimento, e mesmo porque não posso esperar pela resposta ao discurso da corôa para me desobrigar de compromissos que todos temos para com a nação, os interesses e fortuna da qual todos temos obrigação de zelar.

A camara acaba de ser eleita, não se acha compromettida, nem desacreditada, e, se gastarmos esterilmente o tempo que deve ser applicado aos negocios do paiz, de certo será impossivel que d'este parlamento possa saír medida alguma de alcance, e em pouco tempo a camara achar-se-ha inhabilitada perante a opinião publica para poder occorrer ás graves difficuldades e compromettimento em que está a fortuna de todos os habitantes d'esta terra portugueza.

Isto é absolutamente impossivel que continue, e eu pedia ao governo que concordasse commigo em que era impossivel continuar assim. Recomponha-se ou não se recomponha, mas governe (apoiados).

O governo não é para não governar, e por maior consideração que tenha pelas pessoas dos srs. ministros, não terei remedio senão repetir todos os dias esta instancia, porque creio que o povo portuguez quer fazer sacrificios agora para depois não os fazer maiores.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Julguei do meu dever rigoroso como homem publico, alem do meu dever como ministro, tomar a palavra para agradecer ao illustre deputado que me precedeu as considerações que apresentou relativamente ao nosso estado financeiro, por que entendo que é conveniente que a discussão esclareça a nossa situação financeira. Entendo mesmo que o illustre deputado prestou um serviço ao paiz, chamando-lhe a sua attenção para esta questão.

Pela minha parte eu estou tambem prompto para dar todas as explicações que o assumpto reclama, pedindo desculpa de as não dar agora, e reservando-me para em occasião competente satisfazer os desejos do illustre deputado.

A rectificação das matrizes a que se procedeu ainda não está concluida, e só quando se chegar á sua conclusão é que eu poderei informar a camara do resultado que esta operação financeira ou fiscal apresenta.

Posso assegurar ao illustre deputado que me tenho empenhado quanto posso para que se consigam as vantagens inherentes á revisão das matrizes; e sinto-me um pouco

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vexado quando ouço attribuir uma influencia politica no exercicio do desempenho das commissões fiscaes, ás auctoridades dependentes do meu ministerio! Posso assegurar á camara com toda a firmeza que em relação ao serviço fiscal dependente do meu ministerio, não tenho seguido nenhuma inspiração partidaria, porque tenho entendido que as auctoridades encarregadas...

(Interrupção.)

Faço justiça ás boas intenções do illustre deputado, mas entendo que não ha lei nenhuma financeira que produza os seus resultados por muito merecimento intrínseco que tenha, por muita que seja a solicitude, o zêlo e independencia do parlamento que a votou, se não houver zêlo, dedicação e circumspecção na escolha dos individuos que têem de executar essa lei (apoiados).

Entendo que os verdadeiros e uteis regulamentos das leis, são a escolha do pessoal que está encarregado de as executar (apoiados); tudo o mais é inferior ao que se consegue ao serviço que têem a desempenhar.

Em relação aos delegados do thesouro, entendi que era boa doutrina não conservar indefinidamente os mesmos delegados nos districtos em que se encontram; tenho sempre procedido d'essa fórma; e se, obedecendo ás paixões politicas, conservasse sempre n'um districto o mesmo delegado pelo facto de se dizer «é aqui muito bem conceituado», podia talvez apresentar excellente auxilio politico, mas procedia de certo muito irregularmente (apoiados). Todavia nunca tive necessidade de obedecer a essas exigencias, nem ellas nunca me foram feitas; porém ainda que a tivesse, preferia deixar o poder a praticar uma irregularidade (apoiados).

Posso assegurar ao illustre deputado que exclusivamente dominado pela idéa de chegar a um bom resultado na revisão das matrizes, tenho nomeado para inspeccionar o que se pratica nos differentes districtos, individuos da minha intima confiança; o ministro está longe, e não se administra bem senão de perto; e o meio de occorrer aos inconvenientes da distancia a que o ministro se tem de encontrar com relação aos differentes pontos onde se exercem estas funcções dependentes do ministerio a seu cargo, é de certo o nomear para as exercer pessoas que lhe mereçam confiança.

Tambem entendo que o elemento da publicidade deve ser um dos mais importantes e essenciaes para se effectuar a proporcionalidade do imposto, e é por isso que me occupei muito especialmente de determinar que n'essa revisão houvesse toda a publicidade necessaria.

E os meus collegas, os srs. ministros do reino e da justiça, receberam da minha parte solicitações para que pelos ministerios a cargo de s. ex.ª dessem todas as ordens necessarias, para que se chegasse ao melhor resultado possivel d'essa publicidade.

Agora tambem direi ao illustre deputado que não me lisonjeio de que no nosso paiz se possa conseguir a perfeição da proporcionalidade do imposto, que ainda em nenhum paiz se póde conseguir, o que todavia não impede que adoptemos todas as medidas financeiras possiveis para melhorarmos n'essa parte a nossa questão de fazenda (apoiados).

Todavia se se faz subordinar a resolução da nossa questão de fazenda á dependencia completa de termos chegado á absoluta equiparação do imposto, á proporcionalidade incontestavel em todas as suas applicações, não chegaremos nunca á verdadeira solução da nossa questão financeira; sendo imperiosa obrigação do governo procurar por todos os meios chegar a esse resultado.

Estou de accordo com a opinião do illustre deputado, que entendeu que por isso mesmo que a nossa situação financeira tem melhorado, como terei occasião de mostrar á camara em muito breve tempo, mais obrigação tem ainda o governo de completar o conjunto das medidas que são necessarias adoptar para pôr a fazenda publica em considerações mais vantajosas.

Por esta occasião direi que no nosso estado actual uma das maiores difficuldades com que lutamos consiste no modo de fazer desapparecer a divida fluctuante que, apesar de diminuida, ainda é muito importante, inconveniente que só será possivel remover com equiparação entre a receita e a despeza; equiparação, repito, que, como mostrarei á camara, se poderá realisar em muito menos tempo que aquelle em que muita gente suppõe, porque infelizmente ha muita gente que escreve e sustenta que o nosso deficit é o dobro do que na verdade é actualmente.

Creio que tenho dado as explicações que o illustre deputado pediu, e peço desculpa de as não poder dar um pouco mais amplas; mas creio que tenho dito sufficiente para esclarecimento do illustre deputado, e em breve a camara será habilitada com todos os documentos precisos para conhecimento exacto do que acabo de expor.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Attendendo a que o sr. ministro da fazenda, quando apresentou a sua proposta a respeito do pagamento do real de agua no Porto, não a acompanhou de um relatorio convenientemente desenvolvido, retardando assim esclarecimentos necessarios para avaliar este negocio, mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

Mando ainda uma proposta, que é a seguinte (leu). Esta proposta não tem caracter algum politico na accepção baixa da palavra, mas é proposta constitucional e tende a que a camara não deixe de cumprir uma disposição que lhe é imposta pelo seguinte artigo da carta constitucional (leu).

Acho que todos os partidos d'esta casa, inclusivè o do governo, não poderão ter duvida em approvar esta proposta.

O sr. Barros e Cunha dirigiu algumas perguntas ao sr. ministro da fazenda sobre negocios importantes; seguindo seu exemplo, peço licença para dirigir uma ao sr. ministro do reino.

Desejo saber se s. ex.ª tenciona renovar a iniciativa de uma proposta em que s. ex.ª tinha responsabilidade.

Retiro-me á lei eleitoral apresentada n'esta casa pelo sr. bispo de Vizeu no fim da sessão de 1870.

Como creio que, emquanto o direito eleitoral não for esclarecidamente exercido, e a auctoridade não deixar de ter má ingerencia nas eleições, quaesquer reformas politicas, a da camara dos dignos pares, por exemplo, não podem ter grandes vantagens, desejava muito que o governo, visto que prometteu no discurso da corôa reformas em todos os pontos administrativos, financeiros e politicos, dissesse se tenciona renovar a iniciativa d'aquella proposta de lei.

O desejo que tenho de ver realisado o que prometteu o sr. ministro da fazenda, isto é, a prova de que o deficit é menor do que geralmente se pensa e se diz, leva-me a não tomar mais tempo, esperando que s. ex.ª se ha de apressar em provar o que asseverou á camara.

