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que estes desde o começo da independencia têem procurado constantemente influencia no governo para defender aquillo a que chamam nossas instituições particulares.

É provavel que, depois de terminada a guerra da America, ainda fique em pé a questão do trabalho livre e do trabalho forçado, porque não está na força dos homens o preparar os climas para a sua organisação; n'uma parte trabalhará o branco, e n'outra o preto, mas em harmonia com as leis da humanidade e da liberdade, mas trabalhar sempre.

Termino as minhas observações desejando muito que o sr. ministro da marinha faça o regulamento com relação aos pretos, que tenha por base o trabalho, porque sem muito trabalho não pôde ter logar a producção em larga escala dos generos coloniaes, que hoje são procurados na Europa e que fazem parte, póde-se dizer, das nossas necessidades quotidianas. É isto não tem applicação só á sociedade africana. Hoje o trabalho é o elemento principal de prosperidade dos estados. O trabalho é a primeira das virtudes, e sem elle não ha nada.

O sr. Seixas aproveitou a occasião de fallar hontem nos negocios de Angola, para tecer elogios ao sr. ministro da marinha, em consequencia de ter encontrado em s. ex.ª muitos desejos e muitos esforços em favor das provincias africanas. Eu supponho que s. ex.ª tem feito o seu dever, assim como nós que o temos coadjuvado. Mas, apesar de ser deputado da opposição parlamentar, não posso deixar de aproveitar a occasião para fazer a s. ex.ª um elogio, porque o merece e está na minha consciencia dever faze-lo.

O sr. ministro da marinha portou-se excellentemente quando se tratou das eleições para deputados nas provincias ultramarinas para as proximas côrtes. Não exerceu pressão alguma sobre os governadores geraes, a administração continua regularmente, não ficaram intrigas de familia nem odios particulares, e foi indifferente a s. ex.ª que saíssem deputados os candidatos da opposição (apoiados). O illustre ministro cumpriu religiosamente a lei e portou-se como homem muito honrado (apoiados). Não posso deixar de lhe prestar este elogio, e oxalá que nas eleições proximas todos os seus collegas procedam da mesma maneira. O resultado foi que saíram eleitos deputados da opposição e deputados do governo; o serviço publico não soffreu cousa alguma e as auctoridades ficaram desaffrontadas e em circumstancias de poderem bem administrar e cumprir as ordens do governo, e nós nas circumstancias de lhe prestarmos o mesmo apoio quando for no interesse da causa publica. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — O governo mantendo desassombrada a liberdade da uma no ultramar, não fez mais do que cumprir o seu dever (apoiados). Agradeço cordealmente as expressões benevolas do nobre deputado; mas não posso aceita-las como exclusivo louvor. Os sentimentos que me guiaram são os de todos os meus collegas. O pensamento que me inspirou é o pensamento do governo. (Vozes: — Muito bem.)

Passemos á questão especial, aquella para que especialmente pedi a palavra. E a questão importante da escravidão nas provincias africanas, e a questão connexa do trabalho regulamentado. O governo nem descura, nem declina esta grave questão, ainda que de sua natureza seja extremamente melindrosa. Não me eximo a trata-la em qualquer occasião, toda a camara o tem presenciado. E permitta Deus que se ventile sempre com a extensão, o conhecimento, e placidez necessaria. Talvez que de não haver ella sido ainda sufficientemente tratada, tenham nascido muitas aberrações nocivas, muitos equivocos funestos!

«O trabalho é essencial á cultura e civilisação Africa,»

É, indubitavelmente. O trabalho é a condição fundamental de todas as sociedades, o tributo necessario da humanidade. O trabalho é o dever; mas o trabalho não é a escravidão (Muitos apoiados). O trabalho pôde ser obrigatorio sem ser escravo; pôde ser imposto sem ser inflingido. (Vozes: — Muito bem.) Na escravidão cessa o dever porque cessa a vontade. Fica apenas uma pena e uma victima. (Vozes: — Muito bem.)

