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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Sessão de 13 de julho de 1868
PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA
Secretarios — os srs.
José Tiberio de Roboredo Sampaio.
José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de (Albergaria.
Chamada — 85 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano de Azevedo, Alves Carneiro, Costa Simões, Antonio de Azevedo, Sá Nogueira, Castilho Falcão, Sousa e Cunha, Barros e Sá, A. Guerreiro, A. J. de Seixas, Seabra Junior, Falcão e Povoas, A. Pequito, Faria Barbosa, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Lopes Branco, Montenegro, Barão da Trovisqueira, Cunha Vianna, B. F. Abranches, B. F. da Costa, Carvalhal Esmeraldo, Carlos Bento, Testa, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Freire, Pereira Brandão, Fernando de
Mello, Fortunato Frederico de Mello, Albuquerque Couto, Silva Mendes, Dias Lima, Francisco Luiz Gomes, F. M. da Rocha Peixoto, Pinto Bessa, Van-Zeller, Gaspar Pereira G. Rolla, Freitas e Oliveira, Homem e Vasconcellos, Meirelles Guerra, Almeida Araujo, Judice, Matos e Camara, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Cortez, J. M. da Cunha, João M. de Magalhães, Aragão Mascarenhas, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, Fradesso da Silveira, Faria Guimarães, Gusmão, A. Maia, Bandeira de Mello, Klerk, Costa Lemos, Faria Pinho, Sousa Monteiro, Carvalho Falcão, Pereira de Carvalho, Vieira de Sá, J. M. da Costa e Silva, Achioli de Barros, Frazão, Ferraz do Albergaria, José de Moraes, José Paulino, Batalhoz, José Tiberio, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, Motta Veiga, Penha Fortuna, Julio Guerra, Aralla e Costa, Pereira Dias, Lavado de Brito, Paulino Teixeira, P. M. Gonçalves de Freitas, R. de Mello Gouveia.
Entraram durante a sessão — os srs.: A. de Ornellas, Annibal, Rocha París, Ferreira de Mello, Villaça, Gomes Brandão, Ferreira Pontes, Azevedo Lima, A. J. da Rocha, A. J. Teixeira, A. Pinto de Magalhães, Arrobas, Magalhães Aguiar, Torres e Silva, Augusto de Faria, B. Garcez, E. Cabral, Eduardo Tavares, Faustino da Gania, F. Coelho do Amaral, Gavicho, Bicudo Correia, Silveira Vianna, Xavier de Moraes, Guilhermino de Barros, Henrique Cabral, Faria Blanc, Silveira da Motta, I. J. de Sousa, Baima de Bastos, Santos e Silva, J. A. Vianna, Mártens Ferrão, João de Deus, Gaivão, Calça e Pina, Ribeiro da Silva, Xavier Pinto, Galvão, Mardel, Sette, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Teixeira Marques, Lemos e Napoles, J. M. Lobo d'Avila, J. M. Rodrigues de Carvalho, Menezes Toste, Mesquita da Rosa, Mendes Leal, J. F. Pinto Basto, Levy, Ferreira Junior, Leite de Vasconcellos, M. B. da Rocha Peixoto, Limpo de Lacerda, Mathias de Carvalho, R. Venancio Rodrigues, Galrão, Bruges, Deslandes, Vicente Carlos Teixeira Pinto, Visconde dos Olivaes.
Não compareceram — os srs.: Fevereiro, Alvaro de Seabra, Braamcamp, A. Bernardino de Menezes, Correia Caldeira, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Vieira da Motta, J. P. de Magalhães, J. T. Lobo d'Avila, José M. de Magalhães, Silveira e Sousa, J. R. Coelho do Amaral, P. A. Franco, Sebastião do Canto, Thomás Lobo, Scarnichia.
Abertura — Á unia hora menos dez minutos.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA
Officios
1.° Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Antonio Roberto de Oliveira Lopes Branco, as informações ácerca da mata do Fojo.
Á secretaria.
2.° Do director do instituto geographico, remettendo um exemplar do esboço da carta geológica de Portugal. A secretaria.
Representações
1.ª Da camara municipal do concelho de Loulé, pedindo melhoramentos materiaes para o respectivo concelho. A commissão de obras publicas.
2.ª Dos fabricantes de massas estabelecidos em Lisboa, pedindo igualdade no imposto de consumo, tanto para as fabricas estabelecidas em Lisboa, como> para as que estão estabelecidas fóra da cidade.
A commissão de fazenda.
Participações
1.ª O sr. Vicente Carlos Teixeira Pinto encarregou-me de participar a v. ex.ª e á camara, que não tem comparecido ás sessões da camara, nem comparecerá a mais algumas, por se achar incommodado. = Assis Pereira de Mello.
2.ª Declaro que se estivesse presente quando se votou o projecto n.° 13, te-lo-ía approvado na generalidade. = Annibal Alvares da Silva.
3.ª O sr. deputado Francisco Xavier de Moraes Pinto, encarrega-me do participar a v. ex.ª e á camara, que não compareceu ás sessões de hontem, hoje, e porventura a mais algumas, por incommodo de saude. = Agostinho Fevereiro.
Inteirada.
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam mandados á commissão de obras publicas os documentos relativos á representação de Diederich Mathias Feuerheerd Sénior, sobre a interpretação de uma clausula do contrato para a construcção de um caminho de ferro americano das minas do Braçal á margem do Vouga.
Sala da camara, 11 de julho de 1868. = Lourenço de Carvalho.
Foi remettido ao governo.
Nota de interpellação
Pretendo, com urgencia, interpellar s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas, a respeito dos seguintes pontos:
1.º Se existe actualmente, ou existiu, em Inglaterra, alguma companhia ou sociedade de responsabilidade limitada, denominada companhia do caminho de ferro de sueste de Portugal.
2.° Se o governo tem conhecimento particular das denominadas obrigações d'essa supposta companhia, por quem estão assignadas, e em que qualidade figuram os individuos que as assignaram. = Francisco Pinto Bessa.
Mandou se fazer a devida participação.
O sr. Presidente: — Creio que a camara não recusará um voto de louvor e agradecimento ao digno presidente do instituto geographico pela remessa que fez de uma carta de Portugal (apoiados).
Mandou-se lançar na acta.
O sr. Sá Nogueira: — Mando para a mesa a renovação de iniciativa de um projecto de lei que tive a honra de apre-
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sentar n'esta camara, e que teve segunda leitura na sessão 1 de 9 de abril de 1866, tornando uniforme a moeda do continente e ilhas; isto é, para que só tenham curso legal nas ilhas dos Açores e Madeira as moedas do continente.
Como não está presente o sr. ministro da fazenda, não posso pedir explicações a s. ex.ª, mas desejava saber as intenções do governo sobre a cunhagem da moeda de cobre.
Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.
O sr. Fradesso da Silveira: — Tinha pedido a palavra na sessão passada para quando estivesse presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas receiando não ter occasião de ver s. ex.ª aqui antes da ordem do dia para lhe fazer uma pergunta, mando para a mesa uma terceira nota de interpellação, e d'esta vez vae motivada. Diz respeito a tratados de commercio.
Desejava saber se o governo mantem a opinião que tinha em janeiro ultimo.
Pretendo igualmente saber se as propostas da Austria são espontaneas ou foram fundadas em algumas declarações do governo.
Mando para a mesa a nota de interpellação.
O sr. Carlos Bento: — Pedi a palavra para fazer uma declaração á camara, que é importante em relação á minha pessoa.
Sustentei n'esta casa uma proposta, em virtude da qual confiei ingenuamente em que o orçamento do estado seria discutido n'esta camara. Tomei a responsabilidade, da defeza d'essa proposta, e hoje sinto-me obrigado a vir pedir desculpa á camara de me ter illudido, porque me parece, que independente da vontade de nós todos, e da responsabilidade de cada um, essa proposta que tinha apparentemente o que quer que seja de irregular, e que unicamente podia ser justificada pela pureza das intenções daquelles que a votaram, nada conseguirá, porque, como disse, não se discute o orçamento, apesar de se conhecer que essa irregularidade que se apresentára á primeira vista, se póde perfeitamente sanar depois; porque a commissão de fazenda tinha de apresentar pareceres sobre as propostas que se fizessem durante a discussão do orçamento. Por consequencia entendo que apesar de uma apparencia de irregularidade que havia sobre a apresentação d'essa proposta, era certo que as intenções daquelles que a sustentaram, como eu, era de uma natureza que podiam e deviam ser respeitadas, pois tendia a realisar a mais importante das missões do parlamento nas circumstancias em que nos achâmos, e não se diga que a discussão do orçamento devia trazer a desorganisação de todos os serviços (apoiados).
Declaro solemnemente a v. ex.ª que pedirei com grande empenho que me demonstrem qual é o ramo de serviço que entre nós está tão bem organisado para que seja tamanho o horror de que soffra um momento de discussão (apoiados).
Ha uma certa idéa que prevalece de que effectivamente todas as reformas devem ter em vista o ministerio da guerra. Não fallo no ministerio da guerra, e digo mais, desejaria muito que todos os ramos de serviço estivessem organisados como o exercito propriamente está em relação aos outros ramos de serviço. Digo o exercito e não digo o ministerio da guerra.
Em todos os ministerios era possivel demonstrar que o systema da organisação do serviço é de tal fórma que a discussão não póde senão melhora-lo, porque fôra difficil pode-lo peiorar (apoiados).
E para provar isto basta dizer que, em consequencia de actos certamente extraordinarios, hoje em Lisboa dá-se o facto singular, por exemplo, de termos seis ou sete policias, sem que o serviço de policia melhorasse consideravelmente, e sem que se obscurecesse ainda o exemplar e excellente serviço do corpo da guarda municipal (apoiados), um dos melhores corpos do exercito e dos mais bem commandados (apoiados).
Isto mostrará que, correndo todos os ramos de serviço, esta camara poderia discutir o orçamento sem comprometter nenhum dos pontos da verdadeira organisação do paiz.
E depois a minha idéa era fazer discutir o orçamento para dar occasião aos srs. ministros do revelarem as suas idéas a respeito da organisação dos serviços, porque é minha convicção que as verdadeiras reformas são feitas pelo governo (apoiados),e a discussão não póde servir, nem serve senão para demonstrar se effectivamente ha ou não iniciativa de pensamento nas pessoas que têem a honra de se sentarem naquelles bancos.
Por consequencia dada esta desculpa, pedido este perdão por ter sustentado mais uma illusão, parece-me que não tenho mais nada a acrescentar, e que a camara não duvidará das intenções daquelles que fizeram aquella proposta e dos que a approvaram (apoiados).
O sr. Carlos Testa: — Tenho mais de uma vez annunciado ao sr. ministro das obras publicas uma nota de interpellação ácerca da construcção de uma estação do caminho de ferro no Carregado, e até hoje não tive occasião de verificar essa interpellação; como porém vejo publicada no Diario uma portaria na qual s. ex.ª providencia a respeito do objecto sobre que pretendia chamar a sua attenção, devo dizer que desisto da interpellação, acrescentando a expressão dos meus agradecimentos a s. ex.ª pela maneira satisfactoria como resolveu este negocio.
O sr. Fernando de Mello: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento e alguns documentos, mas permittam-me V. ex.ª e a camara que, tendo sido eu um dos impugnadores da proposta, ácerca do orçamento apresentado pelo meu amigo, o sr. Carlos Bento, aproveito a occasião para assegurar mais uma vez a s. ex.ª que não duvidei nunca das boas intenções com que ella foi formulada.
S. ex.ª de certo com o muito empenho de apressar a discussão do orçamento trouxe essa proposta que na sua propria opinião se póde ter como menos regular.
Quando se discutiu pedi que mantivessem as determinações legaes sanccionadas no nosso codigo fundamental, e que esperassemos pelo parecer da commissão para se discutir o orçamento, sendo de accordo com s. ex.ª na urgencia e grande necessidade d'elle se discutir n'esta sessão.
Não julgo que houvesse outro motivo, senão este grande desejo, para obrigar o illustre deputado a trazer á camara uma proposta que era uma innovação irregular e mesmo prejudicial para a boa administração publica.
Desejava que a commissão de fazenda trouxesse previamente o seu parecer antes da discussão do orçamento, porque julgo como o illustre deputado que as verdadeiras reformas devem partir do governo e das commissões de accordo com elle.
Quando estas reformas se não fazem assim, quando as reducções que podem e devem fazer-se nas despezas não digo só de um ministerio, mas de todos, -porque em todos se podem fazer economias, quando não vem debaixo de um certo systema que as commissões podem combinar com o governo, e que tem de saír de propostas dispersas lançadas no meio da discussão, essas reformas não são proveitosas, porque lhes falta a unidade de pensamento.
Parece-me que a opinião do sr. Carlos Bento foi apenas a de apressar a discussão do orçamento, documento importantissimo e de certo o principal dos que devem ser sujeitos á apreciação do parlamento. N'esse desejo ardente e intimo acompanho agora e sempre s. ex.ª
E para lamentar que esta sessão tão apregoada, e antecipada mesmo á epocha em que julgavamos que ella deveria ter logar, se tenha consumido toda com duas leis que julgo não serem as mais importantes, nem as de que o paiz ha de tirar maior proveito. Viemos para esta casa impellidos por ventos esperançosos, deixando por toda a parte a convicção de que grandes reformas sairiam d'esta assembléa. Tres mezes de desengano póde ser que seja desengano de mais para se esperar ainda alguma cousa, não digo da camara mas do governo que ella está apoiando, segundo parece.
O orçamento creio firmemente que não apparece na discussão, e não se completará, talvez, a de nenhuma d'essas economias tão promettidas, e que deviam ser o primeiro passo na nossa administração para depois se pedirem os sacrificios do imposto, porque de certo as economias não podem dar o necessario para se approximar a receita das despezas. Mas as cousas mudaram; o imposto vem primeiro que as economias, e estou persuadido de que fica o imposto só, e as economias não chegam; mas um imposto encoberto, pouco franco, quasi traiçoeiro.
Não se diga que somos nós, os da opposição, que receiâmos votar impostos, quando rigorosamente precisos. Já tivemos occasião de votar um imposto pouco popular, como foi o imposto do consumo. Não receiaremos de votar o mesmo ou outro qualquer onus depois de se cumprirem as promessas em nome das quaes se formou o governo.
Eu disse que pedíra a palavra para mandar para a mesa um requerimento, e vem muito a proposito.
Os fabricantes de massas, estabelecidos na capital, queixam-se da desigualdade do imposto entre elles e os fabricantes do mesmo genero estabelecidos fóra da cidade. Já se sentem as vantagens que tinha o imposto de consumo.
Os da capital estão sujeitos a um imposto pesado, e os de fóra não pagam imposto algum, e vem competir com aquelles sem proveito da communidade, porque vendem os generos pelo mesmo preço que os da capital.
