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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 19 DE ABRIL DE 1861

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 69 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Vidal, Abilio, Ayres de Gouveia, Quaresma, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazziotti, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, A. V. Peixoto, Barão da Torre, Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Freitas Soares, Abranches, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Ferreri, Almeida Pessanha, Cesario, Claudio Nunes, Domingos de Barros, Poças Falcão, Coelho do Amaral, Borges Fernandes, Gavicho, F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Pereira de Carvalho e Abreu, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. da Costa Xavier, J. J. de Azevedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Torres e Almeida, Mello e Mendonça, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Alves Chaves, Figueiredo de Faria, Fernandes Vaz, Costa e Silva, Frasão, Alvares da Guerra, Rojão, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Menezes Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Camara Falcão, Alves do Rio, Mendes Leite, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Pinto de Araujo, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães, Charters, R. Lobo d'Avila e Thomás Ribeiro.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Brandão, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Seixas, Fontes Pereira da Mello, Mello Breyner, Pinheiro Osorio, A. de Serpa, A. X. Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão de Santos, Garcez, Albuquerque e Amaral, Beirão, Carlos Bento, Cyrillo Machado, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Bivar, Barroso, Fernandes Costa, Bicudo Correia, Gaspar Pereira, Guilhermino de Barros, Henrique de Castro, Medeiros, Blanc, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, João Chrysostomo, Mártens Ferrão, Fonseca Coutinho, Nepomuceno de Macedo, Albuquerque Caldeira, Joaquim Cabral, Matos Correia, Rodrigues Camara, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, José da Gama, Infante Pessanha, Sette, Luciano do Castro, J. M. de Abreu, Batalhós, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Camara Leme, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Vaz Preto, Miguel Osorio, Moraes Soares, Fernandes Thomás, Teixeira Pinto, Vicente de Seiça e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Antonio Eleutherio, Gonçalves de Freitas, Arrobas, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Lopes Branco, David, Barão das Lages, Oliveira e Castro, Pinto Coelho, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, Vianna, Pulido, Chamiço, Gaspar Teixeira, Silveira da Mota, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Simas, Veiga, Galvão, José Guedes, D. José de Alarcão, Casal Ribeiro, Latino Coelho, Levy Maria Jordão, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Manuel Firmino, Sousa Feio, Placido de Abreu e Simão de Almeida.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Um officio do ministerio da fazenda, acompanhando o officio do delegado do thesouro do districto do Funchal, em que faz diversas considerações sobre o excesso de algumas taxas da contribuição industrial; ficando assim satisfeito um requerimento do sr. Freitas Branco. — Para a secretaria.

2.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informada, uma representação em que a camara municipal de Leiria pede a concessão de um edificio nacional, para n'elle Restabelecer os paços do concelho e outras repartições. — Á commissão de fazenda.

3.º Uma representação da camara municipal da Feira, pedindo a construcção de, uma estrada d'aquella villa para o caes do Carvoeiro. — Á commissão de obras publicas.

4.º De cinco officiaes dos extinctos batalhões nacionaes moveis e fixos, organisados no Porto em 1832, pedindo uma reforma equivalente ás suas patentes. — Á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

5.º Da camara municipal de Agueda, pedindo a construcção da estrada d'esta villa para Tondella. — Á commissão de obras publicas.

6.º Dos amanuenses do conselho de administração de marinha, pedindo augmento de vencimentos. — Á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

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EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

Requeiro que, pelo ministerio da marinha, sejam remettidos, com urgencia, a esta camara os seguintes esclarecimentos:

Uma relação de todos os marinheiros da armada, aos quaes se tenham concedido baixa desde 1 de janeiro de 1863 a 31 de março de 1864; com a declaração das datas da entrada no serviço, e da nota da baixa, assim como das rasões por que esta lhes foi concedida. = O deputado por Villa do Conde, Freitas Soares.

Foi remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Quando, pela lei de 23 de novembro de 1859, se procedeu á divisão dos diversos circulos eleitoraes, resolveu-se, certamente com o intuito de arredondar o circulo da Ponta do Sol, n.° 156, destacar para elle a freguezia de S. Martinho, uma das que compõe ainda hoje o circulo do Funchal.

Para avaliar os inconvenientes que resultam d'esta divisão, basta reflectir que os portadores das actas da assembléa de S. Martinho são obrigados para o effeito do apuramento a fazer um trajecto de cinco leguas até á cabeça do circulo por caminhos quasi impraticaveis.

Não podendo ser esta a mente do legislador, não havendo nenhuma rasão de interesse publico para continuar esta distribuição, antes sendo da conveniencia dos povos que a referida freguezia fique fazendo parte do circulo do Funchal, tenho a honra de propor á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A freguezia de S. Martinho, no circulo do Funchal, fica pertencendo ao circulo eleitoral n.° 153.

Art. 2.° O circulo eleitoral n.° 156 fica constituido com as freguezias de que actualmente se compõe, excepto a de S. Martinho.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara, 11 de abril de 1864. = O deputado por Ovar, Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos.

Foi admittido e enviado á commissão de estatistica.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Estando construido o caminho de ferro do norte de Lisboa ao Porto, e de lesto de Lisboa a Elvas; o do sul de Lisboa a Beja com os ramaes de Setubal e de Evora, cumpre submetter á vossa esclarecida consideração um projecto de lei que auctorise o governo a contratar a construcção do caminho de ferro da Beira, entroncando no caminho de ferro do norte nas immediações de Coimbra e terminando na raia o mais proximo possivel da praça de Almeida.

Este caminho, todos o reconhecem, devêra ter sido o primeiro construido em Portugal, porque teria percorrido o coração do paiz, e fóra, como ha de ser um dia, o nosso unico rasoavel caminho europeu.

Escusado parece lembrar agora quantas riquezas encerram em si os extensos valles das Beiras.

Quantos productos agricolas a natureza repartiu pelas differentes provincias d'esta nação, acham-se reunidos ali. Gados de todas as especies os melhores para trabalhos e os mais saborosos para consumo. Matas, de que tanta escassez se vae sentindo n'estes reinos, não tem tantas nem tão ricas nenhuma outra provincia de Portugal.

Nas abas da serra da Estrella as riquissimas fabricas de fiação e de tecelagem da Covilhã, de Gouveia, de Mello, de Nabais, de Rio torto, de Loriga e quantas outras a regorgitarem de productos e a pedirem um meio de transporte que as apresente nos mercados em condições favoraveis. Vinhos, ha os na Beira de tão boa qualidade, que o Douro os manda lá comprar e conduzir para a Regua, a fim de os exportar como seus pela barra do Porto.

Acresce ainda serem as Beiras das provincias mais populosas de Portugal; e tanto que, apesar do successivo desenvolvimento da sua agricultura, ainda assim se observa todos os annos uma consideravel emigração para o Brazil, para a Africa, e principalmente para as provincias do Alemtejo onde uma grande parte da cultura e colheita é feita por braços beirões.

Temos á vista um mappa estatistico da população de Portugal, confeccionado pelos inspectores de pesos e medidas em 1862; e ainda que o não considerámos de todo o ponto exacto, porque este trabalho só agora se está aperfeiçoando, póde dar-nos uma amostra da população da Beira.

Passa por ser a provincia do Minho a mais populosa de Portugal, é porém certo que por aquelle documento os dois districtos do Minho, Braga e Vianna contam 502:519 habitantes, emquanto os dois districtos da Beira, Vizeu e Guarda, contam 538:735, o que dá em favor 36:216 habitantes.

Por todos estes motivos, e pelos mais que não serão estranhos á vossa elevada consideração, e porque já em differentes epochas o governo, reconhecendo a indispensabilidade d'este caminho, mandou proceder a estudos que deram em resultado dois projectos, temos a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar de preferencia a qualquer outro a construcção do caminho de ferro da Beira, entroncando no caminho de ferro do norte nas immediações de Coimbra, e approximando-se do reino de Hespanha nas cercanias de Almeida, ficando auctorisado desde já a fazer os estudos definitivos.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a contratar com o governo hespanhol o entroncamento do caminho de ferro da Beira no caminho de ferro de Hespanha que mais se approximar de Almeida, e que mais convenha a ambos os paizes.

Art. 3.º Os preços das tarifas de transportes de passageiros e mercadorias não devem exceder os do caminho de ferro do norte.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 9 de abril de 1864. = Thomás Ribeiro = A. J. Ferreira Pontes = A. de Gouveia Osorio = José Joaquim Fernandes Vaz = Bernardo José de Almeida e Azevedo = Caetano Maria Ferreira da Silva Beirão = Antonio Abilio Gomes de Castro = Bernardo de Albuquerque e Amaral = Henrique de Castro = Francisco Antonio Barroso = Manuel José de Sousa Junior = José de Oliveira Baptista = José Maria de Abreu = Ricardo Guimarães = Joaquim Mendes Neutel = Antonio Pinto de Albuquerque Mesquita e Castro = João Sepulveda Teixeira = Carolino de Almeida Pessanha = Lauriano F. da Camara Falcão = Antonio Augusto Soares de Moraes = A. V. Peixoto = Antonio Mazziotti = José Augusto Ferreira Veiga = Pedro Augusto Monteiro Castello Branco.

Foi admittido e enviado á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

O sr. Mello e Mendonça: — Mando para a mesa o seguinte

REQUERIMENTO

Requeiro que se consulte a camara se quer que se discuta o projecto n.° 23, de 1863, que já foi dado para ordem do dia. = Mello e Mendonça.

Foi admittido e logo approvado.

O sr. Pinto de Araujo: — Lembro a v. ex.ª a necessidade que ha de que, antes de se passar á discussão de qualquer projecto que possa ter logar na primeira parte da ordem do dia, se dê a palavra aos srs. deputados que estão inscriptos para antes da ordem do dia.

Ha muitos srs. deputados inscriptos, e entre elles eu que tenho ha muito tempo necessidade de fazer algumas considerações á camara, e ainda não me tem sido possivel por não se conceder a palavra antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Depois da discussão d'este projecto então darei a palavra aos srs. deputados que a têem para antes da ordem do dia.

Entrou em discussão o

PROJECTO DE LEI N.° 23

Senhores. — Á vossa commissão do ultramar foram presentes o projecto de lei n.° 36 - F do sr. deputado Joaquim José Gonçalves de Matos Correia, para se tornar applicavel aos officiaes de artilheria de Macau o disposto na carta de lei de 18 de abril de 1859, que regulou as gratificações dos officiaes de artilheria do exercito de Portugal, e o projecto n.º 73-C do sr. deputado Joaquim Manuel de Mello e Mendonça, para serem applicadas as mesmas disposições da lei aos officiaes de artilheria dos estados da India.

A commissão, considerando que a respeito dos officiaes da arma de artilheria dos estados da India e do estabelecimento de Macau se dão as mesmas condições que nos officiaes de artilheria do exercito de Portugal determinaram a necessidade de estabelecer as gratificações que foram fixadas para os officiaes d'esta arma scientifica em harmonia com as estabelecidas para a arma de engenheria;

E attendendo a que, uma vez que aos officiaes de engenheria dos estados da India é applicada a legislação que, regula as gratificações dos officiaes de engenheria do exercito de Portugal, não póde haver motivo para que igualmente se não applique aos officiaes de artilheria da India e de Macau a legislação que regula as gratificações dos officiaes da mesma arma do exercito de Portugal, é a commissão de parecer, de accordo com o governo, que seja approvado o seguinte projecto de lei;

Artigo 1.° São extensivas aos officiaes de artilheria dos estados da India e do estabelecimento de Macau as disposições da carta de lei de 18 de abril de 1859, que estabeleceu gratificações correspondentes ás patentes e commissões do serviço dos officiaes de artilheria do exercito de Portugal.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão do ultramar, em 30 de janeiro de 1863. = Antonio Maria Barreiros Arrobas, presidente = Antonio José de Seixas = Bernardo Francisco de Abranches = José Paes de Faria Pereira = Ricardo Augusto Pereira Guimarães = Joaquim Manuel de Mello e Mendonça = Henrique de Castro = Joaquim José Rodrigues da Camara = Joaquim Pinto de Magalhães = Antonio Julio de Castro Pinto de Magalhães = Francisco Luiz Gomes.

O sr. José de Moraes: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de adiamento.

Pela leitura rapida que d'este projecto se fez na mesa parece-me que elle não póde ser votado pela camara sem que se observem as votações, que têem sido feitas pela camara e constam da acta n.° 90 de 11 de maio de 1850, e da acta da sessão de 13 de março de 1863. Esta ainda não é muito velha.

N'esta sessão decidiu a camara, quasi por unanimidade, que todos os projectos que importassem augmento de despeza fosse sobre elles ouvida a commissão de fazenda; e portanto proponho o adiamento d'este projecto até que seja ouvida a commissão de fazenda.

O sr. B. F. de Abranches: — Peço a palavra.

O Orador: — Eu já sei o argumento com que o illustre deputado vem combater a minha proposta de adiamento; vem dizer que este projecto diz respeito ao ultramar, e que por isso não deve ser ouvida a commissão de fazenda.

O sr. B. F. de Abranches: — Apoiado.

O Orador: — Eu já previa este argumento. O illustre deputado ha de dizer que este projecto diz respeito ao ultramar, e que por consequencia a camara nada tem com isso; mas perdôe-me: o que nós votámos já em 1853, e depois ainda no anno passado, foi — que todo o projecto que importasse augmento de despeza não podesse ser votado sem ser ouvida sobre elle a commissão de fazenda, e não se fez excepção alguma, se pertenciam ou não ao ultramar. Mando portanto para a mesa a seguinte.

PROPOSTA

Proponho o adiamento do projecto de lei n.° 23, de 1863, até que seja ouvida a commissão de fazenda. = José de Moraes.

(Continuando.) A camara votará como entender; mas eu hei de ser sempre coherente com os meus principios.

Foi apoiada a proposta, e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Affonso Botelho: — Eu professo a maior sympathia por tudo o que diz respeito ás nossas colonias; e tudo o que se disser a respeito d'ellas não póde ser indifferente, comquanto, ás vezes, não lhe prestemos toda a attenção que este importante assumpto merece.

Convem ser muito cauteloso em qualquer alteração que se queira fazer nos assumptos militares das provincias ultramarinas, porque a organisação militar d'ellas é a segurança das mesmas colonias, e talvez a primeira base sobre que deve formar-se a civilisação e os estabelecimentos de que ellas precisam.

Tenho a mais decidida sympathia pelo projecto, mas acho-o de uma tal ordem superior que não me parece que seja admissivel trata-lo isoladamente, e, por assim dizer, sobre o joelho. Voto portanto pelo adiamento d'este projecto, abstendo me de fazer mais algumas considerações, porque não pretendo enfadar a camara, e menino para ser coherente com o que tenho sempre sustentado, que é o aproveitamento do tempo para os grandes negocios do continente. Prestando a devida homenagem aos principios, comquanto o projecto mereça as minhas sympathias, entendo que não póde ser tratado sem que esteja presente o sr. ministro da marinha, que tome em consideração as suas relações com os estabelecimentos militares das outras colonias, e sem que esteja tambem presente o sr. ministro da fazenda.

