O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO N.º 72 DE 5 DE MAIO DE 1896 1549

 figura lendaria do infante D. Henrique, que ostenta, no mais eminente grau, todo o espirito de temereria aventura, e o providencial destino, da nossa raça, devemos as frotas disciplinadas e audazes, que, depois de aportarem aos Algarves d'alem mar, se engolpharam, com assombro do mundo inteiro, no oceano tenebroso, e foram, sobre o mysterio das ondas, em busca do Preste Johão das Indias.

A escola de Sagres deu-nos os melhores marinheiros, arrojados navegadores do mar alto, e pacientes prescrutadores da arriscada navegação costeira. Ferestrello, Zarco, Tristão Voz, Gil Eannes, Fernão do Magalhães, Bartholomeu Dias, Alvares Cabral, e tantos outros, são nomes aureolados de imperecivel gloria, que bastam para solidamente fundamentar o mais nobre orgulho de um povo.

Durante o seculo XVI, seiscentos e noventa navios redondos dobraram o Cabo da Boa Esperança, duzentos naus de linha sulcaram os mares das Indias, e, apesar da titanica grandeza d'este esforço, nunca deixaram de cruzar, no nosso extenso litoral, poderosos esquadras de protecção, e ainda tivemos vasos de guerra para brilhantes ostentações do nosso poderio maritimo, como a esquadra de D. Martinho Castello Branco, de dez naus, dois galeões, e quatro goles reaes, que conduzia D. Brites, a desposar o duque de Saboya, e a armada de Antonio, de Saldanha, de vinte galeras, e quatro galeões, entre os quaes se contava o celebre S. João, com 366 bocas de fogo, e com talhamar de aço, que rompia, como rompeu, a todo o panno, a cadeia do porto da Golêta, e deu a Carlos V a victoria de Tunis.

Formidavel poder maritimo foi então o nosso!

No seculo XVII atravessa-se uma phase de estacionamento, mas logo no seguinte, sob a iniciativa fecunda e a acção energico de Martinho de Mello, opera-se uma profundo remodelação, e realisam-se notaveis progressos.

A bandeira portugueza volta o tremular, respeitada, e altiva, no tôpo dos mastros das nossos armadas, e reconquistamos o nosso logar como potencia maritima, com quem era mister contar-se.

No bloqueio de Malta, e nos cruzeiros da Sicilia, demos da nosso força naval valioso demonstração, pelo esquadra do marquez de Niza, onde as naus Principe Real, Rainha de Portugal, Affonso de Albuquerque e S. Sebastião, as corvetas Andorinha e Benjamim, e os brigues Falcão e Gaivota, mantiveram em devida altura as honrosas tradições dos nossos maiores.

Ainda em 1807, ao passo que seguiam para o Brazil oito naus de linha, quatro fragatas, e sessenta navios de transporte, ficavam tristemente ancoradas no Tejo as naus S. Sebastião, Maria I, Princeza da Seira, Vasco da Gama, e as fragatas Phenix, Amazona, Perola, Tristão e Venus! Se relembrâmos, senhores, estas epochas aureas do nosso poderio maritimo, tão sómente o fazemos para accentuar bem, pelo frisante contraste com o nossa desoladora situação actual, a imprescindivel e inaddiavel urgencia de mettermos hombros á patriotico empreza da reconstituição da nosso marinha de guerra. Não nos illudâmos, nem nos desalentemos. Não vamos suppor, mais uma vez, com o pensamento de fugirmos a sacrificios financeiros, que podemos continuar a manter-nos dignamente nas relações internacionaes do mundo moderno, e defender, como é impreterivel dever de honra nacional, os nossos vastos dominios ultramarinos, com os escassos, para não dizer nullos, elementos de guerra naval, que possuimos, e que, dia a dia, deperecem.

Não caiâmos tambem, em desalentada inacção, succumbidos sob o peso do encargo, quo se nos impõe.

