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N.º 9 SESSÃO DE 12 DE ABRIL. 1853.

Presidencia do Sr. Silva Sanches.

Chamada: — Presentes 80 Srs. Deputados.

Abertura: — Ao meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA

Uma declaração: — Do sr. Cyrillo Machado, participando que o sr. Soares de Azevedo não póde comparecer na sessão de hoje por motivo justificado. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do sr. Saraiva de Carvalho, participando que o seu máo estado de saude obsta a que compareça á sessão de hoje. — Inteirada.

2.º Do ministerio do reino, acompanhando as representações dos alumnos da escóla medico-cirurgica de Lisboa e Porto, sobre os gráos e outros objectos, e os mais documentos requisitados por esta camara; não vindo junto o relatorio annual da escóla medico-cirurgica do Porto, de que, sobre n.º 3, tracta o officio que lhe foi enviado, por ter sido já remettido á camara. — Á commissão de instrucção publica.

3.º Do mesma ministerio acompanhando os mappas sobre a estatistica e movimento da instrucção publica, satisfazendo assim a um requerimento do sr. J. E. de Magalhães Coutinho. — Para a secretaria.

4.º Do ministerio da marinha, participando que logo que possa ser dispensada no conselho-ultramarino, onde está para consultar, a relação das terras do estado na provincia de S. Thomé e Principe, modernamente enviada pelo respectivo governador, será remettida a esta camara; e declarando que não póde enviar uma relação das mesmas terras, que daquella provincia foi enviada em 1825, por se não achar no archivo da secretaria; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Pereira Carneiro. — Para a secretaria.

5.º Do ministerio das obras publicas, acompanhando um exemplar do regulamento das mattas, satisfazendo assim a uma requisição da commissão de fazenda. — Á commissão de fazenda.

6.º Do mesmo ministerio dando as informações que foram pedidas pelo sr. Corrêa Caldeira sobre celleiros communs. — Para a secretaria.

7.º Do mesmo ministerio, acompanhando a cópia feita por Micheloti em 1812 sobre o projecto de um canal de communicação entre o Téjo e Sado, assim como as cópias da planta e perfis respectivos, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Garcia Peres. — Para a secretaria.

Foram remettidas á commissão de fazenda as contas da gerencia do ministerio dos negocios do reino, relativas ao anno economico de 1850 a 1851, e do exercicio do anno economico de 1849 a 1850.

O sr. Presidente: — A deputação que ha-de assistir amanhã ao Te-Deum em acção de graças pelo restabelecimento de Sua Magestade o Imperador de Austria será composta dos

Srs. Frederico Leão Cabreira.

Conde de Saldanha.

Alexandre Botelho de Vasconcellos.

José Jacinto Tavares.

Antonio Pinheiro Ozorio.

Simão José tia Luz.

Lourenço de Sousa Cabral.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Acaba de chegar á mesa um officio do sr. Corrêa Caldeira, participando que, por motivo justo não póde comparecer á sessão de hoje.

A camara ficou inteirada.

O sr. J. M. de Andrade — No impedimento do sr. relator da commissão de estatistica, e por parte desta commissão mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Ficou sobre a mesa, a fim de ler ámanhã o expediente decido.

O sr. Pinto de Almeida: — Na sessão de 25 de fevereiro propuz que se officiasse aos srs. deputados que ainda não tivessem comparecido nem dado escusa, e officiou-se pela primeira vez; e na de 29 de março pedi se officiasse segunda vez; hoje mando a seguinte proposta para a mesa. (Leu)

Aproveito esta occasião para declarar que retiro a minha interpellação, annunciada em 21 de março ao sr. ministro da fazenda, a respeito do tabaco máo que se vendia nos estancos de Coimbra, porque estou satisfeito com as ordens que s. ex.ª deu neste sentido.

O sr. Presidente:, — A proposta fica para segunda leitura, e toma-se nota da desistencia da interpellação ao sr. ministro da fazenda.

O sr. Palmeirim: — Ha dias o sr. deputado Magalhães Coutinho apresentou á camara um projecto sobre — regulamento do serviço de saude do exercito — este projecto foi remettido á commissão de saude publica, que foi realmente muito bem indicada; como porém neste projecto se póde conter alguma provisão sobre economia e administração puramente militar; parece-me que deve tambem ser ouvida a commissão de guerra, e para esse fim vou mandar uma proposta para a mesa.

O sr. Alves Martins: — Desejo ser informado pela mesa, se já chegaram os esclarecimentos que eu pedi, pela secretaria da justiça, em nome da commissão ecclesiastica. Se ainda não vieram, peço que se officie novamente á secretaria da justiça para que venham quanto antes esses esclarecimentos, que são de absoluta necessidade á commissão ecclesiastica.

O sr. Faria e Carvalho: — Desejava tambem sabem saber se já vieram os esclarecimentos pedidos pela commissão de fazenda, sobre os bens nacionaes pedidos pelas camaras municipaes; e no caso de não terem vindo pedia que se officiasse novamente á se-

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cretaria de estado dos negocios da fazenda, para que venham esses esclarecimentos.

O sr. Presidente: — Tanto o sr. deputado que acaba de fallar, como o sr. Alves Martins queiram mandar para a mesa notas dos objectos, que indicaram a fim de renovar o pedido ás respectivas secretarias.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto n.º 7, acêrca dos actos da dictadura.

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, as sentinellas não dormem! Estamos vigilantes; escutamos Indo, e sabemos tudo. Desta vez não é preciso sermos acordados pelo canto dessa ave pequena e rasteira, que pasta nas lagoas, dessa avo que só levanta o collo para grasnar. Um soldado velho da liberdade, encanecido e endurecido no seu serviço, e sectario das suas doctrinas não precisa ser acordado para ser vigilante por ella; mas ouve, não escuta, não attende o brado daquelles que, tendo commungado com a democracia, achando demasiadamente puro o ar que ali respiravam, fugiram della, para se lançarem em todas as facções anómalas, sem significação e sem elevação politica, para exprimir a sua saudade pelo passado, e defenderem privilegios por que anhelam. Sr. presidente, e o que resta a estes soldados sem nome e sem devizas, senão fazerem de mestres-salas, senão avaliar se o tabellião póde mais, se é mais consideravel que o banco, ou que a commissão? Sr. presidente, o tabellionato é uma instituição respeitavel, e nem todo o mundo póde ser tabellião, que é preciso ter e dar fé, e aquelles que reconhecem que a não têem, declaram-se incapazes deste officio. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu não quero ser tabellião) O Orador: — Não o póde ser, porque já aqui declarou que não tinha fé.

Sr. presidente, deixemos isto, e discutamos seriamente os negocios do estado, como convém ao nosso caracter, e ao logar que occupamos. ti permitta-me a camara que eu, antes de dar a minha opinião sobre o merecimento da dictadura, explique que as dictaduras entre nós significam o absurdo da palavra, a falla de disciplina nos partidos, a relaxação do principio pai lamentar, o uso de apresentar as leis no parlamento, o modo de as discutir, e até, finalmente, o nosso anno parlamentar. Eu já sou um argumentador contra o systema parlamentar como esta estabelecido; porque depois de ler atravessado o largo das Côrtes, que é uma zona africana, tenho a voz secca, não posso fallar, e por isso reputo impossivel o systema parlamentar em similhante mez, em similhante dia, e em similhante paiz. O nosso anno parlamentar é pessimo; é preciso, quando começa o calor, que se feche o parlamento. As nossas leis são pessimamente apresentadas no pai lamento, porque não se apresentam leis, apresentam-se leis com os seus regulamentos os mais minuciosos possiveis, os mais pequenos, de maneira que nós não vimos aqui para ser unicamente legisladores, vimos para exercer tambem o officio do ministro de estado, do governador civil, e até do administrador do concelho, porque descemos ás mais minuciosas disposições sobre a execução das leis. Não ha exemplo em parlamento nenhum do mundo, que se possa comparar com o que se passa entre nós. Fóra d'aqui discute-se tudo isto em muito poucos dias: aqui fazem-se immensas leis, e a sociedade fica do memo modo que estava; e isto significa que ha uma grande necessidade de administração. A tudo isto accresce a grande abundancia de palavras, que se emprega nas discussões. Eu concordo em que o direito da palavra, assim como o direito individual, é um direito consignado pela carta constitucional, mas tambem é necessario conceder que este direito tem certos limites, assim como os tem o direito individual, para não se fazer delle o abuso que se póde fazer em prejuizo da causa publica. O unico correctivo que encontro para o illimitado uso da palavra é a tribuna. (Apoiado) A falta da tribuna é essencialmente reconhecida, porque sem se tolher a palavra a ninguem que a peça, toma as discussões muito mais respeitaveis.