Voto portanto o adiamento proposto pelo sr. José de Moraes, acrescentando lhe, que é necessario que estejam presentes os srs. ministros da marinha e da fazenda.

O sr. Ricardo Guimarães: — Entendo que todos nós devemos caprichar em respeitar os precedentes da camara.

A camara resolveu que não fossem admittidos á discussão os projectos que trouxessem augmento de despeza sem primeiramente ser ouvida a commissão de fazenda, mas note v. ex.ª e a camara que a commissão de fazenda não é consultada sobre as despezas que sáem do orçamento ultramarino; e portanto cáe pela base a objecção apresentada pelo illustre deputado o Sr. José de Moraes.

Isto é só uma explicação á camara, porque se effectivamente este negocio tivesse relação com as despezas do continente, sobre as quaes é sempre ouvida a commissão de fazenda, não havia empenho de se votar por surpreza.

Este projecto está dado ha já muito tempo para ordem do dia, a sua discussão agora não é surpreza alguma, e mesmo a commissão de fazenda não tem de interpor o seu parecer sobre elle.

Digo isto como uma explicação, e concluo dizendo que sobre este projecto já foi ouvido o sr. ministro da marinha, que concordou com elle; e portanto não ha objecção alguma para que elle se discuta agora.

O sr. Castro Ferreri: — A commissão de fazenda declara que este projecto, relativamente ao ultramar, não lhe seja remettido, porque é objecto que não pertence ao continente. É verdade; mas note v. ex.ª e a camara que o sr. Matos Correia, que é membro da commissão de marinha, por occasião da discussão dos subsidios, que se dão ás nossas differentes colonias, apresentou uma circumstancia mui attendivel, disse: «O governo apresenta subsidios para as nossas possessões; mas no orçamento ha deficits extraordinarios, e os subsidios que se apresentam não cobrem esses deficits».

Portanto, sr. presidente, já se vê que este projecto tem relação com elles, e tem relação com os meios, e é preciso que se veja se os ha ou não. As commissões de marinha e orçamento já disseram que o que lá ha não chega para despezas ordinarias, e por isso se vem depois dizer = que é preciso mais cento e tantos contos: alem da somma consideravel proposta pelo governo como subsidios =. Como acaba de dizer o sr. Matos Correia, já se vê que este projecto é de despeza, é de meios, não é outra cousa.

Eu não vou de encontro a que os officiaes de artilheria da India e Macau tenham uma gratificação, e que em logar de uma tenham tres; mas o que pretendo saber é se a receita comporta essa despeza. Se o governo entender que lh'as póde dar, que lh'as dê, mas a minha mira é a economia e o orçamento, a fim de que não haja desfalque na fazenda.

A despeza no ultramar tem augmentado consideravelmente, como prova o orçamento d'este anno comparado com o orçamento dos outros annos, aonde ha uma differença para mais muito importante.

Não vamos augmentar a despeza, não nos vamos forçar a votar subsidios para fazer face a essas despezas. A metropole é que ha de votar meios para lhe fazer face. Alem d'isso ha uma grande differença sobre o estado de Goa e de Macau. Macau é um paiz caro; Goa, quando eu lá estive, e não sei se ainda acontece o mesmo, é muitissimo barato, e, como o sr. deputado sabe, faz differença para Macau de 60 por cento. Logo é preciso fazer se justiça, é preciso dividir, e ver qual a gratificação que corresponde aos officiaes de artilheria de Goa e de Macau.

Eu desejo que os officiaes em geral, da India e de Macau, tenham 2:000$000 réis, por hyperbole, se os podem ter, vendo-se comtudo se ha meios necessarios para fazer face a essas despezas e se são essenciaes e justas. Mas o sr. mi-

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nistro da marinha vem differentes vezes pedir subsidio?, e tenho pena que não esteja presente o sr. Sá Nogueira que disse que = eram para melhoramento das colonias =, e depois um outro sr. deputado disse que = eram para despezas correntes =. Ha um deficit portanto, e já se vê que, dando-se 400:000$000 réis para despezas correntes, as nossas colonias ficam no mesmo estado em que existem e não ha melhoramento de qualidade nenhuma. Portanto digo que se pôde augmentar esta despeza, não me opponho a Isso; mas não quero augmentar a despeza com o ultramar, vindo-se depois á metropole pedir meios para fazer face a essa despeza. Se esses meios fossem para fortificar as nossas fortalezas, para augmentar a agricultura e o commercio, d'ahi poderia vir alguma prosperidade ao paiz; mas sendo para despezas correntes, ficam as colonias no estado em que estão; se estão más, más ficam.

Se os illustres deputados dizem que estas gratificações não sobrecarregam a fazenda de Macau, e que ss. ex.ª não vem solicitar subsidios, estamos perfeitamente de accordo, e aqui está o sr. Francisco Luiz Gomes, deputado por Salsete, que concebe a mesma idéa. O sr. F. L. Gomes: — Peço a palavra. O Orador: — O que não quero é augmentar despezas com o meu voto; que haja desfalque na fazenda, para que a metropole não tenha que preencher depois qualquer lacuna que houver. Se as colonias, a que as gratificações se referem, têem augmento de receita sufficiente para fazer face a essa despeza, muito bem, se não a têem não voto nem 5 réis.

O sr. José de Moraes: — Começo por declarar a v. ex.ª e á camara, que não venho fazer surpreza alguma. Se a houve foi de quem pediu que o projecto entrasse em discussão, Bem se saber se tinha sido dado para ordem do dia. Uma voz: — Veja a pauta.

O Orador: — E com isto respondo ao meu particular amigo, o sr. Ricardo Guimarães.

Voto a favor do adiamento, porque não me provou nenhum sr. deputado do ultramar que as nossas colonias estivessem em tal felicidade e estado prospero, que a receita publica desse para estas gratificações.

Ainda hontem ouvi aqui dizer, que se votam grandes subsidios para as nossas colonias; e disse-se tambem, que essas sommas que se votaram não eram tão sómente para melhoramento das nossas colonias, mas para cobrir o deficit que em algumas existe. De maneira que nós, votando este projecto, votâmos tambem que d'esses subsidios se pague a despeza proveniente da sua approvação.

A idéa que a camara tem seguido é que sobre qualquer parecer que lhe for apresentado, em que houver augmento de despeza, seja sempre ouvida a commissão de fazenda. A camara porém, querendo, pôde reconsiderar e conceder este favor...

O sr. Mello e Mendonça: — E pura justiça.

O Orador: — Eu entendo que se faz um favor se acaso se votar sem que seja ouvida a commissão de fazenda.

Eu desde já declaro não tomar mais a palavra sobre este projecto. Voto contra elle, porque traz augmento de despeza, e as nossas colonias, longe de nos darem rendimento, tiram-nos grossas sommas.

O sr. Mello e Mendonça: — Macau não tira nada.

O Orador: — Diz o illustre deputado que Macau não tira nada; mas o rendimento de Macau é absorvido pelas outras nossas colonias em larga escala, alem de votarmos para ellas todos os annos centenares de contos de réis.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Approvo o projecto, porque me parece justo e porque a despeza d'elle proveniente é insignificante, e mesmo porque nas colonias a que o projecto se refere ha um saldo que de certo chega para cobrir essa despeza.

Pedi a palavra simplesmente para dizer que voto contra o adiamento, sem com isto pretender sanccionar o principio de que os projectos do ultramar que envolvem augmento de despeza não devam ir á commissão de fazenda. Este projecto porém está ha muito tempo dado para ordem do dia; a despeza de que elle trata é insignificante, e eu não quero pôr embaraços á discussão. Mas peço a v. ex.ª que quando se apresentarem questões d'esta ordem, em que se trate do augmento de despeza, nunca deixem de ser enviadas á commissão de fazenda.

Diz-se que = a commissão de fazenda não conhece do orçamento do ultramar, e que por isso não deve ser ouvida sobre este projecto =. Ora eu já em alguns annos tive a honra de fazer parte da commissão de fazenda, e approvei e vi serem approvados pela camara muitos projectos em que se pediam centos de contos de réis para o ultramar...

Uma voz: — São subvenções.

O Orador: — Chamem lhe subvenções, subsidios ou o que quizerem; o que é certo é quê a camara tem votado muitos centos de contos de réis do thesouro publico para as nossas colonias, quantias que custam avultadíssimos sacrificios. Bom é pois que se estabeleça o principio de que não se discuta projecto algum que envolva augmento de despeza sem que passe pela commissão de fazenda; mas digo isto unicamente para o futuro, limitando me por agora a pedir a v. ex.ª que dê esta direcção a negocios similhantes.

Isto é um simples pedido, que não tende de fórma alguma a embaraçar a discussão d'este projecto, e concluo votando contra o adiamento.

O sr. Matos Correia: — Eu entrei na sala na occasião em que esta discussão se achava já bastante adiantada; todavia, pelo que acabei de ouvir ao illustre deputado o sr. Aragão Mascarenhas, vejo que ha apprehensões de que as despezas de ultramar cresçam alem do que convem ao interesse publico se não forem examinadas pela commissão de fazenda. Permitta-me o nobre collega que eu não partilhe esta doutrina.

Sr. presidente, as propostas sobre objectos do ultramar, qualquer que seja o ramo do serviço publico a que pertençam, tragam ou não tragam augmento de despeza, são examinadas detidamente e estudadas com todo o cuidado pela commissão competente, que é a commissão do ultramar. Tenhamos bem em vista que não é a commissão de fazenda d'esta camara a competente para o exame de taes assumptos; é a commissão do ultramar, e nenhuma outra.

Se houvesse de ser ouvida a commissão de fazenda, como propõem os illustres collegas, sobre os assumptos relativos ás provincias ultramarinas quando importam augmento de despeza, ella difficilmente poderia satisfazer a este novo encargo, não obstante o reconhecido zêlo e boa vontade de todos os seus membros. E não podia satisfazer, porque lhe faltava o tempo, alem de lhe ser indispensavel estudar em todas as suas partes e relações os recursos e necessidades nimiamente variadas e complexas de cada uma das provincias.

É a commissão do ultramar, composta de todos os deputados por aquellas provincias, que examina os orçamentos correspondentes, e que em virtude d'este estudo e pelos conhecimentos especiaes que quasi todos os seus membros possuem do ultramar, por haverem lá funccionado ou vivido, a que pôde com mais conhecimento de causa informar sobre a conveniencia e possibilidade de quaesquer despezas. Entendo pois que não é conveniente que o projecto vá á commissão de fazenda, e pôde ser mesmo prejudicial porque isto importa um adiamento que se pôde tornar indefinido, e no qual vae muitas vezes envolvida a idéa (como todos sabemos) de pôr de parte a questão; o que a dar-se neste caso, seria contrario ao interesse publico e opposto aos principios da justiça.

Emquanto á materia do projecto, todos sabem que se reduz a dar aos officiaes de artilheria dos estados da India e de Macau as gratificações que se concederam aos officiaes da mesma arma no exercito de Portugal. Porque motivo se deram estas gratificações aos officiaes do continente? Foi porque sem ellas não podia haver officiaes de artilheria sufficientemente habilitados. Deram-se, porque é difficil obter todas as habilitações que a lei exige, e que são indispensaveis aos officiaes de artilheria, para que esta arma scientifica possa desempenhar cabalmente as importantes commissões a que é destinada. Foi um acto indispensavel. Não foi um favor feito aos individuos. Se houve favor foi feito ao serviço publico, e nada mais.

Ora sendo isto assim, e sendo certo que o projecto tem só em vista conceder gratificações aos officiaes de artilheria da India e de Macau, como já ali se concederam aos engenheiros, e no continente aos officiaes de todas as armas scientificas; porque motivo se ha de impugnar o projecto em discussão? Não vejo motivo plausivel para tal impugnação. As circumstancias são as mesmas.

Pelo que respeita ao estado da fazenda publica nas duas provincias a que se refere o projecto em discussão, os estados da India e de Macau, todos sabem que na primeira as receitas cobrem as despezas, e que na segunda as excedem bastante. E embora no orçamento da India appareça o deficit de uns 15:000$000 réis, eu estou bem persuadido de que este deficit é mais nominal do que verdadeiro (apoiados); e digo mais, que se eu estivesse persuadido de que o deficit não era nominal, seria o primeiro a não approvar ali augmento algum de despeza, emquanto se não fizesse desapparecer um deficit que não poderia justificar-se, attentas as circumstancias normaes em que se acha aquella provincia.

Emquanto a Macau, os saques que se têem feito sobre os seus cofres montam a dezenas de contos de réis nos ultimos annos; e ainda na sessão passada se levantou um emprestimo de 400:000$000 réis para ser pago pelo excedente das suas receitas e applicado a construcções navaes. Não nos pôde pois entibiar o receio da falta dos meios, emquanto as despezas que votarmos forem applicadas em proveito d'aquelle bello e importantissimo estabelecimento. Não será pois o receio do deficit rasão que possa colher e ser apresentada seriamente como meio de se impugnar o projecto que se acha em discussão.

Entendo pois que não podemos deixar de approvar o projecto sem desconhecermos os principios da justiça: e ainda mais, sem descurarmos o interesse publico, porque o seu fim é o aperfeiçoamento da força militar, e não o interesse particular de alguem.

Eu, sr. presidente, desde que tive a honra de tomar assento n'esta camara, conservo a firme persuasão, tenho a intima convicção de que nunca tratei questão nenhuma em sentido de interesse particular (apoiados); posso dizer desaffrontadamente que nunca tratei questões senão no sentido do interesse publico. Sem as gratificações que se propõem, poderá haver officiaes de artilheria praticos exercitados para o desempenho do serviço ordinario, mas nunca officiaes devidamente habilitados com o curso da arma e com todo o saber indispensavel para o bom e completo desempenho das commissões delicadas e importantes a que são destinados.

Direi ainda duas palavras sobre uma idéa que nestes ultimos dias parece haver preoccupado alguns dos meus illustres collegas, e é—poderem os projectos da iniciativa dos deputados ter por fim reservado algum interesse eleitoral. N'esta parte posso dizer sem a menor hesitação, e com toda a isenção, o mesmo que ha pouco disse com relação aos fins de utilidade publica do projecto que se discute.

Em primeiro logar direi, que já ha perto de um anno me acho eleito deputado para a nova legislatura; e em segundo, que na provincia, que tenho a honra de representar n'esta casa do parlamento, são inteiramente desconhecidos, honra seja feita aos seus habitantes, estes expedientes a que chamámos eleitoraes. Macau é uma cidade tão civilisada como o são Lisboa e o Porto; e os portuguezes que n'ella habitam têem todos subida illustração, e a independencia que se não encontra em toda a parte, e que é indispensavel para se resistir dignamente ás pressões do governo quando as haja, e ás suggestões de influencias individuaes que se queiram mostrar agradecidas por favores pessoaes. Isto sabem no todos os que conhecem Macau, sabem que não seria favor feito a dois ou tres individuos, se favor podesse haver nas disposições do projecto que poderia ter um valor qualquer no resultado geral das eleições.

