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Discurso que devia ter logar no Diario n.º 87, a pag. 1223, col. 1.ª, lin. 15

O sr. Pereira Dias: — Não leio agora a minha moção de ordem, mas declaro a v. ex.ª que tenho, não só uma,, mas duas moções, que em tempo competente mandarei para a mesa.

Tratando-se de instrucção publica, e tendo-se fallado muito sobre medicina, a camara não estranhará que eu, lente da universidade e medico, falle tambem sobre a instrucção e medicina; mas como eu julgo que a nossa questão de fazenda ha de resolver tão bem, poupando nós o tempo das discussões, desde já prometto á camara que serei muito breve.

Abri a discussão do capitulo 4.º, dizendo que = a nossa instrucção publica carecia mais de obras do que de palavras =. Creio ter dito uma verdade de que a camara deve estar convencida, especialmente depois de ter ouvido os admiraveis discursos dos srs. Andrade Corvo e José Luciano de Castro. Oxalá que ás suas palavras eloquentes sigam as indispensaveis reformas que toda a nossa instrucção publica urgentemente reclama!

Devo declarar aqui, e n'esta occasião, que o sr. Andrade Corvo discorreu sobre todos os ramos da instrucção publica com profundo conhecimento do assumpto, com bastante verdade, muita clareza, imparcialidade e cortezia, mostrando o particular empenho que tinha em não melindrar as susceptibilidades dos individuos e corporações.

Peço a s. ex.ª que aceite esta minha declaração, não como simples e mero cumprimento de cortezia, mas expressão sincera dos meus cordiaes sentimentos.

Cumpria-me dirigir a s. ex.ª estas palavras, e permitta-me a camara que eu lhe exponha succintamente os motivos que tinha para assim o fazer.

No parlamento, na imprensa, nas academias e conselhos escolares, por muitas vezes e em differentes epochas, se ha debatido com calor e paixão um especialissimo assumpto de instrucção publica superior. A injustiça de uns, as offendidas susceptibilidades de muitos e a paixão de todos irritaram de tal modo o debate, que os doutos adversarios se apresentaram no campo da luta, como irreconciliaveis inimigos.

E quem sabe e conhece o malefico influxo das paixões desvairadas, não deve maravilhar-se de que assim succedesse. Quantas vezes entre irmãos que beberam o mesmo leite, que professam as mesmas crenças, que trabalham e cooperam para o mesmo fim se não levantam tempestuosas contendas, assopradas pelas paixões do espirito desvairado!

E os adversarios, a que me refiro, universitarios e escolares eram tambem, deviam ser irmãos, porque eram filhos da mesma mãe, da mãe de todos — a sciencia.

Vêde então, sr. presidente, o universitario e o escolar se olhavam como inimigos, e assim eram considerados na opinião publica. Ainda hoje, aqui mesmo n'esta camara ha quem pense que a imitação d'esses debates, que os resentimentos d'essa lufa permanecem e continuam no animo de uns e de outros; e a prova d'isto observei-a eu quando o sr. Andrade

Corvo annunciou á camara o plano do seu discurso. Alguns collegas se approximaram de mim, dizendo-me — a universidade vae ser escalavrada.

Não se inquietem, lhes respondia eu; a universidade, a pacifica universidade não teme os ataques acintosos e injustos de quem quer que seja, e muito menos se arreceia do espirito esclarecido e justiceiro do sr. Andrade Corvo.

Não me enganei, sr. presidente; o sr. Andrade Corvo bateu ás portas da universidade com delicadeza, cortezia e respeito; apontou-lhe alguns defeitos, mas depois de ter apontado os defeitos de todos os estabelecimentos scientificos do paiz, d'aquelle mesmo de que s. ex.ª é digno ornamento.

A universidade abrirá sempre as suas portas á critica justa e imparcial, recebendo-a com agrado e respeito, mas repellirá ou desprezará os insultos aggressivos, que porventura lhe dirijam, partam elles d'onde partirem.

Devia expor á camara estas considerações para lhe mostrar que o meu respeito pelo talento do sr. Corvo era sincero.

Sr. presidente, eu desejo que terminem de uma vez para sempre essas miseraveis contendas entre a universidade e as escolas, filhas de mesquinhas e ridiculas rivalidades. Respeitemo-nos mutuamente e reconheçamos todos que tanto a universidade como as escolas têem prestado ao seu paiz valiosos serviços, educando e instruindo eminentes homens de estado, professores, magistrados e militares.