Sr. presidente, quando o systema parlamentar está atacado e calumniado em tola a parte, é necessario aproveitar o tempo para se emendarem os defeitos que se tem introduzido nelle. Eu declaro a v. ex.ª que se agora -e tractasse disso, supprimia a resposta ao discurso da corôa, (Apoiado) e o primeiro acto por onde o parlamento havia de começar os seus trabalhos, era o orçamento: (Apoiados) parece-me que era este o unico modo de ter governo liberal e governo administrativo. Todas as questões que aqui se tractam fóra da discussão do orçamento, são questões de administração, questões de finanças, e questões de politica, e todas estas questões se podem tractar com mais utilidade publica na discussão do orçamento; porque está á testa da administração, supponhamos um governo cuja politica nos não agrada, pois por ventura em uma questão de impostos não podemos nós combater essa politica, e dar o nosso voto a favor ou contra o ministerio nessa questão, para o fazer cair parlamentarmente? Da mesma fórma em todas as outras questões.

Para mim a discussão do orçamento havia de ser a primeira discussão da inauguração dos trabalho, parlamentaras, e havia de acabar pela resposta no discurso da corôa; é mesmo a ordem historica da resposta ao discurso da corôa. O que significa a resposta ao discurso da corôa? E para mostrar ao publico este jogo que ha entre os diversos poderes do estado; mas se isto podia ser necessario em uma época em que o povo não conhecia bem as formulas constitucionaes, hoje póde dispensar-se, porque este systema é já conhecido; o que é preciso e procurar o modo mais util de o levar ás verdades praticas, porque este é o fim de todos os governos.

Sr. presidente, esta é a explicação geral desta dictadura: a explicação de todas que foram, e de todas as que existiram, e de todas as que hão de vir. Que penso eu pois a respeito desta dictadura? Censuro a dictadura em si — o modo — louvo a intenção, e approvo o facto. Esta é a minha opinião a respeito de todos os principios, de todas as questões, e de todas as providencias que podem ser sujeitas á nossa decisão.

Sr. presidente, o governo dissolveu a camara passada contra o meu voto. Eu não quero malquistar ninguem; mas havendo differentes parcialidades na camara transacta, póde intender-se, qual dellas privou com os srs. ministros nos conselhos da Soberana, e que se satisfez tomando-se esta medida. Eu era contra a dissolução porque o meu pensamento unico, e talvez por não ser bem comprehendido se

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possa suppôr da minha parte uma grande deslealdade ao meu partido, mas era um grande principio, foi formar em volta da nação uma grande coallisão de todas as fracções politicas do partido liberal, da qual saissem bons governos, que dotassem este paiz de todas as medidas de melhoramentos materiaes e reformas de que tanto carece. Esta foi a minha unica idéa, pela qual eu empreguei, ainda que sem resultado, a acção de todos os meus recursos: empreguei todo o meu credito, toda a minha pessoa, para se realisar este meu pensamento, por que só assim é que eu julgava que se podia tomar uma posição forte contra os ataque, que se fazem ao systema representativo e ás idéas liberaes, que apezar desses ataques espero que se ha de fumar, e saír triunfante de todas as calumnias que se lhe tem lançado e ficar completamente estabellecido conforme aos principios da civilisação moderna, tendo por base a liberdade da democracia. (Muitos apoiados)

Mas a dissolução da camara teve logar e depois da dissolução que haviam de fazer os ministros! Mão tinham senão duas politicas a seguir — ou legislar ou absterem-se de todo o exercicio de poder legislativo, lazer estudar todas as questões pendentes, habilitar-se para apresentar ao parlamento as leis de que o paiz precisava, dar um exemplo de severidade em materia de legalidade, pôr um cravo na roda das dictaduras e restabelecer pelo seu exemplo o systema parlamentar; era missão nobre e grande, mas era heroica e perigosa, porque não sei se o governo poderia atravessar toda essa época na inacção, porque durante esse tempo de estudo, durante esse tempo de preparo, nada saía do governo, e nós não gostamos de dictaduras, mas ainda gostamos menos de governos, que não fazem nada; de maneira que quando um governo não faz nada, dizemos que esse governo está inerte, que não tem acção nenhuma no paiz, que está morto, e ninguem quer passar por morto. O governo legislou, pois, porque se não legislasse morreria de inanição, e legislou na segunda dictadura, porque não tinha legislado na primeira.

A pouqueza da primeira dictadura é que trouxe a profusão da segunda. A regeneração foi uma grande revolução, não pelo modo porque se fez, mas pelas exigem ias que sobre ella rodaram, pelas esperanças que ella excitou, pelos males publicos que devia curar, pelas reformas que devia intentar; havia portanto unia grande espectativa. O governo na primeira dictadura absteve-se de legislar; viu que a camara era chamada a satisfazer a todas essas exigencias; mas não aconteceu assim, porque as diversas parcialidades da camara não se puderam intender, e o governo dissolvendo a camara, lançou-se na segunda dictadura; de maneira que, logica e historicamente, a segunda dictadura é a primeira. Os ministros foram apoucados, mesquinhos, miudos na primeira dictadura; estavam hesitando entre o principio da necessidade e o principio da legalidade; consultaram o parlamento, não se deram bem, e lançaram-se na segunda dictadura; esta é, sem approvação nem desapprovação, a explicação do facto.

Que devemos nós fazer diante desta dictadura? Dizem que a não devemos approvar, 1.º pela letra da carta; 2.º pelos discursos dos nobres deputados da direita; 3.º pelo máo precedente, e 4.º pelo perigo desta doutrina. Ora, sr. presidente, a carta não póde ser invocada porque é um principio de convenção, que a carta foi morta, foi rasgada; já se sabe que a carta foi rasgada: o que se pergunta é, se este mal, se esta infracção é perdoavel, se o parlamento se julga com poderes para approvar esta absorpção do systema representativo, e de adoptar os resultados que daí vieram; esta não é a objecção, é a questão ella mesma.,.

«Mas os discursos dos illustres deputados daquelle lado?» Oh! Esses fazem-me um grande pezo. Mas esses discursos que são 1 Doutrina? Não preciso que tragam o seu sello, a doutrina sei eu. Conselho? Ah! Então pede a prudencia que eu examine se esse conselho é leal ou não leal, se é interessado ou não interessado, se leva ao bem ou leva ao mal, se convem ás minhas vistas politicas etc. Os nomes são respeitaveis, mas a doutrina é mais antiga e mais forte. E tão antiga e tão forte que os obrigou a apostatar diante della toda a sua politica de tantos annos; tão forte e tão antiga, que os obrigou a uma conversão humilde; mas ostentosa! Sr. presidente, eu creio na doutrina e não creio só agora depois deste milagre de ver repentinamente convertidos a ella tantos corações empedernidos, tantas intelligencias obsecadas, depois de tantas mofas do systema representativo, de tanta irrisão a quem pedia a sua execução, de tão pouco escrupulo em applicar os principios que agora se julgam sanctos!.. Creio, pois na doutrina, mas não creio no conselho, e se eu tivesse uma apoucada razão, se eu quizesse guiar o meu procedimento politico simplesmente por esta condição, bastava que os srs. deputados me aconselhassem, para eu duvidar se devia seguir esse conselho.