Nos estados da India dá-se tambem, alem de outras, a circumstancia de se acharem as eleições já ultimadas.

Estimo poder dizer n'este logar, aonde sou ouvido pelo paiz, que as reeleições successivas com que tenho sido honrado pelos habitantes de Macau dão prova evidente da sua independencia, e são a consequencia da opinião favoravel que têem formado do desejo que me anima de servir o paiz. Esta deferencia, direi mesmo, este favor delicado, lisongeia-me grandemente; porque nada satisfaz mais o legitimo amor proprio do que conseguir se a confiança e a sympathia das pessoas a quem respeitámos, pela elevação dos sentimentos e a independencia do caracter.

O sr. Visconde de Pindella: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

Julgou se discutida; e sendo rejeitado o adiamento, foi logo approvado o projecto.

O sr. Matos Correia: — Ha um projecto identico a este, que está tambem dado para ordem do dia, que é para o augmento de gratificações alimenticias aos officiaes do batalhão de Macau. Por consequencia, se podesse ser, pedia que se discutisse agora.

O sr. Presidente: — Vão ler-se as pareceres sobre as alterações estas na camara dos dignos pares a dois projectos que foram approvados nesta sessão, e que estão dados para ordem do dia ha muito tempo. São os pareceres n.°s 30 e 31 da presente sessão.

Leu-se na mesa o seguinte

PARECER N.° 30

Senhores. — A vossa commissão de marinha, tendo examinado o additamento, feito na camara dos dignos pares do reino ao projecto de lei approvado n'esta camara, e que tem por fim contar-se ao primeiro tenente da armada Francisco Teixeira da Silva a antiguidade do posto de segundo tenente, da data em que completou tres annos de embarque fóra do Tejo, é de parecer que o additamento deve ser approvado.

Sala da commissão, em 2 de março de 1864. = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = Joaquim José Rodrigues da Camara = Fernando de Magalhães Villas Boas—D. Luiz da Camara Leme = Levy Maria Jordão.

Alterações feitas pela camara dos pares do reino na proposição de lei da camara dos senhores deputados, datada de 19 de janeiro ultimo, sobre o modo de contar a antiguidade ao primeiro tenente da armada Francisco Teixeira da Silva.

Artigo 1.° Será contada ao primeiro tenente da armada Francisco Teixeira da Silva a antiguidade do posto de segundo tenente, desde o dia em que completou tres annos de embarque fóra do Tejo.

§ unico. O governo procederá de igual fórma para com os officiaes da armada que, sendo guardas marinhas, foram promovidos a segundos tenentes por decreto de 6 de novembro de 1851, epocha em que foi promovido este official.

Art. 2.° Approvado.

Palacio das côrtes, em 23 de fevereiro de 1864. = Julio Gomes da Silva Sanches, vice-presidente supplementar = Conde de Peniche, par do reino secretario = Conde de Mello, par do reino secretario.

Foi logo approvado.

Leu-se na mesa o seguinte

PARECER N.° 31

Senhores. — A vossa commissão de marinha, tendo examinado as alterações feitas na camara dos dignos pares do reino ao projecto de lei approvado n'esta camara, e que tem por fim promover a cirurgião de divisão da armado o cirurgião de brigada Joaquim Antonio dos Prazeres Batalhós, é de parecer que deve ser approvado o projecto com as referidas alterações.

Sala da commissão, em 2 de março de 1864. = Joaquim José Rodrigues da Camara—Fernando de Magalhães Villas Boas—D. Luiz da Camara Leme = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = Levy Maria Jordão.

Alterações feitas pela camara dos pares do reino na proposição de lei da camara dos senhores deputados, datada de 19 de janeiro ultimo, que auctorisa o governo a promover a cirurgião de divisão da armada o cirurgião de brigada graduado Joaquim Antonio dos Prazeres Batalhós.

Artigo 1.° É auctorisado o governo a promover a cirurgião de divisão da armada o cirurgião de brigada graduado, servindo no hospital de marinha, Joaquim Antonio dos Prazeres Batalhós, ficando separado do quadro effectivo dos cirurgiões da armada para todos os effeitos legaes.

Art. 2.° Approvado.

Palacio das côrtes, em 27 de fevereiro de 1864. = Julio Gomes da Silva Sanches, vice-presidente supplementar = Conde de Peniche, par do reino secretario = Conde de Mello, par do reino secretario.

Foi logo approvado.

O sr. Camara Leme: — Pedi a palavra para um requerimento, a fim de instar de novo com v. ex.ª para dar para discussão o projecto n.° 23 d'esta sessão, que trata da interpretação da carta de lei de 8 de julho de 1863, a respeito da reforma dos officiaes do exercito. E um projecto essencialissimo, e do qual é preciso que a camara se occupe com brevidade, por isso que se votou uma lei n'uma

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certa intenção, e pela redacção de um dos seus artigos não pôde ser applicada conforme foi a intenção da camara. Por isso pedia a v. ex.ª que, logo que tivesse occasião, desse este projecto para discussão.

O sr. Presidente: — Esse projecto está dado para ordem do dia.

O sr. Camara Leme: — E um projecto de interesse geral e de justiça, que deve preferir a muitos outros que estão dados para ordem do dia.

O sr. Presidente: — Estes projectos estão dados para ordem do dia; e pelo facto de estarem dados para ordem do dia é obrigação da mesa ir submettendo-os á discussão successivamente e segundo a sua ordem; e por isso parecera-me desnecessarios os requerimentos para preferencia. Isto é o mais regular (apoiados).

O sr. José de Moraes: — V. ex.ª fez muito bem em pôr á discussão os dois pareceres que estavam dados para ordem do dia, que versavam sobre algumas alterações que vieram da camara dos dignos pares; porém ha o projecto n.° 94, de 1863, que, se a memoria me não falha, está dado para ordem do dia, e que trata de alterações feitas na camara dos dignos pares. Por consequencia parecia-me conveniente, isto quando V. ex.ª quizer, porque não tenho desejo que elle se discuta, visto que se votaram estes dois projectos, se votasse tambem este.

O sr. B. F. de Abrantes: — O meu requerimento formulou-o V. ex.ª Eu desejo que esta camara se occupe antes da ordem dia dos projectos que v. ex.ª tem dado para discussão, mas pela ordem com que foram dados.

O sr. Castro Ferreri: — Peço a v. ex.ª que vá dando para discussão os projectos como v. ex.ª entender, sem haver esta interrupção excessiva, porque isto assim não é possivel.

Ha certos projectos dados para ordem do dia; e depois os srs. deputados vem pedir que se discuta este ou aquelle, e está-se d'esta fórma sempre a interromper a ordem. Isto não é possivel.

Estando presente o sr. ministro das obras publicas, eu pedia a v. ex.ª que consultasse a camara se ella permittia que eu dissesse duas palavras, porque tenho a palavra ha vinte dias para este fim, e ainda não me pôde chegar.

O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão o projecto de lei n.° 127, do 1862.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 127

Senhores. — A commissão de guerra examinou o requerimento de Antonio José Antunes Guerreiro, coronel do regimento de cavallaria n.° 6, pedindo, pelos motivos que allega, que se lhe conte, para o effeito de reforma, a antiguidade do posto de major de 5 de setembro de 1837.

O coronel Guerreiro foi promovido a major, governador da praça de Villa Nova da Cerveira, por decreto de 8 de junho de 1836, e pela carta de lei de 26 de março de 1845 foi de novo restituído ao exercito, contando a antiguidade de major da data da lei que o restituiu.

Se o supplicante não tivesse passado aquella posição deveria ter sido promovido a major na promoção de 5 de setembro de 1837, por lhe pertencer em concorrencia de antiguidade com os officiaes da sua classe.

Como passou porém aquella posição não teve isso effeito, nem pôde ser posteriormente indemnisado, porque a carta de lei de 26 de março de 1845, que o restituiu ao exercito, positivamente determina que devia contar a antiguidade de major da data daquella lei.

Considerando porém a commissão de guerra que a resolução de 5 de julho de 1838, nos §§ 2.° e 3.° diz que = os officiaes que passarem para praças ou estados maiores com posto de accesso, a antiguidade lhes seja contada como se não tivessem saído do serviço activo, mas nunca com o effeito de preterirem aquelles que eram mais antigos no posto d'onde saíram para taes destinos, e que aos referidos officiaes seja contado o tempo de serviço nas praças e estados maiores sem accesso =; é por isso de parecer, em attenção ao que fica exposto, que se deva approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º E o governo auctorisado a contar, sómente para o effeito de reforma, a antiguidade de major, de 5 de setembro de 1837, ao coronel do regimento de cavallaria n.° 6 Antonio José Antunes Guerreiro.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 25 de junho de 1862. = Fernando de Magalhães Villas Boas = Placido Antonio da Cunha e Abreu—D. Luiz da Camara Leme = Conde de Valle de Reis = José Guedes de Carvalho e Menezes = Carlos Brandão de Castro Ferreri.

Foi approvado sem discussão na generalidade e na especialidade.

Passou-se ao projecto de lei n.° 23, de 1863.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 23

Senhores. — A commissão de guerra examinou o projecto de lei do sr. deputado Camara Leme, que tem por objecto interpretar o artigo 3.° da carta de lei de 8 de junho de 1863, que regulou as reformas dos officiaes e de outras classes militares, artigo que não corresponde nem ao pensamento d'aquella lei, nem se acha accorde com a discussão havida ácerca d'ella.

O principio da lei foi o de que o alvará de 16 de dezembro de 1790, que regulou as reformas militares, continuasse a reger como antes, mas alterado e additado no sentido de que o official que, tendo trinta e cinco annos de serviço e cincoenta e cinco de idade, possa ser reformado, se o requerer, independentemente da sua capacidade physica.

A outra these foi que (e no geral para os effeitos de qualquer reforma) o serviço feito em campanha fosse contado pelo dobro; e ao serviço ordinario prestado nas possessões ultramarinas, assim em terra, como nas estações navaes, pelos militares pertencentes ao exercito do continente ou á armada, fosse addicionado metade do mesmo tempo, sendo esta disposição extensiva aos militares de primeira linha das provincias ultramarinas que servissem em Africa ou em Timor. Mas por um erro, ou na copia ou na redacção final, estes dois principios ou disposições da lei, que são reciprocamente independentes, importando um apenas na faculdade do official se reformar, e outro no modo de computar o serviço feito em campanha ou no ultramar, nos termos que vão definidos, ficaram relacionados e constituindo condições na faculdade de qualquer se reformar e de se lhe abonar o tempo de serviço em campanha e no ultramar, não se podendo portanto levar em conta a maior computação de tempo aos que não tiverem trinta e cinco annos de serviço e os cincoenta e cinco de idade. Para este resultado, obviamente absurdo, bastou que o que no parecer n.° 57 do anno de 1863 tinha a classificação de § unico do artigo 2.° do projecto sobre reformas, e que era assumpto de um artigo separado, que devia ser o 3.º na sua ordem, fosse ainda aggravado no parecer correspondente na camara dos dignos pares do reino, por se haverem acrescentado ao artigo 3.° da lei de 8 de junho do anno proximo passado as palavras «para os effeitos da reforma de que trata o artigo antecedente e os seus paragraphos», etc. etc. São pois estas palavras sublinhadas as que devem desapparecer, e com isto ficará restabelecida a doutrina da lei que se pretende interpretar.

O outro fim da proposta do sr. deputado Camara Leme é o de elevar a vinte annos os quatorze de idade que a carta de lei de 19 de janeiro de 1827 estabeleceu como maximo da que devem ter os filhos varões dos militares que a mesma lei quiz subsidiar. Com effeito parece de rasão, e é mesmo adoptado por quasi todas as associações particulares de soccorros, auxiliar não só a manutenção mas tambem a educação dos menores até ao ponto de poderem ter adquirido uma qualquer profissão. Este fim não se consegue por certo aos quatorze annos, e por isto a commissão entende dever, não só aceitar o projecto do sr. Camara Leme, mas augmentar mais dois annos á idade proposta; e estabelecendo este melhoramento não ha que apprehender a respeito de maior despeza, porque os casos a que elle se refere são completamente eventuaes.

Coherente a esta opinião tem a vossa commissão a honra de vos offerecer o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° Nas reformas militares, de que trata o alvará de 16 de dezembro de 1790 e a carta de lei de 8 de junho de 1863, o serviço feito em campanha será contado pelo dobro, e ao serviço ordinario prestado nas possessões ultramarinas em terra, como nas estações navaes, pelos militares pertencentes ao exercito do continente ou á armada, será addicionado metade do mesmo tempo.

§ unico. O disposto na ultima parte d'este artigo será extensivo aos militares de primeira linha das provincias ultramarinas que servirem em Africa ou em Timor.

Art. 2.° O artigo 3.° e seu § unico da carta de lei de 8 de junho de 1863 é substituido pelo artigo antecedente.

Art. 3.° As pensões concedidas aos filhos varões e menores dos officiaes e outros individuos do exercito, de que trata o § 1.º do artigo 1.° da carta de lei de 18 de janeiro de 1827, á qual se refere e tornou permanente o artigo 5.° da carta de lei de 8 de junho de 1863, gosarão das mesmas pensões até á idade de vinte annos.

Art. 4.° E revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 22 de fevereiro de 1863. = Antonio de Mello Breyner = José Guedes de Carvalho e Menezes = D. Luiz da Camara Leme (com declaração) = Fernando de Magalhães Villas Boas = João Nepomuceno de Macedo = Tem voto do sr. Augusto Xavier Palmeirim.

O sr. Camara Leme: — Na redacção d'este projecto ha um artigo que por lapso foi redigido de um modo que a commissão deseja emendar.

Mandarei portanto para a mesa uma substituição a esse artigo por parte da commissão; e por minha parte um additamento para que o governo seja auctorisado a codificar todas as leis em vigor que tratam da reforma do exercito e da armada, porque todas estas leis existem em grande confusão. Por isso seria bom que o governo fosse auctorisado a codificar todas, para não estar, quando é preciso recorrer a qualquer lei, a rever todas. Isto é uma cousa meramente regulamentar.

O sr. Sá Nogueira: — Eu naturalmente não me hei de oppor á maior áparte das disposições d'este projecto, mas parece-me que não devem ser votadas sem se ouvir o sr. ministro da guerra e o sr. ministro da marinha, e tambem a commissão de fazenda, que nos deve apresentar um calculo approximado do augmento de despeza que a approvação d'este projecto pôde immediatamente trazer comsigo.

Sou de parecer que o tempo de serviço em campanha e o tempo de serviço em alguma das nossas possessões ultramarinas (não em todas) deve ser contado mais vantajosamente do que actualmente; sendo, por exemplo, contado um anno por dois. Isso entendo eu, e é o que se faz em alguns paizes; mas agora estabelecer esta regra sem distincção para toda a parte, parece-me que é uma cousa injusta.

