SESSÃO NOCTURNA N.º 72 DE 28 DE MAIO DE 1898 1295
Para divagar á vontade, repetiu a insinuação de que a baixa recente das obrigações da companhia real se devia decerto a manejos dos contratadores do emprestimo. Depois da maneira tão clara e concludente como o nobre ministro da fazenda nos explicou as circumstancias que tinham originado essa baixa, tal insinuação não devia ter sido feita no parlamento portuguez, sem uma prova fulminante. (Apoiados.)
Discutia tambem o illustre deputado dois episodios que antecederam a assignatura do contrato, um referente ás letras vencidas em 15 de março, e outro ás instrucções dadas ao nosso agente financial em Londres.
Eu alludo a estes pontos, porque s. exa. admirou-se muito de que o nobre ministro da fazenda não os tivesse apreciado no seu brilhante discurso de hontem.
Se o illustre estadista assim procedeu, foi porque quiz manter uma escrupulosa correcção, que demonstra bem a sua dignidade e abnegação, postas já, a toda a luz pela leitura dos documentos que appareceram na folha official. (Apoiados.)
Pois vou eu referir-me a elles.
O nobre ministro da fazenda tinha letras a vencer em 15 de março. Quatro dias antes fazia passar os saques para a reforma das antigas letras e mandava expedir para Paris as novas, em condições que estas podiam chegar muito a tempo...
O sr. Conde de Burnay: - Está enganado.
O Orador: - Eu estou discutindo á vista de documentos officiaes, cuja verdade e authenticidade não posso pôr em duvida.
V. exa. está já inscripto. Fallará depois. Emquanto o não fizer, não me póde interromper para negar sem provas o que affirmo.
Á vista d'aquelles documentos pratica-se uma cruel injustiça, accusando-se o nobre ministro da fazenda de desleixado e imprevidente por causa da reforma das letras de 10 de março. (Apoiados.)
Quanto ás instrucções dadas ao nosso agente financial em Londres, a verdade é que até 26 de março o nobre ministro da fazenda esteve sempre convencido de que o contrato se redigiria nos termos da minuta franceza, já combinada.
Foi no dia 26 que s. exa. recebeu o aviso de que lhe era remettido o texto inglez, segundo o qual o contrato seria assignado. Esperou portanto o texto redigido em conformidade com a minuta ingleza.
A 28, o mandatario financeiro do governo mandava-lhe um telegramma, dizendo que o agente financial em Londres tinha achado conformes as duas minutas. Ainda assim, no dia 29, o nobre ministro mandava expedir um telegramma áquelle funccionario, prevenindo-o de que não assignasse o contrato pela minuta ingleza, senão no caso d'ella ser a traducção fiel da minuta franceza, já em seu poder.
E no dia 30, recebendo finalmente a famosa minuta ingleza, e reconhecendo que as duas na realidade differiam muito, apertado pelo tempo, e vencido pela urgencia das circumstancias, concordou por ultimo com a minuta ingleza, mas, ainda assim, introduzindo-lhe alterações que a approximavam muito do que antes se combinára. (Apoiados.)
Esta é a exposição serena dos factos, tal como elles se deduzem á face dos documentos, e estes destroem o castello de cartas que se tem querido levantar sobre a responsabilidade do governo na assignatura do contrato tal como elle se ultimou. (Apoiados.)
O illustre deputado o sr. Mello e Sousa notou ainda e apreciou demoradamente a declaração do sr. ministro da fazenda "de que tem sido sobria, mais do que sobria, austera a administração do actual gabinete!"
S. exa. contra essa affirmação apresentou um argumento fulminante: "ella não póde ser verdadeira, visto que os recursos do thesouro mal têem chegado para os encargos do estado. Isto prova que taes economias nunca se realisaram!"
As despezas publicas foram votadas para o anno economico de 1898-1899 em menos 2:400 contos de réis do que as do anno economico corrente. Mas o estado ainda, apesar das economias feitas, lucta com deficits.
O que concluo o sr. Mello e Sousa?
Conclue que essa reducção não tem valor algum. Suprema logica de um financeiro que alvoreceu, não se sabe porque, para a politica portugueza com todos os sacramentos de um futuro ministro da fazenda. (Apoiados.- Risos.)
Essas economias são reaes, são o complemento de outras iniciadas logo que o gabinete progressista se organisou. Tinha rasão o sr. conselheiro Ressano Garcia em se orgulhar da severidade com que nos ultimos tempos têem sido administrados os dinheiros publicos. Tinha rasão em reptar os deputados da minoria a que o confundissem com os esbanjamentos e actos de desperdicio a lançar á conta da actual situação. Vimos todos como se levantou esse repto. O sr. Mello e Sousa só apresenta como prova dos esbanjamentos d'esse governo, que já conta dezeseis mezes de existencia, o credito especial para o rancho da guarda municipal, credito especial determinado pelo aggravamento do preço das mais essenciaes subsistencias alimenticias. (Apoiados.)
Foi esta a unica prova que o illustre deputado regenerador descobriu para apresentar, elle o representante de um partido que só em 1890, n'uma faustosa reorganisação da guarda municipal augmentou os encargos do thesouro em 125 contos de réis, dos quaes 8 contos de réis foram para lustre e engrandecimento da magnifica banda da mesma guarda! (Apoiados.)
Uma voz: - 8 contos de réis para musica!...
O Orador: - Quando um governo, como o que hoje occupa o poder, vae diminuindo dia a dia o exercito de addidos que lhe legaram, evita todas as nomeações illegaes ou inuteis, simplifica com economia os principaes serviços e para contra prova d'esses processos de severa administração, os seus adversarios, desafiados a desmentil-o, citam apenas um acto como o sr. Mello e Sousa citos, esse governo póde orgulhar-se de ter cumprido a sua missão, e nós, os d'este lado da camara, tambem nos podemos orgulhar por o acompanharmos com a nossa confiança. (Apoiados.)
Quereria seguir o sr. Mello e Sousa em todas as suas considerações, mas s. exa. nada mais disse a não ser que os esforços de qualquer governo pouco ou nada influem na questão cambial, confissão preciosa que os seus correligionarios de certo não lhe podem agradecer.
E por ultimo estranhou mais uma vez s. exa. que o nobre ministro da fazenda tivesse feito referencias aos actos do sr. Hintze Ribeiro como ministro, pela extravagante rasão d'esse homem publico, a quem o illustre deputado, no auge da sua admiração fetichista, chamou excellentissimo estadista, não ter assento n'esta casa do parlamento.
N'isto deu a alta questão de moralidade, que tanto se quiz avolumar. (Apoiados.)
Não tenho auctoridade para fazer exhortações á camara. Mas abono-me na sinceridade da minha palavra, na sinceridade do meu pensar e do meu sentir para lamentar que estejamos aggravando por nossas proprias mãos a crise em que nos debatemos. (Apoiados.)
O credito nacional está bastante doente, bastante susceptivel para se resentir de quaesquer esforços que o pretendam ferir. (Apoiados.)
A opposição parlamentar, creio bem que não tem sido para prejudicar o paiz, porque acredito no seu patriotismo, mas sim pelos impulsos de uma ardente paixão partidaria, tem querido levantar, nos ultimos mezes, successivas campanhas de moralidade. Não preciso accentuar o