«Mas o precedente?» Ora o precedente é temivel. E por ventura o nosso precedente evitará que haja mais ou menos dictaduras? O nosso precedente lerá mais poder do que tiveram todos os outros? Se nós todos protestarmos e jurarmos, que esta dictadura é a ultima, se os srs. deputados, em nome da opinião que representam, nos promettem acabar as dictaduras se nós votarmos contra esta; eu creio que o governo mesmo faz um sacrificio, embora tardio, aos principios constitucionaes, e retira todas as leis que promulgou, se nós todos assignarmos um compromisso de acabarmos com as dictaduras por uma vez.

Mas. sr. presidente, o nosso precedente não tira nem põe nada para a resolução dos srs. deputados no futuro, e nós, votando podemos consultar a nossa razão, a nossa consciencia, os interesses da nossa posição sem nos importar com o precedente.

«Mas os perigos?» Os perigos realmemte é um argumento temivel, mas este argumento faço-o eu, eu é que o faço a mim mesmo, e faço-o tomando todas as precauções para delle deduzir todo; esses perigos. Pois por ventura não é este escrupulo demasiado pelos principios constitucionaes n'uma certa e dada opinião, por certos e determinados Individuos, não é uma desconfiança confessada na força do nosso caracter, na efficacia das nossas crenças? Eu não admitto esta suspeição. Para mim quando alguem se levantar e citar os precedentes, eu respondo comigo e com a minha vida, porque a minha logica é a minha consciencia; e os partidos e os homens que não podem proceder assim, não tem acção, não tem força, não tem auctoridade. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Se se refere a mim, digo que tenho tanta força como o sr. deputado; tanta ou mais) Eu não citei

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o nome do illustre deputado, porque o regimento me véda. V. ex.ª em quanto eu fallar, ha de manter o uso do regimento, porque eu hei-de calar-me até que se me faça boa a liberdade que a carta e o regimento me consentem... (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu lhe responderei á letra).

Sr. presidente, ha umas crenças pudibundas, umas certas crenças... que crenças! As crenças do systema representativo desmentidas no serviço dos inimigos mais declarados delle; as crenças do systema representativo desmentidas acompanhando-se quasi até ao fim da sua administração o governo mais infesto a estes principios. (O sr. Pessanha: — Peço a palavra) As crenças do systema representativo confessadas com o abandono desse governo no meio dos perigos publicos; as crenças do systema representativo firmadas com um discurso violento de um caracter antigo parlamentar, que sempre se presou de ser homem que nunca pertenceu a nenhuma opinião extrema, mas que pertence de certo a todos os extremos de expressão, a todos os extremos da censura.

Sr. presidente, eu rio-me destas crenças, e rio-me destes pudores!

Sr. presidente, é um principio iniquo, que eu não posso sustentar de que os fins legitimam os meios; mas ha em todas as acções, em todos os actos da vida humana principios que os desculpam, que attenuam a sua culpabilidade; não ha acto nenhum que possa ser absolutamente condemnado, ou que pelo menos possa ser absolutamente condemnavel em todas as suas faces: isto é um principio de moral, de razão e de justiça.

A dictadura não se justifica senão pelas leis que ella fez. São ou não boas essas leis? Se são de vantagem, prescindo da origem donde ellas veem, dou-lhes o meu apoio, e acho que devem ser aproveitadas, não se perdendo occasião de as aperfeiçoar.

Sr. presidente, são reconhecidos os principios politicos deste lado da camara; ninguem os suspeita, ninguem os póde suspeitar, nem ninguem se póde atrever a tal; e aquelles que a respeito dos nossos principios manifestam duvidas, não acreditam nellas, riem-se mesmo quando as apresentam; nós estamos plenamente insuspeitos. Póde haver dissidencias entre nós, mas todos fazemos justiça uns aos outros, e reputamos que somos sincera e puramente liberaes. Nós não precisamos abonar os nossos principios, nem as nossas crenças, somos partido velho, conhecido e provado; mas precisamos abonar talvez a nossa dedicação pelos interesses do paiz; precisamos abonar a nossa habilidade para sustentar o poder; (Apoiados do lado esquerdo) precisamos tirar de cima de nós uma certa suspeita de turbulencia; precisamos manifestar que lemos todo o talento, toda a força, toda a prudencia necessaria para dar ao paiz estabilidade, força, ordem, liberdade e progresso; e esta é uma occasião propriissima para nós fazermos esta manifestação, para fazermos esta provança.

Sr. presidente, eu rio-me de todas essas calumnias que se levantaram contra o partido progressista. Nós nunca nos insurreccionamos senão contra poderes insupportaveis, senão quando as consciencias publicas no punham as armas na mão.

Sr. presidente, em taes circumstancias eu sou, fui, hei-de ser sempre revolucionario, e não comprehendo que nenhum homem publico possa deixar de ser revolucionario. Não intendo que nenhum homem publico deva curvar a cabeça ao abuso de todos Os poderes, conservando-se sempre no circulo da legalidade. Quando as leis são calcadas; quando o parlamento perde a sua acção; quando a imprensa é manietada, os meios legaes são desconhecidos, as armas, e todos quantos meios indica a capacidade humana, todos elles são legitimos, todos elles são sanccionados pelo exemplo dos seculos, e por todos os filósofos e legisladores.

Mas, sr. presidente, o paiz não vive só disto: as revoluções não são senão meios de constituir o poder; e nós comprehendemos o poder em todas as suas gradações, organisado dentro dos principios liberaes, com toda a capacidade para procurar todos os meios possiveis e imaginaveis a fim de poder satisfazer a todas as exigencias não só deste estado social, mas de todos aquelles que a providencia e intelligencia humana tiver destinado á sociedade.

Sr. presidente, é contra os precedentes do partido progressista esse espirito que se lhe pretende infiltrar, essa posição a que o querem reduzir de ser exclusivo e rigoroso, de ser sempre intractavel com todos os ministerios que a elle não pertençam. É uma suspeição absurda, contraria felizmente a todos os precedentes deste lado da camara. Nós sempre fomos mais ministeriaes do que se pensa; o que nós não tivemos, foi ministerios dignos do nosso apoio. (Apoiados da esquerda)

Sr. presidente, em 183-4 todos sabem o que se passou; e sabe-o muito bem um nobre deputado do lado direito, de quem eu sempre fui amigo, e de quem não posso deixar de o ser, e o nobre deputado creio que não póde deixar de ser meu amigo, e que o ha de ser sempre. (O sr. Pessanha — Apoiado) Porque emfim há entre nós uma certa sympathia de opiniões, e a convicção intima da sua probidade attrahe-me para o illustre deputado. Eu tenho duas familias, a de sangue, e a de principios, não sei qual respeito mais, mas aquella de que tenho mais orgulho é desta, é o unico titulo de nobreza e de gloria — é a unica progénie que estimo, o unico pergaminho que prezo, eu tenho-me sentado sempre neste lado da camara, o lado esquerdo da camara é a filosofia, a razão, a liberdade, os progressos da humanidade. (Apoiados da esquerda)

Sr. presidente, em 1834 havia ministerios descuidados, repousando sobre a victoria, julgando que os principios economicos que tinham proclamado, eram por si só bastantes para fazer a felicidade do paiz; ministerios que cruzavam os braços para vêr desinvolver esses principios, que julgavam que a tarefa do governo era só dar elasticidade a umas certas molas, e que depois a machina governativa ía por si mesma; a ministerios destes fazia-se alguma opposição, mas eram ministerios liberaes; erraram na maior parte das questões economicas e administrativas do paiz, mas eram liberaes; e com quanto este lado da camara lhes fizesse alguma opposição, nunca se mostrou intractavel e furioso com esses ministerios, ao contrario com voto deste lado da camara muitos desses ministros tiveram auctorisação para reformarem as leis do paiz, para satisfazerem ás necessidades mais importantes delle. E por ventura enfraqueceu-se o partido da opposição por ter prestado esses votos? Quando chegou o seu dia, a sua hora deixou elle de seguir o seu destino?