São poucos os nossos recursos, e luctãmos com difficuldades de toda a ordem, bem o sabemos; mas a lucta não é senão a vida, e o valor está em vencer com pouco, ou morrer com honra.

Da coragem dos nossos bravos marinheiros não descremos por um só momento, e não fazemos mais do que render justo e merecido preito aos heroicos descendentes dos maiores heroes da nossa historia. Que todos elles saberão morrer, na hora do perigo, dando o ultimo tiro, e soltando o ultimo brado de saudação á patria, é ponto de fé, dogma santo da pura religião, do brio e decoro militar, que todos professam com devotado zêlo e singular rigor.

Cabe, porém, aos governos dar-lhes os meios, quando não de vencer, de morrer, ao menos, combatendo pela patria, por quem dão a vida.

Não póde deter-nos o passo, nem suspender por um momento o nosso proposito, a consideração tão falsa, como vulgar e repetida, de que, por maiores que sejam os sacrificios, e por melhores que sejam os desejos e esforços, não poderemos, nunca, ter elementos de poder naval, que bastem, para nos defrontarmos com as grandes potencias maritimas.

Falsissima orientação é esta, infelizmente tão espalhada pelos que, perante um grande mal do patria, antes preferem achar um simulacro de argumento, com que justifiquem a sua inacção, do que arcar de frente com as difficuldades, e luctar por demovel-as.

Se houvesse visos de procedencia em tal raciocinio, desarmariam os pequenas nações os seus arsenaes de guerra, cessariam as suas construcções navaes, annullariam as suas esquadras, porque nenhuma d'ellas, de per si, poderia bater-se, em toda a sua força, com as poderosas esquadras inglezas.

Nas relações internacionaes, cada povo vale pelo que é, na proporção dos seus recursos, e dos seus meios de ataque, ou de defeza. Não se hesito, quasi nunca, n'uma violencia, quando, de antemão, se sabe da impossibilidade de resistir quem se vão hostilisar. Vacilla-se, e quasi sempre se recua, ante uma acção abusiva de força, quando, antecipadamente, se tem a certeza de que o abuso ha de encontrar resistencia, firme no direito que se defende, e heroica pelo dever de honra, que se impõe.

Não póde ser pretensão nosso disputar primasias ás grandes nações da Europa; mas cumpre-nos, por dignidade, e por interesse proprio, não nos distanciarmos d'aquellas de quem deveramos estar ao par, senão que preceder até, em armamento naval.

É, infelizmente, com mágua profunda, muito embora, é forçoso confessal-o, os mappas comparativos dos marinhas de guerra dos diversos paizes, que offerecemos á vossa ponderação, o reflectido exame, são de molde a convencer-nos, ao primeiro golpe de vista, de que, muito nos distanciámos, em atrazo, de quem, deveramos estar distanciados pelo avanço.

E tantos são os que nos tomaram a dianteira, que vamos atrás de todos.

A compenetração absoluta d'esta tão triste como indiscutivel verdade, traz comsigo, logicamente associada, a adhesão completo á patriotico empreza, que o governo teve a honra do submetter á vossa apreciação, na proposta de lei n.° 9, das medidas de fazenda, que, firmemente o cremos, ha de merecer o vosso mais vivo applauso.

For virtude d'essa providencio, um fundo especial, relativamente importante, se constitue, cercado de cautelas e garantias, para, rigorosa applicação do seu destino legal, qual é, - a reconstituição da nossa marinha de guerra.

Como, porém, de longa data é reconhecida a urgencia de acudir a esta instante necessidade do governo, e se tenham lá feito importantes trabalhos preparatorios, que muito convem aproveitar, e ainda porque, acima de tudo, mister é não perder mais tempo, vimos, desde já, solicitar a vossa auctorisação para que, da quantia realisada pelo emissão complementar das obrigações dos tabacos, posso o governo applicar, até á importancia de 2.800:000$000 réis, na acquisição de navios de guerra, comprehenden-