Estando nós em uma epocha em que precisâmos aproveitar tudo, seria bom que a camara se lembrasse de que estes fabricantes de massas que residem fóra da capital podem ministrar ao thesouro uma verba proximamente de 24:000$000 réis de imposto, o que não é para desprezar.
Não só pela conveniencia que resulta para o thesouro, como pelo principio que se deve seguir em todos os impostos, o da igualdade, não podem estar os fabricantes de massas estabelecidos na capital debaixo de um imposto que por não ser geral estabelece grandes differenças nos interesses, sendo mais prejudicados aquelles que maiores despezas têem. Ou todos ou nenhuns.
Mando tambem para a mesa, a fim de serem dirigidos á commissão de obras publicas, dois documentos offerecidos pelos primeiros concessionarios do cabo submarino da Inglaterra a Portugal, que deve ser apreciado quando a commissão tratar do accordo feito com os novos concessionarios pelo governo actual.
E visto que estou com a palavra peço licença para fazer uma declaração, que julgo importante.
Não sei se poderei tomar a palavra na discussão da lei de desamortisação. Quando se tratou da generalidade não pude entrar na discussão, porque estava fóra da camara por doente, e na especialidade póde ser que não a obtenha, ainda que hei de pedi-la successivamente em todos os artigos, por isso farei agora a declaração que devia ter feito já.
Eu tinha ainda ha pouco tempo a honra muito distincta de ser provedor da misericordia de Coimbra, e não sei se ainda o sou, porque ignoro se a antiga administração já deu posse á recentemente eleita.
Quando se apresentou ao publico o projecto de desamortisação que se tem discutido, estava eu á testa da administração daquelle estabelecimento, e por excesso de melindre não propuz n'aquella corporação que representasse contra esta medida.
Eu podia até um certo ponto julgar-me fóra da administração daquelle estabelecimento pelo facto de não estar em Coimbra; mas o regulamento da casa não permitte á pessoa que substitue o provedor o tomar a iniciativa de resoluções de importancia sem consultar o provedor; por consequencia sou responsavel por todos os actos importantes que se praticaram n'aquelle importantissimo estabelecimento, mesmo durante o tempo em que lá não estava no anno economico findo.
Sendo isto assim, qualquer representação que viesse da mesa da misericordia de Coimbra não podia ser feita sem o meu consentimento, e podia ser attribuido á minha iniciativa, porque o provedor, ou quem faz as suas vezes de accordo com elle, é quasi sempre quem costuma tomar a iniciativa em negocios d'esta ordem.
Como disse, por excesso de melindre não propuz, e pedi até mesmo que se não propozesse á administração da misericordia que representasse contra a proposta do governo ou contra o projecto que saíu da commissão. Emquanto fiz parte d'aquella administração em nenhum dos meus actos se póde ver a mais pequena influencia politica. E como tenha n'esta casa uma posição definida de pouca affeição politica ao governo, não queria que se julgasse que tinha promovido a representação por parte da misericordia de Coimbra como meio de lhe fazer opposição.
Entretanto a camara e o paiz sabem que aquelle estabelecimento importantissimo não póde de fórma alguma aceitar de bom grado um projecto de desamortisação ou antes de espoliação como este que se está discutindo.
A opinião da camara porém não mudava com mais uma representação, e todos nós temos visto que as representações d'estes estabelecimentos a maior parte das vezes, senão todas, tomam-se como vozes suspeitas e nem sempre são muito attendidas.
Portanto talvez eu tenha a culpa de não ter sido dirigida á camara uma representação da misericordia de Coimbra; mas nem por isso é menos certo que ella é altamente prejudicada com a proposta do sr. ministro da fazenda, e ainda mesmo com o projecto da commissão. E não o é só aquelle estabelecimento, são prejudicados todos os estabelecimentos da mesma ordem e os outros a que o projecto se refere (apoiados).
Não tenho mais nada a dizer por emquanto sobre este objecto, porque não é o logar para maiores explicações. Procurarei da-las na discussão de alguns artigos do projecto.
O sr. Silva Mendes: — Sr. presidente, a primeira vez que v. ex.ª me concedeu a palavra disse eu que, protestando contra a classificação de deputado ministerial que me tinha sido dada por alguns jornaes, por isso que d'ella se poderia inferir que eu devia alguns serviços eleitoraes ao governo, o que assim não era, pois com a minha eleição tinha-se dado exactamente o contrario, apesar d'isto esperava e desejara muito ser ministerial, aguardando para isso tão sómente o procedimento do governo, e declarei-me assim, espectante, porque já me tinham desagradado alguns actos do governo, como, por exemplo, a demissão dada a quasi todos os governadores civis, medida que me pareceu inconveniente e violenta, pois sendo estes funccionarios na maior parte dependentes por falta de fortuna tratam mais de administrar do que de fazer politica, seguindo fielmente as ordens do governo; portanto transferindo-os conseguiria o mesmo fim sem lhes tirar as posições a que de certo modo lhes davam direito os seus serviços. No entanto isto é uma apreciação e não uma censura, porque como auctoridade de confiança o governo tinha o direito de os demittir. Quero mostrar simplesmente que senti que não usasse d'esse direito com mais moderação. Desagradou-me ainda mais a interferencia que o governo tomou na eleição, interferencia que se manifesta claramente vendo eleitos cavalheiros aliás muito recommendaveis e que estou certo desempenharão perfeitamente os seus mandatos, mas que, sendo novos na politica, os circulos os desconheciam, e só poderiam ser eleitos por uma recommendação muito directa e terminante da auctoridade, porque só assim se poderia vencer o bem conhecido espirito de bairrismo.
Esta eleição, sr. presidente, devia ser livre, liberrima; o governo passado tinha caído em presença do descontentamento publico, era necessario que a uma, com uma eleição livre, mostrasse que esse descontentamento era geral — de todo o paiz. Desagradaram-me, repito, estes actos do governo, não manifestando desde logo este meu descontentamento para não ser julgado opposição, e de certo os teria esquecido, se o governo realisasse o programma que o paiz lhe tinha indicado e que elle parecia ter adoptado com a aceitação do poder.
Não succedeu porém assim, e eu estou convencido que o governo, pelo receio das difficuldades que encontra, o não realisará. Portanto, esta minha espectativa cessou, e retiro ao governo o meu, ainda que desinteressado, fraquissimo apoio. Reconheço que pouco perde; é simplesmente questão de um voto, mas esse mesmo diz-me a consciencia que lh'o devo retirar.
Ha dias que desejava fazer esta declaração, mas assegurando-me por toda a parte que o governo tinha perdido o apoio da camara, receiava que quem me não conhecesse suppozesse que eu queria por este modo preparar-me as boas graças da nova situação. Este receio porém desappareceu, em vista das declarações que o sr. presidente do conselho fez na ultima sessão, de que o ministerio estava vivo, vivissimo. São estas as suas proprias expressões. Posso por isso declarar que sou d'ora avante opposição, e declaro-o porque me pesam posições que não sejam bem definidas.
Antes de concluir desejo responder a algumas palavras, que me soaram mal, proferidas pelo nobre presidente do conselho, que sinto não ver presente, na ultima ou antepenúltima sessão.
Disse s. ex.ª, fallando do contrato do caminho de ferro de sueste, o seguinte:
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«A camara ha de convencer se de que o governo fez o melhor contrato que podia fazer nas circumstancias em que estava collocado, e se este não for approvado tenham a certeza de que hão de approvar outro peior... Ora! hão de approvar um contrato peior; se não forem os nobres deputados ha de ser a camara, se não for esta camara ha de ser outra; tenham a certeza d'isso.»
Ora, n'estas palavras parece-me ver envolvida uma ameaça de dissolução (apoiados), ameaça contra a qual protesto em meu nome, e parece-me poder faze-lo em nome de toda a camara (muitos apoiados), porque, tanto a maioria como a opposição são movidas pela sua consciencia, e a ameaça nem torna mais firmes uns, nem intimida os outros (apoiados). E demais, s. ex.ª estou certo que não tem força para dissolver esta camara, não dependendo isso só do seu arbitrio, nem o podendo fazer a seu belprazer (apoiados). Mas ainda mesmo que o podesse fazer, tenha s. ex.ª a certeza de que o paiz lhe responderia por um modo bem pouco satisfactorio. (Vozes: — Muito bem.)
Tenho concluido.
O sr. Presidente: — Como está presente o sr. ministro da fazenda vae passar-se á ordem do dia.
Os srs. deputados que tiverem requerimentos, representações ou outros papeis que mandar para a mesa, queiram envia-los.
O sr. Seixas: — Pedia á mesa que repita a minha interpellação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros annunciada ha mais de um mez relativamente á violação do tratado de 1842, e outros assumptos de que trata a mesma interpellação.
Peço a v. ex.ª que a repita, porque do contrario tenho que fazer um convite especial ao sr. ministro.
Aproveito esta occasião para declarar a v. ex.ª e á camara que por justificados motivos, e sobretudo por incommodo de saude não pude comparecer nos ultimos dias de sessão.
O sr. Bandeira de Mello: — Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas sobre a representação da camara municipal de Loulé.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO N.° 13 NA ESPECIALIDADE
Artigo 1.°
O sr. Penha Fortuna: — Sr. presidente, tendo pedido a palavra sobre a Ordem contra o projecto em discussão, parecia que, segundo as prescripções do regimento, era dever meu começar por ler e mandar para a mesa a minha moção.
No entanto julgo que estou dispensado de o fazer.
Hontem, depois que foi julgada discutida a generalidade do projecto, e antes de se proceder á votação sobre ella, o meu illustre collega e amigo, o sr. Costa Lemos, mandou para a mesa uma proposta de substituição ao artigo 1.° e outros do projecto em discussão.
Essa proposta ou moção foi assignada por differentes deputados do districto de que faço parte, que é o districto de Braga, e foi tambem assignada por mim.
Já se vê portanto que aquella moção é exactamente a que tenho de sustentar hoje; sendo por isso desnecessario redigi-la de novo. Concebia-se pouco mais ou menos nos seguintes termos: — a continuar facultativa a desamortisação dos passaes dos parochos, verificando-se apenas quando elles ou as juntas de parochia a requeressem, como está determinado na lei de 22 de junho de 1866; a ficarem as misericordias e hospitaes com a liberdade de converter o producto da desamortisação, quer em inscripções, quer em obrigações do credito predial, na fórma da mesma lei; e finalmente a excluir-se do projecto a parte em que se diz que a subrogação será feita por inscripções a rasão de 50 por cento, substituindo-se pelas palavras «segundo o valor do mercado».
O sr. Mathias de Carvalho: — Disse-se que o governo aceita essa ultima parte.
O Orador: — Folgarei que assim aconteça, porque é uma das maiores durezas do projecto.
Sr. presidente, antes de entrar na apreciação dos motivos que me levaram a assignar aquella proposta, devo fazer uma declaração.
Talvez pareça estranho que, tendo eu apresentado ante-hontem uma representação assignada por 4:000 habitantes da provincia de que faço parte, representação contraria ao projecto em discussão, e tendo pedido que a commissão de fazenda e a camara a tomasse na maior consideração, hontem approvasse este projecto na generalidade, e que o venha hoje combater na especialidade.
Quando apresentei na mesa aquella representação foi não só por cumprir um dever e mostrar a minha consideração para com as pessoas que a assignaram e que m'a enviaram, e porque entendo que convem prestar toda a homenagem ao direito de petição, mas porque sempre tencionei combater o projecto na parte relativa aos passaes e misericordias. E se depois approvei o projecto na generalidade, foi unica e exclusivamente debaixo do ponto de vista de votar o principio da desamortisação. Declaro francamente a s. ex.ª e á camara que não houve da minha parte nenhuma outra intenção. Sei, por informações que tenho obtido de alguns deputados antigos parlamentares, que o votar um projecto na generalidade não exclue de modo algum o poder combater qualquer artigo na especialidade (apoiados). Demais, o projecto em discussão amplia as disposições das leis anteriores relativas á desamortisação; estabelece alguns principios com que me conformo e então entendi que, se o rejeitasse in limine, ficava inhibido de aceitar qualquer das suas disposições especiaes. Mas repito, votei a generalidade unicamente por entender que votava o principio da desamortisação (apoiados).
E este principio, sr. presidente, é que eu não podia deixar de votar, porque já está consignado em differentes leis; porque sou liberal, e a desamortisação é um dos motes da bandeira liberal (apoiados); porque sou progressista, e o partido progressista foi talvez aquelle que primeiramente encetou as mais importantes disposições legislativas sobre desamortisação (apoiados); é finalmente porque, apesar de eu não ser economista, ainda assim li, quando academico, os elementos da economia politica, e não ha ninguem que os tenha estudado e meditado, que não se conforme com o principio de desamortisação, principio proclamado por todos os economistas, principio que tem altas vantagens, tanto debaixo do ponto de vista financeiro como economico, que é um dos primeiros elementos do aperfeiçoamento e progresso da agricultura, base principal da nossa riqueza (apoiados).
Sr. presidente, já que toquei no principio da desamortisação, disse que votara a generalidade d'este projecto, alem de outras rasões, por ser liberal, vem aqui a proposito fazer uma declaração, que já tive occasião de fazer em outra parte no meio de muitos deputados meus amigos. E a minha profissão de fé politica.
Ha da parte da camara umas certas apprehensões a respeito, não digo das representações, mas das manifestações quasi constantes da parte da provincia do Minho, a que eu pertenço, contra a medida da desamortisação da terra, principalmente quando ella affecta as corporações religiosas que existem no paiz.
Tenho ouvido dizer que Braga é reaccionaria, e que por isso é que vem representar sempre contra tudo quanto é liberal e quanto é progresso; e parece até que já me querem suppor reaccionario por combater o projecto em discussão.
Sr. presidente, nem Braga é reaccionaria nem eu o sou. Braga não é reaccionaria; antes direi a v. ex.ª e á camara, que ha de haver poucas cidades no paiz que tenham progredido tanto, e que mais tenham mostrado o seu amor pelos melhoramentos materiaes e moraes como ultimamente tem mostrado Braga.
Uma cidade que ainda ha poucos annos teve uma exposição agricola, que mereceu os applausos da imprensa de todo o paiz e de todos os que a visitaram (apoiados), e que até chegou a merecer a honra de ser visitada pelo augusto chefe do estado (apoiados); uma cidade que ainda ha pouco pediu aos poderes publicos a necessaria auctorisação para levantar um emprestimo quasi de 100:000$000 réis para melhoramentos materiaes; uma cidade que tem manifestado quanto é possivel manifestar-se o desejo ardente de possuir o mais importante dos melhoramentos publicos a que se póde aspirar, que é um caminho de ferro (apoiados); uma terra que não ha muito ainda recebeu com todo o enthusiasmo o ministro que a queria dotar com este melhoramento; uma cidade assim não é reaccionaria. Uma terra assim mostra que ama o progresso e que quer acompanhar a civilisação em todos os seus ramos (apoiados).