Sr. presidente, em 1841 o sr. Manoel Gonçalves

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de Miranda confessou os principios deste lado da camara, disse que ia gerir a fazenda segundo elles, os seus collegas espantaram-se de verem que este talento, esta alma candida tinha confessado esses principios, e dicto que sem elles não se podia governar. Que fez este lado da camara? Prestou-se pelo orgão do sr. José Alexandre de Campos a dar o seu apoio a esse ministerio, se elle pozesse em practica os principios que confessou serem os verdadeiros. O sr. José Alexandre de Campos, cuja memoria será sempre caia, levantou-se e disse — contai sempre com o meu apoio, se puderdes realisar essas medidas; a minha voz, a minha opinião, o meu poder politico será todo vosso, se as realisardes.

Que fizemos nós ainda em 1846? Sustentámos o governo que então se levantou. II era elle dos nossos principios politicos? Seguia as nossas idéas? Hasteava a nossa bandeira?.Pelo menos nos nomes, quanto á significação de pessoas, quanto á progénie historica, significava muito menos que o actual ministerio; mas deixámos nós de lhe dar o nosso apoio?.. Não.

Notou-se a minha indisposição para ser ministerial; notou-se até como uma novidade o ser agora ministerial. Pois eu declaro que o ser eu ministerial não é novidade. Eu já fui ministerial de s. ex.ª o sr. Antonio José de Avila, e fui ministerial de s. ex.ª como nunca o fui de ninguem; e tanto assim é que o Correio Portuguez disse uma vez que a Revolução de Setembro era a espoza querida do sr. Avila. Ora tomando a Revolução de Setembro como significação da minha pessoa, parece-me que o ministerialismo que chega a relações conjugaes, é um ministerialismo bem amoroso. (Riso) Por tanto já vê o sr. Avila que não tem que fazer reparo que eu seja agora ministerial, quando eu já o tenho sido por mais vezes, e como disse, o fui tambem de s. ex.ª

E não foi só pela imprensa que sustentei o sr. Avila, foi tambem com as armas na mão; porque diga-se a verdade, o partido liberal em Portugal tem sempre feito todas as diligencias para poder servir de nucleo a um governo supportavel para o paiz: tem occupado sempre uma posição secundaria e embaraçosa; mas uma posição prestadia, grandemente prestadia e patriotica.

O sr. deputado, homem do povo, creado pela carta, nascido na terra onde se arvoraram os principios de uma regeneração certa e segura para este paiz, o sr. deputado Avila não só foi sustentado por mim com a minha penna e até por um modo revolucionario, com a minha espada, mas tambem por muita mais gente pertencente ao partido liberal; por que s. ex.ª era ministro quando nós, nós todos da democracia turbulenta, quando toda a classe rola e esfarrapada se juntou em volta do sr. deputado e do ministerio de que fazia parte, para obstar por todos os meios ás consequencias que provinham da revolução do Porto, feita por um dos seus collegas, a paredes meias com a secretaria a que s. ex.ª pertencia, e com o qual s. ex.ª depois n'outro tempo leve a honra de fazer parte do poder, para combater tenazmente este partido, que o ajudou, que o sustentou, este partido que é muito liberal, muito forte e muito conscio da sua força e do seu dever, e que não ha nada que o faça mudar das suas antigas e muito vinculadas crenças e principios.

Sr. presidente, a dissolução da camara transacta foi um erro, um grande erro, e uma grande offensa ao nosso partido, offensa ao partido progressista, e que deu resultados que eu lamento. Eu fiz todos os esforços para obstar a essa dissolução; não o pude obter. Nasceram dessa dissolução divergencias que eu lastimo muito que ellas tivessem logar, e sinto ainda mais que continuem a existir. Foi um erro a dissolução da camara passada, mas foi um erro que glorificou o governo.

Aquelle lado (o direito) aconselhou nos ministros que dissolvessem a camara, e que reaccionassem; porém os ministros tomaram só a primeira parte do conselho; isto é, dissolveram, mas não reaccionaram, e com este seu proceder deram occasião a mostrar a sua lealdade aos principios constitucionaes, a sua firmeza e decisão em resistir á reacção, e manter uma certa lealdade de opiniões pelos principios liberaes. — A reacção foi muito e muito aconselhada pelos senhores que representam os principios do lado direito da camara; o governo resistiu, não quiz tomar o conselho. — Oh! E porque soffre agora o governo?... Não é porque dissolveu, é porque não reaccionou. (Apoiados) Se o governo tivesse dissolvido e reaccionado, então não soffreria tantos ataques como tem soffrido, partidos do lado direito da camara. (Apoiados) O governo soffre por se não ter convertido em perseguidor do partido progressista; (Apoiados) soffre por não ter adoptado e seguido invariavel e tenazmente uma politica de exterminio; (Apoiados) por ter conhecido que os individuos pertencentes ao nosso partido são filhos deste paiz; (Apoiados) que as leis sendo feitas para todos, os parlamentos não pertencem exclusivamente a uma certa opinião; (Apoiados) que no parlamento devem ser representadas todas as opiniões, numa palavra, porque é mais liberal que o lado direito da camara. (Apoiados) E nestas circumstancias havemos nós abandonar o governo?... O proceder do governo para com o partido liberal se não gera uma obrigação da parte desse partido, porque em politica não ha gratidão, em politica ha certos principios organicos, que cumpre seguir e manter, gera, comtudo, um certo principio de homogeneidade de vistas, e communidade de interesses.

Pois se o governo, por obstar á reacção, soffre os ataques e violencias do lado direito da camara, ha vemos nós unirmo-nos a elle contra o governo, para o fazer victima de uma cousa em que o mesmo lado esquerdo aproveita, e em que aproveita o proprio paiz?... Não o devemos fazer. (Apoiados)

Mas julgais vós que estes protestos que apparecem agora de amor pelas liberdades constitucionaes, de odio pelas dictaduras, são protestos leaes e verdadeiros, e que não ha nelles a mais leve sombra de reserva?... Reparai que aquelles senhores teem dicto, e especialmente pela imprensa, que nunca mais votariam leis de dictadura; mas salvo o direito eminente das grandes excitações, o direito eminente das grandes modificações. Isto quer dizer — salvo o direito de nós usarmos dellas quando assim o intendermos para conservarmos successiva e permanentemente o poder em nossas mãos, restringir o uso da liberdade, e reduzir o paiz a ser governado pela nossa parcialidade politica. — Eis-aqui a significação da reserva apresentada pelo lado direito quanto ás dictaduras. O lado direito vota contra todas as dictaduras, não quer mais dictaduras — salvo, porém, o direito das grandes modificações. — E porque eu não

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quero as modificações com que o lado direito nos costuma mimosear, que eu o tenho combatido constantemente. (Apoiados) Quero o meu paiz governado constitucional e liberalmente, e não parcial e faccionariamente. (Apoiados)

Sr. presidente, lia muito quem se admire de que eu approve esta dictadura, exercida pelo ministerio actual. Ha muita gente que deplora a cegueira e obsecação, com que eu corro á minha perdição, e chora por ver a minha popularidade quebrada, abatida, e até acabada, e por ver a declinação desta estrella.

Oh! Sr. presidente, a minha popularidade!... Que é a popularidade?... A popularidade, não sei se a tenho, nem a acceito senão com esta condição: a popularidade é um capital de confiança e estima publica, capital que deve empregar-se no bem do paiz, e no serviço da liberdade. Se essa popularidade que tenho, acabar, acaba n'uma causa que julgo justa, e n'uma alliança que reputo conveniente aos interesses do meu paiz, e do meu partido. (Apoiados)

Sr. presidente, Deus symbolisou no homem todo o seu futuro. Todo o homem tem na consciencia o céo e o inferno. Eu estou no céo.