Nenhuma sociedade passou do estado da barbarie ao da civilisação, sem ter seguido gradualmente differentes evoluções e successivas preparações. O que está acontecendo com a sociedade africana, é justamente o que já aconteceu com a sociedade europea. Passa-se da escravidão; da servidão sobe se á emancipação. Passa-se da escravidão para a servidão, isto é do trabalho escravo, ou a pena, para o trabalho obrigatorio, ou o dever. Essa é a transicção natural, essa é a elaboração historica. Mas não se confunda: a servidão tambem não é a escravidão! (Apoiados.) Não se queira continuar n'esse sophisma fatal de equivocar o trabalho obrigatorio com o trabalho escravo! (Apoiados.) A pratica feroz que faz do homem uma cousa não é compativel com o espirito e a missão d'este seculo. A doutrina da civilisação é outra: educar o homem para o trabalho, porque o trabalho o depura, o prepara e o melhora. Quer-se saber quaes são as idéas do governo? As idéas do governo são estas: não as encobre nem as dissimula.

Indubitavelmente, a Africa, para ser proficuamente explorada, precisa empregar os indigenas nas suas culturas e industrias (apoiados). Não se pôde imaginar o aproveitamento da Africa sem o aproveitamento d'esse trabalho. Esta a base da questão. No modo de resolve-la pôde unicamente versar a divergencia. Ha quem diga: «resolve-se unicamente vendendo e comprando braços, seja qual for o nome do contrato e o pretexto». Eu digo resolutamente, e digo o com o Evangelho, e digo-o com a rasão, e digo o com a justiça, e digo-o com a humanidade: anão, uma cousa é vender, outra cousa é civilisar». Até agora tem-se vendido, mas ainda não se civilisou. E não se tem civilisado justamente porque se tem vendido (apoiados).

Um meu antecessor n'esta administração, o nobre marquez de Sá da Bandeira, lavrando aquelle decreto regulamentar a que o illustre deputado se referiu, decreto que lhe faz a maior honra e só pôde envergonhar os que não souberam comprehende-lo para se utilisarem d'elle; lavrando, digo, aquelle decreto regulamentar que estabelecia as condições protectoras em que os proprietarios deviam receber os trabalhadores, levantou um padrão que não será dos menos gloriosos para o seu nome, abriu um exemplo que deve, que ha de ser imitado pelos seus successores. Foi a iniciação de uma grande reforma, desejo torna-lo bem patente á camara. Se alguma cousa ha a fazer, é completar aquelle pensamento, é converte-lo em legislação geral e permanente, é reduzi-lo a termos efficazmente praticos, criando a inspecção e visitação por commissarios do governo, cuja acção seja mais energica e menos nominal do que a das juntas protectoras dos escravos e libertos (apoiados), cuja responsabilidade possa em toda a occasião tornar-se effectiva, que percorram as plantações, que examinem e informem, que por este modo verifiquem a condição dos chamados libertos, dos trabalhadores engajados, da servidão preparatoria da liberdade, que tornem essa condição mais do que um nome, mais do que um titulo vão, mais do que uma apparencia irrisoria, que a façam emfim uma cousa real, demonstrável, util, esperançosa, boa para o presente, boa para o futuro!

Vozes: — Muito bem.

Querem-se braços, são urgentes braços. Aquelle decreto estabeleceria o modo justo de obte-los. Admire se o eloquente exemplo! Só um ou dois proprietarios os quizeram com essas condições, diz o illustre deputado. Alguns, mas poucos, direi eu. «Receiaram as intrigas, receiaram ser accusados de maltratar os negros », pondera o illustre deputado. Quem os intrigaria? O pobre servo boçal? Não. Receiavam não conservar a plenitude do dominio sobre o escravo. Recusavam-se ás condições que não fossem as do antigo senhor. Não é preciso mais para justificar a necessidade dos regulamentos. Não é preciso mais para certificar o estado verdadeiro da questão e dos espiritos. Não é preciso mais para evidenciar o que existe ainda sob o nome de libertos.

E todavia os que aceitaram as condições referidas não tiveram de que arrepender-se. Os mais illustrados, os mais humanos, são tambem os que mais têem lucrado. Não é já bastante esta pequena experiencia? Não é, porque a força dos preconceitos, e de preconceitos de seculos, é das mais obstinadas!

Citou s. ex.ª o exemplo dos estados americanos, procurou ali inquirir a vida domestica da escravidão. O exemplo é na verdade opportuno. As implacaveis paixões que n'essas regiões ensopam a terra de sangue e a semeam de cadaveres prova a inhumanidade, provocada pelo principio que hoje divide aquelles estados. A auctoridade mencionada pelo illustre deputado opporei eu tambem a auctoridade de um escriptor distinctissimo, que estudou as instituições americanas, que viu de perto a escravidão. Fallo de mr. de Tocqueville, um nome respeitado, um espirito convencido. Sabeis qual é a sua opinião? É que o trabalho livre produz sempre, produz em toda a parte, muito mais do que o trabalho do escravo (apoiados). Eis-ahi a escravidão condemnada, não já sómente pela humanidade, mas pela propria economia! (Apoiados.)