Confesso que não estou habilitado para entrar na discussão d'esta materia, porque não esperava que se discutisse agora e não a estudei; noto aqui o seguinte (leu).

Ora, isto não é cousa que se possa approvar, o serviço em Macau é muito differente do serviço em Timor e em Moçambique, porque Macau é uma cidade com muitos recursos e bom clima, está-se lá tão bem como se está na Europa, não havendo talvez para quem lá vae servir senão o incommodo da viagem. E havemos nós de contar o tempo de serviço feito em Macau do mesmo modo que o tempo de serviço feito em Timor ou na costa de Africa?

Parece-me que as disposições d'este projecto carecem de mais maduro exame, e que não é em cinco minutos... (Interrupção que se não ouviu.)

O Orador: — Agora mostram-me um paragrapho que, como já disse, eu não tinha lido, pelo qual parece que esta disposição é só applicavel ao serviço dos officiaes em Africa e Timor, mas eu não posso saber se assim é sem ler com toda a attenção o projecto, para ver se n'essa disposição estão ou não incluidos os officiaes que servem em Macau.

Entendo, repito, que deve ser ouvido o sr. ministro da guerra e igualmente o sr. ministro da marinha, e que deve tambem ser ouvida a commissão de fazenda, para se ver qual é o augmento de despeza. E entendo tambem que isto não é objecto que se possa discutir em quatro ou cinco minutos, que é o tempo de que para isso agora se pôde dispor, porque está a dar a hora, e devemos, na conformidade da resolução d'esta camara, entrar na discussão do orçamento.

Por consequencia peço a v. ex.ª que passemos á segunda parte da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Esta discussão fica suspensa, e passa-se á ordem do dia; mas os srs. deputados que tiverem requerimentos ou representações a mandar para a mesa, podem faze-lo.

O sr. Monteiro Castello Branco: — Mando para a mesa um requerimento.

O sr. Pinto de Araujo: — Mando para a mesa esta proposta, para ter segunda leitura (leu).

O sr. Garcia de Lima: — Mando para a mesa quatro requerimentos de quatro officiaes do exercito, para irem á commissão respectiva, e quando ella der o seu parecer, então direi as rasões de justiça em que elles se fundam.

O sr. B. F. de Abranches: — Mando para a mesa um requerimento.

O sr. Mártens Ferrão: — Mando para a mesa uma nota de interpellação.

O sr. Affonso Botelho: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo, com urgencia, certos esclarecimentos ao ministerio da fazenda.

O sr. F. M. ás Cunha: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.

O Sr. Soares de Moraes: — Por parte da commissão ecclesiastica mando para a mesa um parecer da commissão, sobre um projecto de lei apresentado pelo sr. Borges Fernandes.

O sr. J. A. de Sousa: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo.

ORDEM DO DIA

continuação da discussão do orçamento do ministerio da marinha

O sr. Pinto de Magalhães: — Quando hontem se tratava da discussão dos subsidios para as provincias ultramarinas, o sr. Sá Nogueira dirigiu-se aos deputados por aquellas provincias, e pediu algumas explicações; e estranhou que estando publicadas a respeito do ultramar diversas medidas desde 1836 a esta parte, todas liberaes, ainda aquellas provincias não chegassem, em consequencia d'estas medidas, á altura de poderem subsistir por si mesmo e viver independentemente da mãe patria, para se obstar a que continuadamente se dêem subsidios, a fim da sua gerencia e administração economica poder ser regular e independente.

O sr. Seixas, deputado por Angola, pediu a palavra e deu algumas explicações ao illustre deputado. Eu igualmente a pedi, mas na sessão de hontem não me chegou, e só hoje posso dar esclarecimentos sobre os differentes objectos, a respeito dos quaes s. ex.ª se dirigiu pelo que diz respeito á provincia que representa n'esta casa.

A respeito de Angola, disse o sr. Seixas que =o subsidio continuava a ser necessario, em consequencia das grandes operações militares que o estado tem verificado n'aquella provincia pela tomada do Ambriz; pela colonisação de Mossamedes; pela paz feita ha pouco pelo nobre e honrado governador d'aquella provincia, o sr. Andrade, com os regulos de Cassange, o que traz para ali a presença de forças militares e maiores despezas; e finalmente pelas maiores occupações militares que se têem feito n'aquella provincia, e que demandam a presença de maiores forças e recursos =.

A respeito de Moçambique dão-se as mesmas circumstancias. Nós tomámos as ilhas de Bazaruto ha quatro annos; tomámos ha dois as de Angoche, e o Zumbo que nos abriu a porta da Manica, e que nos ha de dar grandes vantagens para o futuro, pelo maior alargamento no commercio com os sertões.

As apprehensões que o nobre deputado tem sobre as viagens ao interior de Africa do dr. Levingaton, parece-me que não devem assustar; tanto o dr. Levingston como os seus companheiros têem recebido grandes desgostos no interior de Africa, muitos têem morrido, e até o proprio capitão do vapor que encalhou no Zambeze falleceu, assim como a maior parte dos seus companheiros; e o anno passado mandando o dr. Levingston recolher a Africa para a sua companhia sua esposa, esta, logo que desembarcou no praso Luabo, na foz do Zambeze, falleceu passados poucos dias, a commettida pelas febres proprias do clima. As viagens do dr. Levingston parecem mais scientificas do que politicas.

S. ex tambem tem apprehensões sobre a influencia dos boyers nas proximidades das nossas terras. Os boyers são subditos hollandezes, naturaes do Cabo da Boa Esperança e de raça hollandeza, quando o Cabo da Boa Esperança pertencia á Hollanda. Quando os inglezes tomaram esta possessão aquella potencia, em 1804, muitas familias não se quizeram sujeitar á nova ordem de cousas; não quizeram ficar sujeitas aos inglezes, e refugiaram-se para o interior; e entre estas e os inglezes houve uma guerra que existiu por muito tempo, e finalmente, como a resistencia fosse muito tenaz, e a Inglaterra visse que não os podia subjugar, tra-

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tou de fazer a paz com elles, hoje estão amigos, e reconhecidos como republica.

Mas esses colonos por differentes vezes têem tratado de solicitar a nossa amisade, e já mandaram a Moçambique agentes, a fim de se fazer algum arranjo, que nos deve dar grandes vantagens para o futuro. Avista d'estas observações, reconhecendo-se a necessidade de ter ali uma maior força militar, necessariamente os subsidios hão de continuar a existir n'estas duas provincias.

Alem d'estas circumstancias occorrem outras muitas observações. O commercio africano, tanto na costa oriental como na costa occidental, era feito em grande escala por navios americanos, e que ali levavam o algodão americano de grande consumo em toda a costa de Africa.

Mas desde que existe a guerra civil americana este commercio estancou, e ainda mesmo que os rendimentos das provincias não tenham soffrido em proporção da falha commercial, porque os rendimentos são quasi os mesmos, póde-se dizer comtudo que as despezas têem crescido muito ultimamente, pelas rasões já apontadas, pela sabia legislação do anno passado, que melhorou a sorte dos empregados tanto civis como militares que viviam em tristes circumstancias, ainda assim não estão em circumstancias muito favoraveis attenta a malignidade do clima, apesar de melhorarem muito. Voltemos aos boyers.

Até 1845 as ordens do nosso governo para com os boyers eram muito severas; mas ultimamente não ha já esse rigor, e tanto nós como elles empregam todas as diligencias para estabelecer communicações e fazer o commercio reciproco, e elles empregam todos os esforços para se porem em communicação, desejando estarem em harmonia com o governador de Lourenço Marques e Inhambané. Aquella população é muito importante, e toda de raça branca, de puro sangue hollandez. E isto é um argumento para muitos que presumem que na Africa não pôde subsistir a raça branca, este argumento está protestando contra a idéa de que não pôde existir colonisação europeia na Africa.

A colonia que se estabeleceu em Mossamedes vae progredindo com toda a força; mas ha outras terras, como Tete e Inhambané, que tambem são sadias, e que fazem o mesmo protesto vivo.

Mas, continuando com os boyers, elles têem feito todos os esforços para terem relações comnosco. Em 1849 um hollandez, Mezelcamp, quiz entrar em negociações com o governo; mas não pôde conseguir cousa alguma em consequencia dos excessivos direitos que pagam as fazendas estrangeiras na nossa costa africana, quando os inglezes lh'as remettem de industria sua, mais barato, e por estradas que partem do Cabo da Boa Esperança e da bahia de Santa Luzia, na terra natal, directamente para as terras que elles habitam.

Nada se fez então que produzisse resultados efficazes por não haver estradas como digo, e porque os generos inglezes são mais baratos.

Por conseguinte se podessemos estabelecer relações com os boyers, como hontem annunciou o sr. ministro da marinha, removendo-se todas as difficuldades, seria isso uma cousa de muita utilidade para a provincia, porque elles podem prestar grandes serviços aquella possessão, e vice versa.

Nós temos na frente das nossas guarnições uma area de cem leguas, ou mais, habitada petos cafres, que nos são hostis, e que commettem toda a qualidade de roubos, sem que as nossas auctoridades tenham os meios de poder reprimir todas as excursões e roubos que elles praticam.

E tendo nós na retaguarda os hollandeses, tendo um amigo fiel que nos pôde servir de auxiliar, isto ha de fazer não só com que os direitos das alfandegas rendam bastante, pela tranquillidade do paiz e maior commercio, mas tambem com que os cafres sejam punidos pelas excursões e roubos que praticarem. Portanto faço votos por que o sr. ministro da marinha possa conseguir um bom tratado com os boyers, e que todas as instrucções que der ás auctoridades de Moçambique, e sobretudo ao muito intelligente, probo e conhecedor dos negocios africanos, actual governador de Moçambique, o sr. Canto, concorram para isto. Reprovo as providencias rigorosas, porque essas nos trarão males e prejuizos.

Os boyers o que desejam é ter um meio facil, por interposto das auctoridades de Portugal, para poderem communicar com a mãe patria e a Europa. Os inglezes querem mandar-lhes as suas manufacturas só de procedencia ingleza e não hollandeza, e então têem-lhe fechado os portos por onde estas mercadorias ali poderiam ir. Mas nós, que temos de ir comprar aos inglezes, aos francezes ou americanos, e sujeitâmos ao consumo proprio do sertão da Africa, convêm-nos muito estabelecer as relações de paz e harmonia com os hollandezes.

Portanto estimarei muito que se leve a effeito o tratado que está em projecto, e sobre que o sr. ministro da marinha tem dado instrucções ás auctoridades de Moçambique. Quanto a esta parte não tenho mais nada a dizer.

Ora, o sr. Sá Nogueira tratou aqui de uma questão que reputo altamente importante, e sobre a qual tambem preciso fazer algumas observações.

O illustre deputado disse que = na provincia de Angola e Moçambique não havia n'outro tempo senão escravatura; que os rendimentos publicos tinham origem neste trafico, e que as provincias dormiam á solta com q rendimento que lhes provinha d'este trafico =.

Disse que = em 1836 publicaram se disposições que tornaram o homem ali livre; prohibiu-se este trafico e deu se liberdade ao homem para poder dispor de si como cidadão; que posteriormente foram-se publicando leis n'este sentido e poz se o homem preto em contacto com a raça branca, que é o meio d'aquellas povoações poderem viver, enriquecer 9 prestar mais utilidade ao commercio e agricultura =; e disse que = existindo esta legislação ha tantos annos era para admirar que ainda hoje os deputados das provincias ultramarinas viessem aconselhar subsidios para essas mesmas provincias =.

O sr. Sá Nogueira: — Não disse isso.

O Orador: — Mas V. ex.ª disse que approvava estes subsidios, mas que sentia que estas provincias, em logar de poderem dar recursos á mãe patria, estivessem nas circumstancias de ser subsidiadas.

A vista d'isto não ha remedio senão apresentar as rasões por que isto se dá. As provincias africanas não produzem porque não têem trabalho.

Existe a grande questão se o trabalho deve ser livre ou forçado. E ha muita rasão em se dizer que nunca a Africa pôde ser feliz em produzir para si e para a mãe patria, sem haver trabalho livre ou forçado, sem haver trabalho; porque sem trabalho não ha riqueza nem felicidade, ha vicios e ociosidade. Estamos todos illudidos com o trabalho livre e trabalho forçado, e esta é a primeira e maior questão da Africa, e nada ali pôde haver de grande e util para o paiz sem se resolver e tornar efficaz o trabalho de qualquer maneira que for.

A Inglaterra proclama o trabalho livre, os Estados Unidos proclamam o trabalho livre, a Hespanha proclama o trabalho livre, o Brazil tambem; mas isto é na these, porque na hypothese, não nos illudamos, o trabalho é forçado. O sr. ministro da marinha já hontem disse que = está fazendo regulamentos para que o trabalho seja efficaz e uma realidade, porque o preto não quer trabalhar =.

Vamos a ver a maneira por que os differentes governos têem tratado esta questão, para vermos o modo por que se deve applicar na Africa. Os subsidios são poucos e as nossas colonias nem sempre devem viver com os subsidios da metropole, que são o resultado do trabalho e do suor do povo portuguez; devem organisar-se e prepararem se para o trabalho, porque será uma iniquidade trabalharem os brancos para sustentarem os pretos, e deixar estes na ociosidade; civilisem-se pela religião e bons costumes, e chamem-se ao trabalho.

O sr. ministro da marinha não quer o trabalho forçado, muito bem; s. ex.ª persegue a escravatura, todas as instrucções que dá são n'este sentido; mas então vamos a organisar o trabalho nas provincias africanas, porque actualmente para ellas produzirem é preciso o trabalho forçado, e o illustre ministro ainda hontem nos disse que = as ilhas de S. Thomé e Principe não precisavam subsidio, que davam para si, e mais alguma cousa =. Que é isto senão o resultado do trabalho forçado, que existe n'aquellas ilhas?

Uma cousa é a theoria, outra cousa é a pratica. Apesar dos bons desejos de acabar com o trabalho forçado, elle existe sempre. A pratica por toda a parte está em contradicção com os principios.

Durante muitos annos houve negociações entre o gabinete inglez e o dos Estados Unidos, sobre o direito de visita. A Inglaterra dizia aos Estados Unidos: «Vós sustentaes a escravatura; nos vossos portos construem-se muitos navios para este commercio; a vossa bandeira protege nas costas d'Africa o commercio dos negros; os nossos cruzeiros da costa occidental da Africa e os da oriental, os das costas do Brazil e da ilha de Cuba informam-nos que quando encontram navios suspeitos de se dedicarem ao trafico dos escravos observam que a construcção d'elles é americana, e sabem que elles levam aguada de mais, ferros, gargalheiras, emfim que têem todos os indicios de que vão á escravatura, e que na costa de Africa passam a novos possuidores, e depois de protegidos na viagem pela vossa bandeira, dae-nos o direito de visita, e fazei o mesmo nos nossos navios». E os Estados Unidos respondiam: «Nós não somos negreiros, e não admittimos em principio o direito de visita, nem que a nossa bandeira pôde cobrir tão horrivel crime».