Já se disse, que eu era um obstaculo perpetuo á salvação e elevação do meu partido, e que se eu não fosse repudiado das fileiras desse partido, as suas victorias seriam obscurecidas, a sua historia manchada; e que se eu não fôra, elle já teria alcançado subir ao poder, e isto porque eu me tinha declarado uma vez pela abdicação. Não quero, sr. presidente, dizer a verdade historica de tudo isto; não quero contar tudo quanto se tem passado; mas parece-me que não póde nem deve ser estranho a um certo homem ter uma certa franqueza. — Pedi a abdicação, é verdade; fallei nella; fiz lauto quanto pude para que ella tivesse logar; tive muitos companheiros neste pedido, e não quero dizer os seus nomes, porque nem todos teem a coragem das suas opiniões...

Mas, sr. presidente, digo, e digo-o com a mão no coração: — na camara passada não havia senão a solução que eu já disse, a solução do negocio que eu já apresentei, que era aquella que satisfazia todas as minhas ambições. Havia no meu partido politico quem suppozesse, que trazer o poder a uns certos individuos mais conjunctos a nós, nos poria em uma posição melhor, n'uma posição mais franca e mais liberal: era uma idéa com que não podia concordar, porque um partido póde por conveniencias politicas dar apoio a um governo que não é seu, mas não tem necessidade de sacrificar a essas conveniencias os seus principaes parentes. Essa posição era violentissima; isso é que nos arruinava e perdia; porque se elles não justificassem as aspirações do seu partido, e se nos dissesse — eis-ahi, partido progressista, toda a força das vossas iniciativas, toda a força dos vossos programmas — que haviamos de fazer? Renegar a nossa familia, ou confessar a nossa desgraça. Não podia ser.

Um governo do nosso partido podia formar-se; era possivel formar se, não nos fallam meios; não nos fallam recursos, não nos fallam talentos; mas agora não julgava em que se lhe désse ingresso no poder; quando lá forem, se o meu apoio é generoso para outros ministros, para as pessoas a quem me refiro não o serei menos. Eu sinceramente digo, que não queria o poder nesta occasião; e sei, e posso dizer dos meus amigos, que o não queriam.

Intenda-se bem: eu nem me defendo a mim, nem defendo os ministros, defendo a liberdade, a justiça, e as conveniencias do paiz; e sou franco; tenho feito toda a minha vida da franqueza um systema; julguei que era o mais commodo; é da minha independencia, é do meu caracter ser franco, mas julgo mesmo que é o meio de viver mais commodo; é aquelle que dá occasião a menos desgostos.

Sr. presidente, que posição podia tomar o partido progressista depois da dissolução da camara passada? — A dissolução fez-se contra o nosso voto, contra a nossa vontade, com censura minha. (Uma voz: — E tom imprevisão sua.) Com imprevisão minha... eu não quero entrar nessa questão; mas não cuidem os srs. ministros que me lograram, não me lograram nesse ponto, nem creio que me teem logrado em nenhum: fez-se, e eu não podia obstar-lhe.

Em que caracter se podia apresentar o partido progressista diante desse facto? O partido progressista podia apresentar-se simplesmente como opposição programmatica, quero dizer, como um partido que não quizesse nem saber das posições do poder, nem do caminho que as cousas levavam, que não se pozesse como obstaculo a nenhuma tendencia dellas, que não fosse partido militante, mas que se limitasse simplesmente a manifestar os seus principios, e a fazer uma certa propaganda delles contando que germinassem para o futuro, e fizessem adeptos, n'uma palavra, que fosse uma igreja doutrinante, uma escóla. Podia constituir-se como uma opposição pertendente, e julgo que essa escolha era deploravel, porque não estava nas condições deste tempo, não estava nas adhesões do partido progressista, nem nas influencias da situação a conveniencia de se constituir nessa posição. Ou podia-se fazer uma opposição auxiliar; esta é que eu penso que é a minha posição — opposição auxiliar — quero dizer uma opposição que concorda com o governo nos pontos em que deve concordar, nos pontos em que são as suas doutrinas, mas medidas que nós temos proclamado, e que sem ligação absolutamente nenhuma nem de interesses nem de vistas, nem de pessoas nem de sympathias, n'um dia pela manhã quite e livre passa para novo campo, passa para o campo onde sempre esteve. Sr. presidente, eu intendo que esta é a nossa situação, e intendo que é a unica situação logica, verdadeira, e decorosa, que é aquella que representa a posição do governo no meio dos partidos, e é aquella que realmente caracterisa e caracterisa com honra a histeria parlamentar deste paiz.

Sr. presidente, que temos nós feito — nós os que sustentámos o poder? Temos sanccionado os principios que lemos proclamado por muito tempo, os principios de economia e administração que sustentámos por muito tempo, e que agora approvamos executados por outros individuos, que não são do nosso partido. E note-se — nós nunca dissemos; eu nunca disse ao meu partido — eis-aqui um governo izento de todas as imperfeições, eis aqui um governo que não tem commettido um só erro, eis-aqui um governo que satisfaz a todas as vossas aspirações, eis-aqui um governo que é a expressão ultima dos vossos desejos, eis-aqui uni governo pelo qual vós deveis padecer e morrer: — não, nunca fiz isso, mas disse-lhe — eis-aqui um governo que não é infesto aos nossos principios, eis-aqui um governo que faz o bem que é possivel fazer, eis-aqui um governo a quem podemos dar apoio sem vergonha, eis-aqui um governo que nos não tem exterminado,

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e que no meio do movimento du Europa attende uos interesses materiaes do paiz, sem calcar e desprezar as liberdades publicas.

Sr. presidente, como dique á reacção européa este governo é o mais Coite que podiamos adiar; é liberal sem suspeita: de ser exaltado, porque tem liberaes de antiga data; tem á sua testa um general de um grande prestigio, de uma grande força no exercito, e que a tem exercido mantendo eu obediencia as diversas fracções, as diversas tendencias politicas de que se compõe o exercito. Tem homens conhecidos por incapazes de atraiçoar as idéas monarchica, e por homens de fim grande afferro ás idéas modeladas; e tem no meio destes um homem sem Compromissos politicos, a quem o poder colheu quasi na verdura dos annos, que não tem nenhuma corrupção das grandes practicas parlamentares, que apparecia no governo simplesmente inspirado pela sua consciencia e desejo de gloria, e que mettido no meio de todas as forças sedativas, de todos os principios justificativos do progresso, é progressista sem nos comprometter. Com dique a reação não vejo outro governo melhor.

Mas não se pense que eu, e Os que comigo votam, sustentâmos o governo por temermos a lucta, nós não a tememos O que tenho eu feito toda a minha vida senão luctar. Que me imporia mais uma campanha: Luctemos, se querem. Mas luctemos para que? Para que se ha de luctar? Com que fim, em que tempo, tom que proveito (Apoiados)

Sr. presidente, eu bem sei que se a reacção europea fôr uma lei universal, ella não pára diante da resistencia dos srs. ministros; eu bem sei que ella hade levar de rastos a espada do duque de Saldanha; eu sei que ella quando tomar a força de que é cupaz, ha de ser inexoravel, ha de ser intractavel, ha de passar por cima de todas as barreiras, ha de romper todos os diques, e ha de cobrir a nossa terra de miseria e oppressão, como tem coberto outras muitas. (Apoiados) O que eu quero é aproveitar o tempo para, sem offensa dos principios constitucionaes, grangearmos a vida, as commodidades, a riqueza e a civilisação desta terra, que tão abandonada e desconsiderada tem sido por aquelles que tantos annos a governaram.

Dizem que eu tenho sacrificado todos os principios de moral, todos os interesses politicos aos interesses materiaes; que me tenho declarado inimigo do fundo de amortisação, inimigo do credito, apoiando as medidas contra o banco; em fim, que tenho sacrificado e vendido tudo absolutamente, salvo a vida e o coração, á confecção de um caminho de ferro. Ora quando isto assim fosse, ainda não perdia tudo, porque sempre vendia por alguma cousa; em quanto que tenho encontrado muita gente, que tendo pouco que vender, esse mesmo pouco que tinham, o venderam pomada; (Riso) o que resta saber é se a venda condizia com a cousa que se trocava.