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): —Vejo-me obrigado a responder á allusão feita pelo illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, a factos da sessão passada, e ás perguntas que me dirigiu como ministro, com o fim de saber se eu mantinha as declarações que fiz n'essa sessão ácerca de alguns negocios de marinha. E cumpro esse dever, assegurando a s. ex.ª que hei de respeitar todas as declarações que fiz, sem a minima alteração, e tanto que já em conformidade com ellas foi apresentado á camara o orçamento rectificado.

A proposito dos navios velhos a que s. ex.ª se referiu, devo lembrar ainda que na ultima sessão legislativa da camara transacta tive eu occasião de dizer mais de uma vez, n'esta e na outra casa do parlamento, que havia na administração de marinha e das colonias dois assumptos importantissimos e urgentes que os poderes publicos não podiam desattender sem faltar ao que devem á responsabilidade da sua missão e ás indicações mais elementares das necessidades do paiz.

Um d'esses assumptos é a conservação e melhoramento do material da nossa marinha de guerra, com a substitui

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ção de alguns navios que se vão arruinando e que estão quasi a chegar ao termo do tempo do seu serviço, termo que hoje é mais breve do que era d'antes, porque todos sabem que os navios a vapor duram menos tempo que os de vela. E esta necessidade faz-se sentir não só em relação aos navios que precisam de ser substituidos e que o devem ser com outros feitos em condições de construcção que satisfaçam as exigencias do serviço de segurança do reino e das colonias, mas tambem em relação ao armamento que temos, nos que ainda podem servir e que hoje é já um pouco antigo em relação aos aperfeiçoamentos feitos pela sciencia tanto no que toca ao alcance, força da penetração e precisão do tiro, como no que respeita á facilidade do manejo, o que tudo carece de ser attendido sem demora.

O outro assumpto que eu reputava e reputo ainda igualmente momentoso é a conservação e ampliação das communicações regulares da metropole com as suas provincias ultramarinas por carreiras de barcos a vapor, navegados com bandeira portugueza; necessidade esta que eu tenho por indeclinavel pelo seu valor politico e economico, e ainda mais politico do que economico, porque no tempo em que vivemos mal se concebe a existencia de uma monarchia com membros dispersos em longiquas paragens do globo, sem communicações breves e regulares entre a metropole e esses dominios, que lhes levem promptamente a acção administrativa do poder central, que auxiliem reciprocamente o desenvolvimento do seu commercio e que mantenham entre o reino e as colonias o trato da lingua e dos costumes, que a meu ver é a mais segura garantia da sua adhesão á monarchia e da sua conservação no seu dominio (Vozes: — Muito bem).

Disse eu na sessão passada que a não deixaria terminar sem apresentar ao parlamento as propostas de lei que deviam attender a estes assumptos, e effectivamente tinha-as na pasta na occasião em que se deu o incidente que provocou a dissolução da camara e me impediu de dar seguimento a estes negocios. Posso porém asseverar ao illustre deputado e á camara que em breves dias hei de apresentar não só uma proposta de lei para se auctorisar a acquísição de material necessario á marinha de guerra, mas tambem a que deve providenciar sobre a navegação regular a vapor entre Lisboa e as provincias ultramarinas, já formulada em contrato definido, se poder chegar a termos de o realisar com os emprezarios com quem estou negociando; ou no caso negativo virá sob a fórma de auctorisação ao governo para contratar sobre bases conhecidas a navegação para as duas costas de Africa oriental e occidental.

Tendo respondido ao illustre deputado, concluo asseverando a s. ex.ª que não mudei de opinião, nem tinha rasão para mudar, porque cada dia novos factos me vem reforçar a convicção da importancia e da urgencia das providencias que tenho indicado para os negocios sobre que me expliquei na sessão passada e agora.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Mando para a mesa as seguintes propostas de lei (leu).

Supponho que havia de ter sido hoje lido na mesa um officio que eu tive a honra de dirigir a esta camara, remettendo a correspondencia havida entre o ministerio do reino e o governo civil de Lisboa com relação ás conferencias do casino.

Ora v. ex.ª e a camara hão de lembrar-se de que, n'uma das sessões passadas eu declarei que não mandava á camara a resposta do benemerito procurador geral da corôa sobre este assumpto, porque esse documento, por maior auctoridade que tivesse, não podia attenuar a minha responsabilidade; entretanto a pedido de s. ex.ª, eu acrescentei depois que por deferencia para com s. ex.ª, e como excepção, eu não teria duvida em attender ao seu pedido, enviando para a camara a consulta do illustre funccionario.

Tenho pois a honra de mandar para a mesa esse documento para ser junto aos outros que mandei hoje.

O sr. Rodrigues de Freitas (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª consulte a camara sobre se ainda está em vigor a seguinte disposição do regimento:

«Que todos os requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo, informações ou documentos, sejam expedidos pela mesa, sem preceder leitura nem discussão dos mesmos requerimentos, ficando comtudo exceptuados d'esta regra os documentos diplomaticos.

Algumas vozes: — Está em vigor.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Mas foi revogada agora.

Vozes: — Não foi.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Foi de certo, porque o sr. presidente do conselho disse que mandava um documento para a mesa por deferencia para com um illustre deputado; mas o regimento diz que hão de vir todos os documentos, menos os diplomaticos.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: —Parece-me que o nobre deputado não me comprehendeu bem.

O que eu disse na sessão em que se pediu este documento (e o que eu disse foi applaudido por toda a camara, appêllo para a memoria do nobre deputado) foi que os pareceres fiscaes são documentos para esclarecer os ministros, mas os ministros é que são responsaveis pelas resoluções que tomam, ou sejam de accordo ou não com as consultas dos respectivos conselheiros.

Disse tambem que havia de mandar á camara todos os documentos que se me pedirem; mas que não mandaria nunca as respostas fiscaes, porque essas são informações para o governo e não o relevam da responsabilidade em que incorre pelas resoluções que toma (apoiados).

Esta doutrina foi aceita pela camara (apoiados), porque é doutrina corrente. Eu sustento-a, e nem póde ser contestada com bons argumentos. Mas o illustre deputado, o sr. Mártens Ferrão, que é tambem procurador geral da corôa, teve a delicadeza de pedir que eu fizesse uma excepção com relação a esse documento, e eu declarei n'essa occasião, e a camara applaudiu o que disse o sr. Mártens Ferrão e a minha resposta, declarei, digo, que eu mandava essa resposta por deferencia ao illustre deputado, porque não me julgava obrigado a manda-la nem me julgo; que o mandaria, mas que eu desejava que a camara tomasse nota de que, fazendo isto, eu não me julgava obrigado a satisfazer a requerimentos similhantes; parque, torno a dizer, e digo-o bem alto, as respostas fiscaes são unicamente informações para o governo, para esclarecer o governo, e essas respostas fiscaes não relevam nunca o governo da responsabilidade em que incorrer pelas resoluções que adoptar (apoiados).

O sr. Rodrigues de Freitas: —Peço a v. ex.ª consulte a camara sobre se me dá licença para que eu diga algumas palavras como explicação.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Mariano de Carvalho: — Pedi a palavra para tambem requerer que se pergunte á camara se dá a palavra ao sr. Rodrigues de Freitas.

A camara votou affîrmativamente.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Desejo declarar que tinha feito á mesma observação ácerca da disposição 15.ª addicional ao regimento, por entender que esta disposição é importantissima.

Desde o momento em que o governo nos disser que póde deixar de mandar á camara aquellas documentos que elle julgue que não devem vir; desde que constituindo-se superior ao nosso regulamento, não quizer mandar-nos os documentos que pedirmos, um dos poderes, uma das attribuições d'esta casa desapparece completamente (apoiados).

E note v. ex.ª que o sr. ministro do reino veiu declarar a esta camara que não mandava o parecer do procurador geral da corôa muitos dias depois de ter sido pedido esse documento, e apesar de haver dito o requerente que desejava formular uma interpellação. Pergunto eu se procedendo

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o ministerio assim, não póde fugir continuamente a todas as interpellações que quizermos fazer?

