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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
não quando deixa de o ser. E a prova é que está hoje legislado como garantia, por exemplo, em materia eleitoral, o escrutinio secreto, que é a negação da publicidade. E v. ex.ª estará lembrado que ainda ha pouco tempo, pedindo-se n'esta casa votação nominal sobre um parecer ácerca de uma eleição, levantaram-se difficuldades e desistiu-se do requerimento. Porque se não quiz então a publicidade (apoiados)? É porque se entendeu que tinha inconvenientes (apoiados). Para que não haja duvida ácerca do meu pensamento, no assumpto direi francamente que para mim, no regimen representativo, a publicidade é a regra, a não publicidade a excepção.
É mister porém determinar até onde n'este ponto vae a publicidade, e em que termos póde ella ser recusada.
O que temos observado n'esta casa e o que se observa no regimen parlamentar dos outros paizes (e posso citar essas auctoridades, porque o exemplo não tem patria) é que no pedido de documentos officiaes, se subentende a clausula — não havendo inconveniente (apoiados). E sendo assim é claro que se torna juiz o governo, e que a elle incumbe similhante apreciação.
Poderia citar em favor d'esta doutrina os precedentes auctorisados da Inglaterra e da Belgica, mas recorrerei apenas ao exemplo da Hespanha, pois que n'este ultimo paiz e no tempo em que as côrtes eram constituintes e soberanas, se não estou enganado, o general Prim recusava á camara alguns documentos, com o fundamento de inconveniencia na sua publicidade.
Sr. presidente, das proposições aqui apresentadas em contrario deduzirei ainda a verdade da doutrina que sustento.
Admittiu-se desde logo excepção para os documentos diplomaticos; e quando o sr. presidente do conselho citava n'esta casa um exemplo fatal de remessa de documentos que deu logar a um incidente por todos deplorado, respondeu-se — é porque esses documentos eram confidenciaes.
Segunda excepção.
A proposito, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu cite um exemplo, sem todavia citar as pessoas que n'elle figuraram. Pediu-se uma informação a um alto funccionario ácerca de um individuo que pretendia ser nomeado para um emprego; esse alto funccionario respondeu que nada lhe constava; mas o correio portador d'esta resposta trouxe um carta particular ao director da secretaria dizendo — que n'um tempo em que se publicavam todos os documentos tinha receio de dizer a verdade, entretanto devia declarar que esses individuo era incapaz de exercer funcções publicas. Não se atreveu a dizer officialmente o que entendia, porque receiou a publicidade, mas o remorso de faltar ao seu dever obrigou-o a prevenir particularmente a sua omissão.
Não trato de indagar se este funccionario faltou ao seu dever; sustento porém que a publicidade póde ser em certos casos a negação de uma garantia, dando logar a que o governo não seja lealmente informado pelos seus subordinados.
Aceitando a excepção que se fez para os documentos confidenciaes, peço licença para perguntar o que se deve entender por confidencial?
Se se entende como tal todo o documento que tem no principio esta nota, dá-se ao governo o meio de os subtrahir á publicidade, e fazendo que todas as respostas fiscaes tenham esta indicação.
Esta qualidade, pois, não provém de qualquer designação externa, deriva-se da propria natureza do assumpto. E quem ha de ser o juiz n'este caso, senão o proprio governo que tem o documento em seu poder? (Apoiados).
Depois d'esse documento ser entregue á publicidade é que se ha de resolver se elle é ou não confidencial? Não póde ser, sr. presidente; e, desde que os illustres deputados confessam a excepção dos documentos confidenciaes, hão de necessariamente admittir como consequencia que o governo
é juiz em taes casos, porque seria eminentemente absurdo empregar o meio da publicidade para decidir se o negocio é de segredo.
Tem pois o governo um certo arbitrio sobre a apresentação ou recusa d'esses documentos (apoiados). Póde abusar como de muitas outras faculdades que lhe são concedidas pela constituição. Mas para isso ha um remedio; a sua responsabilidade legal e a sua responsabilidade parlamentar. Dá-se-lhe um voto de censura. São estes os principios seguidos em toda a parte (apoiados).
Esta questão para mim não é só d'este governo, mas de todos os governos (apoiados). O que não desejo é que a pretexto de qualquer hostilidade politica se estabeleçam precedentes insustentaveis e perigosos (apoiados).
Entro agora mais particularmente no assumpto para que fui provocado pelo meu illustre collega e amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey, que perguntou hoje, e creio que tinha já perguntado em outra sessão, qual era a attitude do partido regenerador n'esta casa. A esta interrogação vou eu responder clara e categoricamente.
Todos sabem que o partido a que tenho a honra de pertencer, tem um programma que póde ser modificado pelas circumstancias, pelo progresso e pelas necessidades sempre crescentes da sociedade, mas que tem principios claros, certos e definidos. O governo não é o executor d'esse programma, nem o representante do nosso partido.
E todavia não lhe temos creado nenhuns embaraços nem suscitado nenhuma especie de difficuldades. Temo-lo apoiado sincera e lealmente em todas as questões de administração e de fazenda (apoiados). E esta attitude não é nova; é o resultado de proposito firme e claramente manifestado.
Recordarei á camara, que no tempo em que o sr. bispo de Vizeu era a alma do gabinete, d'este mesmo logar eu declarei, em nome do partido o que me honro de pertencer, que não levantariamos estorvos ao ministerio, nem lhe recusavamos o nosso concurso nas questões financeiras e administrativas. E cumprimos firmemente a nossa promessa, votando-lhe até impostos, que tenho a certeza que os meus amigos politicos não proporiam, e tudo isto pela necessidade superior de elevar a receita, guiados por intuitos patrioticos, por altas e elevadas considerações de interesse publico que não podem nem devem ser preteridas por nenhuma paixão ou sentimento de hostilidade.
Não são pois os que então julgavam sensato o nosso procedimento que devem estranhar hoje a nossa coherencia.
Em tão graves circumstancias recusâmos a responsabilidade de provocar crises politicas, e de adiar a solução das urgentes questões, financeiras e administrativas. Seguimos pois o caminho que as circumstancias da Europa e as nossas difficuldades internas nos tem até este momento aconselhado.
Está pois definida claramente a nossa posição e dada a resposta ao sr. visconde de Moreira de Rey.
Desejâmos moderação nos partidos, solicitude e auctoridade no parlamento (apoiados), e que esta camara se não deixe arrastar demasiadamente pelo espirito de partido, que por uma d'estas aberrações da consciencia faz ás vezes saír de uma boa intenção um acto detestavel.
Ao governo pedimos lhe que se occupe incessantemente das questões de fazenda e de administração. Os governos estão sujeitos á lei universal do trabalho; e os que se acham sentados n'aquellas cadeiras sabem perfeitamente, e sabe-o especialmente o sr. presidente do conselho, tão largamente experimentado na gerencia dos negocios publicos, que governar não é perpetuar-se no poder, mas aproveita-lo em beneficio da nação.
Vozes: — Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
O sr. Francisco de Albuquerque: — Primeiro que tudo preciso perguntar a v. ex.ª se se está antes da ordem do dia?