A França dizia-nos o mesmo quando foi da questão do Charles et George. Nós dissemos á França: «As nossas auctoridades examinaram o nosso navio, que tinha escravos a bordo, comprados na costa, o que mostrou exuberantemente um processo a que se procedeu». E o governo francez respondia: «Não se pôde admittir isso em principio; eram colonos que se transportavam de um ponto para outro». Dizia o mesmo que os americanos quando respondiam que a bandeira americana não podia cobrir um commercio tão nefando.

Aqui está a theoria. Os governos a proclamarem que não queriam escravatura, mas a pratica a demonstrar o contrario; violencia contra o homem; trabalho forçado.

A Hespanha fez um tratado com a Inglaterra em 1836. Mas que faz ella na ilha de Cuba? Os productos riquissimos que essa ilha dá o que são senão filhos do trabalho forçado? O café, o assucar e tabaco, que fazem hoje parte integrante da nossa subsistencia, porque ninguem pôde deixar de tomar café e assucar, porque fazemos uso d'estes generos desde que nascemos até que morremos, são filhos do trabalho forçado. E o mesmo acontece com o algodão, que tambem é genero de primeira necessidade.

A Hespanha prohibe a escravatura; mas o trabalho forçado lá está na ilha de Cuba. Para encobrir o trabalho forçado foi buscar coolis, engajando-os na India, e sujeitando-os ao trabalho da mesma maneira que fazia aos pretos; mas ultimamente cessou com o engajamento dos coolis, porque estes não supportavam o trabalho como os pretos, não se prestavam a soffrer o calor d'aquelle clima ardente. Mas as auctoridades, de quando em quando, lá deixam vingar as tentativas que se fazem para ali introduzir pretos. No Brazil o mesmo principio, as mesmas idéas de liberdade, os mesmos resultados na pratica.

Aqui temos o trabalho forçado. Os governos proclamando o trabalho livre, a independencia e a dignidade do homem em theoria; mas na pratica a consentirem o trabalho forçado.

Que faz a França nas suas ilhas da Reunião? Procede da mesma maneira.

O sr. marquez de Sá, n'uma portaria, deu ordem para se permittir aos francezes o engajamento de colonos no Zaire. Não só lá os foram buscar, mas tambem a Moçambique, engajando-os por dez ou doze annos, até se resgatarem das despezas que faziam com elles os seus senhores. Se isto não é trabalho forçado não sei o que seja.

Eu não o defendo, pelo contrario eu aborreço tambem o commercio dos negros; mas estou a mostrar os factos, para que consideremos o que se faz na pratica. Um paiz que está dando subsidios valiosos para as provincias africanas tem rasão e direito para saber em que elles se gastam, e para exigir que se mude de vida e se trabalhe; mas a pratica actual é esta.

A França deu a liberdade a todos os escravos nas ilhas da Reunião em 1838; mas houve lá uma sedição, e logo foram ordens expressas para se obrigarem os negros a trabalhar, e procurar levar para lá os pretos debaixo do nome de trabalhadores, o que não é outra cousa senão o trabalho forçado. Todos os pretos que são engajados vendem o seu corpo por dez, doze e mais annos, e são n'aquelle clima obrigados a trabalhar debaixo de um sol abrasador, até saldarem as contas com os seus senhores, que lh'as fazem conforme os seus interesses quanto ás despezas do transporte, vestuario e comida.

Aqui temos o trabalho forçado. A liberdade do homem existe ali adstricta e vinculada aos interesses d'aquelle para quem trabalha. Não é o governo que auctorisa esta escravidão, é a pratica que se pronuncia contra a legislação e contra os tratados sobre este assumpto.

A Inglaterra faz o mesmo. Todos os pretos que aprisiona, tanto no canal de Moçambique, como em Angola, segundo as latitudes em que são apresados, ou os lança nas ilhas Maurícias ou na Jamaica, e entrega-os aos cultivadores debaixo de certas condições; portanto aproveita-se d'elles para a sua agricultura e engrandecimento colonial.

Um navio sáe de Angola com seiscentos pretos, por exemplo, e encontra na barra um cruzador inglez que o aprisiona. Se os inglezes são amigos da humanidade, se desejam a liberdade dos pretos, devem lança-los na sua propria terra e não os levar para a Jamaica ou para as Maurícias, aonde vão dá-los a um plantador que vae servir-se do seu trabalho forçado.

Portanto a questão de trabalho na Africa, encarada por todos os lados, é sempre triste, e nós não havemos ter ali progresso sem haver trabalho, e trabalho regulamentar. O nobre ministro da marinha prometteu hontem, e eu lhe dou os meus emboras por isso, que ía fazer um regulamento sobre trabalho; é um dos maiores serviços que se pôde fazer. Agora querer que o preto seja livre e ao mesmo tempo que Beja um vadio, que não trabalhe, isso é que não pôde ser. Nós temos leis contra os vadios; entre nós quem é vadio é punido. Tanto zêlo pelo preto, mas não se procuram os meios para o tornar util ao seu paiz e á sociedade; pois é preciso isso, porque do contrario parece-me que é quebrar lanças por uma causa sem resultados.

Nós vimos, por exemplo, que vieram aqui dois plantadores da ilha de S. Thomé e Principe a pedir a introducção n'aquella provincia de alguns colonos que precisavam, porque tinham falta de braços, e aquella provincia luta com falta de braços; o governo por um decreto permittiu a introducção dos colonos, mas foram tantas as cautelas, tantas as providencias, tantas as restricções que se estabeleceram e tantas as obrigações que impozeram aos plantadores que apenas um gosou da permissão, e o outro teve receio e medo de que, sem haver commettido falta, fosse, por uma intriga qualquer, accusado de ter faltado ao cumprimento das obrigações impostas e violado as prescripções decretadas. Muitas cautelas a este respeito e nenhumas ácerca da exportação de brancos que se fez pela barra do Porto para o Brazil (apoiados); d'ahi se exportam creanças que vão no Brazil ser entregues aos senhores das roças sem providencia nem cautela alguma (apoiados), e todos sabem como os portuguezes são ali tratados (apoiados). O nobre marquez de Sá da Bandeira, quando permittiu a introducção de colonos para S. Thomé, exigiu muito mais condições e cautelas que se não exigem para os nossos irmãos do continente que são exportados pela barra do Porto para o imperio do Brazil, aonde vão fazer tambem um trabalho forçado como os pretos que vão dos sertões de Africa (apoiados).

Eu quero o trabalho livre, apoio todas as medidas que o governo adoptar tendentes a este fim, e lamento o facto de que, estando tanta gente, todos os governos, todos os escriptores a quebrarem lanças pela liberdade do homem, na pratica aconteça o contrario; todos os elogios ao trabalho livre, mas nos paizes tropicaes a que me tenho referido, todo o trabalho quasi na generalidade é trabalho forçado.

E veja-se essa grande luta dos Estados Unidos da America. Quem ler mr. Couchin, auctor que escreveu ha dois annos sobre a questão dos Estados Unidos, ahi verá essa! grande luta que existe desde a independencia e as causas d'ella: ahi se verá os deputados do norte e do sul injuriando-se mutuamente por causa da escravatura e da liberdade: ahi se vê que n'uma sessão um senador pegou n'uma cadeira e quebrou a cabeça a um seu collega (riso). Estas injurias, estas provocações, estas accusações mutuas e constantemente dirigidas pelos do norte aos do sul trouxe essa luta desgraçada em que se acham os Estados Unidos, derrocando-se uns aos outros de um modo barbaro, com prejuizo dos interesses de todo o mundo; são 15 estados de escravos contra 17, pois que 32 constituem toda a republica. E veja se mais que sempre n'aquella republica dos 18 presidentes, que têem havido, 12 são dos estados do sul; e nor-

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que estes desde o começo da independencia têem procurado constantemente influencia no governo para defender aquillo a que chamam nossas instituições particulares.

É provavel que, depois de terminada a guerra da America, ainda fique em pé a questão do trabalho livre e do trabalho forçado, porque não está na força dos homens o preparar os climas para a sua organisação; n'uma parte trabalhará o branco, e n'outra o preto, mas em harmonia com as leis da humanidade e da liberdade, mas trabalhar sempre.

Termino as minhas observações desejando muito que o sr. ministro da marinha faça o regulamento com relação aos pretos, que tenha por base o trabalho, porque sem muito trabalho não pôde ter logar a producção em larga escala dos generos coloniaes, que hoje são procurados na Europa e que fazem parte, póde-se dizer, das nossas necessidades quotidianas. É isto não tem applicação só á sociedade africana. Hoje o trabalho é o elemento principal de prosperidade dos estados. O trabalho é a primeira das virtudes, e sem elle não ha nada.

O sr. Seixas aproveitou a occasião de fallar hontem nos negocios de Angola, para tecer elogios ao sr. ministro da marinha, em consequencia de ter encontrado em s. ex.ª muitos desejos e muitos esforços em favor das provincias africanas. Eu supponho que s. ex.ª tem feito o seu dever, assim como nós que o temos coadjuvado. Mas, apesar de ser deputado da opposição parlamentar, não posso deixar de aproveitar a occasião para fazer a s. ex.ª um elogio, porque o merece e está na minha consciencia dever faze-lo.

O sr. ministro da marinha portou-se excellentemente quando se tratou das eleições para deputados nas provincias ultramarinas para as proximas côrtes. Não exerceu pressão alguma sobre os governadores geraes, a administração continua regularmente, não ficaram intrigas de familia nem odios particulares, e foi indifferente a s. ex.ª que saíssem deputados os candidatos da opposição (apoiados). O illustre ministro cumpriu religiosamente a lei e portou-se como homem muito honrado (apoiados). Não posso deixar de lhe prestar este elogio, e oxalá que nas eleições proximas todos os seus collegas procedam da mesma maneira. O resultado foi que saíram eleitos deputados da opposição e deputados do governo; o serviço publico não soffreu cousa alguma e as auctoridades ficaram desaffrontadas e em circumstancias de poderem bem administrar e cumprir as ordens do governo, e nós nas circumstancias de lhe prestarmos o mesmo apoio quando for no interesse da causa publica. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — O governo mantendo desassombrada a liberdade da uma no ultramar, não fez mais do que cumprir o seu dever (apoiados). Agradeço cordealmente as expressões benevolas do nobre deputado; mas não posso aceita-las como exclusivo louvor. Os sentimentos que me guiaram são os de todos os meus collegas. O pensamento que me inspirou é o pensamento do governo. (Vozes: — Muito bem.)

Passemos á questão especial, aquella para que especialmente pedi a palavra. E a questão importante da escravidão nas provincias africanas, e a questão connexa do trabalho regulamentado. O governo nem descura, nem declina esta grave questão, ainda que de sua natureza seja extremamente melindrosa. Não me eximo a trata-la em qualquer occasião, toda a camara o tem presenciado. E permitta Deus que se ventile sempre com a extensão, o conhecimento, e placidez necessaria. Talvez que de não haver ella sido ainda sufficientemente tratada, tenham nascido muitas aberrações nocivas, muitos equivocos funestos!

«O trabalho é essencial á cultura e civilisação Africa,»

É, indubitavelmente. O trabalho é a condição fundamental de todas as sociedades, o tributo necessario da humanidade. O trabalho é o dever; mas o trabalho não é a escravidão (Muitos apoiados). O trabalho pôde ser obrigatorio sem ser escravo; pôde ser imposto sem ser inflingido. (Vozes: — Muito bem.) Na escravidão cessa o dever porque cessa a vontade. Fica apenas uma pena e uma victima. (Vozes: — Muito bem.)

Nenhuma sociedade passou do estado da barbarie ao da civilisação, sem ter seguido gradualmente differentes evoluções e successivas preparações. O que está acontecendo com a sociedade africana, é justamente o que já aconteceu com a sociedade europea. Passa-se da escravidão; da servidão sobe se á emancipação. Passa-se da escravidão para a servidão, isto é do trabalho escravo, ou a pena, para o trabalho obrigatorio, ou o dever. Essa é a transicção natural, essa é a elaboração historica. Mas não se confunda: a servidão tambem não é a escravidão! (Apoiados.) Não se queira continuar n'esse sophisma fatal de equivocar o trabalho obrigatorio com o trabalho escravo! (Apoiados.) A pratica feroz que faz do homem uma cousa não é compativel com o espirito e a missão d'este seculo. A doutrina da civilisação é outra: educar o homem para o trabalho, porque o trabalho o depura, o prepara e o melhora. Quer-se saber quaes são as idéas do governo? As idéas do governo são estas: não as encobre nem as dissimula.

Indubitavelmente, a Africa, para ser proficuamente explorada, precisa empregar os indigenas nas suas culturas e industrias (apoiados). Não se pôde imaginar o aproveitamento da Africa sem o aproveitamento d'esse trabalho. Esta a base da questão. No modo de resolve-la pôde unicamente versar a divergencia. Ha quem diga: «resolve-se unicamente vendendo e comprando braços, seja qual for o nome do contrato e o pretexto». Eu digo resolutamente, e digo o com o Evangelho, e digo-o com a rasão, e digo o com a justiça, e digo-o com a humanidade: anão, uma cousa é vender, outra cousa é civilisar». Até agora tem-se vendido, mas ainda não se civilisou. E não se tem civilisado justamente porque se tem vendido (apoiados).

Um meu antecessor n'esta administração, o nobre marquez de Sá da Bandeira, lavrando aquelle decreto regulamentar a que o illustre deputado se referiu, decreto que lhe faz a maior honra e só pôde envergonhar os que não souberam comprehende-lo para se utilisarem d'elle; lavrando, digo, aquelle decreto regulamentar que estabelecia as condições protectoras em que os proprietarios deviam receber os trabalhadores, levantou um padrão que não será dos menos gloriosos para o seu nome, abriu um exemplo que deve, que ha de ser imitado pelos seus successores. Foi a iniciação de uma grande reforma, desejo torna-lo bem patente á camara. Se alguma cousa ha a fazer, é completar aquelle pensamento, é converte-lo em legislação geral e permanente, é reduzi-lo a termos efficazmente praticos, criando a inspecção e visitação por commissarios do governo, cuja acção seja mais energica e menos nominal do que a das juntas protectoras dos escravos e libertos (apoiados), cuja responsabilidade possa em toda a occasião tornar-se effectiva, que percorram as plantações, que examinem e informem, que por este modo verifiquem a condição dos chamados libertos, dos trabalhadores engajados, da servidão preparatoria da liberdade, que tornem essa condição mais do que um nome, mais do que um titulo vão, mais do que uma apparencia irrisoria, que a façam emfim uma cousa real, demonstrável, util, esperançosa, boa para o presente, boa para o futuro!

Vozes: — Muito bem.