Emquanto a mim não sei o que é ser reaccionario. Se ser reaccionario é ser religioso, eu sou reaccionario, porque sou religioso, porque fui educado por meu pae com as maximas da religião christã. Mas então tambem a camara é reaccionaria, tambem é reaccionario o paiz inteiro, porque o reino de Portugal é essencialmente religioso (apoiados). Mas se ser reaccionario é ser inimigo da dynastia, da liberdade e de todos os progressos, declaro que não sou reaccionario, porque sou liberal, e o meu maior desejo é que possamos progredir.
Recebi o meu baptismo politico no partido historico; partido verdadeiramente progressista (apoiados); partido cheio de gloriosas tradições, e que tem legado a este paiz os mais elevados commettimentos e os mais avançados melhoramentos (apoiados).
(Interrupção.)
Uma voz: — Esse partido já morreu.
O Orador: — Não sei se morreu. Se morreu, acompanhei-o sempre até aos ultimos momentos da sua vida. E não o acompanhei só na prosperidade, mas na hora do infortunio (apoiados).
Sr. presidente, seja-me permittido este pequeno desvio, improprio talvez da occasião, mas eu quero consignar bem as minhas idéas, e mostrar a rasão por que venho atacar o projecto, em vista da apprehensão que ha contra a terra que tenho a honra de representar n'esta camara.
Disse eu que tinha votado a generalidade do projecto, mas que não me podia conformar com a especialidade n'aquillo a que se referia a moção que tive a honra de mandar para a mesa.
Vozes: — Deu a hora.
O Orador: — Deu a hora, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para a sessão seguinte. Vozes: — Muito bem.
(Este discurso deveria ler-se no Diario de hontem a pag. 1667, col. 2.ª, lin. 83.)
O sr. Penha Fortuna (continuando o seu discurso): — Sr. presidente, custa-me ter de occupar ainda hoje a attenção da camara; mas não me tendo sido possivel expor na ultima sessão todas as considerações que tinha a apresentar para justificar a proposta que tive a honra de assignar e que foi mandada para a mesa, não posso hoje deixar de o fazer. Procurarei ser breve. A discussão vae já adiantada, e na generalidade do projecto fallou-se tão largamente sobre todos os assumptos e sobre todos os pontos debaixo dos quaes elle podia ser considerado, tem-se pronunciado a este respeito discursos tão cheios de illustração e de eloquencia, discursos tão brilhantes, que eu não posso acrescentar idéa alguma nova que possa prender a attenção da camara.
Já expuz quaes eram as bases da minha proposta, que ao mesmo tempo é proposta de muitos illustres deputados da provincia a que tenho a honra de pertencer. Essa proposta reduz-se a tres pontos capitaes. Em dois é a sustentar a legislação estabelecida pela lei de 22 de junho de 1866 na parte em que deixa aos parochos e ás juntas de parochia a faculdade de requerer a desamortisação dos passaes, e em que deixa ás misericordias e aos hospitaes a liberdade de poder converter o producto da desamortisação, quer em titulos de divida publica fundada, quer em titulos de credito predial. Além d'isso tende tambem a minha proposta a substituir no projecto as palavras em que se diz que ás inscripções dadas em troca dos bens desamortisados serão calculadas a 50 por cento pelas palavras —pelo preço do mercado.
Sr. presidente, já na sessão passada tive occasião de explicar á camara a rasão por que tendo tenção de impugnar o projecto, tanto no artigo 1.°, como em outros, tinha comtudo votado a generalidade. Este meu voto significa apenas o principio da desamortisação; principio com o qual me conformo, principio que constitue um dos metes do partido progressista a que pertenço, em que concordam todos os deputados de um e outro lado da camara, principio que é hoje sustentado por todos os economistas, e cujos beneficos resultados têem sido provados pela experiencia, principio que tem um grande alcance, considerado debaixo do ponto de vista financeiro e debaixo do ponto de vista economico (apoiados). Demais, no projecto vem consignadas doutrinas e estabelecidas disposições com que me conformo; e por isso entendi que não devia de maneira alguma rejeitar a generalidade do projecto, porque se a rejeitasse, ficava completamente inhibido de poder aceitar qualquer das suas proposições.
Porém, assim como aceitei a generalidade do projecto, não me posso conformar com algumas das suas disposições, e são principalmente aquellas que são substituidas pela minha proposta.
Sinto n'esta parte não me poder conformar inteiramente com as opiniões do illustre ministro da fazenda, meu amigo e antigo condiscipulo. Mas vou dar as rasões.
Pelo que respeita aos passaes, disse eu que a minha proposta se limitava a conservar a disposição da lei de 22 de junho de 1866, que deixou facultativo aos parochos e ás juntas de parochia a desamortisação dos passaes (apoiados).
Parece-me que as rasões que militavam em 1866, para se deixar esta faculdade tanto ás juntas de parochia como aos parochos, militam ainda hoje, e de certo que a camara e governo que adoptaram aquelle principio, não eram menos liberaes do que a camara e o governo que actualmente presidem aos destinos da nação (apoiados).
Não posso deixar de reconhecer que a desamortisação dos passaes debaixo do ponto de vista financeiro traz vantagens e vantagens reconhecidas. O principio da liberdade da terra não póde deixar de produzir a sua benefica influencia em relação á desamortisação dos passaes (apoiados).
E certo que da desamortisação resulta a circulação dos bens, e d'esta o augmento de receita para o estado, proveniente das trocas, das permutações, das vendas, emfim de todos os actos de transmissão de propriedade que dão origem á chamada contribuição de registo, que é uma fonte de receita publica das mais importantes (apoiados).
Portanto, debaixo do ponto de vista financeiro tem inquestionavelmente vantagens a desamortisação dos passaes; mas a respeito d'ella não se dão as vantagens economicas que se dão em relação á desamortisação dos mais bens.
Para mim é fóra de questão que emquanto aos melhoramentos e beneficios agricolas que em geral resultam da desamortisação dos bens, pouco se póde defender a desamortisação dos passaes. A verdade é que os parochos em geral são bons agricultores.
Se não posso fallar em relação ao que se passa em todo o paiz, porque não tenho conhecimento d'elle, posso fallar em relação ao que se dá na provincia do Minho, que é talvez onde ha mais passaes e mais importantes, e aonde principalmente se refere a lei que estamos discutindo (apoiados).
No Minho os passaes são muito bem agricultados. Os parochos, quer seja por interesse proprio, quer seja por seguirem naturalmente os costumes agricolas d'aquella provincia, quer finalmente pelo dever que lhes incumbe, procuram tirar dos passaes todo o rendimento possivel, melhorando e aperfeiçoando a sua cultura (apoiados); são mesmo muito zelosos em conservar os direitos, posses", servidões e vantagens que lhes estão inherentes.
Ha no fôro um grande numero de pleitos intentados pelos parochos e juntas de parochia para sustentarem os direitos e evitarem as usurpações que os vizinhos muitas vezes fazem relativamente áquelles bens (apoiados).
O que os melhores lavradores e proprietarios fazem para o aperfeiçoamento de cultura dos seus bens, fazem-o os parochos relativamente aos passaes.
Portanto debaixo do ponto de vista economico estou realmente convencido de que poucas ou nenhumas vantagens se tiram da sua desamortisação, a avaliar pelo que acontece na provincia do Minho, onde elles mais abundam (apoiados).
Mas permitta-me a camara que faça ainda outras considerações. Uma é a respeito da occasião. A occasião não é das mais opportunas para se tornar obrigatoria a desamortisação dos passaes, devemos evitar por todos os modos alimentar a agitação, e a verdade é que com esta medida corre grande risco a ordem e a tranquillidade publica. Mas não é só isto.
Pelo artigo 1.° d'este projecto o governo fica auctorisado a vender por sua conta em hasta publica differentes bens cuja desamortisação já estava auctorisada, mas que ainda não foram remidos ou desamortisados.
Em vista d'isto ha de vir necessariamente á praça uma
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grande porção de propriedade; e se nós votarmos ainda a desamortisação dos passaes tenho grande apprehensão de que d'aqui resulte grande depreciação no valor da propriedade, depreciação que em todo o caso é funesta, mas que o é mais ainda n'este caso pelas pessoas e corporações a que se refere (apoiados).
Esta depreciação póde aggravar-se ainda por circumstancias que se estão dando, por isso que não haverá talvez no paiz capitaes necessarios para a compra de tantos bens, em vista das circumstancias pouco vantajosas em que elle se acha pela falta de dinheiros vindos do Brazil; acrescendo ainda, sr. presidente, que a propriedade tem effectivamente diminuido muito de valor, principalmente na provincia do Minho, em virtude dos onus resultantes da lei de registo hypothecario; creia V. ex.ª que esta é uma das circumstancias que mais tem concorrido para a depreciação do seu valor (apoiados).
Mas, sr. presidente, ha mesmo certos escrupulos sobre se se póde fazer a desamortisação d'estes bens que tambem podem influir na depreciação do valor offerecido em praça. E não admira que o povo tenha esta apprehensão, quando pessoas illustradas, pessoas de cuja intelligencia e saber se não póde duvidar, põem em duvida a validade da desamortisação d'estes bens sem previo accordo com a Santa Sé (apoiados). Ainda ha poucos dias ouvimos n'esta camara a uma das suas illustrações duvidar da legalidade da desamortisação d'estes bens sem previo accordo com Roma, e trago isto a proposito para tirar a conclusão de que se estes escrupulos se dão em relação a pessoas illustradas, não é muito para admirar que igualmente se dêem em relação a pessoas cuja illustração não é grande, e que isto torne menor a procura de taes bens (apoiados).
Portanto digo eu que não me parece que a occasião seja opportuna para se legislar a este respeito, tanto mais que esta depreciação de bens póde influir poderosamente na decente sustentação do clero (apoiados).
Sr. presidente, desejo que o clero seja dignamente remunerado, e desejo-o até para interesse da moralidade e civilisação d'este paiz (apoiados), porque é fóra de questão que o clero contribue muito para o adiantamento e civilisação da sociedade, e muito principalmente o clero parochial, porque é a elle que esta commettida a direcção das almas. Se nós collocarmos o clero em boas condições, se o tornarmos independente, se o collocarmos na altura de se apresentar dignamente sem lhe crear o desprestigio e a desconsideração publica, fazemos n'isto um grande serviço, não só á religião, mas fazemos de mais a mais um relevante serviço á sociedade, porque vamos contribuir para a sua moralisação (apoiados).
Sr. presidente, desde o momento em que somos catholicos, e que o codigo fundamental declara que a religião do estado é a catholica apostolica romana, temos obrigação restricta de proporcionar os necessarios meios de sustentação aos ministros d'essa religião, para que elles possam satisfazer dignamente á sua missão (apoiados). Sem a lei de dotação do clero, não julgo aceitaveis as providencias d'este projecto (apoiados).
Sr. presidente, vejo que o pensamento principal que domina este projecto, é o de querer remediar as difficuldades que se estão dando, relativamente á nossa divida fluctuante.
Eu applaudo a idéa do nobre ministro da fazenda. Desejo que se empreguem todos os esforços para remediar, quanto seja possivel, esta parte das nossas finanças, e que é um dever dos mais importantes. E, com toda a certeza, se s. ex.ª podér conseguir que ella se torne muito mais favoravel ao thesouro, que soffre muito com as oscillações a que está constantemente sujeito, faz n'isso um grande serviço ao paiz. Um tal resultado não póde deixar de concorrer, e concorrer poderosamente, para o melhoramento do nosso estado financeiro (apoiados).
Mas se acompanho n'esta parte o nobre ministro da fazenda, ainda assim devo declarar com toda a franqueza a v. ex.ª o á camara, que me parece que o nosso primeiro cuidado, aquelle que de preferencia nos deve occupar, é procurar restabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza publica, removendo as difficuldades e obstaculos que se estão dando em relação ao deficit (apoiados). Se o podermos obter, faremos um grande serviço ao paiz, e poderemos d'este modo attenuar as circumstancias desfavoraveis em que se acha a divida fluctuante. Se o não podermos fazer, ou se o não fizermos, a divida fluctuante ha de augmentar; pelo contrario, se nós procurarmos restabelecer o estado das nossas finanças, combatendo os males que se estão dando em relação ao seu desequilibrio, procurando desvanecer, quanto seja possivel, o deficit, isso ha de ter uma grande influencia em relação á divida fluctuante, porque o nosso credito ha de restabelecer-se, ha de fortificar-se, e desde o momento que o credito se fortificar, as finanças do paiz tomam uma situação mais vantajosa (apoiados). Creia V. ex.ª que as difficuldades do thesouro, relativamente aos credores ou prestamistas da divida fluctuante, hão de tornar-se muito menores (apoiados).
E é por isso que eu disse e repito que me parece que os nossos primeiros esforços devem tender principalmente para tornar mais favoravel a nossa situação financeira, procurar restabelecer por todos os modos o equilibrio entre a receita e a despeza, fazendo desapparecer, o mais breve possivel, o deficit que pésa sobre o thesouro.
E n'esta parte, sr. presidente, vamos em harmonia com a indicação da opinião publica, com as indicações do paiz. Nós chegámos a um estado verdadeiramente assustador, e tão assustador, que o povo, que o paiz, toma um interesse directo na questão de fazenda. E bom é que assim seja, porque é uma severa lição, para os governos para que attendam mais á boa administração da fazenda publica, e ao mesmo tempo é, uma indicação ao parlamento para que elle
se occupe, com toda a solicitude e seriedade, d'este tão grave como importante assumpto (apoiados).
Portanto os nossos esforços devem ser principalmente n'este sentido, devem ser para procurar diminuir, quanto possivel, a despeza publica e augmentar a receita do modo menos gravoso ao paiz (apoiados),
Sr. presidente, eu desejo que se façam economias. Não quero as economias que possam desorganisar os serviços, que tragam á administração o cahos e a anarchia; quero as economias que se combinem com a boa administração, as economias que, longe de nos prejudicarem, nos colloquem em melhor situação (apoiados).
As economias, relativamente ao funccionalismo, de que tanto tenho ouvido fallar, entendo que consiste principalmente na simplificação dos serviços e na reducção dos quadros (apoiados).
E devemos procurar augmentar a receita publica.
A este respeito seja-me licito dizer que me associo á opinião que foi aqui apresentada por um dos membros mais distinctos d'esta casa, o illustre deputado o sr. Mártens Ferrão.
S. ex.ª disse que não desejava que a par do deficit das finanças viesse o deficit dos melhoramentos publicos.
Associo-me completamente a esta idéa. Não quero que nós paremos nos melhoramentos publicos, e não quero, por que não é com as despezas que se fazem nos melhoramentos publicos que se ha de prejudicar o nosso paiz. São despezas productivas que hão de produzir mais tarde; são melhoramentos que hão de necessariamente augmentar a receita publica e contribuir para. a prosperidade do paiz (apoiados).