Houve tempo em que nos diziam: que a liberdade era nada, que era uma idéa vã, que o tudo era a prosperidade e a riqueza publica; e em nome deste principio cercearam todos os nossos direitos, apoucaram todas as nossas prerogativas, e levantaram caceies contra todos aquelles que não seguiam esta theoria: porém, agora que nos restituíram estas garantias, conservemol-as, e tractemos de dar aos interesses materiaes o que se deve dar, mas associando a estes os interesses politicos. (Apoiados) O hontem tem necessidades de diversa ordem, que é necessario attender; não lhe forcemos a sua natureza; a alma não anda mettida n'um corpo, como uma joia mettida dentro de uma caixa; existem entre si relações intimas, existem necessidades reciprocas, que é preciso satisfazer; e o homem não poder satisfazer as suas necessidades da vida, se o não habilitarmos moralmente. Ha homens que vendo que a liberdade tem sido arrancada aos povos em nome dos principios materiaes, depois voltam as cosias nos partidos que elles teem impacientado com a promulgação das suas doutrinas, deixando-os no abandono e na miseria! E muito bom evangelisar essas doutrinas; mas a gente esfaimada e sem recursos não póde esperar nada, nem seguir esses apostolos que lhe voltam as costas, que parecem não consentir que as terras produzam, senão para estes sybaritas ridiculos, que julgam inferiores no seu merecimento todos os regalos da vida.

Por ventura ha alguma idéa politica sem encarnar em factos materiaes? Mas diz-se: — eu quero escólas — mas para haver escólas que aproveitem, está demonstrado ser preciso que os mestres tenham habilitações, e que se estabeleçam casas proprias para as creanças irem aprender. Pois então faça-se uma escóla; porém nada se faz, porque não se tracta dos meios para estabelecer a escóla, por isso que é interesse material. Temos na constituição liberdade de andar e transitar, munidos do competente passaporte, por onde quizermos: mas de que serve que as auctoridades não obstem o nosso transito, se nós não temos nem estradas nem viações? E com tudo não se cogite de estradas, porque é um interesse material, e um principio de corrupção!... Em que ficam, pois, todos esses dezejos, se não constituirmos os meios de os executar? De tudo se tem medo: por exemplo — falla-se em caminhos de ferro — diz-se logo — nada do caminhos de ferro, porque por meio delles póde transportar-se uma grande massa de tropa a qualquer ponto, e suffocar á força o grilo e o clamor justo de um povo. É verdade que póde dar-se este caso; mas antes disto acontecer, ha de o caminho de ferro levar a esse ponto, ou a essa cidade, o principio de moralidade, e o principio de liberdade; e estes principios hão de sempre ganhar o triunfo porque nem o exercito, nem o governo os podem vencer.

Não ha creação grandiosa e elevada, que não tenha pros e contras, e que não possa contrariar os fins para que fôra estabelecida; mas é preciso confiar em Deos e na providencia; e não era possivel que Deos permittisse á humanidade o fazer um grande invento, que não fosse para seu proveito e sem beneficio. (Apoiados) Podem os especuladores fazei em máo uso deste invento, mas a final ha de ser proveitoso á communidade.

Ora, as questões de interesse são sempre difficeis de resolver. Ainda ha bem poucos dias, nesta casa, e nesta mesma discussão, tractando se da questão dos vinhos, se disse que nós temos ministros doudos e furiosos, e que era preciso fazer capacetes de gelo para lhes applicar, declarando-se que era este o motivo por que se approvava o decreto que admittiu o gelo estrangeiro, para ser mais barato. Neste caso temos o interesse e principio moral; aqui venceu o principio moral, é verdade, mas não venceu o principio moral em tolo o seu alcance, porque se por esta medida temos gelo para applicar a certas cabeças, irritativas, não temos gelo de certo para a loucura constitucional. Para isto é que o não há.

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Sr. presidente, acabadas das considerações, que julguei conveniente apresentar para explicação da minha posição politica, devo confessar, e confessar francamente, as rasões por que dei uns certos conselhos ao meu partido, que não sei se foram ouvidos, nem me importa que o não fossem.

Devo muito ao meu partido: devo-lhe considerações illimitadas de confiança e provas immensas de respeito e estima; devo-lhe finezas e uma confiança plena no meio de circumstancias difficeis e turbulentas: devo ao meu partido offerecer-se sempre como escudo ás calumnias, que contra mim se tem levantado; de maneira que com um defensor tal não tenho medo da maior calumnia, que por ventura se me possa levantar.

O meu partido porém não me deve nada, porque em taes circumstancias um similhante dever é nada. Intendo na minha consciencia, que tudo quanto tenho, devo-o ao meu partido, ao partido a que desde a infancia me votei, e a que continuarei a votar-me a bem do meu paiz, O meu paiz, a minha patria não é aquella em que o acaso me fez nascer; é sim aquella cuja fortuna ou desgraça me não tem sido indifferente, aquella que no meio das suas afflições e angustias nunca chamou, nem nunca pediu duas vezes o fraco apoio do meu braço (Vozes: — Muito bem).

Vou entrar nas diversas questões que se tem ventilado, e peço á camara que tenha a paciencia de me escutar ainda por mais algum tempo.

Começarei pelo fundo especial de amortisação. A primeira cousa que se apresenta á minha vista, é a grave questão juridica, sobre se o fundo especial de amortisação é ou não um contracto. No interesse de se demonstrar que o fundo especial é um contracto, já um illustre deputado, e um habil jurisconsulto que entrou na materia, declarou que todas as leis eram contractos; eu considerando o fundo de amortisação contracto lei, não tenho duvida nenhuma em declarar tambem que elle é um contracto. Desde que um dos nossos illustres collegas, consultando diversos jurisconsultos sobre Se havia ou não uma especie de contracto bilateral e synallagmatico; desde que o illustre deputado, para assim dizer, póde n'uma aldêa para festa de Páscoa adornar a casa com alguns moveis, que passada a festa desaparecem de todo, e deixam a casa no mesmo estado em que antes se achava; desde que o illustre deputado achou este systema, ou contracto bilateral e synallagmatico, que aprendeu nas escólas da Universidade de Coimbra, cora tanto proveito para mim e para a camara; desde então, digo, tambem intendo que o fundo especial de amortisação é um contracto. Mas, sr. presidente, a historia do fundo de amortisação sei-a eu melhor do que ninguem... (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Vamos a ouvir) O fundo de amortisação na fórma póde ser uma lei, um contracto, ou o que se lhe quizer chamar; mas o fundo de amortisação na essencia não é outra cousa senão um grande cumulo de banca-rota, e uma grande tibornia financeira, que uns poucos de financeiros concordaram em arranjar, para salvarem as finanças de modo que se podessem tambem salvar a si. Não louvo ao Céo por se ler feito similhante cousa, mas tendo-se feito, louvo ao Céo por se terem salvo alguns amigos meus, e que não foram meus amigos, senão no ultimo quartel da vida.

Uma das causas concorrentes foi sem duvida nenhuma as paixões politicas... (Uma voz: — Isso é com o ministerio) Estão com receio que eu toque no duque de Saldanha? Para mim o duque de Saldanha não é uma divindade. O duque de Saldanha chegou aqui, viu mal as cousas; puseram-lhe em perigo instituições que o não estavam, e o que aconteceu foi fazer uma revolução, mas fez uma revolução com instinctos, e intenções muito diversas daquellas que depois se apresentaram, porque aquelles que o cercavam, deram uma direcção muitissimo opposta aos seus desejos e á sua vontade. Se me perguntarem se o duque de Saldanha é uma divindade, ou um homem que nunca se enganou, digo que não é, e digo que não, porque era um absurdo, se dissesse tal. Sou amigo do duque de Saldanha, acho nelle excellentes qualidades, e quanto mais seu amigo fôr mais livremente intendo poder fallar nas suas faltas, Assim é que intendo a amisade. (Apoiados) Nunca fui adulador, nem lisonjeiro.