Querem-se braços, são urgentes braços. Aquelle decreto estabeleceria o modo justo de obte-los. Admire se o eloquente exemplo! Só um ou dois proprietarios os quizeram com essas condições, diz o illustre deputado. Alguns, mas poucos, direi eu. «Receiaram as intrigas, receiaram ser accusados de maltratar os negros », pondera o illustre deputado. Quem os intrigaria? O pobre servo boçal? Não. Receiavam não conservar a plenitude do dominio sobre o escravo. Recusavam-se ás condições que não fossem as do antigo senhor. Não é preciso mais para justificar a necessidade dos regulamentos. Não é preciso mais para certificar o estado verdadeiro da questão e dos espiritos. Não é preciso mais para evidenciar o que existe ainda sob o nome de libertos.

E todavia os que aceitaram as condições referidas não tiveram de que arrepender-se. Os mais illustrados, os mais humanos, são tambem os que mais têem lucrado. Não é já bastante esta pequena experiencia? Não é, porque a força dos preconceitos, e de preconceitos de seculos, é das mais obstinadas!

Citou s. ex.ª o exemplo dos estados americanos, procurou ali inquirir a vida domestica da escravidão. O exemplo é na verdade opportuno. As implacaveis paixões que n'essas regiões ensopam a terra de sangue e a semeam de cadaveres prova a inhumanidade, provocada pelo principio que hoje divide aquelles estados. A auctoridade mencionada pelo illustre deputado opporei eu tambem a auctoridade de um escriptor distinctissimo, que estudou as instituições americanas, que viu de perto a escravidão. Fallo de mr. de Tocqueville, um nome respeitado, um espirito convencido. Sabeis qual é a sua opinião? É que o trabalho livre produz sempre, produz em toda a parte, muito mais do que o trabalho do escravo (apoiados). Eis-ahi a escravidão condemnada, não já sómente pela humanidade, mas pela propria economia! (Apoiados.)

Não se julga sufficiente a auctoridade de Tocqueville?

Acrescentarei a de Geoffroy Saint-Hilaire, um propugnador da differença das raças, um investigador sem suspeita de negrophilo. Sabeis o que elle pedia para o Ínfimo africano? Uma tutella paternal. Vede a que distancia incommensuravel ficará a escravidão, e os seus sophismas, e os seus horrores. Com a tutella paternal se creará o trabalho obrigatorio. Cora a tutella paternal fundaram as antigas missões grandes estabelecimentos. Mas a tutella paternal não faz do homem mercadoria e propriedade de outro homem (apoiados); torna-o agente pensante da riqueza commum, membro da grande familia (apoiados).

A tutella paternal admitte a servidão, mas não pôde exclusivamente adaptar-se a perpetuar a escravidão. Não. Quem pensar que a tutella preparatoria pôde auctorisar ou encubrir a perpetuidade, a illimitação do dominio, engana se, ou engana os outros.

O sr. Sá Nogueira: — É uma transição.

O Orador: — E uma transição, transição necessaria disse já, transição indispensavel, mas unicamente transição, e como transição, temporaria e condiccional, estipulando-se n'ella toda a protecção, todo o amparo, todos os desvellos, todos os meios de esclarecer, educar e preparar, não já o escravo, mas o servo, para que elle possa para o diante entrar sem perigo no caminho da civilisação, para o tomar selvagem e faze-lo cidadão (apoiados).

No dia em que um grande numero de proprietarios quizer pôr em pratica francamente as boas condições regulamentares, no dia em que a administração tenha ali fiscaes seguros do cumprimento de taes condições, n'esse dia está creado o trabalho em Africa, está ganho um novo mundo. (Vozes: — Muito bem). Sei o que se objecta: a indolencia do negro, a sua rudeza, a sua falta de todas as noções da civilisação. Pois se lhe faltam é que importa dar-lhas. Pois para lhe crear tudo isso, que não tem, é a servidão preparatoria, mas servidão que não tenha já as condições da escravidão. Se o servo for, como é, como tem sido o escravo, apenas um instrumento de trabalho, um instrumento mechanico, sem se lhe communicarem affectos, sem se lhe despertarem interesses, em que mudará a sua feresa nativa? Será o homem da natureza, mal domado pela força, e por isso suspirando sempre pela sua isenção, e pelas suas florestas, em que ao menos vivia para sr. Conclue se que o negro repugna essencialmente ao trabalho, porque foge do trabalho em que nada lucra e tudo soffre. Tem-se ingenuamente por vicio da natureza o que é commum a toda a humanidade.

Dae aos brancos a vulgar condição dos negros, e vereis qual é o seu amor ao trabalho. Conservae-os na sua miseria e incultura originaria, e vereis se elles mostram espontanea diligencia para vos enriquecerem. O que se attribue ao negro está antes no modo porque o julgam sem olhar á vida que lhe dão. Em maior ou menor escala o negro é susceptivel de actividade e civilisação. Não o vemos ahi em tantos exemplos? Quaes se alegam em contrario? Já se tentou com a devida persistencia o ensaio que se condemna antes de se experimentar? Porque não terá o africano os naturaes incentivos dos outros homens? Porque não terá sequer os instinctos dos entes inferiores? Desconhecem lhes, cumprimem-lhes isso tudo por amor mal entendido e exclusivo do lucro, e querem ter homens civilisados! D'essa civilisação, a quem servem, e que lhes não serve, que tiram elles? Como hão de entende-la e ama-la? (Apoiados.)

Imaginae agora o africano devidamente tratado, vestido, vigiado, e educado, preparado emfim para a civilisação durante dez ou doze annos de uma servidão estabelecida em condições para isso calculadas e tornadas effectivas, tendo durante esse tempo contrahido os costumes da vida policiada. Quando sáe d'esse periodo vae fazer parte intelligente da sociedade, vae tornar se util, porque já conhece e aprecia o mundo em que vive, porque precisa trabalhar para conservar os costumes a que se avesou, satisfazer ás necessidades que contrahiu. Com o trabalho este servo pagou, e pagou largamente, ao amo que o empregou, essa aprendizagem, em que devem cooperar igualmente a humanidade e a religião. Creou riqueza, e fez se elle mesmo uma riqueza nova.

Ainda que se negue, ou se procure attenuar, é de todos reconhecido que a escravatura é mais um incentivo ás guerras do interior (apoiados). Se não é toda a causa d'ellas, faz-se estimulo para promove-las. D'ahi, e da mortalidade inherente á escravidão uma despopulação assombrosa, o augmento da ferocidade, a permanencia na bruteza, sem contar as atrozes vindictas. Organisae rasoavelmente o noviciado do trabalho a esses mesmos homens, tirae-lhes o gosto de vaguearem com o ensino e o conchego amoravel da familia, vinculae-os pelos laços da religião, e todos, todos com raras excepções, pelos seus vestidos, pelos seus alimentos, pelos seus prazeres até, se tornarão outros tantos consumidores, outros tantos elementos de commercio, do commercio mais seguro e pacifico do que o commercio dos sertões que despovoaes. Outra vez a economia confirmando a humanidade!

Será phantasia? Esta phantasia tem sido sempre uma realidade. Quantas regiões na Europa não foram já habitadas por tribus nómadas e bellicosas, sem mais noticia e amor da vida civilisada do que as hordas africanas? Para negar esta possibilidade tereis de negar todo o passado! (Apoiados.)

Pensa-se que o trabalho livre não produz em Africa? O trabalho livre produz em toda a parte, nem pôde deixar de produzir...

(Interrupção do sr. Joaquim Pinto de Magalhães.)

O Orador: — O trabalho livre é não só mais productivo, mas indubitavelmente mais atrahente, ou antes por ser attrahente é productivo. Porque não ha de o colono, alem do resgate, das reservas, do engajamento, tirar um interesse minimo que seja do lavor quotidiano? Vereis como o seu ardor se estimula. Seja menos intratavel a avidez do amo, seja menos absolutamente senhor, e ganhará muito mais. Ganhará mais interessando do que explorando. Mas se a exploração está nas tradições! Mas se o instrumento da exploração, o homem cousa, está tanto á mão, e custa tão pouco!

Pensa-se que não pôde haver na Africa trabalho livre! Mas s. ex.ª mesmo citou um exemplo concludente do contrario. E n'essa republica interior dos boers, muitos dos quaes directamente cultivam os seus campos, e levaram os costumes da sua patria ao interior dos sertões. (Interrupção.) E preciso applicar braços indigenas aos trabalhos indigenas! É. É direito dos proprietarios pedi-los; é dever do governo proporciona-los. Disse-o; repito-o. Mas não é menos necessario regulamentar, estabelecer as condições d'esse trabalho, ou antes a condição d'esses homens, acabar o cahos em que tem caído taes assumptos. E indispensavel definir tudo na nossa legislação, fazer cessar a confusão para fazer cessar os abusos, todos os abusos!

Mencionou o illustre deputado o que praticam os inglezes. Nas suas colonias as condições do trabalho estão geralmente reguladas. Tem pois o que nos falta. Prova-o a prosperidade a que chegam rapidamente. Mas que não estivessem reguladas essas condições, mas que se devessem notar graves exhorbitancias, parece-me que mais alguma cousa do que aberrações temos para copiar dos grandes povos, parece-me que um mal não desculpa outro, que o erro não absolve o erro.

A escravidão é o primeiro grau, o grau ínfimo na escala social. Não queiramos hoje, no seculo XIX, immobilisar a Africa n'esse grau. Que seria a Europa se tivesse pensado do mesmo modo quando vivia na mesma lei e com os mesmos resultados? Esta é a lição da historia. (Vozes: — Muito bem). Para condemnar a escravidão basta recordar que é a gémea da barbarie! (Apoiados). Quando não proceda d'ella, com ella vem a nivellar os mais florescentes estados. Olhae ainda para a pavorosa luta por sua causa travada no continente americano!

Avocou tambem s. ex.ª a emigração dos brancos para o Brazil, parecendo concluir que tem havido mais desvelo pelos negros do que por aquelles.

Têem-se dado effectivamente abusos crueis e vergonhosos na emigração clandestina dos europeus; mas não comparemos ainda assim, na generalidade, a sorte dos emigrados brancos com o commum dos escravos ou libertos ne-

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gros. O que tem algumas vezes succedido com os emigrados é excepção. Para os colonos africanos esta excepção é a regra.

Os abusos commettidos com os emigrados brancos, foram-o em resultado de fraudes, que os governos, não só agora, mas já desde 1855, honra seja aos cavalheiros que então geriam o poder, se empenharam em cohibir. As violencias de que é victima o colono negro são exercidos á sombra de uma legislação imperfeita, auxiliada por tradições locaes impregnadas de inveteradas barbaridades. A rasão dos abusos praticados contra os emigrados brancos é ainda a cruesa radicada nos roceiros pelo trato com os colonos escravos. A humanidade é solidaria.

A lei de 1856... de 1855, digo... destinada a proteger os emigrados brancos, por uma singular inversão, foi a applicada a auctorisar a exportação de engajados negros. O que serve de defeza a uns converte-se em instrumento de oppressão para os outros. Não ha comparação. Acautelando os emigrados brancos contra as fraudes dos engajadores, o governo fez o seu dever. Protegendo e regulando as condições do trabalhador negro faz o mesmo. Não confundamos; não prejudiquemos!

É certo, nenhum governo se descuidou de proteger a emigração branca...

O sr. Pinto de Magalhães: — O que é preciso é evitar os abusos.

O Orador: — Completamente de accordo; e para evitar os abusos, já depois da lei de 1855, differentes disposições têem sido tomadas. Mas o defender-se contra quaesquer abusos a emigração branca, não é rasão para se favorecerem outros abusos na qualificação e condição dos trabalhadores negros!

Concluindo, supponho ter indicado tão claramente, tão completamente, quanto cabe nas estreitezas de uma discussão accidental, qual o desejo, qual o fito do governo quando se trata da colonisação africana, quando se cuida da applicação dos braços á exploração do sólo.

Tudo se resume n'uma só idéa: cultivemos a terra; mas para cultivar a terra comecemos por cultivar o homem (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Sá Nogueira: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)

O sr. Pinto de Magalhães (Antonio): — Sr. presidente, pedi a palavra porque, tendo assignado a proposta do sr. deputado Seixas a respeito do subsidio de Angola, desejava expor á camara as rasões que me levaram a assignar esta proposta.

Vozes: — Já está votado.

O Orador: — Eu bem sei que sobre este ponto já a camara tomou resolução na sessão de hontem; porém como então não pude fallar, por se julgar a materia sufficientemente discutida, digne-se V. ex.ª permittir-me hoje que eu registe a minha humilde opinião aquelle respeito.

A illustre commissão de fazenda, de accordo com o governo, eliminou o subsidio para a provincia de Angola na importancia de 60:000$000 réis, e com uma parte d'esta quantia augmentou o subsidio da provincia de Moçambique, a qual se acha em discussão. Approvo o augmento do subsidio para a provincia de Moçambique, e entendo que elle é diminuto para occorrer ás necessidades d'aquella provincia; mas não posso de modo algum approvar a diminuição do subsidio para a provincia de Angola.

Fui eu, sr. presidente, que na sessão de 15 de março de 1851 tive a honra de submetter á illustrada apreciação da camara, que então funccionava, o projecto de lei para estabelecer um subsidio para a provincia de Angola. As rasões que então tive para tomar aquella iniciativa ainda subsistem na actualidade. Não foi para sustentar a guerra que eu pedi o subsidio. Os motivos estão expostos no pequeno relatorio que precede o projecto de lei que apresentei ao parlamento, do qual passo a ler parte.

«Senhores. — São de muita gravidade as circumstancias em que se acha a provincia de Angola, principalmente pela falta de meios para occorrer ás despezas que é indispensavel fazer com a sua administração.

Alem do deficit que monta hoje a mais de 100:000$000 réis, moeda do reino, em consequencia do augmento da força militar e de outras despezas occasionadas pelos acontecimentos que ali tiveram logar ultimamente, succede ainda acharem se os cofres publicos onerados de dividas contrahidas era casos urgentes com os cofres dos orphãos, dos defuntos e ausentes, e da junta protectora dos escravos e libertos, e com particulares; dividas que a moral publica manda respeitar, e que o governo do estado deve procurar satisfazer com a maior brevidade possivel.

Acresce a isto a necessidade geralmente reconhecida de levantar fortificações em diversos pontos d'aquelles territorios, não só para confirmar com o facto da occupação o nosso direito, como tambem para dar segurança aos seus habitantes, garantindo-lhes as vidas e propriedades contra as invasões do gentio, que tem repetidas vezes assaltado e assolado muitas das nossas povoações e estabelecimentos.

Sem a occupação militar não é possivel haver segurança na provincia, nem por consequencia desenvolver-se ali em grande escala a agricultura, sem a qual ella não pôde prosperar, nem mesmo manter se, apesar dos recursos que ainda porventura lhe subministre a industria extractiva, etc..»

A provincia de Angola tem actualmente um deficit para mais de 155:000$000 réis; tem de satisfazer enormes dividas, tem de levantar fortificações para defender das invasões do gentio o territorio portuguez, tem aggravada a sua despeza com o augmento, ultimamente feito, dos vencimentos da força militar de primeira linha, tem de a aggravar ainda com o augmento dos vencimentos dos empregados civis e ecclesiasticos, pois os actuaes vencimentos são insufficientes para a sua subsistencia, providencia esta que é ha muito tempo reclamada, e que é de rigorosa justiça se tome quanto antes.