Ainda outro facto. O illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho, mais de uma vez tem pedido n'esta casa um parecer do procurador geral da corôa ácerca de um negocio particular, é verdade, mas com que o illustre deputado julga que ha verdadeiro abuso de poder, ou pelo menos que ha dolo da parte de um funccionario publico. Pergunto se n'estas condições se póde recusar um documento quando, demais, o nosso regulamento não inhibe esse deputado de o pedir, antes lh'o faculta?

D'este modo póde qualquer representante da nação pedir um documento, e o governo a seu bel-prazer negar-lh'o, ou fazer mais que isto, póde calar-se, não lhe dar resposta nenhuma e deixar que o tempo corra até se fechar a camara.

Se a camara aceitar tal doutrina, não deverei pedir esclarecimento algum, antes me será forçoso esperar que haja governo que tenha a este respeito um modo de pensar differente do de s. ex.ª (apoiados).

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que usem da palavra n'este incidente todos os deputados que o desejavam.

Foi approvado este requerimento.

O sr. Falcão da Fonseca: — Eu acato sempre as resoluções da camara, e portanto aceito a que acabou de tomar por que se desse a palavra a todos os srs. deputados que a pedissem para tratar do assumpto sujeito agora á apreciação da camara; comtudo eu requeiro que v. ex.ª consulte a camara sobre se quer entrar ás tres horas na segunda parte da ordem do dia, que é a eleição das commissões.

O sr. Presidente: — Este requerimento parece-me que está prejudicado (apoiados). Vozes: — Não está.

O sr. Presidente: — A camara o decidirá com a resolução que tomar ácerca d'elle. O requerimento do sr. deputado Falcão da Fonseca é para que se consulte a camara sobre se quer que ás tres horas se passe á ordem do dia, que é a continuação da eleição de commissões. Vou consultar a camara.

O sr. Mariano de Carvalho (sobre o modo devotar): — V. ex.ª acaba de repetir textualmente o requerimento do illustre deputado, o sr. Falcão da Fonseca; ora eu pergunto a v. ex.ª se á face do regimento póde ser posto á votação um requerimento que o seu auctor fundamentou. O regimento prohibe-o expressamente (apoiados).

O sr. Presidente: — Os requerimentos para julgar a materia discutida é que eu não posso pôr á votação quando se fundamentam (apoiados); isto é que é expresso no regimento (apoiados).

O sr. Falcão da Fonseca: — Eu desisto do meu requerimento (apoiados).

O sr. Presidente: — N'este caso não tenho sobre, que consultar á camara, e continua o incidente em discussão. Tem a palavra o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Antes de entrar na materia, devo notar a v. ex.ª que ainda ha pouco o sr. Rodrigues de Freitas, fazendo um requerimento, v. ex.ª lhe não deu licença para o fundamentar, ao passo que concedeu ao sr. Falcão da Fonseca que fundamentasse outro requerimento.

Pergunto se n'esta casa ha dois regimentos, um para os deputados que estão na opposição, e outro para os deputados ministeriaes (apoiados). Desejo que haja perfeita igualdade para todos (apoiados).

Dito isto, entro na materia.

N'uma das sessões anteriores tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro do reino, e na sessão de hoje repeti o pedido para quando estivesse presente o governo, visto que o sr. presidente do conselho não comparecia, naturalmente por causa de negocios publicos argentes.

Dois motivos me levaram a fazer este pedido, um dos quaes tem intima relação com o assumpto que a camara resolveu se tratasse contra vontade dos srs. ministros (apoiados), que todos vimos vencidos pela maioria da camara.

No principio da anterior sessão parlamentar (em 3 de abril), que terminou pela dissolução da camara, requeri eu que fosse remettida a esta camara uma consulta do procurador geral da corôa e fazenda sobre um assumpto que reputo importante e que em breve explicarei.

Pedi tambem a nota do registo do officio, communicando pelo ministerio do reino ao da fazenda qual fôra o sentido d'essa consulta. O meu requerimento foi expedido pela mesa ao governo, e o governo não deu nenhuma resposta.

Repeti o pedido d'estes esclarecimentos; o governo porém nem se dignou de responder nem uma palavra á camara. A camara apreciará a excessiva delicadeza d'este procedimento do governo (apoiados).

Os esclarecimentos que eu pedi prendem com uma questão relativa ao vencimento de um empregado que esteve no extincto ministerio de instrucçâo publica, e que pertencera ao ministerio da fazenda.

Na commissão de fazenda da camara transacta levantou-se questão sobre o vencimento assignado a este empregado. N'esta occasião pedi ao sr. ministro da fazenda que levasse á commissão de fazenda a consulta do procurador geral da corôa a este respeito; s. ex.ª prometteu que a levaria na primeira sessão da commissão, mas decorreram primeira, segunda e terceira sessão da commissão, e o documento nunca appareceu.

Se é verdadeira a doutrina do sr. presidente do conselho, de que documentos d'estes não podem vir á camara, era inquestionavelmente preciso que fossem á commissão de fazenda que tratava do orçamento.

Nós tinhamos resolvido na commissão que não se sanccionassem senão as verbas cuja legalidade fosse incontestavel. Sobre a verba de que se tratava havia duvida, e essa duvida poderia e deveria ser esclarecida pelo parecer fiscal de uma pessoa tão competente como o sr. Mártens Ferrão.

A commissão por consequencia mostrou desejos de examinar esse documento, e o sr. ministro da fazenda, repito, prometteu apresenta-lo, promessa a que s. ex.ª faltou, supponho que por culpa do sr. presidente do conselho, a julgar pelas explicações que elle acaba de dar.

Appello para todos os membros da commissão de fazenda de então; peço-lhes que digam se os factos não se passaram assim.

Agora pergunto, e pergunto especialmente ao sr. presidente do conselho de ministros, se uma consulta do procurador geral da corôa e fazenda, embora não releve o governo da responsabilidade que lhe compete pelos seus actos, não póde impor tambem ao governo uma seria responsabilidade, e por consequencia se a camara dos deputados não póde pedir ao governo que apresente esse documento?

Conto os factos, em parte como elles são officialmente, em parte como posso dizer que Bão por informações que tenho por fidedignas. Parte d'estes factos consta de documentos officiaes; a outra parte não a posso affirmar, porque o governo ainda me não quiz fornecer os documentos que lhe tenho pedido, mas possuo a respeito d'ella informações que tenho por fidedignas.

Creado o ministerio de instrucção publica, foi nomeado chefe da repartição de contabilidade d'esse ministerio um segundo official do ministerio da fazenda, pessoa aliás competente e habilíssima, mas cujo nome escuso de citar. Exerceu as funcções do seu cargo, creio que a contento dos seus chefes, como era de esperar da sua intelligencia, das suas habilitações e do seu zêlo. Quando foi supprimido o ministerio de instrucção publica, tratou-se de averiguar em que situação elle devia ser collocado.

A final ficou addido ao ministerio da fazenda, e quando

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se quiz marcar os vencimentos que devia ter, appareceu uma portaria do sr. ministro da fazenda, determinando que, em conformidade com a consulta do procurador da corôa e fazenda, elle fosse considerado como primeiro official, chefe de repartição, com os vencimentos correspondentes.

Aqui estão os factos, e estes são factos positivos, são factos officiaes. Ha ainda outro facto que eu posso dar como positivo, porque consta de um documento official que tenho em meu poder, mas que infelizmente não trouxe hoje. É um officio dirigido pelo ministerio do reino ao ministerio da fazenda em que se affirma que a consulta do procurador da corôa e fazenda não foi em certos termos e em determinado sentido. É um facto official. Tenho o documento em meu poder, e posso apresenta-lo quando for necessario a quem o quizer ver.

Até aqui os factos officiaes. Agora, as minhas informações particulares, informações que tenho por fidedignas, e julgo-as tanto mais verdadeiras quanto vejo a teimosia com que o governo se recusa a ministrar-me o documento que tenho pedido.

A consulta do procurador da corôa e fazenda é, segundo estou informado, muito diversa do que diz a portaria e diversa tambem do officio do ministerio do reino. A portaria e o officio não são verdadeiros a respeito da consulta. Sendo assim não estará o governo incurso n'uma grave responsabilidade, não por ter alterado aquelle documento, porque julgo o sr. marquez d'Avila e de Bolama incapaz d'isso, mas por não ter punido o empregado culpado d'esta alteração?