Voltando á questão do fundo digo, tudo se achava prestes para a revolução: havia generaes, e havia soldados, porque em fim havia dedicação e boa vontade em salvar o paiz e as necessidades publicas.

Antes disto porém, quem tinha a paz e a guerra na mão, eram os fallidos. Os fallidos tinham consultado o governo, e até muita gente que não era governo, e trazendo no bolso já o decreto de 19 de novembro, disseram aos ministros — Srs. ministros, fazei isto, porque se o fizerdes, nós não temos duvida nenhuma de nos entregarmos nas vossas mãos, com toda a nossa influencia pessoal e politica, e não temos duvida de nos entregarmos no vosso livre arbitrio, com tanto que crieis este fundo de amortisação. Nomeai quem quizerdes para a direcção do fundo, e se assim o fizerdes, contai que todas as difficuldades estão applanadas.

O governo, porém, não quiz annuir ao -pie se pedia; não quiz applanar as difficuldades em que se achava, e o que aconteceu foi apparecer depois a revolução, A revolução, só appareceu depois de se saber que não se conseguia o que se desejava, e depois de se vêr, que tendo falhado este meio, não restava outra cousa senão fazer uma revolução. Primeiramente procurou-se obter a realisação dos desejos manifestados, de um modo pacifico, porque não se sabia, se assim se levariam avante, e porque não havia a certeza do triunfo d'uma revolução; mas como esta esperança tinha de todo desapparecido; como não havia a menor idéa de se poderem conseguir estes arranjos, era mister lançar a revolução na rua. A revolução fez-se. Esta é a historia do fundo de amortisação.

Sr. presidente, até agora o fundo do amortisação tem tido contadores e historiadores; fallava quem lhe fizesse o boletim; mas já houve quem disso se encarregasse. Já lemos o boletim do fundo de amortisação; hora por hora — no dia tantos á tantas horas passou soffrivelmente — no dia tantos ás tantas horas teve um abalo de febre; no dia tantos ás tantas horas gosava perfeita saude.

Ora, sr. presidente, não ha questão mais pequena que esta do fundo de amortisação!.. Quem é, que não tem pertendido o fundo de amortisação? Os pertendentes ao fundo de amortisação tem sido tantos, como os amantes de Penepole.

Um illustre deputado disse que não havia nin-

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guem que o não tivesse reconhecido; é verdade todos o tem reconhecido, mas tem-no applicado de diverso modo. Elle lá está, mas todos o querem applicar de diversissima maneira. Sr. presidente, entre estas diversas applicações, uns diziam, venha para o banco, porque é quem tem a posse; outro dizia, vá em deposito para a junta do credito publico, ate que os altos poderes do estado decidam do seu destino; a commissão de fazenda da camara transacta, á qual pertenceram amigos meus — dizia — venha para os possuidores do papel-moeda; e eu disse, venha para o paiz, porque é uma restituição que se lhe faz.

Oh! sr. presidente, eu digo diante de ministros cartista?, e diante do lado direito; que as medidas tomadas a respeito do fundo de amortisação, são um protesto honesto e honroso contra a falsidade dos principios economicos, que dominaram algum tempo neste paiz, durante as primeiras administrações, e depois da restauração da caria; é o reconhecimento das grandes verdades administrativas; é um testemunho rendido tardiamente aos principios, e de que se poderia tirar grandes vantagens, quando aí existia esse grande cumulo de riqueza nacional, que foi desbaratada em virtude do decreto, que mandou vender os bens das corporações religiosa». (Apoiados) isto, sr. presidente, não e censurar ninguem; quero dizer unicamente que se enganaram; e alli está o sr. Fonseca Magalhães, que foi um dos ministros, que referendou aquelle decreto, que não terá o amor proprio de dizer que não errou; se o dissesse, faria uma grande injuria á sua razão, porque um homem de alia razão confessa sempre os seus erros. (O sr. Fonseca Magalhães. — Apoiado) Sr. presidente, que seria deste paiz, se se tivesse determinado nesta casa que os bens dos frades fossem applicados para estabelecer escolas, para fazer caminhos de ferro, para rotear as terras, e em uma palavra, para vêr se se conseguiam todas estas cousas que constituem a civilisação de um povo, porque nós diante de outros povos não somos nada? Onde estariamos nós hoje, se se tivesse feito isto? Estariamos por ventura no estado de atrazamento em que nos achamos? Esta prosperidade, esta civilisação é que não se requesta nem se adquire, senão por trabalhos improbos, senão por talentos modestos.

Sr. presidente, já aqui se citou a historia ingleza; poder-me hei enganar, porque em citações não sou muito forte; mas parece-me que ha um bom par de annos, quando na Inglaterra se fez a reforma religiosa, um dictador de outra especie, differente da dos srs. ministros, porque esse não reconhecia direitos, nem liberdade, tirou uma grande parte dos bens das corporações religiosas, para fazer um caminho na Irlanda: era Cromwel: não cito como exemplo este dictador, porque era muito materialista; mas aponto o facto.

Sr. presidente, o fundo de amortisação não é só composto dos bens nacionaes de que algumas administrações se apossaram, é tambem o resultado da lei dos foraes; de maneira que se o banco não declarar quaes são os bens nacionaes que restam; e se ámanhã, por exemplo, houvesse a idéa de ressuscitar os dizimos, as jugadas, e as terças, o banco vinha e dizia — isto e meu, porque são bens nacionaes, e haviam de dar-se-lhe, salvo alguma contestação ou demanda que haja sobre direitos de terceiro. Sr. presidente, o fundo de amortisação foi creado por v. ex.ª, mas não foi creado para se dar ao banco. Foi creado, porque v. ex. não podendo cobrar as decimas, e havendo forçosamente um deficit, creou o fundo de amortisação, para por elle se irem pagando os emprestimos que se contrahiram; e um illustre deputado, confessando este facto, diz com tudo que o fundo de amortisação pertence ao banco em virtude do decreto de 19 de novembro de 1846, decreto, que para vergonha deste paiz é citado muitas vezes, quando devia ser sepultado para sempre no esquecimento. O illustre deputado disse, que neste decreto estavam marcados os fins a que o fundo é destinado; é verdade que assim se diz no mesmo decreto, mas escapou-lhe dizer que o fundo foi creado para pagar os titulos azues e os titulos verdes; as indemnisações de direitos adquiridos por serviços civis e militares; porem eu antes quero entregar o producto desses bens nacionaes ao paiz, para proveito do mesmo paiz. Mas o contracto foi um contracto singular, e eu digo singular, porque foi contracto em que entraram dois defunctos! Ainda não houve contracto desta especie: havia vivo o governo, e havia vivo o banco, e os dois defunctos eram a companhia das Obras Publicas, e a companhia Confiança Nacional; mas sobre estes dois defunctos tenho minha duvida, porque um delles estava metade vivo e metade morto; e a companhia Confiança Nacional, que dizem era um defuncto, estava connexa e ligada com o banco, porque os directores do banco eram os directores da companhia Confiança Nacional, e desta maneira o ser director era um encargo trabalhosissimo, e não se podia ser director: por exemplo — chamava-se um director do banco, lá apparecia; chamava-se por um director da companhia Confiança Nacional, lá ia o mesmo individuo mudar de casaca —; chamava-se o director da companhia das Obras Publicas, era ainda o mesmo individuo que apparecia, mas com falo mudado; a differença é só no vestuario.

Nós temos tido diversos systemas financeiros: o primeiro foi a extincção quasi absoluta do imposto, e a sua substituição por um credito desvairado, credito que se reconheceu depois que dá os peiores resultados. Tivemos depois o principio da economia proclamado, sustentado e intimado como um especifico poderoso, para obstar nos inconvenientes do systema que se tinha seguido. Eu peço porém, licença a todos os membros mais conspicuos desta camara, intendidos em finanças, para declarar o meu systema, e apresentar os meus principios sobre a economia do estado.