O que é necessario é que os governos e os poderes publicos sejam cautelosos, prudentes, escrupulosos na escolha dos melhoramentos, no emprego dos capitaes que hão de servir para os realisar (apoiados).
O que é necessario é que se attenda ás circumstancias do paiz, que se não vá fazer aquillo que não está nas forças das nossas finanças, e que se administrem bem os dinheiros publicos (apoiados).
Mas nós não podemos nem devemos parar. Parar n'este caso seria a morte.
Portanto associo-me n'esta parte ás idéas e ao pensamento do illustre deputado (apoiados).
Não quero este deficit. E digo «este deficit» porque já tenho ouvido fallar em mais de um deficit, já aqui se fallou tambem em deficit da illustração, da probidade e da moralidade.
Tambem não quero esse, e principalmente nos homens encarregados dos negocios publicos, porque sem moralidade, sem probidade e sem illustração não é possivel nem administrar justiça, nem gerir os negocios publicos (apoiados).
Não quero tambem o deficit das finanças. Escuso de dar a rasão.
E não quero o dos melhoramentos publicos, porque é necessario que nós acompanhemos as idéas do tempo, do progresso e da civilisação, e que nos habilitemos para dar toda a força aos differentes elementos de vida que temos no paiz, que nos não faltam, o que devem ser aproveitados convenientemente (apoiados).
O outro ponto a que se refere a minha proposta é que se eliminem do projecto as palavras a 50 por cento em relação á subrogação das inscripções.
Eu entendo que é de toda a conveniencia, e mesmo de toda a justiça, que as substituamos pelas palavras pelo preço do mercado (apoiados).
Parece-me que é uma idéa justa, porque o contrario põe em sobresalto as differentes corporações a que se refere esta lei (apoiados).
E não vejo rasão que possa justificar que, dando a praça um certo valor aos bens d'essas corporações, e tendo as inscripções um certo preço no mercado, nós vamos dar um valor ficticio ás que lhe havemos de entregar em troca d'esses bens, podendo d'aqui resultar uma depreciação para os rendimentos das corporações (apoiados).
Já ouvi dizer a um illustre deputado que parecia que o governo estava resolvido a aceitar esta indicação; e se as, sim for eu folgarei muito com isso, porque é um dos pontos em que o projecto encontra mais difficuldades (apoiados). E n'esta parto não acompanho os illustres deputados que entendem que os governos não devem prescindir das suas propostas, nem devem transigir com as alterações que lhes são feitas. Pelo contrario entendo que, fazendo-o, cumprem com o seu dever, uma vez que essas alterações e modificações vão de accordo com a opinião publica (apoiados).
Sr. presidente, a minha proposta tambem é relativa ao emprego do producto dos bens desamortisados das misericordias e hospitaes. Eu tenho grande veneração por estes estabelecimentos, não só debaixo do ponto de vista dos beneficios que elles prestam á humanidade, mas porque elles têem prestado grandes serviços economicos ao paiz e principalmente á agricultura (apoiados). Não sei o que acontece no resto do reino, irias o que posso afiançar é que no meu districto as misericordias têem sido um grande elemento de prosperidade para a nossa agricultura.
A maxima parte dos lavradores que precisam de meios para melhorar as suas terras, em logar de se irem entregar nas mãos dos usurários, em logar de recorrerem a pessoas que podiam emprestar-lhes os capitaes com juros extraordinarios, têem encontrado sempre nas misericordias um ensejo facil para adquirirem os capitaes de que precisam, pagando juros modicos, juro de 5 por cento, e em largos prasos, o qual torna muito mais facil a amortisação do capital (apoiados).
Na provincia do Minho as misericordias têem prestado o mesmo serviço que prestam os bancos ruraes; e portanto já debaixo d'este ponto de vista eu lhes presto toda a homenagem.
Sr. presidente, as misericordias e os hospitaes são uma das mais bellas manifestações da piedade christã (apoiados). Escuso mesmo de estar a encarecer os grandes serviços que prestam, porque todos os conhecem. Por conseguinte, é altamente conveniente collocadas na melhor situação possivel, garantindo-lhes em relação á desamortisação o preço que as inscripções tiverem no mercado, e deixando-se em vigor a disposição da lei de 22 de junho de 1866, para poderem empregar o producto dos seus bens, quer em inscripções, quer em obrigações do credito predial (apoiados).
E não pense V. ex.ª nem a camara que eu não creio nas inscripções; pelo contrario, é necessario que os governos sejam cautelosos em não estar fazendo constantes emissões dos titulos, porque estas grandes emissões podem fazer mal ao credito do paiz. Podem haver circumstancias extraordinarias em que os governos sejam obrigados a fazer uso d'este recurso, mas devem faze-lo as menos vezes possivel (apoiados).
Mas, de resto, estou persuadido de que não ha hoje governo que seja capaz de faltar ao pagamento do juro das inscripções, porque se houvesse um que faltasse a esse pagamento, então o cataclysmo havia de ser de ordem tal, que não só os possuidores das inscripções não teriam meios de receber os seus juros, mas nem mesmo o proprietario, nem o capitalista os seus rendimentos (apoiados).
Portanto não é porque eu não creia no credito do paiz e das inscripções; antes pelo contrario, mas desejo que em relação a estes estabelecimentos se lhes dê todas as garantias possiveis para que elles possam ter a maior certeza de que em circumstancia nenhuma lhes faltarão os meios necessarios para poderem satisfazer os importantes fins a que se destinam (apoiados).
E ha ainda uma outra rasão pela qual eu tambem pretendo ver bem garantidos os fundos d'estas instituições. A verdade é que a maxima parte dos bens d'estes estabelecimentos é resultado de capitaes legados por particulares, e desde o momento em que se comece a desconfiar de que esses legados não hão de ser competentemente applicados, póde e ha de diminuir consideravelmente a piedade particular, póde e ha de diminuir o numero d'esses legados, e portanto veremos esses estabelecimentos em circumstancias desfavoraveis (apoiados).
São estas as considerações que me levaram a mandar para a mesa aquella proposta que tende a modificar algumas disposições do projecto e evitar serias difficuldades que se haviam de oppor á sua execução (apoiados).
Não quero cansar mais a attenção da camara, e portanto limito aqui as minhas considerações.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Costa e Almeida (para um requerimento): — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me dizer o modo por que eu estou inscripto.
O sr. Presidente: — Eu inscrevi o sr. deputado a favor.
O sr. Costa e Almeida: — Peço perdão. Quando eu pedi a palavra a v. ex.ª perguntou-me se eu era a favor ou contra: respondi que era parte a favor e parte contra, portanto entende-se geralmente que quando se diz isto se deve contar como declaração de contra. Peço pois a v. ex.ª que tenha a bondade de me inscrever contra.
O sr. Barão da Trovisqueira: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me dizer a altura em que estou inscripto.
O sr. Presidente: — Está inscripto contra e em quarto logar.
Tem a palavra a favor o sr. Faria Guimarães.
O sr. Faria Guimarães: — Vou justificar a rasão por que pedi a palavra sobre a ordem, principiando por a leitura da proposta que tenho a mandar para a mesa que é a seguinte (leu).
Esta proposta é tambem assignada pelos srs. Alves Carneiro, Annibal, Pinto Bessa, Freitas e Oliveira, Frazão, e Costa Lemos.
Pela apresentação d'esta proposta, fica explicada a rasão por que este parecer apparece assignado por mim, com declarações, e pela apresentação d'esta proposta, parece-me tambem, satisfazer a um desejo manifestado pelo meu amigo, o sr. Barros e Sá, quando disse que desejava" ouvir a minha opinião a respeito da reducção do laudemio á quarentena. Não me admira que desejasse ouvir á minha opinião, porque é tambem a de s. ex.ª ha oito annos, apresentada por s. ex.ª em 1860, na sessão de 3 de agosto, em votação nominal.
Tenho mesmo necessidade n'esta occasião de me referir a uma insinuação, que constantemente me tem sido feita por differentes modos, de que esta questão da reducção dos laudemios, é uma questão que me interessa individualmente, em que eu tenho representado o principal papel.
Ignorava que tinha tanta influencia, e que esta influencia se estendia ao anno de 1860 e ao ministerio que fez eleger e reunir as côrtes n'aquelle anno, composto dos srs. Fontes, Casal Ribeiro, Serpa e Mártens Ferrão, etc...
Não sabia que já n'esse tempo eu tinha influencia sobre os srs. ministros.
Tem-se dito que o meu grande interesse se manifestava por alguns requerimentos que fiz, pela repartição dos proprios nacionaes, pedindo a reducção dos laudemios nalgumas poucas propriedades.
Aproveito esta occasião para declarar que fiz tres requerimentos ao governo pela repartição dos proprios nacionaes, pedindo a remissão de um fôro e alguns laudemios; mas em nenhum d'esses requerimentos eu pedi a reducção á quarentena, porque a lei de 22 de junho de 1866 não permittia tal reducção.
O que eu pedi, e ainda entendo que pedia, fundado em
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boas rasões, foi que para a avaliação dos predios, se não tomasse em conta o valor das bemfeitorias, porque é minha opinião, dos nossos praxistas, e de muitos juizes, que as bemfeitorias não são sujeitas ao pagamento do laudemio, e que este só deve pagar-se do valor do solo.
A repartição dos proprios nacionaes entendeu que devia indeferir os meus requerimentos, e communicou-me os despachos, pelos quaes se verá que eu não pedia a reducção do laudemio á quarentena, porque não era capaz de pedir ao governo que me concedesse uma cousa que a lei não auctorisava.
Peço licença para ler á camara o despacho d'este requerimento (leu).
Vou explicar a rasão d'este despacho.
Pedi, como subemphyteuta, para remir o laudemio, unica cousa que era obrigado a pagar ao senhorio directo do predio, porque eu não contribuía para o pagamento do fôro ou pensão emphyteutica.
Disseram-me que não era possivel remir o laudemio sem pagar ou remir conjunctamente uma parte do fôro ou pensão.
¦ Não sei em que legislação se funda esta doutrina.
Com relação ao outro requerimento, não se limita aquella repartição a indeferi-lo; entra nas explicações das rasões por que o faz, e são as seguintes (leu).
Já se vê portanto que não era o meu interesse particular que me faz pedir a remissão do fôro e a reducção do laudemio á quarentena. Eu não pedi nunca para mim nenhuma reducção do laudemio á quarentena; mas agora peço que a camara, a exemplo do que se fez em 1860, reduza o laudemio para os prazos de que se trata, e eu tenho a meu favor opiniões muito auctorisadas; alguem mesmo, que tem censurado os meus empenhos em favor d'esta disposição, e que já em 1860 pugnou por ella, e com tanta efficacia que a fez adoptar.
Em 1860, o ministerio conhecido com o nome de regenerador, trouxe aqui a proposta de desamortisação, proposta que foi origem da lei de 4 de abril de 1861. N'essa proposta não vinha consignada a reducção do laudemio, mas a commissão de fazenda, de accordo com o governo, incluiu naquella proposta e trouxe á camara um paragrapho em que se consignava a sua reducção.
Permitta-me a camara que eu lhe leia o parecer d'essa commissão e o paragrapho que ella addicionou á proposta do governo.
O § 2.° do artigo 1.° é o seguinte:
«O laudemio de todos os bens emphyteuticos, a que se refere este artigo, fica reduzido á quarentena em todos os casos em que outro maior fosse devido.»
Eis-aqui o § que a commissão de fazenda de 1860, de accordo com o governo, introduziu no artigo 1.° do projecto.
Vejamos agora quem eram os signatarios d'este projecto.
Figura em primeiro logar o sr. Antonio José d’Avila; era este retrogrado aquelle que em primeiro logar assignava o projecto com a seguinte declaração: «Approvo todos os artigos do projecto e offereço como additamento as disposições de um projecto que eu apresentei á camara em 10 de dezembro de 1858, e que não se acham comprehendidas n'este projecto». Quer dizer, o sr. conde d'Avila, apesar de ser eminentemente retrogrado, já dois annos antes tinha trazido á camara a iniciativa d'esta questão; mas o ministerio regenerador de 1860 acompanhou s. ex.ª n'este pensamento.
Depois d'este nome, seguem-se os dos srs. Francisco José da Costa Lobo, Augusto Xavier Palmeirim, Rodrigo Nogueira Soares Vieira, Joaquim Gonçalves Mamede, Justino Antonio de Freitas, Thomás de Carvalho e Antonio Rodrigues Sampaio, relator.
Este projecto, que tem o numero 54, acha-se no volume 6.° do Diario de Lisboa de 1860, pag. 53.
Depois, como a camara sabe, aquelle ministerio caíu e foi substituido por outro, presidido pelo sr. duque de Loulé; ministerio de que fazia parte, como ministro da fazenda, o sr. conde d'Avila.
Este novo ministerio adoptou este projecto de lei, e o sr. conde d’Avila, que era presidente da commissão de fazenda com o ministerio regenerador, pela demissão d'esse ministerio, foi substituido n'aquella commissão pelo sr. Casal Ribeiro.
Houve discussão nas ultimas sessões do mez de julho e nas dos dias 2 e 3 do mez de agosto. Mandaram-se para a mesa diversas propostas, e estas propostas foram á commissão, a qual, em resultado d'isto, trouxe á camara um novo projecto que tem por titulo: Pertence ao n.° 54; projecto em que se conservava o mesmo §, como se póde ver no citado Diario de Lisboa, vol. 7.°, a pag. 46.
Aqui está o projecto que veiu á camara, formulado em attenção a algumas das propostas, que tinham sido mandadas para a mesa (leu). Conserva o mesmo § do artigo 1.°, reduzindo o laudemio á quarentena.
Aqui apparece já um novo membro na commissão de fazenda, e é o sr. José Maria do Casal Ribeiro, que passou a ser presidente d'aquella commissão pela saída do sr. conde d'Avila. Seguem-se os srs. Francisco José da Costa Lobo, Augusto Xavier Palmeirim, Rodrigo Nogueira Soares Vieira, Joaquim Gonçalves Mamede; Justino Antonio de Freitas, Thomás de Carvalho e Antonio Rodrigues Sampaio.
Teve ainda larga discussão este projecto, e a final na sessão de 3 de agosto de 1860 procedeu-se a votação nominal, e disse o sr. presidente: «Os srs. que approvam o artigo 1.° e seus §§ (naturalmente para que não houvesse duvida sobre se o artigo ficava ou não sujeito ainda a modificações, caso se desse a rejeição de algum paragrapho) dizem approvo, os sr. que o rejeitam dizem rejeito,; e o resultado foi que 81 deputados approvaram o artigo 1.° com o § 1.°, e o § 2.° que reduzia o laudemio á quarentena, e 15 votaram contra. Tenho o prazer de ler, entre os que approvaram, os nomes dos seguintes senhores que actualmente têem assento na camara (leu).