Em vista das informações que tenho, e da manifesta discordancia que ha entre o officio que foi dirigido do ministerio do reino para o ministerio da fazenda e a portaria d'este ultimo ministerio, parece-me que a remessa á camara do documento a que me tenho referido é altamente necessaria. Foi este o principal motivo por que tomei parte no debate.

Os outros factos, repito, posso eu affirmar, porque constam de documentos officiaes; a alteração essencial da consulta consta-me apenas por informações que aliás tenho por muito verdadeiras, mas não o posso affirmar, porque o governo tem recusado até a fornecer-me o documento em questão.

Em todo o caso o que eu não posso admittir é que o sr. presidente do conselho, arvorando-se em supremo julgador, venha, n'esta especie de juizo final, separar para a mão direita os deputados a quem entende que deve remetter os documentos e com os quaes tem condescendências; para a mão esquerda os que não julga dignos do condescendencia nem de consultarem documentos officiaes.

Não me parece esta a verdadeira theoria legal e liberal. Creio que o governo tem obrigação official de mandar á camara todos os documentos que lhe são pedidos, quando n'essa remessa não ha certos inconvenientes.

Admitto, por exemplo, que os documentos diplomaticos muitas vezes não possam ser publicados, principalmente quando se referem a negociações pendentes.

Creio e admitto mesmo que haja um ou outro documento em relação ao qual exista inconveniente grave em vir a esta camara. Mas não posso admittir nem consentir que em face do regimento, em face das praxes constitucionaes e em face do direito que tem o deputado de julgar dos actos do governo, este se recuse a mandar documentos em cuja apresentação não ha inconveniente. Quando se demonstrar que a remessa de um ou outro documento é prejudicial á salvação publica, póde negar-se, porque é o interesse geral que impede a sua apresentação.

O sr. ministro do reino póde allegar as rasões que tem para isso; mas desejo discuti-las e preciso convencer-me. Mas o governo a respeito da consulta em questão, nem ao menos allega a existencia de qualquer inconveniente ou prejuizo. Por isso não me resigno com o silencio do governo, nem lhe admitto a rasão de que não manda um certo documento porque não quer. É do credito do governo e da camara que esse documento appareça (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — É unicamente para dar algumas explicações á camara. A camara reconhece que eu tenho precisão de pedir a palavra mais de uma vez; e agora responderei á parte do discurso do illustre deputado, em que censurou a resolução do governo com relação ao empregado do extincto ministerio da instrucção publica. Este é o facto.

(Interrupção.)

O illustre deputado discutiu a resolução que o governo tomou com relação a um empregado do extincto ministerio da instrucção publica, que pertencia antes d'isso ao ministerio da fazenda.

O sr. Mariano de Carvalho: —Eu não discuti isso; notei a falta de remessa de um documento por mim pedido a respeito d'esse empregado.

O Orador: — Não ouvi só isso; ouvi contar ao illustre deputado exactamente as circumstancias em que estava esse empregado.

Respondo ao illustre deputado e á camara, que a rasão por que neguei esse documento é por uma questão de principios, quer o documento me comprometta ou não. A camara tem uma prova d'isso no documento que eu ha pouco mandei para a mesa; e esse documento é a justificação do acto que pratiquei. Não preciso d'essa justificação; mas esse documento é exacta e precisamente no sentido da resolução que tomei, mandando fechar as conferencias do casino: e apesar d'isso recusei-o á camara. Já se vê que eu recusei esse documento, não porque me comprometta, nem um nem outro me compromette, é uma questão de principios; e como questão de principios entendo que as respostas fiscaes são para informação do governo, e o governo é que é responsavel pela resolução que tomou (muitos apoiados).

Se o illustre deputado acha que a resolução que o governo tomou com relação a esse funccionario, é uma resolução contra lei, tem o meio da interpellação (apoiados), ou outro qualquer meio para censurar o governo; e este ha de justificar a resolução que tomou.

Mas, diz o illustre deputado, quero provar que o sr. ministro do reino não concordou com a resposta fiscal. E eu tenho obrigação porventura de concordar com a resposta fiscal? Não. Isto é a aberração mais completa dos principios.

Mas, diz o illustre deputado, não, senhor; porque v. ex.ª diz...

O sr: Mariano de Carvalho: — Eu não disse que tinha obrigação de concordar.

O Orador: — Não diria que tinha obrigação de concordar, que não tinha; mas diz o illustre deputado, tenho uns poucos de documentos officiaes, alem d'isso estou informado que n'um certo documento que a camara não conhece, se diz como o negocio foi resolvido em conferencia na procuradoria geral da corôa e fazenda, e que a resolução do governo não foi conforme o parecer da conferencia.

(Interrupção.)

Pois o illustre deputado quer obrigar-me a dizer a maneira como aprecio as respostas fiscaes? O illustre deputado tem direito de analysar a resolução que o governo tomou. Quer de mais a mais fazer me uma accusação por que em certo documento apreciei mal, na opinião d'elle, as respostas fiscaes? Realmente é levar muito longe a exageração. Não podia interpretar mal as respostas fiscaes? O que tem o illustre deputado com isso? Que tem a camara com isao? Augmentou a minha responsabilidade, porque interpretei mal, e quando interpretei bem, diminue essa responsabilidade? Não. Esta é que a questão. O empregado fiscal responde ao governo, dá-lhe a sua opinião. O governo apoia essa opinião, e resolve como entende. Póde-se enga-

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nar n'essa apreciação e resolução. A responsabilidade do governo está na resolução que adopta (apoiados).

Então para que quer o illustre deputado as respostas fiscaes? É para lançar sobre o empregado fiscal a responsabilidade do que aconselha?

Vozes: — Não, senhor.

O Orador: — Não, senhor?! Então o que é?

Quer a camara que lhe conte um facto? Houve um ministro que mandou um documento d'esta natureza á camara, esse documento tornou-se publico, e isso deu em resultado um ataque á pessoa do empregado que tinha tido uma certa opinião!

(Sensação.)

Podem negar isto? Pois então querem se repitam excessos d'estes? (Apoiados.) Não ha força nenhuma que me obrigue a faltar a um dever. Entendo que não devo mandar taes documentos á camara, não os mando, faça ella o que quizer (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Digo mais, que desde o momento em que houver um ministro que tiver a fraqueza de se prestar a exigencias d'esta natureza, não ha nenhum empregado fiscal que informando confidencialmente, não estremeça de ver esse documento no dia seguinte entregue á publicidade (apoiados); e em questões graves, em questões de interesse de terceiro compromettido, é necessario attender muito seriamente a isto (apoiados).

Os principios são estes. O governo responde pelas resoluções que adopta. (Vozes: — Muito bem.)

O governo póde conformar-se e póde deixar de se conformar com os conselhos dos seus empregados. Esses empregados não têem responsabilidade senão para o governo (apoiados); não pelos conselhos que dão, porque entende-se que aconselham segundo a sua consciencia. Mas a responsabilidade do ministro começa no momento em que resolveu a questão, e quando se conforma com a resposta fiscal, nem por isso deixa de ter intacta toda a responsabilidade do acto (apoiados).

Eu vejo que o illustre deputado já tem o officio do ministerio da fazenda, mas não importa, já dei ordem para se mandar a copia.

O sr. Mariano de Carvalho: — O officio já cá o tenho.

O Orador: —Já eu o mandei?

O sr. Mariano de Carvalho: — V. ex.ª não, mandou-o o ministerio da fazenda.

O Orador: — Pois eu o mandarei do ministerio do reino...

O sr. Mariano de Carvalho: — Não é preciso.

O Orador: — Pois então não tenho nada a mandar, porque emquanto á resposta fiscal, declaro a v. ex.ª e á camara solemnemento, que entendo que póde haver inconveniente para o serviço publico na remessa de similhantes documentos.

Sempre que se têem pedido esses documentos, tem sido com a condição de —não havendo inconveniente— e quem é o juiz da conveniencia ou inconveniencia de mandar taes documentos é o governo. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Rodrigues de Freitas— Mando para a mesa a seguinte moção (leu).

Para fundamentar esta proposta, bastam-me as palavras do sr. presidente do conselho, que acaba de negar o nosso direito de um modo notavel e altamente inconveniente...

Uma voz: — Não nega.

O Orador: — Não nega? Não é outra cousa o dizer s. ex.ª que não nos manda os documentos que o nosso regimento diz que podemos pedir.