Nestas circumstancias pois entendo que não era occasião opportuna para diminuir o subsidio para a provincia de Angola, embora haja paz nesta provincia, uma das rasões apresentadas pela illustre commissão para a diminuição do subsidio.

Folgarei muito que eu me engane, e que o sr. ministro da marinha e a illustre commissão do fazenda tenham rasão, e que os acontecimentos futuros não venham justificar a minha humilde opinião e as graves apprehensões que tenho.

A continuação dos subsidios não concorre, como ouvi dizer, para a inacção dos governos provinciaes. O que eu tenho observado é que a falta de recursos mata a iniciativa d'aquelles governos e fazem-nos esmorecer.

Eu quizera tambem que não se tivesse diminuido o subsidio para a provincia de Angola, porque desejo muito que o actual governador geral, a quem presto o meu leal e franco apoio em vista da sua illustrada administração, tenha os meios suficientes para promover os possiveis melhoramentos que elle deseja, e de que a provincia de Angola tanto precisa.

Algumas das leis mais importantes mandadas pôr em vigor nas provincias ultramarinas têem sido desacompanhadas das providencias indispensaveis, não só para a boa execução d'essas leis, como tambem para que d'ellas se tirassem os resultados que tiveram em vista, sem que os governos provinciaes tivessem graves embaraços na sua administração.

Assim aconteceu com o decreto de 10 de dezembro de 1836, que prohibiu a exportação de escravos para portos estrangeiros.

Nas provincias de Angola e Moçambique antes da execução d'este decreto eram os seus principaes rendimentos os direitos que pagavam os escravos que se exportavam, sendo em Moçambique de oito pesos e meio cada escravo, e tambem os direitos que pagavam as fazendas com que se compravam os mesmos escravos.

Mandou-se pôr em vigor o decreto de 10 de dezembro de 1836, mas não se mandaram para aquellas provincias os recursos necessarios para ellas poderem satisfazer os seus encargos. O que succedeu foi a grande crise por que têem passado aquellas provincias. Assim mesmo a provincia de Angola ía vivendo, mas o governo mandou occupar diversos pontos, e com estas occupações consumiu esta provincia os recursos que não tinha.

As despezas da guerra nestes ultimos tempos têem absorvido toda a importancia do subsidio, e por isso, comquanto agora haja paz, ainda deveria continuar o mesmo subsidio para satisfazer o fim para que foi destinado.

Não combato o parecer da illustre commissão de fazenda, e mesmo porque já não é occasião para o fazer. Torno a repetir, o meu fim é registar sobre este importante assumpto a minha humilde opinião.

Passo a dizer duas palavras a respeito da questão do trabalho que se levantou aqui.

E necessario que se resolva o mais breve que possa ser esta questão, que é altamente politica, social o economica.

E indispensavel que se regule o trabalho e se reforme em alguns pontos a legislação actual. Nos regulamentos que se fizerem devem estabelecer se disposições que dêem toda a protecção aos indigenas e força aos que tiverem de os educar e dirigir para os poderem fazer trabalhar.

O indigena africano, ainda no estado selvagem, não é uma cousa, é um homem, e quando elle entra na sociedade em que vivemos é necessario educa-lo de modo que venha depois da aprendizagem a concorrer para a mesma sociedade por meio do trabalho, com o quinhão que lhe pertencer. É por meio do trabalho livre que elle póde ser um cidadão util para si e para a nação a que pertence.

Os exemplos da Inglaterra e da França servem nos sómente para evitar os revezes o gravissimos prejuizos que estas duas nações soffreram nas suas colonias.

Deram a liberdade aos escravos, sem que estes tivessem ali realisado nenhum progresso, ou que os colonos lhes tivessem fornecido nenhuma protecção e educação. O resultado foi o que todos sabem; fugiram do trabalho e destruiram os engenhos e officinas de agricultura.

Devemos ter em vista estes revezes e gravissimos prejuizo», para sabermos o que mais nos convem fazer..

Finalmente, concluo pedindo ao nobre ministro da marinha que continue a empregar a esta solicitude na organisação d'este regulamento, resolvendo assim a primeira e a mais importante questão da Africa, que é a questão do trabalho (apoiados).

O sr. Gomes de Castro: — E unicamente para dizer ao illustre deputado que declarou que achava assas diminuto o subsidio que vem consignado no orçamento para a provincia de Angola, que não posso deixar de ver n'esta declaração uma tal ou qual censura á commissão de fazenda, e...

O sr. Pinto de Magalhães (Antonio): — Se tal se pôde entender, retiro a expressão. O meu fim era registar a minha opinião conforme as rasões que expendi no relatorio.

O Orador: — Pois bem: acredito que o nobre deputado não teve a menor idéa de fazer censura, mas sempre apresentou a idéa de que o subsidio era pequeno, porque ainda se davam as mesmas circumstancias que existiam quando elle foi pela primeira vez votado.

Direi ao nobre deputado que a commissão de fazenda n'esta parte teve em attenção todas as informações officiaes que lhe foram dadas pelo sr. ministro, bem como aquellas que constam do bem elaborado relatorio que s. ex.ª apresentou á camara em janeiro d'este anno.

Por esse relatorio e por essas informações, veiu a com missão no conhecimento de que as circumstancias tinham realmente variado, não só porque a receita aduaneira era mais importante, tinha crescido, como tambem porque outras medidas administrativas adoptadas n'aquella possessão tinham concorrido para o augmento d'essa receita, augmento que vae em progressão. A reducção do direito de capitação, por exemplo, tem dado um bom e valioso rendimento (apoiados).

O illustre deputado não tem muita rasão quando diz, que = o subsidio é pequeno =. Veja s. ex.ª que a differença § quasi nenhuma. O que ha no actual orçamento é uma melhor distribuição (apoiados).

Conservam-se 60:000$000 réis para a provincia de Angola, e são consignados para Mossamedes em especial réis 30:000$000. Ahi temos 90:000$000 réis. Temos mais réis 30:000$000 que o sr. ministro já propoz como subvenção ao banco ultramarino. São pois 120:000$000 réis. Esta quantia pela maneira por que é distribuida ha de dar os mesmos, senão melhores resultados, do que os 150:000$000 réis. Em se conseguindo desenvolver o credito e proporcionar os meios para o desenvolvimento do trabalho, a riqueza publica forçosamente ha de augmentar (apoiados).

Tanto o subsidio de 120:000$000 réis deve chegar, que o sr. Seixas, deputado por aquella provincia, tendo apresentado a sua proposta n'esse sentido, depois da explicação do nobre ministro, retirou a sua proposta.

Disse o illustre deputado que = o subsidio fôra votado para se fazerem fortificações =. Algumas se têem feito já, e o governo está na idéa de as fazer progredir, porque tambem as considera necessarias para a segurança do commercio. Consta-me que o sr. ministro muito proximamente tenciona mandar para lá o necessario material de guerra, e está apenas á espera de navio em que o possa remetter.

Emquanto á grande questão que se agitou na camara sobre o trabalho nas provincias africanas, a camara deve fazer me a justiça de acreditar que as minhas idéas são exactamente as que apresentou o sr. ministro da marinha, e creio que são tambem as da camara. Parece-me até mesmo impossivel que se possa pôr em duvida, no seculo em que vivemos, e sendo tão geral o conhecimento dos principios mais rudimentaes da economia politica, que ha uma grande superioridade do trabalho livre sobre o trabalho escravo. De que ha necessidade é de regular o trabalho nas provincias africanas; mas por modo nenhum se pôde sustentar a necessidade de ali existir a escravidão (apoiados).

O sr. F. L. Gomes: — Pouco e muito pouco tenho que dizer. O nobre ministro da marinha preveniu me quasi em tudo o que eu julgava dever dizer sobre a questão que hontem se levantou. Não esperava este incidente. Não o podia esperar n'uma camara liberal como esta, e no seculo era que vivemos. O nobre ministro em relação á questão da escravidão deu explicações categoricas. Eu applaudo-as todas, acho-as não só eminentemente liberaes, mas eminentemente catholicas.

O nobre ministro da marinha não se illudiu com as theorias de Benthan com esse utilitarismo seductor que é a morte de todos os sentimentos nobres, que é a negação completa da moral, e que tendo a estabelecer o imperio da força. Não o querem para si e querem transportar essas theorias para Africa! Triste contradicção! As boas doutrinas passam sempre por utopias.

Os homens que se encarregam de realisa-las recebem o diploma de utopistas! Utopista chamaram ao nobre marquez de Sá da Bandeira, utopistas hão de chamar aos que quizerem completar a sua obra de regeneração da Africa. Quanto a mim não podia o nobre marquez levantar um padrão de gloria melhor e mais duradouro para si do que tem n'aquellas providencias humanitarias que adoptou em relação á África, providencias que soffreram guerra dos interesses offendidos, das supremacias derrocadas, mas a que ninguem pôde contestar a qualificação de liberaes.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Victor Hugo encontrou miseraveis no centro da cidade mais illustrada e das mais populosas, encontrou miseraveis na cidade do París; mas escaparam lhe ess'outros miseraveis que povoam as terras de Africa, e a quem a Providencia, não sei com que fim mysterioso e superior á minha rasão, deu o involucro das trevas. Triste rotulo que tem sido argumento para lhes negarem os fóros de homens, e para os converterem em machinas em proveito de outros com quem a Providencia n'esta parte foi mais benigna (apoiados). A raça africana traja o luto que recebeu das mãos da natureza.

Quer-se o café barato, quer-se o assucar barato, quer-se a commodidade, e para uso, e só para uso seja escravo o preto, imponham se-lhe os mais duros trabalhos, applique se o açoute!

E necessario que sejamos coherentes, é necessario que sejamos logicos. A liberdade não distingue a côr. A liberdade é um principio universal, e quando se declina dos principios hão de se admittir as consequencias. Quando se abraçam as excepções é contar que os principios estão perdidos, dizia madame de Stael. E assim é. N'este ponto, como em muitos outros, eu não posso ir alem do nobre ministro da marinha com a erudição que tem, e com a elevação de idéas com que sempre falla n'esta casa.

Como disse o nobre ministro — o estado primitivo do homem foi a barbaria, do estado da selvageria passou para a escravidão, da escravidão para a servidão. Eu acrescento que da servidão para o feudalismo, e do feudalismo para a liberdade. Passou por todos esses estados, e a civilisação foi lenta e gradual. Pois porque não se quer adoptar a imagem desse processo, embora lento e vagaroso, mas natural e historico em relação á Africa? Porque os não querem preparar gradualmente para a liberdade (apoiados).

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Eu quero que se incuta no selvagem o amor da civilisação, quero que seja educado, quero que se exerça sobre elle uma tutela paternal; mas esses meios suasorios, esses meios christãos, não são o escravisa-lo, o força-lo ao trabalho. Ha entre uns e outros uma distancia incommensuravel. Reconheço que é necessario o trabalho na Africa, mas não tenho nenhuma fé no trabalho forçado. É só efficaz o que vem de iniciativa propria.

Cita-se o exemplo da America. Eu desejava que se citasse o exemplo da America em muitas cousas, não n'esta Mas saiba o nobre deputado e meu particularissimo amigo que trouxe esse exemplo da America, que n'esse mesmo paiz ha partidos a favor da liberdade e partidos contra ella. A guerra que devora aquelles vastos paizes está-o provando horrorosa e eloquentemente. E não são partidos que se restrinjam ou se limitem a meia duzia de homens, são partidos que se manifestam na imprensa, que contam martyres, que traduzem a sua actividade em formar associações em que as proprias senhoras têem tomado parte. E não tarda a hora em que a escravidão ha de ser riscada do codigo da America do Sul.

O sr. Joaquim Pinto de Magalhães: — Peço a palavra para uma explicação, caso me não chegue sobre a materia segunda vez.

O Orador: — Eu vou limitar as minhas observações ao que é mais necessario. Não estava prevenido para esta questão que é vasta.

O trabalho livre é mais fecundo do que o forçado, disse o nobre ministro da marinha. A economia pela bôca dos seus mais dignos representantes o tem demonstrado muitas vezes. O justo harmonisa-se com o util, problema que hoje não é difficil resolver.

Mas quero mesmo conceder que não seja assim. A philosophia não esperou que a economia politica lhe ensinasse que o trabalho livre era mais fecundo para proscrever a escravidão e a servidão. Foi Christo quem deu o primeiro golpe n'essas instituições, deu-o sem hesitar, porque não tomava chá nem café (apoiados. — Riso.) O filho de Deus restituiu á humanidade os seus titulos, pregou a igualdade, a fraternidade e a justiça. Caíram á sua voz as barreiras dos climas, das côres e das raças. O genero humano appareceu um.

Discutia se ainda na Europa se o trabalho livre era mais fecundo, se os climas quentes consentiam outro genero de trabalho que não fosse o dos escravos, se o escravo era mais feliz na sua submissa irresponsabilidade, ou n'uma liberdade que não sabia apreciar, quando a escravidão caía em Inglaterra, em Portugal e em varios paizes. Era o christianismo que triumphava (apoiados).

O utilitarismo é bom, é facilimo, a civilisação demanda paciencia, caridade, constancia, e todas essas virtudes que renderam a aureola de santo aos que emprehenderam na Asia e Africa tão meritoria obra. Os fructos estão se vendo agora abundantes e duradouros. Pôde o trabalho forçado conseguir esses resultados? Não, mil vezes não. Podem enriquecer-se meia duzia de homens, mas a humanidade ha de perder sempre.

Nada mais facil que dizer-se — escravi-se, em logar de dizer - civilise-se (apoiados); nada mais facil do que dizer — force-se, obrigue-se, opprima-se, em logar de dizer — infunda se o amor do trabalho, provem-se os commodos da civilisação, eleve se o homem aperfeiçoando-o moral e materialmente (apoiados).

Isto é processo vagaroso, lento, mas processo cujas consequencias são mais duradouras e abençoadas do céu.

Eu folgo com as idéas (e senti não estar presente) que o sr. ministro da marinha exprimiu hontem n'esta casa, em relação ao trabalho forçado e commodo por que quer organisar o trabalho na Africa. Applaudi hontem, applaudo hoje, e desejarei sempre que se sentem n'aquellas cadeiras cavalheiros que tenham a elevação de idéas e uma alma tão nobre como a tem o nobre ministro da marinha (apoiados). Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro da Marinha: — Pedi a palavra unicamente para dar ao illustre deputado, que acaba de fallar, e aos outros oradores que tomaram parte na discussão antes d'elle, uma breve explicação.

Saí breves momentos da sala porque deveres impreteriveis me forçaram a isso. Tinha de expedir ainda algumas ordens e prevenções para a corveta que vae saír para Cabo Verde.