Esta votação consta do citado Diario, vol. 7.°, a pag. 71. Venceu-se pois n'esta casa a reducção do laudemio á quarentena. O projecto foi para a outra camara, e lá foi eliminado o § 2.° Voltou o projecto assim emendado a esta camara, e o governo disse: «Em logar de tratarmos da nomeação de uma commissão mixta composta dos membros das duas camaras, devemos esperar até ver se a experiencia mostra a possibilidade da remissão dos bens sem a reducção dos laudemios á quarentena.» E dizia isto, porque ha oito annos não se queria só a venda d'estes bens, queria-se principalmente a sua remissão; porque a liberdade da terra, em que tanto se falla, não se consegue com a mudança de senhorio; a mudança de senhorio póde até ser um grande mal, e eu antes quero ter por senhorios directos as corporações religiosas, que são ordinariamente mais benevolas, do que um particular, que não cede nem um ceitil do fôro a que tem direito.
Portanto, digo, o pensamento que dominava em 1860 era a liberdade da terra, era tudo o que conduzisse a facilitar a remissão, e então disse o governo: «Vejamos se a experiencia mostra que é possivel remir sem a reducção dos laudemios á quarentena, e se não for, o governo voltará á camara com nova proposta».
Poz-se em execução a lei de 4 de abril de 1861. Passou o anno que a lei concedia para se requerer a remissão, ninguem quiz remir. Que fez o governo? Em 1862, apresentou o sr. conde d'Avila n'esta casa a proposta, que se acha publicada no Diario de Lisboa n.° 30 de 1862, em que propunha de novo a reducção do laudemio á quarentena, dizendo que sem isso não podia realisar-se a remissão.
Saiu do ministerio o sr. conde d'Avila, sem que a sua proposta chegasse a ser discutida; seguiu-se o novo ministerio ainda precedido pelo sr. duque do Loulé, e de que era ministro da fazenda o sr. Lobo d'Avila.
O sr. Lobo d'Avila veiu aqui renovar aquella proposta, como se Vê do Diario de Lisboa n.° 15 de 1863; e tambem a proposta do sr. Lobo d'Avila não chegou a ser lei. Por consequencia, no intuito de facilitar a remissão foi a reducção do laudemio á quarentena constantemente proposta pelo sr. Casal Ribeiro, pelo ministerio que se lhes seguiu em 1860 presidido pelo sr. duque de Loulé, pelo segundo ministerio ainda presidido pelo sr. duque de Loulé. Tal era a justiça que todos os ministros achavam na medida! E não se póde dizer que o ministerio presidido pelo nobre duque de Loulé não fosse patriota, creio que ninguem póde dizer que o chefe do velho partido progressista, o sr. duque de Loulé, não era patriota.
E a proposito do velho, cumpre dizer que tenho o maior respeito pelos velhos liberaes; venero o velho liberal Joaquim Antonio de Aguiar, que teve a coragem de acabar com os frades, e ha quem os queira ainda! Respeito o velho liberal Joaquim Antonio de Aguiar, que estava compenetrado das idéas da sua epocha, e foi um dos ousados ministros da regencia de D. Pedro IV, que não era um governo timido, que era um governo composto de liberaes que não se curvavam diante de qualquer sotaina. A mocidade de hoje, esta mocidade esperançosa, esta mocidade de que o paiz espera tanto, parece que degenerou; parece que se hoje houvesse frades em Portugal, era capaz de se curvar reverente diante d'elles e beijar com fingido respeito o cordão do franciscano e a correia do graciano.
O que quero dizer o que é penna que os liberaes daquelle tempo estejam velhos. Se a velhice podesse e a mocidade soubesse... Ora, a velhice não póde. Joaquim Antonio de Aguiar ainda não ha muito tempo que voltou ao poder, mas já não era o mesmo homem, porque a lei de 22 de junho de 1866 resente-se da velhice de Joaquim Antonio de Aguiar, o já mostra que não era o mesmo homem da regencia de D. Pedro IV. Joaquim Antonio de Aguiar ainda condescendeu com a idéa da desamortisação dos passaes facultativa (apoiados), e a faculdade das misericordias e hospitaes empregarem os fundos do producto da desamortisação em outra cousa que não fosse só inscripções. Tanto medo das inscripções. Respeitemos as mirericordias e os hospitaes, porque póde chegar uma epocha em que se não pague o juro das inscripções, e têem de fechar (apoiados).
Os que assim apregoam e os que assim discutem não têem fé na existencia d'este paiz. Imaginam que é infallivel a bancarota. Mas se é infallivel a bancarota, então não admittam para ninguem as inscripções, não obriguem ninguem a comprar uma inscripção (apoiados).
Pois senhores, eu tenho mais fé, quer seja com este governo quer seja com outro, em que o paiz ha de prestar-se a tudo aquillo que for necessario para se conseguir que não aconteça essa desgraça, de deixar de se pagar o juro das inscripções. Reduzidas as despezas ao indispensavel, organisados convenientemente os serviços e recorrendo-se ao imposto do modo conveniente e necessario, é o meio de fazer com que os governos não deixem de pagar. (Interrupção.)
Eu o que digo é que organisados convenientemente os serviços, feitas as economias indispensaveis...
O sr. Costa e Almeida: — De accordo.
E recorrendo-se ao imposto em condições convenientes...
(Interrupção.)
O meu amigo parece-me que está nas minhas idéas, tambem não gosta de frades do orçamento. Feito isto, é o meio de evitar que se deixe de pagar o juro d'essas inscripções, e por, consequencia os rendimentos dos hospitaes e misericordias ficam garantidos.
Trata-se de fazer a desamortisação, dizem, mas as inscripções estão muito baixas, é estabelecendo-lhe o preço de 50 por cento ha um grave prejuizo para os administradores ou possuidores d'estes bens. Se nós fizessemos o que acabo de dizer, desapparecia esse prejuizo, porque as inscripções haviam de subir necessariamente; mas se nós em logar de as fazer subir, procuramos fazer com que ellas desçam, então ha de necessariamente conservar-se esta differença entre o preço actual das inscripções e o preço que se estabelece no projecto.
O pagamento dos bens em inscripções a 50 por cento garante o juro certo de 6 por cento. Parece-me que quem garante o juro de 6 por cento não quer espoliar. Tenho ouvido aqui usar d'esta palavra espoliação a proposito d'este projecto, por differentes oradores, principalmente pelo preço por que são dadas as inscripções. Ora, creio que garantir o juro de 6 por cento não se póde dizer que é espoliação; mas eu tenho tanta fé em que as inscripções hão de elevar-se ao preço de 50 por cento, que não tenho duvida em propor que se dêem em pagamento inscripções pelo preço do mercado. Aqui tenho uma proposta n'este sentido; tencionava apresenta-la no fim das observações que desejo fazer, mas então leio-a desde já (leu).
(Interrupção do sr. Barros e Sá, que se não percebeu.)
Se isto já está estabelecido em lei, então é escusado...
(Nova interrupção do sr. Barros e Sá, que tambem se não percebeu.)
Então parece que é esta uma disposição má, porque é applicavel aos bens particulares. Quer o illustre deputado um privilegio para estas corporações? Tambem quer que não paguem imposto?
O sr. Barros e Sá: — Quero que paguem.
O Orador: — Então se quer que paguem imposto, ha de querer isto. Não é este o imposto que pagam todos os compradores de bens de qualquer ordem, particulares, ou não particulares? E estabelecido nas leis do paiz; agora se em logar de crear novos impostos querem extinguir os que existem, podem faze-lo.
Eu tenho muita pena que o meu illustre amigo, o sr. Barros e Sá, tendo mostrado tanto desejo de me ouvir com relação á reducção dos laudemios, não estivesse presente quando tratei d'este assumpto, porque eu servi-me da auctoridade respeitavel do seu nome e do seu voto ha oito annos...
O sr. Barros e Sá: — Na generalidade?
O Orador: — -Não, na especialidade dos laudemios. O illustre deputado pensa que é na generalidade! Eu tenho fé que o meu illustre amigo ha de votar a minha proposta.
(Ouvem-se differentes interrupções.)
O sr. Mardel: — Peço a v. ex.ª que dirija os trabalhos de fórma, que este modo de discutir não continue.
O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que tomem os seus logares, e se conservem na ordem.
O Orador: — Vi em minha frente o sr. Barros e Sá, e não pude resistir á tenção de fazer estas indicações.
Parece-me que faziamos melhor se em logar de perdermos o tempo, se em vez de fazer politica, embaraçando as propostas a respeito das quaes todos estamos de accordo, que são absolutamente indispensaveis (como é esta proposta da desamortisação), tratassemos de discutir e approvar quanto antes as propostas que o governo apresentou á camara, e que ella achou de pequeno alcance; mas eu, como a camara acaba de ver, não sou da mesma opinião.
Se as propostas que o governo apresentou á camara fossem convertidas em lei, a minha opinião é que ellas attenuavam o deficit n'uma quarta parte. Se nós em cada anno fizessemos uma igual reducção, dentro em quatro annos, isto é, no fim da legislatura, o deficit tinha desapparecido.
Não é só pela desamortisação que as propostas do governo reduzem o deficit á quarta parte. Ha outras propostas que foram apresentadas á camara pelo governo, e de que a camara ainda se não occupou; apenas discutiu uma dellas, que soffreu logo a mais forte opposição que tenho visto fazer; refiro-me á proposta relativa á extincção dos terços, jubilações, reformas e aposentações; nem essa ainda passou, e isto ao passo que Se diz que o governo não é economico! Pois nem essa pequena economia póde o governo fazer passar! Eu direi então que estudem convenientemente aquelles projectos, e verão que o alcance d'elles é uma diminuição de encargo o augmento de receita, no valor de 1.500:000$000 réis; e sendo o deficit de 6.000:000$000 réis; attenuando-o em 1.500:000$000 réis em cada anno, no fim da legislatura tinha desapparecido o deficit, e nós tinhamos feito ao paiz o maior serviço que podiamos e se lhe póde fazer. Mas nós impedimos o pouco que o governo apresentou; e fazemos isto porque não apresentou tudo. Se nós impedimos o pouco por não ter vindo tudo, então não ha salvação possivel para o paiz.
O sr. ministro da fazenda, no seu relatorio, não declarou o alcance de cada uma das suas propostas; mas n'uma das sessões passadas, fallando s. ex.ª n'uma d'essas propostas, disse que o alcance d'ella orçava por setecentos e tantos contos a favor da receita publica. O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado. O Orador: — Antes de s. ex.ª o dizer, e apesar de eu não ser dos mais habilitados para exame de propostas de certa ordem, já tinha calculado o resultado d'essa proposta em mais de 600:000$000 réis; refiro-me á alteração da pauta. Se analysarmos pois todos os projectos do governo, ver-se-ha que dão em resultado 1.500:000$000 réis. Mas nós não approvámos nem o primeiro; porque era mais uma cautela para que se não augmentasse a despeza do que uma reducção immediata d'ella pois nem esse ainda se votou. Estamos aqui constantemente a combater, estas propostas de desamortisação que o governo apresenta como base do seu systema financeiro, não queremos nada, e estamos a fazer politica em logar de tratar das questões que interessam mais ao paiz (apoiados).
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Desenganem-se que não é com questões politicas que se salva o paiz; ao menos esta é a minha convicção. Se nós nos oppozermos a todos os ministerios, elles pouco duram, elles têem pouco tempo para estudarem as questões, nós fazemos opposição ás medidas que elles apresentam, elles cáem; vem outro ministerio succede a mesma cousa, e d'este modo creio que a salvação do paiz nunca se resolverá, e então as inscripções em vez de irem para 50, conservar-se-hão a 40 se não forem para baixo, como irão necessariamente.
Se quizermos resolver as nossas difficuldades financeiras por meio de emprestimos ou venda de titulos de divida publica os embaraços crescerão (apoiados).
Fizemos ultimamente um emprestimo de 5.500:000 libras a 34 por cento; se formos negociar outro será a 30 ou menos, e seremos muito felizes se o podermos obter.
(Interrupção.)
Em não havendo dinheiro não se paga a ninguem.
Portanto não quero cansar mais a camara. Este meu modo de discutir necessariamente cansa os ouvintes, e o meu desejo é não incommodar de modo algum os meus illustres collegas.
Portanto mando para a mesa as minhas propostas, e estimarei que o governo as aceite.
Parece-me mesmo que esta proposta que diz respeito á entrega dos titulos pelo valor do mercado poderá conciliar os animos daquelles que veem uma espoliação na entrega dos titulos a 50 por cento.
O sr. Braamcamp, cavalheiro com cuja amisade muito me honro, já aqui, fallando em seu nome e em nome da opposição, manifestou muitos desejos de apoiar e votar esta proposta do governo, e disse que talvez o fizesse se o governo se prestasse á entrega dos titulos pelo preço do mercado, em vez de ser ao preço fixo de 50 por cento; e portanto póde ser que se resolva a vota-la.
Folgo sempre muito de me achar de accordo com as idéas do sr. Braamcamp.
Já em outra occasião, tendo s. ex.ª apoiado o ministerio passado que eu combati, quando tive a honra de lhe communicar alguma cousa que tinha feito, e que se encaminhava a preparar o movimento de 1 de janeiro, me pareceu que s. ex.ª não reprovava o meu procedimento.
Não abuso da sua confiança dizendo isto, porque o digo em abono de s. ex.ª, e porque me pareceu que s. ex.ª estava convencido do mal que tinha andado a situação passada.
Estimarei portanto que s. ex.ª approve tambem a proposta que mando para a mesa, e que faz apenas a differença de deixar os compradores sujeitos ao pagamento do imposto de registo n'esta qualidade de bens, como o são as compras de bens particulares.
Creio que ninguem quererá que se conceda agora um exclusivo a estas corporações de não pagarem o imposto estabelecido.
Esquecia-me tocar n'uma especie, aliás importante, sobre a qual desejaria que a camara se pronunciasse para evitar questões.
Parece-me que em virtude da lei de 4 de abril de 1861 e da de 22 de julho de 1866, entendeu o legislador que a remissão do fôro e laudemio completava a remissão do dominio directo; remindo o fôro e o laudemio, fica remido o dominio directo; porém já ha questões em juizo, em que os senhorios dizem que não remiram o dominio directo, porque não remiram a lutuosa. Creio que não foi da intenção do legislador deixar incompleta a remissão. É necessario dizer se o dominio fica completamente remido ou não, e se juntamente com o laudemio e o fôro se considera a respectiva lutuosa. Dizem-me que as lutuosas estão extinctas em geral, em virtude de uma disposição do codigo civil; mas eu procurei isso no codigo civil e não achei lá similhante disposição.
Se o sr. ministro da fazenda tiver a bondade do dizer alguma cousa a este respeito, bom será. E em todo o caso eu não posso deixar de chamar a attenção da camara para resolver este negocio, porque me consta que ha já contestações no fôro. Creio até que as freiras de Vairão levantaram essa questão, e disseram que não estava completa a remissão do dominio directo, por que não remiram a lutuosa. É preciso pois, que se declare se a remissão do dominio directo está completo pela remissão do fôro e do laudemio, ou então que se diga se se póde remir tambem a lutuosa.