O sr. marquez d'Avila e de Bolama está provavelmente enganado ácerca do sentido das nossas palavras, aliás s. ex.ª não responderia como respondeu.

(Havia susurro n'um dos lados da camara.)

O sr. Presidente: — Peço attenção.

O Orador: — Até estou costumado a ver que não se admittem á discussão propostas fundadas em artigos da carta

constitucional, não estranho portanto o susurro do um dos lados da camara...

O sr. Presidente: — O sr. deputado não tem direito a censurar as resoluções da camara.

O Orador: — V. ex.ª está enganado. A maioria resolveu que a minha proposta fosse admittida, e por isso não estou censurando, estou louvando a resolução da camara. Se v. ex.ª quer que eu me mantenha fiel ao regimento, ordene aos srs. deputados d'aquelle lado da camara (o lado direito) que se mantenham fieis a elle; aliás, quando me interromperem, hei de responder aos seus ápartes.

Debaixo d'esta questão politica, apparentemente pequena, está uma questão importante; e apparece a prova de que temos aqui (apontando para as cadeiras dos srs. ministros) os representantes legitimos do partido conservador; não digo bem, do partido reaccionario; porque o partido conservador respeitava a carta constitucional; e os homens que seguem a politica do gabinete querem que a revoguemos e que adoptemos principios inferiores aos que se acham consignados n'ella.

O sr. Alves Passos (ironicamente): — Que horror!...

O Orador: — Horror?! Certamente. Eu nunca suppuz que os cavalheiros que se acham n'estes logares fossem levados a praticar perante a camara similhante attentado. Não é sómente para horror o praticar crimes que possam ser punidos pelo codigo penal (apoiados); tambem horrorisa serem estes (os srs. ministros), os homens que pretendem, n'esta difficil conjunctura, dirigir os negocios publicos, e quem sabe se resistir á onda revolucionaria (apoiados)!

(Apartes de varios srs. deputados.)

Interrompam-me emquanto estou defendendo a carta constitucional; interrompam-me o maior numero de vezes para eu lhes provar que não têem rasão alguma, (apoiados), e para manifestarem que não ousam defender de outra sorte as doutrinas do governo.

Dizia eu que o sr. presidente do conselho está perfeitamente enganado sobre as nossas idéas emquanto á responsabilidade do governo pela publicação de qualquer portaria. S. ex.ª disse-nos: «Quereis obrigar o governo a ser conforme com o parecer do procurador geral da corôa?» Não é essa a questão. A questão que se trata, e seria conveniente que v. ex.ª tivesse chamado á ordem o sr. presidente do conselho. (Riso do sr. presidente do conselho e de alguns deputados do lado direito da camara.)

O sr. presidente do conselho ri-se e outro dia admirou-se de que a camara se risse quando s. ex.ª chamou praça publica ao parlamento portuguez! (Apoiados.)

Ri-se s. ex.ª, porque talvez lhe communica o seu espirito faceto o sr. Carlos Bento.

Riu-se agora s. ex.ª, e ha poucos dias, desmentindo as suas tradições democraticas, nos chamou praça publica! (Apoiados.)

Riu-se o sr. presidente do conselho; riu-se o que injuriou esta camara; injuriou-a aquelle que se devia lembrar que os homens como eu, como s. ex.ª e como tantos outros, que nascem humildes, têem ainda maior obrigação de suspeitar aquelles que representam o povo. Mas eu não me riu, porque esta questão é grave (apoiados); é seria (apoiados).

(Apartes de differentes srs. deputados.)

Principarei de novo o meu discurso até que os cavalheiros que não querem impugnar-me com a sua palavra continuem a impugnar-me com o seu riso ou ápartes.

Dizia eu que o sr. presidente do conselho estava inteiramente enganado a respeito da opinião de alguns deputados.

Ninguem n'esta casa discute se o sr. presidente do conselho deve ou não conformar-se com o parecer do procurador geral da corôa, o que dizemos é que s. ex.ª deve manda-lo. É innegavel o ser ás vezes necessario que o governo não apresente em publico certos documentos; mas o regimento 'd'esta casa não se oppõe a que os membros do executivo indiquem essa necessidade, que o parlamento

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apreciará devidamente; e se quizer constituir-se-ha até em sessão secreta; mas negar-nos o direito de obtermos documentos é estabelecer verdadeiro conflicto entre s. ex.ª e a camara.

Esta questão é politica, é da dignidade da camara, refere-se a um de seus maiores e melhores direitos.

Se não estou filiado em qualquer dos actuaes partidos, sou porém sincero e dedicado defensor dos principios liberaes, e do decoro d'esta camara.

Mas é notavel que o sr. presidente do conselho de ministros defenda ora uma, ora outra de duas doutrinas oppostas segundo as suas conveniencias; é que, por felicidade excepcional, a sua intelligencia anda sempre accorde com a sua commodidade. Assim, por exemplo, quando pedi os pareceres da junta consultiva das obras publicas sobre o despacho que s. ex.ª havia dado a um requerimento da empreza do caminho de ferro do norte, s. ex.ª não teve duvida em apresenta-los. Igualmente ha succedido muitas outras vezes.

Sr. presidente, o governo não se póde negar a dar os esclarecimentos que lhe forem pedidos e que sirvam para apreciar os negocios publicos e os actos ministeriaes, sem elles muitas vezes mal poderemos discutir.

Se a doutrina herética do sr. marquez d'Avila for approvada pela camara, não sei se poderei pedir, por exemplo, um telegramma do ministerio do reino sobre as lutas eleitoraes.

Supponha v. ex.ª que um de nós deseja fazer uma interpellação ao sr. presidente do conselho; annuncia e realisa-a, conhecendo mal o negocios porque o governo se recusa a mandar documentos; o ministro ergue se e diz: «o sr. deputado vem fazer accusações sem ter documentos em que as fundamente; isto não se faz.»

Se porém o deputado pede documentos para seu esclarecimento, e para ver se ha logar a uma interpellação, o ministro responde: « Não os mando», a não ser que o auctor dos documentos não seja membro d'esta casa, e não peça ao sr. marquez que os traga. Então, por obsequio, sempre virão!

Sr. presidente, a questão é clara; e eu não sei que a camara possa recusar-se a votar a minha moção. A camara fará o que entender.

O sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra.

O Orador: — A camara esclarecida pela palavra do sr. ministro da fazenda, poderá votar por modo diverso da minha opinião; mas creio que os deputados da nação portugueza não devem querer que aos srs. ministros fique o arbitrio de não nos mandarem quaesquer documentos, principalmente aquelles que podem ser base de accusação do gabinete.

Effectivamente é novo em Portugal vir um ministro mezes depois de um deputado lhe ter pedido certos documentos de que, necessitava, dizer que não manda esses documentos. E isto o que acontece com um parecer pedido pelo sr. Mariano de Carvalho.

A obrigação do sr. marquez d'Avila logo que lhe foi se licitado um documento que s. ex.ª não queria trazer aqui, era declara-lo franca e immediatamente, ou provocar uma deliberação da camara, fundado na probidade nossa.

Supponha v. ex.ª que qualquer de nós accusa os srs. ministros, e para fundar a accusação é preciso documentos que existem no ministerio do reino ou da fazenda; os srs. ministros riem do poder da camara em vez de a respeitarem. Dizem: «Não mandamos os documentos, porque não é isso conveniente.» E a accusação não se réalisa.

Podéra ser conveniente; se por causa d'elles talvez s. ex.ª deixassem de ser ministros!...

E pois clara a impossibilidade de nos desempenharmos de üma de nossas obrigações, se a opinião do sr. ministro do reino e do seu collega da fazenda for aceita pela camara.

Eu prezo muito a publicidade (apoiados), é uma das condições do systema representativo.

Creio que só podem ser inimigos da publicidade aquelles que julgam que é inconveniente ao seu decoro a publicação de certos documentos.

Que se diria se eu pedisse copia das actas do conselho d'estado, quando funccionasse como corporação politica destinada a esclarecer o poder moderador?! Diriam barbara esta pretensão e de todo desusada!

Mas supponha v. ex.ª que eu queria saber se houve culpa dos conselheiros d'estado, por conselhos que tivessem dado a El-Rei? N'esse caso eu tambem não podia ver copia das actas? Como realisaria a accusação?