Não se julga sufficiente a auctoridade de Tocqueville?

Acrescentarei a de Geoffroy Saint-Hilaire, um propugnador da differença das raças, um investigador sem suspeita de negrophilo. Sabeis o que elle pedia para o Ínfimo africano? Uma tutella paternal. Vede a que distancia incommensuravel ficará a escravidão, e os seus sophismas, e os seus horrores. Com a tutella paternal se creará o trabalho obrigatorio. Cora a tutella paternal fundaram as antigas missões grandes estabelecimentos. Mas a tutella paternal não faz do homem mercadoria e propriedade de outro homem (apoiados); torna-o agente pensante da riqueza commum, membro da grande familia (apoiados).

A tutella paternal admitte a servidão, mas não pôde exclusivamente adaptar-se a perpetuar a escravidão. Não. Quem pensar que a tutella preparatoria pôde auctorisar ou encubrir a perpetuidade, a illimitação do dominio, engana se, ou engana os outros.

O sr. Sá Nogueira: — É uma transição.

O Orador: — E uma transição, transição necessaria disse já, transição indispensavel, mas unicamente transição, e como transição, temporaria e condiccional, estipulando-se n'ella toda a protecção, todo o amparo, todos os desvellos, todos os meios de esclarecer, educar e preparar, não já o escravo, mas o servo, para que elle possa para o diante entrar sem perigo no caminho da civilisação, para o tomar selvagem e faze-lo cidadão (apoiados).

No dia em que um grande numero de proprietarios quizer pôr em pratica francamente as boas condições regulamentares, no dia em que a administração tenha ali fiscaes seguros do cumprimento de taes condições, n'esse dia está creado o trabalho em Africa, está ganho um novo mundo. (Vozes: — Muito bem). Sei o que se objecta: a indolencia do negro, a sua rudeza, a sua falta de todas as noções da civilisação. Pois se lhe faltam é que importa dar-lhas. Pois para lhe crear tudo isso, que não tem, é a servidão preparatoria, mas servidão que não tenha já as condições da escravidão. Se o servo for, como é, como tem sido o escravo, apenas um instrumento de trabalho, um instrumento mechanico, sem se lhe communicarem affectos, sem se lhe despertarem interesses, em que mudará a sua feresa nativa? Será o homem da natureza, mal domado pela força, e por isso suspirando sempre pela sua isenção, e pelas suas florestas, em que ao menos vivia para sr. Conclue se que o negro repugna essencialmente ao trabalho, porque foge do trabalho em que nada lucra e tudo soffre. Tem-se ingenuamente por vicio da natureza o que é commum a toda a humanidade.

Dae aos brancos a vulgar condição dos negros, e vereis qual é o seu amor ao trabalho. Conservae-os na sua miseria e incultura originaria, e vereis se elles mostram espontanea diligencia para vos enriquecerem. O que se attribue ao negro está antes no modo porque o julgam sem olhar á vida que lhe dão. Em maior ou menor escala o negro é susceptivel de actividade e civilisação. Não o vemos ahi em tantos exemplos? Quaes se alegam em contrario? Já se tentou com a devida persistencia o ensaio que se condemna antes de se experimentar? Porque não terá o africano os naturaes incentivos dos outros homens? Porque não terá sequer os instinctos dos entes inferiores? Desconhecem lhes, cumprimem-lhes isso tudo por amor mal entendido e exclusivo do lucro, e querem ter homens civilisados! D'essa civilisação, a quem servem, e que lhes não serve, que tiram elles? Como hão de entende-la e ama-la? (Apoiados.)

Imaginae agora o africano devidamente tratado, vestido, vigiado, e educado, preparado emfim para a civilisação durante dez ou doze annos de uma servidão estabelecida em condições para isso calculadas e tornadas effectivas, tendo durante esse tempo contrahido os costumes da vida policiada. Quando sáe d'esse periodo vae fazer parte intelligente da sociedade, vae tornar se util, porque já conhece e aprecia o mundo em que vive, porque precisa trabalhar para conservar os costumes a que se avesou, satisfazer ás necessidades que contrahiu. Com o trabalho este servo pagou, e pagou largamente, ao amo que o empregou, essa aprendizagem, em que devem cooperar igualmente a humanidade e a religião. Creou riqueza, e fez se elle mesmo uma riqueza nova.