Sobre isto chamava a attenção da camara, e peço ao sr. ministro, que em occasião opportuna diga a sua opinião a este respeito.
Leram-se na mesa as seguintes
Propostas
Proponho que o § unico fique sendo 1.°, e que se acrescente o seguinte:
§ 2.° Os laudemios que fizerem parte dos direitos dominicaes comprehendidos n'este artigo, ficam reduzidos á quarentena, quando houvessem sido estipulados em maior quantidade.
§ 3.° E concedido o espaço de seis mezes para a remissão d'esses direitos dominicaes; devendo a remissão effectuar-se pela fórma estabelecida no artigo 1.° e seus §§ da lei de 22 de junho de 1866.
§ 4.° Aos possuidores uteis das terras a que respeitam os ditos direitos dominicaes, é concedida a remissão do laudemio em separado do fôro devido ao senhorio directo, quando sobre elles não pese a obrigação de pagarem esse fôro. Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães =Alves Carneiro = Annibal Alvares da Silva = Francisco Pinto Bessa = J. A. de Freitas e Oliveira = José Maria Frazão = José Barbosa da Costa Lemos.
Proponho que o artigo 2.° do projecto n.° 13 seja emendado, para que se consigne n'elle a seguinte disposição:
As inscripções serão entregues pelo preço do mercado, ficando os compradores obrigados ao pagamento da respectiva contribuição de registo. = Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães.
Foram admittidas.
O sr. Costa e Almeida: — Votei contra a generalidade do projecto que se discute, e preciso justificar o meu voto.
Tinha pedido a palavra na generalidade, mas, sendo dos primeiros a pedi-la, V. ex.ª teve a bondade de me inscrever em decimo quinto logar, sem o querer talvez; mas como isto não servia aos meus fins agradeci, não obstante, esta fineza de v. ex.ª, porque conheço que me tinha dado a collocação merecida, attendendo á fraqueza da minha voz e á minha obscuridade, em relação aos srs. deputados que tambem haviam pedido a palavra, mas injusta, se seguissem os preceitos do regimento e a ordem dos tempos.
Já tenho scismado no modo de evitar estes innocentes erros da inscripção; mas como não achava, para é fazer e para obter resultado, senão meios violentos, para mim sempre desagradaveis, tenho-me abstido de reclamar contra taes erros, reservando-me o direito de me queixar e de pedir a v. ex.ª remedeie, se poder, estes erros innocentes, filhos ás vezes de uma particular providencia, que parece presidir aos destinos d'esta casa...
O sr. Presidente: — Se o sr. deputado permitte...
O Orador: — Não quero com isto fazer censura alguma a v. ex.ª
O sr. Presidente: — Eu estou prompto a adoptar qualquer systema que se apresente; mas em todo o caso pedirei sempre aos srs. deputados, que se abstenham de pedir a palavra todos ao mesmo tempo.
O Orador: — Disse eu que, tendo votado contra a generalidade d'este projecto, precisava justificar o meu voto, e vou faze-lo com aquella sinceridade e franqueza que me é propria, e que ainda não aprendi a disfarçar, principalmente quando trato de desempenhar os deveres que tenho a cumprir n'esta casa.
Vim para aqui em nome de um certo programma politico, que, mau grado as ironias e sarcasmos com que tem sido mimoseado por alguns poucos, a quem o amor do solo natal falla tão baixo que já as idéas do patria, liberdade, economia, verdadeiro patriotismo e abnegação não accordam nenhum echo naquelles corações endurecidos, nenhuma idéa despertam naquellas intelligencias transviadas, nenhuma fibra estremecem naquelles peitos resequidos, foi calorosa e enthusiasticamente abraçado com fervor e esperança por todo o paiz, como o protesto mais eloquente de que ainda havia n'esta terra fé robusta, esperança immorredoura, e vontade decidida de salvar o paiz da triste situação em que havia sido collocado pelos erros de tantos, e pelo esquecimento e abandono da maior parte de todos nós.
Quando nos primeiros mezes do anno passado a nação esperava impaciente a realisação das promessas tão pomposamente feitas, e encontrou em logar dellas a mais completa desillusão, levantaram-se queixas por toda a parte, por todo o paiz surgiam clamores e todos perguntavam se esta nação estaria acaso condemnada a viver ainda alguns annos n'aquella agonia lenta, mas fatal, que precede sempre o desmoronamento dos povos e a ruina das nações.
Erguiam-se clamores contra o governo de então, que só os escutava para os ridicularisar; e contra os parlamentos que renegaram o seu mandato, e que mais se uniam em torno do poder, fechando os ouvidos ás reclamações que de fóra os accusavam e condemnavam.
Eu não estou aqui a fazer recriminações inuteis, para mim sempre desagradaveis. Estou simplesmente rememorando factos graves que já pertencem á historia, e que eu preciso estabelecer para chegar ás conclusões que pretendo firmar.
Foi no meio d'estes clamores geraes, no meio d'estas queixas contra a marcha governativa do ministerio, que alguns homens arrancados a seu pesar do seio da obscuridade, do remanso da familia e da paz domestica, foram levados a dirigir e conter esses brados sempre dentro da orbita legal, a dar-lhes direcção e applicados em proveito do paiz para que se conseguisse o fim que era imperiosamente reclamado pelos brados da nação.
Estes homens que então se pozeram á frente das idéas populares, não lisonjearam as massas nem exploraram as paixões populares. Com uma coragem rara, com uma energia que parecia até perigosa, disseram ás multidões verdades duras, tão duras que pareceu excessiva ousadia erguer a voz para as enunciar.
De que vos queixaes? diziam estes homens. E dos governos? E dos parlamentos? Pois porventura governa quem quer este paiz, ou não são os governos senão a expressão fiel das maiorias parlamentares? As maiorias parlamentares compor-se-hão acaso de ambiciosos que toleramos se nos imponham, ou não são elles senão a expressão legitima do voto espontaneo e livre dos eleitores? Assim se o governo segue errado caminho, se o parlamento se põe em antagonismo com a vontade da nação, a culpa é vossa e só vossa. Vêde-vos no vosso espelho, mirae-vos na vossa propria obra. Uma nação é sempre digna do governo que a rege; tal é a nação, tal é o governo (apoiados).
Se o governo não satisfaz ás imperiosas necessidades da governação publica; se os parlamentos esquecem os seus deveres para incitar os governos a seguir um caminho errado, a culpa é vossa. Os parlamentos e os governos filiam-se nos vossos votos, portanto são vossos filhos legitimos, que não podeis renegar sem renegar a paternidade.
Antes de accusar os governos accusae-vos a vós proprios; antes de procurar emendar os defeitos governativos emendae os vossos proprios; se quereis um governo justo, serio, honesto, economico e moralisador, começae por implantar em vós mesmos essas virtudes, que se no uso dellas exercerdes os vossos direitos ficae certos de que ellas se inocularão tambem nos vossos mandatarios, e, por força de derivação d'estes, nos vossos governos. A moralidade politica, a regeneração nacional devem vir de vós, não delles; elles são a vossa obra, vós os fautores, os responsaveis d'ella (apoiados).
E o povo ouviu estas verdades triviaes, e sacudiu um pouco a indifferença de tantos annos. Os clamores e a reacção foram-se organisando, estendendo, propagando, e por fim deram em terra com a situação que haviam condemnado.
Ainda repercutiam os echos dos regosijos nacionaes, e os mesmos que haviam dirigido á nação aquellas severas palavras, ainda continuaram a advertir-lhe que não adormecesse á sombra dos louros da primeira victoria; que isto não era senão o preliminar da luta, e que era mister não esmorecer emquanto se não traduzissem em factos indisputáveis as aspirações do paiz e o programma nacional (apoiados); porque uma situação havia baqueado, não se seguia que logo lhe succedesse outra inteiramente opposta; porque os clamores publicos haviam chegado até ás mais altas regiões do podér, não se seguia que logo raiasse o reinado de Astréa.
Os factos vieram sobejamente confirmar a verdade d'estas previsões.
Quando em janeiro se organisou o ministerio actual, as preoccupações dos homens que sinceramente amavam a sua patria e desejavam ver seguir a administração publica um caminho novo, soffreram logo a primeira decepção. O ministerio não parecia talhado para satisfazer completamente ás exigencias do paiz, mixto hybrido, enxerto de garfos novos em troncos decrepitos e carcomidos, cuja seiva nunca fôra copiosa e abundante, nem para a producção dos bens nem dos maus fructos, devemos confessar que o ministerio foi naturalmente considerado um ministerio de transição, destinado, quando muito, a preparar o caminho a outro que fosse mais seguro penhor da realisação dos fins que a situação creára e era força satisfazer (apoiados).
Aceitou-se este governo, como se aceitaria um mal necessario (apoiados), um momento de suspensão e de repouso, necessario para cobrar novas forças, aproveita-las e encetar o caminho verdadeiro que nos havia de conduzir ao almejado fim.
Era este o meu modo de pensar, e creio não errar affirmando que era o pensar da maior parto da nação (apoiados).
A situação era grave, o encargo pesadíssimo, a tarefa espinhosa; e todavia o programma estava forçadamente traçado, de modo que o governo que quizesse viver, era mister que tivesse vistas audaciosas e atrevidas, que dessem ao menos abundante pasto ás reclamações imperiosas da opinião.
Que aconteceu porém?
Aceitando um programma forçado; um programma imposto pela força indisputavel dos acontecimentos, e não um programma filho da convicção intima, da fé que revolve montanhas, da esperança que suavisa e adoça os mais dolorosos espinhos, o ministerio mal podia traduzir em frouxos impulsos economicos e financeiros a fraqueza congénita, e os habitos da sua temperança, tão estranhamente transportados a climas e atmospheras para elle exoticas.
Os fructos d'esta iniciativa governativa ahi os temos entregues á voracidade parlamentar; e esta que naturalmente estranhava tão magra pitança, repasto tão exiguo e mesquinho, viu arrefecer-lhe pouco a pouco os ardores patrioticos e economicos, echo das vozes da nação, e das tempestades dos comícios, e pouco a pouco, passo a passo, deixou-se ir escorregando no mesmo marasmo e na mesma fraqueza do governo que apoiava. Eu, pela minha parte, cada vez mais descrendo da efficacia da marcha governativa, lutando constantemente com a idéa de que nada valia a minha voz, inspirada pelos dictames da consciencia, mas isolada e sem echo; uma vontade decidida, mas impotente; um protesto sincero, mas unico; resolvi-me emfim a procurar, a surprehender o ensejo que busco ha tanto tempo, em que ao menos tivesse occasião de desabafar no seio da camara, e á face do paiz, os pensamentos que me referviam no coração e na consciencia.
Desde que a bandeira de janeiro foi abandonada por este ministerio; desde que o pendão erguido pelo paiz foi rojado no pó; desde que as pomposas promessas do programma governativo, que era o programma da nação, se substituiu o mais audacioso sophisma, e a mais eloquente retractação, como temos patente no contrato do caminho de ferro de sueste, seria pois um crime apoiar este ministerio (muitos apoiados). Seria para mim uma cobardia não condemnar este governo; seria para mim o esquecimento do mais indeclinavel dever deixar de elevar a minha voz obscura, mas sincera e convicta, para o combater e condemnar (muitos apoiados).
Eis-aqui a rasão por que eu votei contra a generalidade do projecto. Certamente sou, como não podia deixar de ser, pelo principio da desamortisação. Quem nega esse principio? Ninguem o contesta.
Mas se pelo lado economico eu podia abraçar o pensamento geral do projecto, pelo lado financeiro não lhe posso dar o meu apoio, porque as vantagens financeiras que elle promette ou podia prometter não as quero confiar a um ministerio, não quero pôr este instrumento nas mãos d'este, do qual já nada espero em beneficio do meu paiz (apoiados).
Se esta medida fosse concebida por outro modo, se esta medida fosse acompanhada de uma serie de propostas de cujo conjuncto tivessemos a esperar de ver n'um praso curto o desapparecimento da verdadeira divida fluctuante, e eu mostrarei que ha divida fluctuante verdadeira e divida fluctuante falsa; digo se conjunctamente com esta medida viesse uma serie do propostas destinadas a n'um certo praso aca-
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bar com a divida fluctuante, e a ver n'um certo periodo diminuido ou extincto o nosso deficit, igualada a receita com a despeza, ver emfim entrar a nossa organisação financeira n'uma carreira nova, votaria então a olhos fechados esse complexo de medidas, porque o fim principal estava conseguido, vota-las-ía do coração, porque as feridas que houvessem de fazer-se breve sarariam ao abrigo da prosperidade economica e financeira do paiz.
Por isso votei contra a generalidade do projecto.
Não entro, nem é mister entrar, porque a camara está d'isso saciada, na apreciação economica e financeira do projecto em discussão; a minha opinião não seria pois novidade nenhuma. Mas se as vantagens financeiras do projecto são grandes, não as quero conceder a um governo de quem já nada espero; se são pequenas, tambem não posso votar uma medida isolada, que vae levantar resistencias, que vae abrir novas feridas por modo intempestivo e irreflectido, e sobretudo inutil e perdido pelo seu isolamento.
Quando a proposta de desamortisação foi pela primeira vez lida n'esta casa pelo sr. ministro da fazenda, disse eu em seguida, n'uma reunião de deputados —que o pensamento da proposta era perigoso, que era necessaria uma grande força moral no ministerio que intentasse leva-la á execução. Ora, é exactamente essa força moral que fallece completamente ao ministerio actual.
Que tem feito o governo desde que a camara se constituiu?
Esperou, ou pretextou esperar, pela approvação do bill de indemnidade nas duas casas do parlamento para então apresentar o complexo das suas medidas.
Seguindo o programma adoptado, programma que não era d'elle, mas da nação, programma imposto e não convicto, deviam essas medidas satisfazer a dois pontos, innegavelmente conjunctos e indissolúveis; as economias e as reformas financeiras. Ora, as economias sabemos nós o que são pelas propostas apresentadas, quer dizer, nada; as reformas financeiras reduzem-se principalmente á proposta de desamortisação, de magro proveito para o thesouro e de não melhores consequencias, para as classes expropriadas, e emfim ao mimoso presente do contrato de sueste!
As forças vivas d'esta camara, as suas intenções tão puras e generosas, os seus ardores economicos e patrioticos, a sua vontade de dar força a um governo tambem forte para se conseguir o fim que todos almejavam; tudo o governo deixou esterilisar em um chuveiro do propostas, em um mare magnum de alvitres, sem direcção, sem escolha, sem opiniões particulares da parte do governo que, fugindo sempre á responsabilidade de aconselhar e escolher, queria lançar essa responsabilidade e esse odioso sobre a camara (muitos apoiados).