Sr. presidente, melhor é dizer-se que uma parte importante da carta constitucional não existe, para então sabermos que reformas havemos de pedir; isto será melhor do que julgarmos que temos certos direitos, e bastar o sr. marquez d'Avila e de Bolama para que elles deixem de vigorar (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

O sr. Ministro da Fazenda: — Pedi a palavra, porque o illustre deputado que me precedeu, na occasião de fazer reflexões sobre o assumpto em discussão, disse que n'uma sessão da commissão de fazenda tinham sido feitas promessas, as quaes não tinham sido cumpridas.

Eu vejo sempre inconveniente nas allegações do que se passa no seio de uma commissão, sem que estejam presentes as actas do que se passou n'essa commissão.

Mas o illustre deputado parece-me tira toda a importancia á circumstancia aggravante, que suppõe encontrar no promettimento da remessa, que não se verifica, de um documento, quando reflectir que não pertence ao ministerio a meu cargo, e que o sr. ministro do reino é que é o juiz competente da inconveniencia ou não inconveniencia d'essa remessa, comquanto eu conheça, como não posso deixar de conhecer, o documento.

Eu acho um grande inconveniente e um perigo n'esta nossa tendencia para a generalisação das questões que se apresentam.

Sei que me faltam todos os predicados da verdadeira eloquencia, e não posso acompanhar o illustre deputado na argumentação da necessidade da resistencia a perigos que desconheço.

Na occasião em que s. ex.ª invocou uma disposição que importava uma modificação ao regimento, o que s. ex.ª praticou foi um acto que revela que o illustre deputado tem a grandissima vantagem de ser muito mais moço do que eu, e de ter estado livre do incommodo de commetter erros. Quando tiver commettido erros, ha de ser mais benevolo (apoiados) para com os outros.

O illustre deputado suppõe que os erros são apanagio exclusivamente dos individuos que se sentam n'estas cadeiras, e julga-se tão alheio a todas as fragilidades, a que foi condemnada a especie humana, que suppõe que em caso nenhum poderá ser victima da severidade com que julga os outros.

O illustre deputado reconhece muito bem o preceito, que partiu de tão alto que não póde ser suspeito, de que aquelle que se achava isento de peccado apedrejasse o que se lhe apresentasse nas condições contrarias...

O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu fallava na carta.

O Orador: — Não fallou na carta, fallou em uma disposição do regimento.

Ora eu lhe conto a historia d'essa disposição, e s. ex.ª verá como as inducções que se tiram são exactamente contrarias á opinião que s. ex.ª quer estabelecer.

D'antes, para se fazer um requerimento ao governo, levantava-se qualquer deputado, e apresentava o seu requerimento nos seguintes termos: «Peço que o governo remetta a esta camara, não havendo inconveniente, taes e taes documentos» (apoiados). Era esta a redacção.

E peço perdão por eu ter vivido mais do que s. ex.ª, o que é triste vantagem, e lembrar-me do que aconteceu n'esse tempo.

E entendeu-se n'essa occasião, como todos os esclareci

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mentos eram pedidos condicionalmente, que não era necessario redigir os requerimentos por aquella fórma.

Se a memoria me não falha, esta é que é a explicação da modificação do regimento.

E d'aqui conclue se exactamente o contrario do que o illustre deputado quer concluir.

Nem os principios da carta constitucional estão ameaçados por ninguem; nem ninguem n'este paiz tem a audacia de os ameaçar (apoiados), E creio que, quando elles fossem ameaçados não era o illustre deputado que se havia de achar só a defende-los (apoiados).

Como disse, foi aquella a rasão da modificação do regimento. A remessa dos esclarecimentos que se pedem é sempre dependente da conveniencia que o governo entende existir em os mandar ou não á camara.

Nem é preciso pedi-los em sessão publica.

Se por acaso o ministerio for juiz da conveniencia da remessa de certos documentos, a sua responsabilidade é a mesma, ampla e completa para com a camara. E se o governo não mandar documentos que sejam indispensaveis para a camara formar o seu juizo, nada mais regular do que a camara censurar o governo por esse facto, tirando d'esse procedimento as devidas consequencias. Entretanto no caso de que se trata, ha uma circumstancia particular, por isso que se refere á remessa de um documento em que o procurador da corôa manifesta a sua opinião relativa a um assumpto, estando de accordo com o acto que o governo praticou (apoiados).

Mas quando a consulta do procurador geral da corôa concorda com o acto do governo; quando era uma circumstancia attenuante a apresentação d'esse documento emanado de uma auctoridade competente pela sua illustração, zêlo e imparcialidade; e quando alem d'isso o governo não se exime á responsabilidade que d'esse acto lhe póde provir, não ha base para o edificio que o illustre deputado quiz estabelecer (apoiados).

Se o illustre deputado dissesse que o governo não queria - que a esta casa do parlamento viesse um parecer que o condemnava, podia s. ex.ª ter algumas apparencias de rasão; mas succedendo exactamente o contrario, entendo que não tem fundamento nenhum para arguir os homens que se sentam n'estas cadeiras (apoiados).

Ora o meu illustre collega disse com toda a clareza: «Independentemente do parecer do procurador geral da corôa, tomo toda a responsabilidade que possa resultar d'esse acto que pratiquei». E depois o illustre deputado n'um commentario eloquente, diz: «Acabou-se a responsabilidade!! » Mas eu replico, augmentou-se a responsabilidade da parte do governo quando não pretende subtrahir-se a ella, e a toma inteira.

Invoca-se o testemunho de auctoridades para accusar o governo, porém eu respondo tambem com o exemplo de nações onde o systema constitucional se executa ha muitos mais annos do que entre nós, e onde se procede de um modo igual aquelle por que o governo procedeu agora.

Repito, tendo o governo, pela bôca do sr. ministro do reino, declarado á camara que era o unico responsavel, mostrou que não queria acobertar-se com a opinião de um alto funccionario, insuspeito por todos os motivos, e n'este caso creio que se não póde dizer, como s. ex.ª disse, que a responsabilidade ministerial tinha acabado. Pelo contrario, isto não prova senão que o governo, longe de querer diminuir a sua responsabilidade, é elle proprio que a deseja augmentar.

E assim que as cousas se julgam, porque nem sempre se póde fugir a apreciações apaixonadas.

Entendo que não devemos devassar as intenções de ninguem; sei que o nosso regimento não permitte que se interpretem as intenções dos individuos pelos seus actos.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Apoiado.

O Orador: — Apoiado, é verdade; mas em regra nem sempre se tem entendido assim.

N'esta occasião faço justiça inteira ás intenções do illustre deputado, e não lhe faço n'isto favor; mas as paixões, ás vezes, leva-nos a commetter injustiças contra vontade.

Não digo mais nada.

O sr. Mariano de Carvalho: — Cumprindo as disposições do regimento, principio por ter a minha moção, que se refere ao caso especial que se discute (leu).

Occupar-me-hei muito pouco em responder ao discurso do sr. ministro da fazenda.

Quando passámos por pé de uma creança gentil, e a vemos com graça propria da puerícia, brincando com um moinho de papel, que assoprado, volve e revolve, anda e desanda, mas não muda de logar, olhamos com prazer para aquelle brinquedo, mas não interrompemos por isso o trabalho sobre negocios proprios de gente seria.

Do mesmo modo; quando trato de negocio grave, peço á camara desculpa de não me cansar em responder ao discurso do illustre ministro da fazenda, que consistiu apenas n'um aggregado d'aquellas phrases espirituosas, mas sem applicação util, com que s. ex.ª costuma deleitar a camara, sem a instruir nem convencer.

Devo porém responder com muito maior extensão, mas não tanto que possa cansar a attenção na camara, ás palavras do sr. ministro do reino, cuja nabilidade parlamentar n'esta occasião não se revelou como costuma.

S. ex.ª entendeu começar o seu discurso, irritando-se logo por eu pedir a palavra, depois allegou que eu tinha sustentado a obrigação dos ministros do reino e da fazenda, se conformarem com as opiniões exaradas em consultas do procurador geral da corôa e fazenda.

Creio que ninguem na camara me ouviu uma palavra a esse respeito. O governo não tem obrigação nenhuma de se conformar com a opinião dos fiscaes da corôa. N'esto ponto, argumenta portanto s. ex.ª contra asserções que são suas e não minhas.