Ainda que se negue, ou se procure attenuar, é de todos reconhecido que a escravatura é mais um incentivo ás guerras do interior (apoiados). Se não é toda a causa d'ellas, faz-se estimulo para promove-las. D'ahi, e da mortalidade inherente á escravidão uma despopulação assombrosa, o augmento da ferocidade, a permanencia na bruteza, sem contar as atrozes vindictas. Organisae rasoavelmente o noviciado do trabalho a esses mesmos homens, tirae-lhes o gosto de vaguearem com o ensino e o conchego amoravel da familia, vinculae-os pelos laços da religião, e todos, todos com raras excepções, pelos seus vestidos, pelos seus alimentos, pelos seus prazeres até, se tornarão outros tantos consumidores, outros tantos elementos de commercio, do commercio mais seguro e pacifico do que o commercio dos sertões que despovoaes. Outra vez a economia confirmando a humanidade!

Será phantasia? Esta phantasia tem sido sempre uma realidade. Quantas regiões na Europa não foram já habitadas por tribus nómadas e bellicosas, sem mais noticia e amor da vida civilisada do que as hordas africanas? Para negar esta possibilidade tereis de negar todo o passado! (Apoiados.)

Pensa-se que o trabalho livre não produz em Africa? O trabalho livre produz em toda a parte, nem pôde deixar de produzir...

(Interrupção do sr. Joaquim Pinto de Magalhães.)

O Orador: — O trabalho livre é não só mais productivo, mas indubitavelmente mais atrahente, ou antes por ser attrahente é productivo. Porque não ha de o colono, alem do resgate, das reservas, do engajamento, tirar um interesse minimo que seja do lavor quotidiano? Vereis como o seu ardor se estimula. Seja menos intratavel a avidez do amo, seja menos absolutamente senhor, e ganhará muito mais. Ganhará mais interessando do que explorando. Mas se a exploração está nas tradições! Mas se o instrumento da exploração, o homem cousa, está tanto á mão, e custa tão pouco!

Pensa-se que não pôde haver na Africa trabalho livre! Mas s. ex.ª mesmo citou um exemplo concludente do contrario. E n'essa republica interior dos boers, muitos dos quaes directamente cultivam os seus campos, e levaram os costumes da sua patria ao interior dos sertões. (Interrupção.) E preciso applicar braços indigenas aos trabalhos indigenas! É. É direito dos proprietarios pedi-los; é dever do governo proporciona-los. Disse-o; repito-o. Mas não é menos necessario regulamentar, estabelecer as condições d'esse trabalho, ou antes a condição d'esses homens, acabar o cahos em que tem caído taes assumptos. E indispensavel definir tudo na nossa legislação, fazer cessar a confusão para fazer cessar os abusos, todos os abusos!

Mencionou o illustre deputado o que praticam os inglezes. Nas suas colonias as condições do trabalho estão geralmente reguladas. Tem pois o que nos falta. Prova-o a prosperidade a que chegam rapidamente. Mas que não estivessem reguladas essas condições, mas que se devessem notar graves exhorbitancias, parece-me que mais alguma cousa do que aberrações temos para copiar dos grandes povos, parece-me que um mal não desculpa outro, que o erro não absolve o erro.

A escravidão é o primeiro grau, o grau ínfimo na escala social. Não queiramos hoje, no seculo XIX, immobilisar a Africa n'esse grau. Que seria a Europa se tivesse pensado do mesmo modo quando vivia na mesma lei e com os mesmos resultados? Esta é a lição da historia. (Vozes: — Muito bem). Para condemnar a escravidão basta recordar que é a gémea da barbarie! (Apoiados). Quando não proceda d'ella, com ella vem a nivellar os mais florescentes estados. Olhae ainda para a pavorosa luta por sua causa travada no continente americano!

Avocou tambem s. ex.ª a emigração dos brancos para o Brazil, parecendo concluir que tem havido mais desvelo pelos negros do que por aquelles.

Têem-se dado effectivamente abusos crueis e vergonhosos na emigração clandestina dos europeus; mas não comparemos ainda assim, na generalidade, a sorte dos emigrados brancos com o commum dos escravos ou libertos ne-