Assim vimos n'esta sessão legislativa um facto curioso e singular. Uma camara tão fraca, que mal póde conservar-se em boa paz com o seu governo; um governo tão fraco, que mal póde conservar-se em boa paz com a sua propria camara, com a sua propria maioria (apoiados). Uma maioria, que treme de pôr difficuldades ao seu proprio governo; um governo que treme dos arreganhos da sua propria maioria (apoiados).
A camara caíu na desconfiança publica quasi tãò baixa como o proprio governo que a abandonara (apoiados). Camara sem direcção, maioria sem chefes naturaes e legitimos, forças vivas sem aproveitamento, esterilidade, vergonha, miseria e desgraça para o governo, para a camara e para o paiz (apoiados).
(Com vehemencia.) O paiz ha de condemnar o desperdicio de mais este ensejo salutar. O paiz ha de pedir estreitas contas a este ministerio e a esta camara (apoiados geraes). O dies irae ha de vir! (Apoiaãos.) E oxalá que elle venha em breve, porque é justo que todos paguemos a merecida pena dos nossos erros e das nossas fraquezas! (Apoiaãos.)
No meio do governo ha um cavalheiro sobre quem mais do que todos pésa a responsabilidade d'esta triste situação em que estamos collocados.
Foi este cavalheiro elevado ao poder em nome dos principios proclamados em janeiro de 1868. Eram-lhes titulos a jornada de Alcantara, as representações á corôa, os comícios a que pertencera, o logar que occupára no parlamento, o talento que possuia, a ambição que era justo suppor-lhe, porque a ambição tambem póde ser virtude, que nem sempre é crime.
Pois, sr. presidente, esse homem, em quem o paiz punha os olhos cheios de esperança, o ministro popular erguido da rua pela força dos acontecimentos de janeiro de 1868, em nome dos seus programmas economicos, em nome da sua recente iniciação nos movimentos politicos de 1866 e 1867; esse homem, que devia ser o aguilhão constantemente incitando o ronceirismo dos seus collegas (riso); que devia ser o apostolo convicto da nova doutrina até morrer por ella; esse homem, abandonou a bandeira a que se havia apegado, e em vez de lutar até caír nobremente, para se levantar, novo Anteu, cheio de novos brios e de novas forças (apoiados); esse homem, por não sei que pussillanimidade ou que desgraça, peza-me do coração dize-lo, esse homem abandonou o nobre pendão que havia hasteado e entre o papel de Cesar e o do seu antipoda, proh pudor! Escolheu este ultimo!
Sinto não ver presente um nobre deputado a quem desejo referir-me, mas aquillo de que vou occupar-me são palavras de s. ex.ª que toda a camara ouviu.
O sr. Garcez disse outro dia que aconselhara o nobre ministro da fazenda a que fugisse de dois peccados capitaes, que commettem sempre os novos ministros da fazenda, e eram estes — nova reforma da secretaria d'estado e nova lei de desamortisação.
Baldado empenho!... Inutil conselho!
Mas a s. ex.ª esqueceu de certo apontar mais dois peccados - capitaes a que é atreita a raça dos nossos homens d'estado, e de que o nobre ministro da fazenda devia tambem fugir—uma novação de contrato de caminho de ferro, e um gordo emprestimo n'uma das praças estrangeiras!
Nós temos já este projecto que está em discussão; venha depressa o da novação do contrato do caminho de ferro, e se houver tempo, venha ainda o da reforma da secretaria, para darmos occasião ao gordo emprestimo.
Uma voz: — Não ha tempo.
E falla-se no credito publico; fallam-nos na necessidade de o levantar; fallam-nos na necessidade de manter a alta dos fundos, de procurar capitaes a juros modicos, como se o credito fosse alguma dama luxenta e caprichosa, a quem, para a conquistar, fosse mister cobrir todos os dias de perolas e de brilhantes!
(Com vehemencia.) O credito nasce, cresce, fortifica-se, robustece-se quando o devedor é honrado e não perdulário ou espoliador (muitos apoiados).
Quando o administrador do casal corta severamente por toda a despeza que póde cortar; quando dispensa metade dos creados, quando supprime as carruagens e os luxos, quando se contenta com a mesa sobria, quando emfim e sobretudo redobra de trabalho, de industria, de energia e de perseverança, para fazer honradamente face ás suas despezas, e procura assim attenuar as suas dividas, então o credito nasce, cresce, fortifica-se, sem precisar de providencias que só servem de engordar meia duzia de pessoas que dão a lei n'uma bolsa ou n'uma praça (muitos apoiados).
Façam os governos e as camaras como este administrador do casal, e verão como o credito nasce. Emquanto não o imitarem não terão credito, e seguirão um falso systema de governo, que eu hei de sempre condemnar, porque eu hei de reprovar constantemente esta fatal marcha governativa, esta vida de expedientes, estes adiamentos indefinidos das medidas radicaes que nos devem salvar. (Vozes: — Muito bem.)
Sr. presidente, os ministerios passam, mas as situações ficam. Aquelle que tiver a ousadia de querer travar a roda | dos acontecimentos, ha de ficar esmagado por ella (apoiados), sem que lhe valham nem os ouropeis com que se enfeita, nem o brilhante talento de que seja dotado, mas que no fim de tudo não sabe identificar-se com as exigencias do tempo. (Vozes: — Muito bem.)
Esta epocha é a epocha das economias (apoiados). Economias em tudo e por tudo. As economias são o baptismo sem o qual nós não podémos admittir a recepção de outro sacramento, sem o qual nós não podemos admittir o recurso ao imposto como é mister que elle seja (apoiados).
Não nos illudâmos com o que podem produzir as economias — diz a cada momento o ministerio.
De accordo. Pois quem é que se illude? Nem nós, nem a nação nos illudimos. Mas para que possa justificar-se o recurso ao imposto é necessario que as economias sejam precursoras d'elle, e é necessario que ellas se façam primeiramente, é preciso que ellas venham, para assim dizer, santificar a necessidade d'esse recurso ao imposto, tanto quanto seja mister para travarmos essa roda funesta dos apuros financeiros em que ha tantos annos girámos (apoiados).
Eu não diria hoje estas severas palavras, se não tivesse ouvido ainda ha poucos dias dizer n'esta casa ao nobre presidente do conselho de ministros, que sinto não ver no seu logar — que XI ministerio estava vivo, vivissimo.
Permittam-me V. ex.ª e a camara que eu não acredite na declaração do nobre presidente do conselho. O medico não se contenta de perguntar ao doente como se sente, pelo menos espreita-lhe a lingua e tacteia-lhe o pulso. Ora, a lingua do nosso doente esta muito aspera e saburrosa (riso), o pulso acho-o pelo menos febricitante, e n'estes termos é mister não dar inteiro credito ás declarações de saude que o enfermo faz (riso e apoiados).
(Com vehemencia.) Sr. presidente, a situação era grave em janeiro, hoje é ainda mais grave (apoiados), ámanhã será gravissima, depois será desesperada! (Sensação e apoiados.)
O descontentamento, digamos a verdade, é geral «o paiz. A nação perdeu a fé que tinha, não no governo, no qual ella nunca a teve (apoiados), mas n'esta camara, donde esperava ver saír a verdadeira organisação da nova situação politica (apoiados).
Nós temos desperdiçado o tempo em contemplações, e eu tenho uma grande parte n'essa culpa. Peza-me ter carregado tanto tempo com o fardo da condescendencia e da boa fé, descuidoso da posição politica que se eu seguisse as inspirações do instincto devia ter iniciado desde o primeiro dia em que entrei n'esta casa (apoiados).
Na camara as opiniões acham-se divididas. Uma parte da camara, ainda que descontente, entende que póde levar a sua complacencia até esperar que em janeiro o ministerio cumpra aquillo que não póde cumprir até agora. Outra parte da camara, desilludida já completamente das promessas que nunca faltam e que falham sempre nas situações como esta, estando na certeza de que cada dia, cada momento que esta situação dura é mais um passo dado para a ruina inevitavel para onde nos vamos arrastando, intenta, não digo derribar o ministerio, mas ao menos levantar um solemne protesto contra esta marcha governativa, e salvar d'ahi sua responsabilidade (muitos apoiados).
No meio d'isto falla-se em adiamento das camaras (apoiados). Eu entendo que o adiamento é o melhor caminho que o ministerio póde seguir para a sua ruina (muitos apoiados). O ministerio que hoje adiar as sessões das camaras, lucrará viver mais algum tempo na vida desgraçada em que
tem vivido, mas levanta contra si os clamores e a indignação de todo o paiz (muitos apoiados).
Não digo mais nada.
Vozes: — Muito bem.
(O orador foi felicitado por muitos srs. deputados.)
O sr. Motta Veiga: — Na conformidade do regimento vou ler e mandar para a mesa a minha moção de ordem.
«Proponho que o § unico do artigo 1.° seja substituido pelo seguinte:,
«§ unico. Não são comprehendidas nas disposições d'este artigo as casas de habitação dos parochos e os quintaes annexos ás suas residencias, os edificios e terrenos que forem indispensaveis aos estabelecimentos de instrucção publica, e bem assim 03 que nos municipios servirem para uso e serviço do publico.»
Sr. presidente, em más e difficeis circumstancias me chegou a palavra, depois de terem fallado tantos e tão distinctos oradores, já sobre a generalidade do projecto, já sobre a especialidade do artigo 1.° que está em discussão, e talvez eu procederia mais acertadamente cedendo a palavra, principalmente depois do que acabei de ouvir ao illustre deputado que acabou de fallar, o sr. Costa e Almeida, que asseverou achar-se já na mesa o decreto de adiamento da camara. Entretanto, como v. ex.ª me concedeu a palavra, sempre direi alguma cousa sobre o artigo em discussão.
Pedi a palavra sobre a generalidade do projecto, sr. presidente, e dois motivos me levaram a isso; primeiro foi o ver que todos ou quasi todos os srs. deputados que se haviam inscripto sobre a generalidade do projecto, se tinham declarado contra, eu pedi a palavra a favor. O segundo, porque fui um dos poucos membros da commissão dos negocios ecclesiasticos que assignei o parecer sem declaração, o que motivou seria estranheza a muitos dos meus collegas. Porque, sr. presidente, até ouvi fallar em anáthema contra todos os que assignaram tal parecer sem declarações! Julgo portanto do meu rigoroso dever dar á camara a explicação do meu procedimento.
Não me chegou a palavra quando se discutia este projecto na generalidade, V. ex.ª e a camara sabem a rasão por que, e foi este motivo porque entendi dever pedi-la na especialidade d'este artigo 1.° E hoje outro motivo ha ainda para, eu não deixar de fallar sobre a materia que se discute. E a questão previa apresentada antehontem pelo illustre deputado o sr. Testa, cujo talento todos nós reconhecemos, o cuja sinceridade de opiniões e de sentimentos eu muito respeito.
S. ex.ª entende que era conveniente que n'uma medida d'esta ordem o governo portuguez estivesse de accordo com a côrte de Roma, para poder legislar com relação aos bens pertencentes á igreja lusitana. S. ex.ª mostrou desejos de que se discutisse previamente se havia ou não motivos justos para os escrupulos, que alguem porventura tem para remir ou comprar bens desamortisados.
A camara pareceu revelar n'essa occasião que não era questão para aqui. O sr. Mártens Ferrão, cujos conhecimentos todos nós respeitámos, cuja sinceridade de opiniões é por todos reconhecida, disse, e disse muito bem, que a questão do principio geral de desamortisação já não é questão para hoje; e effectivamente o principio geral de desamortisação, ou a questão sobre a legitimidade do principio geral de desamortisação deveria ser suscitada em 1861 quando se publicou a lei d'esse anno, ou em 1866. Esta lei não é senão a continuação das leis de 1861 e 1866, com a pequena differença de querer que a desamortisação dos passaes em logar de ser facultativa, seja obrigatoria.
Parece realmente que a questão do principio geral de desamortisação devia tratar-se lá e não aqui. Por consequencia muito menos a questão provia que o sr. Testa apresentou devia ser tratada na occasião de se discutir este projecto.
No entanto ou seja com fundamento ou sem elle, o que é verdade é que ainda hoje se duvida muito da legitimidade do principio geral de desamortisação.
O que é certo é que os taes escrupulos a que se referiu o nobre deputado, o sr. Testa, existem, e não ha muitos dias que se realisou n'esta casa uma interpellação sobre o facto passado em Leiria, de alguns padres não quererem absolver individuos que tinham comprado ou remido fóros pertencentes ás corporações religiosas. E por informações particulares que hoje mesmo recebi, vejo que se tem dado mais ou menos força a um certo scisma a este respeito.
Eu, sr. presidente, não receio muito do tal scisma, mas é incontestavel que se o scisma é sempre mau, em religião é sempre de muito mais fataes consequencias do que em qualquer outra cousa, convindo por isso muito faze-lo desapparecer. E eu prometto examinar esse ponto e dizer francamente a minha opinião.
Porei de parte a questão economica e financeira sobre que este projecto póde ser considerado, porque já este objecto foi tratado por pessoas mais que competentes, competentissimas. Portanto vou considera-lo debaixo de outro aspecto, debaixo do aspecto juridico e canonico; vou debaixo d'este ponto de vista examinar a questão respectiva aos passaes, e esse exame deixará ver bem clara a rasão do meu procedimento, assignando o parecer da commissão sem declarações.
Ouvi dizer aqui, sr. presidente, que a desamortisação dos passaes dos parochos era contra o direito natural, era contra o principio da carta, contra as prescripções do codigo civil, contra as determinações da igreja, e alguem chegou mesmo a declarar que era attentatorio, são os termos proprios que se encontram no Diario, dos direitos da igreja, subversiva dos direitos de propriedade e contraria ás conveniencias dos povos, e attentatoria de todos os direitos civis e ecclesiasticos que vigoram desde a fundação da monarchia.
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Fiquei surprehendido, sr. presidente, com este capitulo de accusação contra o projecto de lei que se discute. Antes porém de mostrar o nenhum fundamento para tal accusação, antes de refutar tão exageradas asserções, devo declarar a Vi ex.ª e á camara que, tomando a palavra a favor da desamortisação dos passaes, eu não quero por principio nenhum que se supponha que pretendo prejudicar os interesses dos ecclesiasticos que representaram contra esta mesma lei, não quero por modo algum que se supponha que pretendo contrariar direitos que a igreja tenha; não quero, repito, que se supponha nada d'isso, porque se o fizesse seria contra o meu caracter, porque pertenço e prezo-me do pertencer á classe ecclesiastica, e seria contra a minha convicção, porque sou tambem catholico apostolico romano.
Diz-se que a desamortisação dos bens ecclesiasticos com relação aos passaes é contra o direito natural. Eu não sei, sr. presidente, aonde se foi buscar fundamento para dizer que a desamortisação d'estes bens é contra o direito natural, contra os principios absolutos do justo.