Entendeu s. ex.ª que eu arguia o governo, porque tinha apreciado mal uma consulta do procurador geral da corôa e fazenda. Tambem não disse similhante cousa. De que eu ergui o governo, e de que eu o arguo novamente, é de que sendo a consulta do procurador geral da corôa e fazenda n'um certo sentido, o governo publicasse na portaria, que era em sentido contrario. Não ha aqui um defeito de apreciação, ha completa contradicção entre a verdade e as palavras offîciaes. Explico-me, creio eu, bem claramente; emquanto não vierem os documentos que pedi e peço, accuso o governo de ter era nome do Rei faltado á verdade, á nação, porque a portaria do ministerio da fazenda diz que foi uma a opinião do procurador da corôa, e na verdade essa opinião foi diversa e contraria.

Depois de posta a questão n'estes termos, auctorisados pela repugnancia do governo em trazer á camara essa consulta, visto que as praxes constantes do paiz são de nunca haver a minima duvida em publicar as consultas fiscaes, quando se não trata de individuos, mas de questões do direito. Levantada a accusação formal contra o governo, se elle ousar negar esse documento, essa publicação, em nome de principios que não expõe nem explica, mas que só podem ser os principios do silencio, do mysterio, da lei das rolhas, favorita do governo, se depois de tudo isto, digo, o governo se recusar a mandar á camara o unico documento que póde dar a prova cabal da accusação que lhe faço, a camara e o paiz que façam do gabinete o juizo que elle merece, juizo que teria de tornar se extensivo acamara, se ella se recusasse a votar a moção que mando para a mesa. O governo commette o crime e foge com as provas, eu seria complice consentindo na fuga.

Falia o governo no segredo das consultas. E porque não está mettido em processo o sr. Coelho de Campos que tem publicado—nas notas ao codigo administrativo extractos textuaes das consultas do procurador geral da corôa e fazenda? Pois são as consultas fiscaes um tal segredo de secretaria, que s. ex.ª receia manda-las á camara, e ao mes

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me tempo todos os governos têem permittido a publicação d'aquellas consultas nas notas ao codigo administrativo. Pois o Direito, jornal d'esta cidade, publica na integra ou em extensos extractos as consultas do procurador da corôa, e ainda o ministerio publico não procedeu contra o jornal que ousa attentar assim contra o liberalissimo principio do silencio? Não comprehendo estas contradicções, creio que não são para a minha fraquíssima intelligencia.

O sr. ministro do reino colloca a camara na mais singular de todas as posições. Ha poucos dias referiu-se o meu illustre amigo o sr. Luiz de Campos, ao encerramento arbitrario e illegal das conferencias democraticas. A proposito devo declarar que se ha alguem que deteste as doutrinas communistas, socialistas e outras propagadas em França, sou eu, porque para mim, a sociedade não póde assentar senão sobre os principios da familia, da propriedade e do trabalho, e os actos externos da communa de París são a negação d'estes principios (Vozes: — Muito bem). Mas dizia eu, referindo-se o meu illustre collega ao encerramento violento das conferencias, e censurando o sr. ministro do reino, exclamava este: «Venham as provas primeiro que tudo; o illustre deputado não tem direito de fazer tal accusação sem ter as provas na mão.» No caso presente affirmo que o governo é culpado de em nome do Rei ter enganado a nação, porque o governo diz que o procurador da corôa proclamou certa doutrina, e o procurador da corôa não a proclamou; eu quero instaurar a accusação, e o governo responde «não mando os documentos». Depois quando sem elles o accusar perguntará «que é dos documentos?»

Pergunto eu á camara se isto é serio, e se póde consentir que o ministro do reino, que é o accusado e que bó póde ser convencido em virtude de certos documentos, diga perante a camara — eu sou o unico juiz da conveniencia do mandar ou não esses documentos á camara?! É o accusado, é o réu, a sonegar os documentos, e a declarar-se unico juiz da conveniencia de os apresentar!

Como se ha de instaurar a accusação? Como póde acamara dos deputados accusar o governo, se o governo, se o réu, tendo na sua mão as provas do processo, se recusa a entrega-las?

O sr. presidente do conselho tentou ainda allegar uma indiscrição fatal que causou talvez a morte de um funccionario dignissimo, querendo attribui-la á publicação de uma cousa similhante ás consultas do procurador da corôa e fazenda. Enganou-se, não foi essa a causa, a memoria foi-lhe infiel. A causa foi a publicação errada da informação confidencial de um empregado do ministerio do reino a respeito do procedimento de certo individuo, o que é muito differente de uma consulta do procurador da corôa e fazenda a respeito de uma questão de direito. O caso foi infielmente citado e não ha paridade entre elle e o de que se trata. Portanto o unico argumento de s. ex.ª cáe completamente.

Vou terminar dizendo á camara, que pense sobre qual seria a responsabilidade que sobre ella cairia se, depois das palavras do sr. presidente do conselho e da accusação dirigida contra o governo por faltar á verdade em documentos officiaes, consentisse que o governo, réu, podesse recusar os documentos que lhe são pedidos para o julgar.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Leu se na mesa a proposta do sr. Rodrigues de Freitas e a do sr. Mariano de Carvalho. São as seguintes

Propostas

A camara declara que a l5.ª disposição addicional do regulamento continue em vigor.

Sala das sessões, em 5 de agosto de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior.

A camara, ouvindo as explicações do governo, entende que deve ser enviada á camara a consulta de 18 de fevereiro de 1871, a respeito da collocação do ex-chefe da repartição de contabilidado do extincto ministerio da instrucção publica.

Sala das sessões, em 5 de agosto de 1811. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foram admittidas.

O sr. Affonseca — Obedecendo ás prescripções do regimento, começo por ter a minha proposta (leu).

Depois do que se tem passado ha dias n'esta casa, depois do que se tem observado, e que chega a ponto de affligir realmente todo o homem que tem no peito um coração portuguez, quando nós temos tanta cousa em que cuidar, quando temos o orçamento diante de nós, quando temos a questão financeira, quando temos de tratar das colonias, quando temos tudo a considerar e tudo a resolver, consumimos aqui horas inteiras com discursos soporiferos, com discursos que não fazem senão vontade de dormir, porque não têem importancia nenhuma. Parece-me que em presença d'isto facilmente se justifica a minha proposta (apoiados).

Pois o que é, pois o que quer dizer questionar uma eleição, porque faltou um eleitor, que tinha uma perna quebrada, porque não compareceu outro que tinha um panarício n'um dedo (riso), porque um deixou de votar por isto, outro por aquillo, e occupar horas inteiras com similhantes cousas? O que é isto senão uma desgraça? (Apoiados.)

Por isso digo—haja muito embora antes das duas horas quaesquer discussões, mas que a ordem do dia comece precisamente ás duas horas. É isto o que proponho.

Tenho concluido, e peço a urgencia da minha proposta.

Foi admittida á discussão e seguidamente approvada a urgencia da seguinte.

Proposta

Proponho que do dia 7 em diante se entre na ordem do dia pelo menos ás duas horas precisas. = Affonseca.

O sr. Rodrigues e Freitas: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga tambem urgente a minha proposta.

O sr. Mariano de Carvalho: — Requeiro tambem a urgencia da minha proposta.

Foi declarada urgente a proposta do sr. Mariano de Carvalho,

O sr. Presidente: — Está em discussão a proposta do sr. Affonseca. Tem a palavra sobre a ordem o sr. deputado por Trancoso.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Cumprindo as prescripções do regimento, começo por ter a minha moção de ordem (leu).

Poucas palavras são precisas para fundamentar esta moção.

O sr. Presidente: — Eu lembro ao sr. deputado que deve apenas referir se ao assumpto que está em discussão.

O Orador: — Aceito, como me cumpre, a advertencia de v. ex.ª, e estou persuadido de que, nas palavras que vou proferir, v. ex.ª ha de encontrar o fundamento da minha proposta, bem como a mais intima correlação d'ella com o assumpto em discussão.

O objecto que está no debate é a moção de ordem do sr. Affonseca, moção que se traduz em pedir á camara que quanto antes entre na discussão do orçamento, ora, não me parece curial que se passe desde já á discussão do orçamento, por isso mesmo que não ha ainda parecer sobre elle (apoiados).