Pensei que estes deveres imprescriptiveis me dispensavam justificadamente de comparecer aqui por instantes. A camara -sahe, e os illustres deputados não menos, quanto me empenho em taes discussões (apoiados), e a attenção e a consideração que presto, como devo, aos oradores que n'ellas tomam parte (apoiados).

Aproveito a occasião para agradecer ao illustre deputado, que sempre admiro, a benevolencia extrema das suas expressões para comigo.

O sr. B. F. de Abranches: — -Estava bem longe de pedir a palavra para tratar dos negocios do ultramar, por occasião de se discutir o orçamento do ministerio da marinha; reservava-me tratar das cousas do ultramar quando n'esta casa se discutisse o orçamento das provincias d'alem mar.. Entretanto o sr. Joaquim Pinto de Magalhães e o sr. ministro da marinha, tendo se referido á provincia que tenho a honra de representar n'esta casa, entendi que alguma cousa devia tambem dizer a respeito da colonisação.

Estou perfeitamente de accordo com as idéas emittidas pelo sr. -ministro da marinha, mas entendo que para se regular o trabalho dos libertos da Africa é preciso primeiro que em todas as provincias ultramarinas haja quem trabalhe...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço a palavra para antes de dar a hora, a fim de se prorogar a sessão até se votar este capitulo.

O Orador: — Todos sabemos que nas ilhas de S. Thomé e Principe se fazem estereis esforços para se obter os braços de que ali se carecem, e o sr. ministro da marinha disse que = apenas tinha havido um individuo, que era o sr. conselheiro João Maria de Sousa e Almeida, que tinha tratado de levar libertos de Angola para a provincia de S. Thomé =. Devo dizer — que não foi só este o unico individuo que pediu e se promptificou a levar colonos libertos da provincia de Angola para S. Thomé: ha outros, como os srs. Pedreira e José Maria de Freitas, que solicitaram a mesma cousa, e a respeito d'este ultimo consta-me que o conselho ultramarino foi de parecer que se concedesse a mesma permissão que se tinha concedido ao sr. conselheiro Almeida; no entretanto parece-me que o governo não resolveu ainda esta pretensão.

Eu queria que o governo não titubiasse em presença das contínuas exigencias do governo inglez, evitando assim que as ilhas de S. Thomé e Principe deixem de ter os braços que lhes são precisos para arrotear os ferteis terrenos que ali existem. Não quero que para aquellas ilhas se mandem escravos, e por isso já n'esta casa apresentei dois projectos de lei, e no principio d'esta sessão fallei na necessidade de serem approvados aquelles projectos.

Se não tenho insistido na minha idéa é porque tenho esperado que o illustre ministro traga uma providencia que regule este objecto, tanto mais porque vi que s. ex.ª tomou a iniciativa sobre este assumpto, nomeando uma commissão para lhe apresentar um projecto de lei, regulando a colonisação para as nossas provincias ultramarinas. S. ex.ª já tomou a iniciativa sobre este objecto, e portanto era de meu dever esperar por estes trabalhos, e ver se os meus projectos eram ou não approvados pelo governo.

Estou convencido de que, do não cumprimento do decreto de 10 de dezembro de 1836, tem resultado proveito e lucro a muitos moradores do nosso continente da Africa, e a muitas auctoridades que têem sido mandadas para o ultramar; porém se do não cumprimento d'este decreto tem resultado, não só a riqueza de muitas auctoridades e governadores geraes, tambem tem resultado o definhamento ou o não progresso de outras provincias ultramarinas, como tem acontecido a S. Thomé.

O illustre deputado, o sr. Pinto de Magalhães, disse, e muito bem, que os inglezes quando aprisionam algum navio com escravos os levam para as suas possessões, e ali os obrigam a um trabalho forçado.

Se os inglezes aprisionam navios, é porque das nossas provincias ultramarinas sáem esses navios carregados de escravos, e tudo isto se teria evitado se, quando se publicou o decreto a que me referi, se tivesse publicado immediatamente o decreto que meia tarde ordenou o registo dos escravos; providencia esta que só appareceu em 1854; assim mesmo foi ella mal cumprida.

Concluo aqui as minhas reflexões, pedindo ao nobre ministro da marinha haja de declarar em que estado se acham os trabalhos da commissão por s. ex.ª nomeada em 4 de março de 1863, para tratar da questão da colonisação; se esses trabalhos se acham adiantados, devemos esperar brevemente uma medida que vá levar a vida, o progresso e a civilisação á ilha de S. Thomé; mas se os trabalhos estão pouco adiantados, então na proxima sessão terei de insistir pelos meus projectos. Espero ouvir a resposta de s. ex.ª

Por esta occasião direi o mesmo que disse o ar. Pinto de Magalhães a respeito das eleições do ultramar; a liberdade da uma foi mantida em todos os circulos das nossas provincias ultramarinas; o sr. ministro da marinha não influiu nem consentiu que as auctoridades locaes influissem nas eleições. S. ex.ª desejou e conseguiu uma eleição livre, e oxalá que as eleições no continente do reino sejam tão livres como foram as do ultramar (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Peço que se consulte a camara se permitte que se prorogue a sessão até se concluir a discussão do orçamento do ministerio da marinha (apoiados).

Consultada a camara, decidiu afirmativamente. E posto logo á votação o

Subsidio para despezas da provincia de Moçambique — foi approvado.

Para supprimento das despezas publicas de Timor e melhoramentos da barra de Goa—40:000$000 réis —foi logo approvado.

Para despezas do ultramar, verificadas na metropole — 50:000$000 réis—foi logo approvado.

O sr. Presidente: — Ha sobre a mesa uma proposta do sr. Francisco Luiz Gomes, que se vae ler para sobre ella se votar.

O sr. Gomes de Castro: — A commissão de fazenda aceita a proposta do sr. Francisco Luiz Gomes.

E a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que dos 40:000$000 réis, propostos para supprimento das despezas publicas de Timor, e melhoramentos da barra de Goa, sejam destinados 5:000$000 réis para esta ultima obra. = Francisco Luiz Gomes. Posta a votos, foi approvada.

O sr. Presidente: — Está concluida a discussão do orçamento do ministerio da marinha, agora vou dar a palavra que se pediu para explicações.

O sr. José de Moraes (sobre a ordem): — Parece-me que, tendo acabado a discussão do orçamento do ministerio da marinha, e havendo um projecto de lei de iniciativa do sr. ministro da marinha para a suppressão do logar de comprador do arsenal, seria mais conveniente votar-se desde já este projecto, que é o n.° 35, para que não figure no orçamento uma verba que tem de ser alterada (apoiados).

O sr. Presidente: — Como o projecto a que o illustre deputado se referiu tem toda a ligação com o orçamento que acaba de votar-se, vae por isso entrar em discussão.

E o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 35

Senhores. — A commissão de marinha, tendo examinado a proposta de lei, apresentada pelo governo, para ser supprimido o logar de comprador junto ao conselho de administração de marinha, passando as compras denominadas de miudos a serem effectuadas pelo conselho de administração de marinha, e attendendo a que resultará d'esta reforma diminuição na despeza publica e simplificação no serviço, é de parecer que a proposta do governo deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E supprimidos logar de comprador junto do conselho de administração de marinha.

Art. 2.° As compras denominadas de miudos serão effectuadas pelo conselho de administração de marinha, que terá sempre para esse fim á sua disposição as -sommas necessarias.

Art. 3.º O governo fará no regulamento do dito conselho as alterações convenientes á execução do artigo antecedente.

Art. 4.° O actual comprador será considerado aspirante supranumerário da terceira direcção da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, conservando o vencimento de 300$000 réis annuaes e a graduação militar de que actualmente gosa, e entrará para o respectivo quadro na primeira vacatura occorrente n'esta classe.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala da commissão, em 12 de março de 1864. = Francisco Maria da Cunha = D. Luiz da Camara Leme = Levy Maria Jordão = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = Joaquim José Rodrigues da Camara. Este projecto derivou da seguinte

PROPOSTA DE LEI N.° 29 - B

Senhores. — O decreto com força de lei de 6 de setembro de 1859, organisando o conselho de administração de marinha, mandou que passasse o comprador do arsenal a servir junto aquelle conselho.

Estatuía porém o regulamento do referido conselho de administração, de 27 de setembro de 1859, n'esta parte não derogado, antes implicitamente confirmado pelo de 12 de janeiro de 1860 (§§ 3.° e 4.° do artigo 6.°), que as compras excedentes ao valor de 500$000 réis fossem feitas pelo conselho em praça publica, reservando sómente para serem adquiridos pelo comprador os generos ou objectos de menor custo, seguindo-se os tramites do estylo, e precedendo informação do procurador do conselho.

Em presença de tal disposição é claro que se o conselho de administração pôde bem e zelosamente fiscalisar e adquirir valores acima de 500$000 réis, muito mais competente ha de ser para as acquisições inferiores aquella quantia.

Vencia o comprador do arsenal o ordenado de 300$000 réis annuaes. Passando a exercer as novas funcções em virtude do citado decreto, como por este fóra arbitrada a gratificação de 240$000 réis ao funccionario que servisse de comprador de conselho, ficou este funccionario recebendo effectivamente 540$000 réis, e conservou á sua disposição um servente do arsenal para o auxiliar no desempenho de attribuições que assim se tornaram tão secundarias e accessorias.

D'esta resumida exposição se evidencia que bem pôde e deve o conselho administrativo ser encarregado das compras, hoje commettidas a um comprador, visto que tem servente para as effectuar, procurador para informar, e o mesmo conselho é in totum responsavel pelas acquisições que se fazem. Simplifica-se por este modo o serviço, e evitam-se redundancias do pessoal, supprimindo se uma superflua entidade cujos vencimentos ou se não achavam perfeitamente definidos na lei respectiva, ou no orçamento figuravam em contradicção com as disposições fundamentaes d'essa lei.

Quanto ao encarregado d'estas funcções abre se-lhe logar na terceira direcção do ministerio, e offerece se lhe larga compensação no accesso que se lhe proporciona e até aqui não tinha.

Resultará d'esta combinação a immediata economia de réis 240$000 annuaes, e de 540$000 réis para o futuro, logo que o empregado entre no quadro.

A tão attendiveis rasões acresce a recommendação que esta camara fez ao governo na anterior sessão legislativa por occasião de se discutir o referido orçamento, recommendação que se não podia deixar de ter na grave consideração que recommendo o respeito dos principios de que se inspira o regimen parlamentar.

Tenho portanto a honra, senhores, de submetter-vos a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É supprimido o logar de comprador junto ao conselho administrativo de marinha.

Art. 2.° As compras denominadas de miudos serão effectuadas pelo conselho de administração de marinha, que terá sempre para esse fim á sua disposição as sommas necessarias.

Art. 3.° O governo fará no regulamento do dito conselho as alterações convenientes á execução do artigo antecedente.

Art. 4.° O actual comprador será considerado aspirante supranumerário da terceira direcção da secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, conservando o vencimento de 300$000 réis annuaes é a graduação militar de que actualmente gosa, e entrará para o respectivo quadro na primeira vacatura -occorrente n'esta classe.

Art. 5.& Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 3 de março de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Foi logo approvado na generalidade.

O sr. Sant'Anna e Vasconcelos: — Requeiro que se dis

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pense o regimento, para se passar já á discussão na especialidade.

Resolveu-se affirmativamente. — E posto á discussão e logo á votação o

Art. 1.° — foi approvado.

Art. 2.°, 3.°, 4.° e 5.° — successivamente approvados.

O sr. Ministro da Marinha: — O illustre deputado por S. Thomé desejou saber o estado em que se acham os trabalhos da commissão nomeada em 4 de março de 1863. Apresso-me a satisfazer aos seus desejos. Devo dizer ao illustre deputado que já estão organisados em grande parte os projectos respectivos ás questões de que se trata, que os mandei imprimir para serem distribuidos exemplares d'elles por cada membro da commissão, e assim facilitar o seu exame e a sua discussão preparatoria. As differentes requisições dirigidas ao governo pedindo braços, para servirem em S. Thomé, dependem de se levar á execução o regulamento que se está confeccionando. Parece-me que seria prejudicar o serviço n'aquella provincia, e a utilidade da medida, se fizessem as concessões antes de reguladas as condições d'ellas. Seria depois uma especie de novação de contrato, tardia e, inopportuna, talvez prejudicial.

Agora folgarei de dar um justo testemunho ao illustre deputado o sr. Joaquim Pinto de Magalhães: s. ex.ª não recommenda, não quer de certo a escravatura (apoiados).

O sr. J. P. de Magalhães: — Apoiadissimo.

O Orador: — Quer como nós o trabalho effectivo, e isso quer muito bem. Tambem nós o queremos, que é o meio de fazer progredir as nossas provincias do ultramar. Quanto a desejar a escravidão, ninguem a deseja (apoiados), ninguem a quer (apoiados), nem nós homens parlamentares e constitucionaes a podiamos querer porque seria isso condemnar a nossa propria origem e existencia, que toda deriva da liberdade (apoiados — Vozes: — Muito bem.)

O sr. J. Pinto de Magalhães (para uma explicação): — Eu disse que na Africa era necessario o trabalho, que a questão de Africa só se resolvia por via do trabalho e fiz distincção entre o trabalho livre e o trabalho forçado, pronunciando-me pelo trabalho livre (apoiados). Quero que o homem seja livre (apoiados), e supponho que uma das maiores iniquidades da humanidade é ser considerado o homem como cousa de outro homem (apoiados). E por esta occasião disse que em theoria todos nós admittiamos o trabalho livre, mas lamentava o facto de que differentes governos, como os de França, Inglaterra, Hespanha e Estados Unidos, na pratica provassem o contrario, e obrigassem o homem, por via de engajamentos, ao trabalho forçado. Apresentei as duas hypotheses, e conclui pedindo ao sr. ministro da marinha que, em consequencia da promessa que hontem fez n'esta casa, empregasse todos os seus meios e esforços para se fazer uma constituição, regulamento, ou como lhe quizerem chamar, para o trabalho, porque as nossas possessões de Africa não podem desenvolver-se sem trabalho; é necessario que os productos que a natureza ali apresenta, como são o café, arroz assucar e algodão, sejam produzidos pela raça preta, mas é necessario empregar os meios, para a trazer a esse trabalho, talvez seja necessario empregar meios fortes, mas é necessario faze-lo; ha de vir á discussão este objecto, e então eu apresentarei as minhas idéas sobre elle.

Mas entenda-se bem que eu não quero a escravatura de maneira nenhuma (apoiados), aborreço-a (apoiados), é uma cousa indigna, vil e abjecta (apoiados repetidos); quero que o homem seja livre (apoiados), e quero que o trabalho livre seja (apoiados). Quero que o homem seja livre, mas quero que trabalhe, porque nós estamos subvencionando as nossas provincias ultramarinas e não tirâmos d'ellas os resultados que deviamos tirar pela falta de trabalho. Estão dadas as explicações.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje, e mais os projectos n.° 109, de 1862; n.° 44, da presente sessão; n.° 34, de 1862; e n.° 2, de 1863.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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