Todo o mundo sabe que o estado é uma entidade moral, que tem obrigação de empregar todos os meios que julgar convenientes para a satisfação plena de todo o genero de necessidades que o mesmo estado tem: Entre essas necessidades estão as necessidades moraes, e no grupo d'estas estão as necessidades religiosas. E se todo e qualquer governo, todo e qualquer estado tem obrigação estricta e severa de satisfazer a todas as necessidades religiosas, o governo portuguez, desde o momento que está escripto na carta que a religião catholica, apostolica romana é a religião do estado, tem obrigação estricta e severa de subsidiar essa religião, provendo á sustentação do culto e do clero.
Mas note se bem, que, tendo o estado estricta obrigação de satisfazer a estas necessidades, tambem está no seu direito, nem póde deixar de o estar, aliás não se comprehende, de modificar os meios de satisfazer a essas necessidades como muito bom entender e lhe aprouver (apoiados).
Ora, a desamortisação dos passaes não é senão uma substituição ou permuta dos bens que até hoje o estado tinha destinado para a sustentação do culto ou, para melhor dizer, para subsidiar a religião em todas as suas manifestações e necessidades; esses bens são substituidos por inscripções da junta do credito publico.
O estado, n'este caso, está como o particular, a quem inatamente pertence o direito de propriedade, e que póde, como muito bem lhe aprouver, empregar este ou aquelle meio, esta ou aquella condição para a realisação do fim que pela sua natureza tem obrigação e direito de conseguir.
E note v. ex.ª, note a camara, e notem os meus collegas que estranharam que eu assignasse sem declarações, que, se os bens que até agora eram passaes da igreja, não podem ser desamortisados, não podem alienar-se pelo simples facto de parto do seu rendimento ser para a sustentação da religião, então Portugal está todo amortisado. Ninguem desconhece que em todas as parochias, onde não ha passaes, onde não ha bens para a sustentação do culto e do clero, ha a simples derrama para a congrua, que não é senão parte do rendimento dos bens que cada particular possue. Se pois estão amortisados os bens que constituem a dotação do culto e do clero, Portugal está na maxima parte amortisado. Isto é absurdo, sr. presidente; isto não póde ser.
E não se diga que a desamortisação dos passaes é attentatoria de todos os direitos civis e ecclesiasticos que vigoram entre nós desde a fundação da monarchia.
Não quero nem devo fazer aqui uma prelecção sobre historia, mas v. ex.ª sabe, e sabe a camara toda, que o principio de desamortisação vigora entre nós desde o começo da monarchia.
Tenho aqui ouvido fallar de D. Affonso II, de D. Diniz, de D. Filippe III; mas o principio da desamortisação é mais antiga; o principio da desamortisação está estabeleci do entre nós desde o começo da monarchia. Encontramos um facto na vida de D. Affonso Henriques, que prova isto á evidencia. Sabe v. ex.ª qual é? E que quando D. Affonso Henriques beneficiou o mosteiro de S. Salvador de Castro, beneficiou-o (noto a camara) dando licença ao seu abbade para poder adquirir bens immoveis e herdar. Por consequencia se não fosse esta permissão ou licença que lhe deu D. Affonso Henriques então, não os podia adquirir.
É isto, o que se diz propriedade, sr. presidente, que se não póde adquirir sem licença do poder ou sem permissão do Rei.
Licença identica foi concedida por D. Sancho II ao mosteiro de Alcobaça.
Um illustre cavalheiro, que respeito, muito, o sr. Barros e Sá, disse:
«A prova de que tinham propriedades, é que El-Rei o Senhor D. Diniz effectivamente ordenou que se alienassem intra annum, os bens que se tivessem adquirido.»
Mas s. ex.ª cortou sem querer uma expressão, que certamente o podia elucidar melhor a esse respeito. Quando se ordenou que fossem alienados intra annum os bens que se tivessem adquirido, a referencia era áquelles que se tinham adquirido illegalmente; isto é, sem consentimento do poder (apoiados).
A legislação de que se tem fallado, a respeito dos direitos civis e ecclesiasticos desde o fundação da monarchia, só póde ter por fundamento a imaginação dos meus collegas, que muito respeito, ou a má interpretação dos factos.
Se a camara me permitte leio a determinação de El-Rei D. Diniz. Diz assim: V
«E esses herdamentos e possessões fiquem sempre a taes pessoas, que nem sejam frades, nem freiras; nem donas de ordens. E os que nem houverem herdeiros lidemos ordenem e fação dos seus herdamentos e possessões aquelle, que tiverem por bem em tal guiza, e em tal maneira, que depois nem fiquem esses herdamentos as ordens».
Esta determinação é da lei de 12 de março de 1291. E antes d'esta havia já outra, no mesmo sentido, promulgada em 10 de julho de 1286.
E note a camara que o mesmo D. Diniz, no artigo 2.° da sua segunda concordancia com os prelados, prohibe o seguinte:
«Que não comprem possessões algumas, guardando-se a este respeito a lei de seu avô D. Affonso.»
E quer V. ex.ª saber, sr. presidente, qual era a lei de D. Affonso, a que D. Diniz se referia? Resa ella assim:
«... porque poderião comprar tantas heranças, que fosse em grande prejuizo da corôa e vassallos d'ella: pelo que julgarão, que nenhuma casa de religiosos possa comprar herança alguma sem licença de El-Rei... E tirâmos poder aos clerigos de comprar heranças, e fazer dellas o que lhe aprouver.»
Este accordo foi tomado nas côrte de Coimbra em 1211. Mais tarde, sr. presidente, D. Fernando I, nas côrtes de Lisboa em 1371, ampliou aquella lei a todas as acquisições por qualquer titulo, por causa dos abusos que se faziam da interpretação das leis, o que não é para aqui agora relatar.
Essas providencias foram depois incertas na ordenação manuelina (livro 2.°, titulo 8.°), d'onde passaram para a ordenação filippina (livro 2.°, titulo 18.°), e que, declaradas e explicadas por Filippe III na estravagante de 30 de julho de 1611, e por D. José na lei do 4 de julho de 1768, e alvará de 12 de maio e lei de 9 de setembro de 1769, § 10.º, compozeram a nossa legislação sobre amortisação, mandadas applicar a todas as corporações ecclesiasticas, estabelecimentos pios, confrarias, etc... pela citada lei de 4 de julho de 1768, §§ 1.° e 2.°, alvará de 20 de julho de 1769 o provisão de 14 de maio de 1770.
Se os meus illustres collegas examinassem e attendessem bem a essas leis, de certo não diriam que a desamortisação de que se trata era attentatoria de todos os direitos civis que vigoram desde o principio da monarchia.
A questão é que a propriedade ecclesiastica não so podia adquirir sem licença do Rei; e não consta que os direitos que se allegam desde o principio da monarchia estejam em desharmonia com estes documentos que se encontram.
«A lei não creou a propriedade, disse, e muito bem, o sr. ministro, a propriedade é mais antiga do que a lei, que não podia crear o direito absoluto da propriedade. A lei que determinou uma corta propriedade póde tambem alterar essa determinação. E como é que vem dizer-se — isto é attentatorio de todos os direitos civis e ecclesiasticos?!»
Ha aqui uma asserção que não posso deixar passar sem correctivo.
Então porque uma lei determinou uma cousa, o poder legislativo não está no direito de poder alterar e modificar essa lei como muito bem entender?! Porque por alguma legislação antiga, por alguma concessão regia, ou por qualquer outro motivo se concedeu isso á igreja, segue-se que nós o poder legislativo não podemos sobre qualquer ponto alterar essa legislação, havendo de mais a mais conveniencia publica n'essa alteração?!
Sr. presidente, uma tal argumentação não póde tomar-se a serio.
Em vista pois do nosso direito civil em vigor desde o principio da monarchia, a igreja portugueza não póde ter propriedades no sentido que alguns illustres deputados desejam; e aquelles que consideram o principio da desamortisação como injusto, não têem, não podem ter fundamento algum.
Vê-se portanto do que deixo dito que a lei da desamortisação que se discute, nem é contraria aos principios absolutos do justo, nem á nossa antiga legislação civil em uso e vigor desde o principio da monarchia.
Eu logo hei de mostrar tambem que não é contraria á nossa legislação moderna, e precisamente ao nosso codigo civil, como parece pretenderem os meus nobres collegas, os srs. Mártens Ferrão e Barros o Sá.
Mas diz-se que = o artigo é attentatorio de todos os direitos da igreja =.
Bem sei a que isto se refere; mas eu já disse, e vou mostrar que nem mesmo a legislação da igreja se oppõe de fórma alguma a este principio.
Eu dói-me ao trabalho de percorrer e examinar todos os capitulos dos concilios, celebrados aqui e em Hespanha, que tem relação com este assumpto; e declaro a v. ex.ª o á camara que não encontrei lá nada, absolutamente nada, em que se podesse fundar a proposição aqui avançada, de que = o principio de desamortisação era contra os direitos da igreja.
Permitta-me a camara que lhe leia o de que resam alguns capitulos d'esses concilios.
O concilio de Toledo (3.°), capitulo 3.°, diz: «Ut nequis extra necessitatem rem ecclesiae alieneti».
O concilio de Toledo (9.°), capitulo 1.°, diz: «Ut de rebus ecclesiae nihil episcopi auferant, et qualiter proximi funãatoris ecclesiarum sollicituãinem gerant».
O concilio bracharense (2.°), capitulo 14.°, diz: «De praesumptione episcopi in rebus ecclesiae».
No capitulo 15.°: «De rebus ecclesiasticis gúbernanãis». No capitulo 16.°: «De rebus ecclesiae ãispensanãis». E n'esse capitulo applicam os padres do concilio a si aquellas palavras do Apostolo: « Victu et tegumento, his contenti su-mus».
No capitulo 17.°: «De his, ex vasis ministerii ecclesiae aliquiã vendiderint».
O concilio de Merida, capitulo 16.°, diz: «Ut episcopo non liceat tertiam de parochianis ecclesiis tollere».
No concilio agathense, capitulo 49.°, diz: «De-non alie-nanãis ab episcopo rebus ecclesiae». Podem ler-se tambem os capitulos 51.°, 53.°, 56.° e 59.°
Poderia citar ainda, sr. presidente, outros concilios celebrados nas Gralhas, e mesmo no Oriente, em que tratando-se ou ex professo, ou por incidente, dos bens da igreja, se não encontra cousa alguma que contrarie a lei da desamortisação.
Mas, para não cansar a camara, indicarei apenas aos meus collegas o concilio alvernense (2.°), capitulo 13.°, e bem assim a carta do papa Symacho ad Caesarium episcopum, capitulo 1.°, omittindo outras de outros pontifices.
Ora note-se bem que nos concilios citados se trata da prohibição da alienação d'esses bens feita pelos bispos, e da prohibição aos mesmos bispos de applicarem o rendimento d'esses bens para outro fim que não fosse aquelle para que estavam applicados ou determinados.
Mas a respeito da desamortisação, como nós a considerámos aqui, como a nossa legislação a considera e sempre considerou, nem uma palavra que a condemne ou censure. Trata-se lá da administração dos bens pelo pessoal ecclesiastico, e principalmente da applicação do seu rendimento, a fim de não ser distrahido do seu legitimo fim; mas a respeito da desamortisação pelo poder civil no sentido que as nossas leis dispõem, e que aqui estamos discutindo, os meus illustres collegas nada encontram lá.
Prohibe-se aqui que os bispos lancem mão dos rendimentos da igreja para os applicarem fóra daquillo para que foram destinados.
Capitulo 15.° (leu).
Sobre desamortisação, nem uma palavra. Capitulo 16.° (leu).
Portanto já veem V. ex.ª, a camara e os meus collegas, que estranharam ver a minha assignatura no projecto sem declaração, que os concilios celebrados quer na peninsula e nomeadamente em Braga, quer nas Galhas, e mesmo no oriente, nem uma só palavra dizem a respeito de desamortisação.
Eu dei-me ao trabalho, como já disse, de percorrer os capitulos de todos os concilios, não encontrei lá cousa alguma que podesse fundar a asserção de que o artigo do projecto é attentatorio de todos os direitos da igreja.
Mas eu bem sei a que se refere quem sustenta aquella asserção. Refere-se ao concilio de Trento. Mas eu não posso deixar de citar á camara as proprias palavras do concilio de Trento.
Dizem os padres d'aquelle ultimo concilio ecumenico: «Si quem clericorum, vel loeicorum, quacumque is ãignitate, etiam imperiali, aut regali, praefulgent, in tantum malorum om-nium radix cupiditas occupaverit, ut... per se, vel alios, vi vel timore inconcusso, seu etiam per suppositas perso-nas clericorum, aut lceicorum, seu quacumque arte, aut quo-cumque quaesito colore in proprios usos convertere, illosque usurpare praesumpserit, seu impcdire, ne ab iis ad quos jure pertinent, percipiantur; is anathemati tamdiu subja-ceat, quamãiu...
O concilio, como v. ex.ª vê, sr. presidente, como vê a camara, anathematisa aquelle que converter em seu proprio uso, que usurpar os bens da igreja, que impedir sejam por ella auferidos os proventos d'esses mesmos bens.
Os padres anathematisam todo aquelle que, por si ou por outro, seja qual for o pretexto, converter em seu uso proprio os rendimentos da igreja.
Ora, pergunto eu. O estado pretende subtrahir um rendimento que até agora servia para subsidio da religião o para subsidio e instrucção do clero? Pretende tirar-lhe esse rendimento, esse subsidio? Não, de certo.
O projecto em discussão garante aos parochos 6 por cento, porque lhes dá em inscripções de 3 por cento a importancia da lotação em que estiverem os passaes, e depois reserva-lhes aquillo que a praça der.
Portanto, se o estado não quer converter em seu uso proprio esses bens, mas substitue apenas o rendimento desses bens, como podér concluir d'aqui que o concilio de Trento prohibe, sob a pena de anáthema, que sejam desamortisados os bens da igreja portugueza, não sendo a desamortisação outra cousa mais que uma permuta ou substituição d'esses mesmos bens? E quando se discutir o artigo 2.° do projecto eu mostrarei que as inscripções devem ser dadas pelo preço do mercado ao tempo da venda.
E aqui vem a proposito dizer, com referencia á questão previa do sr. Testa...
Vozes: — Deu a hora.
O Orador: — Como deu a hora, peço a v. ex.ª, sr. presidente, que me reserve a palavra.
O sr. Magalhães Aguiar: — Requeiro a v. ex.ª, sr. presidente, que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão, até se votar este artigo.
O sr. Presidente: — Não sei que possa consultar a camara sobre o requerimento do sr. deputado, se o orador pediu que lhe reservasse a palavra; entretanto ponho-a á votação (apoiados).
Vozes: — Não póde ser.
Outras vozes: — Votos, votos.
Outras: — Deu a hora.
(Susurro.)
O sr. Presidente: — Está levantada a sessão. A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada. Era pouco depois das quatro horas.