Isto não é uma meção pedindo a discussão do orçamento; é uma moção de desconfiança feita á commissão de fazenda, que nós todos devemos respeitar, porque não ha ainda facto algum praticado por esta commissão que nos leve a propor-lhe uma censura (apoiados).

A discussão do orçamento, pela qual o illustre deputado, o sr. Affonseca, insta com palavras tão eloquentes, importa não só uma moção de censura á commissão de fazenda, mas tambem e principalmente ao governo, por isso mesmo que a camara transacta foi dissolvida por este exactamente não querer discutir o orçamento. E preciso considerar bem este facto (apoiados).

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Se os partidarios do governo se apresentam hoje com uma vontade tão firme de discutir o orçamento, é porque não se lembram de que o governo cáe na mais triste das contradicções, porquanto, mais uma vez o repito, a camara transacta foi dissolvida, porque o seu intuito era, sob o influxo da economia, discutir o orçamento. Este é o facto, que eu apresento aqui franca e terminantemente, e com o qual eu posso arrojar ao sr. presidente do conselho.

A camara que foi dissolvida queria discutir o orçamento. Logo devia ser irremediavelmente dissolvida. Tome cuidado a camara actual! Assentemos esta verdade, e passemos adiante.

Dizia eu que havia a mais notavel contradicção nas considerações apresentadas pelo sr. presidente do conselho e nas que foram propostas pelo sr. ministro da fazenda. A contradicção é constante no governo; é a sua coherencia. A con- tradicção é o lemma fundamental da sua philosophia, e a synthese do seu pensamento politico e governativo.

Dizia o sr. presidente do conselho: eu nego, em nome dos principios sacratíssimos que me incumbe respeitar e fazer respeitar; o poder que á camara tem de exigir certos documentos. Isto disse s. ex.ª em these e com aquella auctoridade que ninguem de certo lhe contesta. Depois levanta-se o espirituoso; epigrammatico e nunca assas louvado ministro da fazenda o sr. Carlos Bento, e disse: « é notavel, é para estranhar e para admirar como as tendencias dos povos roeridionaes são para tornar uma hypothese n'uma these, e elevar uma questiúncula pequenissima a uma questão magna de principios. Esta contradicção não está já na applicação dos principios, está nos proprios principios. O sr. presidente de conselho invocou um grande principio, o principio do imperio e da auctoridade soberana, inquestionavel, irresponsavel, o principio do silencio, o principio da gargalheira e o principio da destruição pelos alicerces, das regalias constitucionaes, que a carta confere, o principio emfim que o proprio sr. de Bismark jamais se atreveu a defender em nome das immunidades e regalias do sacro imperio, que ora se intenta reedificar.

O sr. Presidente: — O illustre deputado, muito contra minha vontade, força me a retirar-lhe a palavra, porque não está discutindo a proposta que a camara, na sua alta sabedoria, declarou urgente.

O Orador: — Creio que v. ex.ª não póde de fórma alguma deixar de ver nas palavras que tenho pronunciado a mais intima ligação com o assumpto em questão, ou v. ex.ª se engana muito. O que eu tenho dito é para sustentar a minha moção e para mostrar que a urgencia da moção apresentada pelo sr. deputado Affonseca é illogica.

Essa moção, como já disse e demonstrei, é uma moção de censura ao governo; ora como eu estou igualmente a fallar n'este sentido, v. ex.ª, que tem dado repetidos documentos de irresponsabilidade (apoiados), o que eu folgo muito de confessar, v. ex.ª não póde de fórma alguma cortar me a palavra, porque estou no uso plenissimo d'ella, e não faço mais do que exercitar um direito que v. ex.ª não póde negar (apoiados).

Mas, como ía dizendo, se as flagrantes e espantosas contradicções apresentadas pelo governo não servissem senão para lhe tirar toda a auctoridade, muito folgaria eu; mas, como disse perfeitamente o meu amigo, o sr. Mariano de Carvalho, os principios constitucionaes são atacados de um modo muito grave.

E depois qual é o resultado? Qual_é a consequencia logica? E que o systema constitucional sendo atacado pela base, o mal é para todos nós (apoiados).

V. ex.ª sabe, que não ha ministerio nenhum que não lenha um corpo consultivo. Todos os ministerios têem esses corpos, mas não se segue que o executivo tenha a obrigação restricta de seguir as opiniões emittidas pelos corpos consultivos. Mas o que quer dizer tudo isto? Note igualmente a camara que depois vem o sr. Carlos Bento, ministro da fazenda, dizer que não quer que o isentem da responsabilidade, que não se mandando as consultas, a responsabilidade que recáe sobre o governo é maior. Protesto contra isto. Não quero que a responsabilidade do governo seja maior ou menor, quero que seja aquella que está imposta na lei (apoiados); não a quero deixar ao sabor dos ministros (apoiados), isso tem graves inconvenientes (apoiados). Isto é absurdo e illogico, mas é aquillo que este governo tem offertado como maior argumento (apoiados).

Agora, emquanto aos discursos soporiticos, aos quaes se referiu, com um atticismo de phrase espantosa, o meu illustre amigo, o sr. Affonseca, não podem elles servir por fórma alguma de fundamento para a sua moção.

Nós não estamos aqui para avaliar as questões de rhetorica e as qualidades oratórias de qualquer deputado que pede a palavra e usa d'ella. Se ha discursos soporiticos, não o sei eu; provavelmente são os meus, embora tenha fallado depois do illustre deputado que ao fazer a proposta parece ter accordado de um somno profundo (apoiados, riso).

Ë pergunto eu, quem já citou aqui em certo dia um celebre papagaio de alta memoria, representante e syrabolo ornithologico da loquacidade, póde espantar-se de que algum deputado seja um tanto loquaz, servindo-se de exemplo tantas vezes seguido pelo illustre deputado, e tentando rastrear lhe os altos e eloquentes exemplos?

Se o illustre deputado não apresenta outros argumentos, se s. ex.ª não apresenta senão esta rasão, parece-me que a camara (e declaro comtudo que hei de acatar, como sempre, a sua resolução) não andará muito correntemente, approvando a moção a que me refiro.

Mando a minha moção para a mesa, e nada mais tenho a dizer.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, notando a mais flagrante contradicção entre as declarações do sr. presidente do conselho e as do sr. ministro da fazenda, entende quebrados d'este modo os laços de solidariedade, e passa á ordem do dia.

Sala das sessões, 5 de agosto de 1871. = Alberto Osorio de Vasconcellos.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — O sr. deputado creio que pede a urgencia da sua moção. Vou consultar a camara a este respeito.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Peço tambem a urgencia.

Consultada a camara, decidiu afirmativamente.

O sr. Presidente: — A hora está adiantada; e como dois srs. deputados pediram a palavra para requerimento, antes de se fechar a sessão, vou dar-lhes a palavra. São os srs. Mariano de Carvalho e Francisco de Albuquerque. -

O sr. Mariano de Carvalho: — O meu requerimento é para que v. ex.ª consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votarem as propostas que foram apresentadas.

Consultada a camara, decidiu negativamente.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço a palavra para uma explicação no fim da sessão.

O sr. Francisco de Albuquerque: — O meu requerimento era no mesmo sentido do que fez o sr. Mariano de Carvalho, e por isso caducou com a votação que ha pouco teve logar.

O sr. Presidente: — Então tem a palavra o sr. Rodrigues de Freitas.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Vae fechar-se a sessão?

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Desejo unicamente notar a v. ex.ª, se me é permittido que algum dos individuos que trouxeram para esta casa tal questão, foram aquel-

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

les mesmos que votaram para que a sessão se prolongasse, a fim de que este incidente terminasse hoje.

Como vejo que alguns cavalheiros que votaram contra a prorogação da sessão foram dos que mostram desejos de que se discuta o orçamento quanto antes, parece-me que não ha n'este procedimento uma grande coherencia.

Levantei-me só para dar esta explicação: da parte da opposiçâo parlamentar houve desejos de que o incidente ficasse hoje resolvido, a camara entendeu que não devia pro-rogar a sessão, mas não foi a opposiçâo que votou d'aquelle modo (apoiados).

Da minha parte, e peço a v. ex.ª que mande lançar esta declaração na acta, votei pela prorogação.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão seguinte é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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