Sr. presidente, permitta-se-me a phrase que é muito da universidade, tenho um palpite, e é que á fusão politica dos partidos ha de seguir-se a fusão scientifica da universidade com as escolas. Se todos querem e desejam este accordo, franco, leal e sem reserva, estipule-se então a condição essencial sobre a qual deve elle assentar; e vem a ser — tanto a universidade como as escolas carecem de ser reformadas, porque tanto n'uma como nas outras ha defeitos a corrigir e a reformar, de modo que estes estabelecimentos scientificos satisfaçam á particular missão para que foram creados.

A nossa instrucção superior, o paiz inteiro, lucrarão muito com esta fraternal harmonia; do contrario é difficil, senão impossivel, reformar bem o que deve ser reformado.

Permitta-me agora a camara que eu entre n'outra ordem de considerações. Serei breve.

Da instrucção primaria e secundaria pouco direi. O estado d'estes dois ramos de instrucção publica é como o descreveu o sr. Andrade Corvo — miseria e confusão.

Quer a camara a reforma da instrucção primaria e secundaria? Vote para o orçamento respectivo avultadas sommas de dinheiro. Nada mais e nada menos. E quando isto se fizer, e que não póde deixar de fazer-se e o mais breve que for possivel, será então occasião opportuna para cada um expor a sua opinião sobre o assumpto.

Por emquanto basta que a camara fique cabalmente convencida de que é indispensavel esta reforma, e ao governo cumpre apresenta-la na proxima sessão legislativa. De passagem direi só ao sr. José Luciano de Castro, que não confio muito na iniciativa particular em assumptos de instrucção publica; esta iniciativa é um pouco mais efficaz nas emprezas lucrativas de outra ordem.

Emquanto ao principio do ensino obrigatorio, que existe nas nossas leis, desejava-o eu ver realisado na pratica. Não o julgo uma utopia, e o que eu sei é que na Allemanha e n'outros paizes tem produzido maravilhosos resultados. As minhas idéas sobre instrucção primaria reduzem-se ao seguinte: ensino obrigatorio, pagando-a aos pobres e vendendo-a aos ricos.

Fallarei agora ácerca da instrucção superior, referindo-me particularmente á universidade.

Sr. presidente, a universidade tem defeitos, disse-o aqui o sr. Andrade Corvo. E tem, e muitos.

A universidade tem muitas velharias; esta é a phrase que tantas vezes tenho ouvido. Tem os defeitos da sua velhice, porque a universidade é muito velha, mas portugueza de lei.

As escolas têem defeitos; e têem e tambem muitos. Tem os defeitos da sua juventude, porque as escolas são muito jovens; portuguezas de lei não sei se o são.

Sr. presidente, a universidade é velha, mas ao lado dos defeitos da sua velhice, encontram-se a gravidade e a seriedade, proprios tambem d'esta idade. A universidade é velha, mas os seus atavios, rabicho e cabelleira impõem profundo respeito. A universidade é velha, mas não tanto que não seja muito activa e zelosa no cumprimento dos deveres, que lhe impõe a sua especial missão scientifica. A universidade é velha, mas está bem conservada e de dia para dia vae remoçando.

As escolas são jovens mui formosas, enfeitadas elegantemente, muito instruidas, variadamente instruidas e mui galantes. A universidade ao lado das escolas é um respeitavel e galante contraste.

A universidade é aristocratica; tambem se lhe tem assacado este defeito. Não devia eu responder a esta accusação, que parte da democracia scientifica do nosso paiz. Todos sabem o que ella vale. É a conhecida tactica de todas as democracias; accusam e insultam a velha aristocracia para se enfeitarem depois com as fitas e commendas, que tanto ridicularisaram; e depois inventam certas genealogias, onde encontram graus de parentesco com a velha aristocracia.

A universidade não é aristocratica, mas se o quizesse ser, tinha pergaminhos de mais para o ser. Nós, os lentes da universidade, não somos aristocratas; pelo contrario, somos de sangue vermelho. A aristocracia scientifica de hoje por ahi anda repimpada em luxuosos trens, emquanto que nós, humildes universitarios, andamos ainda a pé, do mesmo modo que andam os villões, nossos collegas.