Eu supponho que o principio de economia não é um principio salvador, nem um principio regenerador; é um principio moral e disciplinar para a cobrança dos tributos; e em uma palavra, é o principio que habilita o governo a poder viver e governar. Mas o principio de economia não é só por si bastante para resolver todas as difficuldades financeiras. Não o intendo assim, nem ninguem o tem intendido. Adopto o principio economico, como um principio justo, util, e indispensavel, mas se se julgar que elle por si só é bastante para estabelecer todos os recursos financeiros, então levanto-me contra elle, porque estabelece a confiança baseada n'um principio inefficaz. E diz-se — façam-se economias, pensando-se talvez que com economias é que se tem salvado outras nações!

Sr. presidente, todos os estados passaram por grandes tormentos financeiros, e nenhum se salvou por

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economia; todos os ministros economicos fizeram esforços poderosos para salvar o seu paiz, mas não sendo esses esforços acompanhados de outras medidas, teem sido sempre infructiferos, e inefficazes: as revoluções é que tem vindo com os seus principios economicos e regenerativos salval-os do chãos em que se acham. Neker dizia, e impossivel lançar um tributo novo sem fazer todas as economias possiveis, mas essas economias não dispensam outras medidas; e Neker apesar da sua grande intelligencia, apresenta nos seus orçamentos muito maior despeza do que a receita produzia.

Sr. presidente, vamos ás economias, e peço licença aos meus illustres collegas militares para dar a minha opinião sobre o exercito. Eu intendo que nada ha capaz de satisfazer mais a ambição humana de elevar o espirito, e de embriagar as faculdades do homem, como a gloria militar, e as virtudes e grandezas da guerra; mas conservar um exercito sem distracção não se póde sustentar por modo nenhum.

Eu intendo, sr. presidente, que um exercito, no meio da Europa, em tempo de paz, perdoe-se a comparação, e como os caes do sr. Visconde de Laborim, que estão deitados e amarrados á porta, e em descanço, cançados das correrias das lebres, e promptos com o dente afiado para quantas montarias houver, a fim de mostrarem se o seu prestimo será como era d'antes.

Antes de tudo declaro que não tenho espirito de classe, mas se tenho algum, confesso que é pela classe militar; não posso negar os serviços prestados por essa classe, mas intendo na minha consciencia, que se os exercitos não tractarem de ganhar para si; se não tractarem de ajudar o seu paiz, se elles não derem ao paiz alguma utilidade pelos seus trabalhos, em recompensa daquillo que o estado gasta com elles, os exercitos devem acabar, porque a paz armada como está, é o maior flagello: por exemplo, a Russia diz mais 6:000 homens para ter a paz armada, a Inglaterra diz mais 6:000 homens para ter a paz armada; diz depois a Russia mais tantos mil homens para ler a paz armada; vem a Inglaterra mais tantos mil homem para conservar a paz armada, e deste modo gasta-se muito dinheiro sem necessidade, e tão segura fica uma nação tendo muita gente armada, como pouca, porque as forças se equipararam do mesmo modo.

Eu fallo diante de grandes illustrações militares, e confesso que por todas as classes da sociedade, é aquella por quem tenho algum espirito de classe; porém, que esta classe se desconsidera em tempo de paz, porque os officiaes limitam-se a irem commandar guarda da praça, e outras; e se passa por ahi, por exemplo, o Duque da Terceira, chama-se ás armas, faz-se a sua continencia, e o nobre Duque, se o official é do seu conhecimento, dá-lhe um risinho, depois manda-se arrumar armas.

Sr. presidente, diz-se vamos a fazer uma economia no exercito, mas pergunto como se ha-de fazer? Pela minha parte declaro que não ha governo nenhum que a faça, se se não fizer aquillo que eu penso. Os militares julgam que diminuindo-se a força do exercito, isso lhes prejudica os seus interesses; e não é pelo desejo de commandarem, nem pelo desejo de terem uma força maior, mas porque julgam que tirando das folhas do orçamento em que estão inscriptos os soldados, serão tambem tirados dellas os seus nomes. Sr. presidente, as economias não se podem fazer senão em grande, porque pequenas não valem a pena de se fazer. Ha muita officialidade no exercito que é incapaz de servir; por exemplo, um homem de certa corpulencia, um homem que possue certa relaxação de costumes, que nunca soube o que era fogo, por não ter apparecido ao pé delle, um homem destes bem se vê que é incapaz de pertencer a uma classe, em que é preciso haver o maior despreso por todos as cousas vis e terrestres. O que se ha-de fazer a um homem destes? Deve fazer-se lavrador, e lavrador no Álem téjo. Sr. presidente, occupando-me deste objecto, tracto uma questão que os srs. ministros podem resolver com grande utilidade para este paiz. Ha neste reino, principalmente na provincia do Alemtejo e na Estremadura, glandes terrenos incultos; e tendo-se fallado tanto contra os morgados, attribuindo-lhes a falta da cultura das suas terras, talvez nem todos saibam que no Ribatejo até os bois são morgados (Riso) porque encontra-se uma grande parte dos terrenos por cultivar, e pergunta-se a quem pertence este terreno? Pertence ao lavrador fulano; e porque razão está por cultivar? É porque é para pasto de 5, 6, ou 20 cabeças de gado; e este gado é de tal natureza, que para os jungir é preciso uma lucta, como a que se faz no campo de Santa Anna, lucta que principia pelas 7 011 8 horas, e acaba ás 11 horas; hora a que se podem levar para se começar o trabalho. E ha uns poucos de individuos que têem terrenos reservados para este fim, e dos quaes o paiz podia tirar grandes vantagens.

Ora, sr. presidente, porque não ha-de o governo pegar nos militares, que já não podem ser militares, e faze-los lavradores por um systema de colonisação, distribuindo por elles essas grandes porções de terrenos baldios que ha no paiz? É o que se tem feito na Belgica. Porque não ha-de o governo ser auctorisado a dividir as patentes em acções, que representam um certo contracto de guerra, e porque não ha-de dar-se o direito a esses militares de levantar sobre essas acções uma porção de terreno inculto o baldio que possam cultivar e converter por este modo tanta gente em lavrador, sem o querer ser, tornando-se assim uma pessoa util a si e ao seu paiz?

Tambem se apresentou a economia como uma razão forte e efficaz contra essa confusão de impostos que existem. Depois que se apresentou a economia como uma razão forte e efficaz para estabelecer as finanças publicas, veiu uma terceira época que era a da profusão do imposto sobre todas as cousas: apresentaram-se impostos sobre tudo, sobre o sal, sobre as pescarias; augmento de sizas; impostos para estradas; impostos para amortisação de notas; para as obras publicas, sobre o ferro, sobre o vinho; tantos addicionaes, e até nos titulos porque se cobravam as decimas, isto é, um imposto nos conhecimentos; e falla só por um imposto na mão do recebedor, quando elle chega a casa do collectado para receber. E o credito então era por todos os modos, e por todas as maneiras; havia credito a 10, a 20, a 30; credito com esta companhia; credito com aquella; credito com esta que hoje se levantava para cair ámanhã; era o credito a cair hoje e a levantar-se no outro dia. Está claro que todos estes systemas haviam de morrer, porque eram os fados que os matavam. Era preciso outro systema sobre as ruinas de todos elles, porque depois de todas as theorias esperdiçadas, depois de todos os extremos

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em que se tem lançado o espirito humano na sua longa marcha, ha sempre uma demora de vacillação e de reconsideração; e este methodo não é senão a economia moral, e um imposto productivo bem regularisador é o crédito com o seu respectivo fomento e fomento por todos os modos, e por todas as maneiras. Não ha outra politica para todos os males financeiros.

O sr. ministro da fazenda citou já um exemplo, que o desengano de todos os systemas falseados. A Belgica que estando n'uma crise summamente precaria e assustadora, não fez nenhuma companhia Confiança) nem de Credito nacional, nem contrahiu nenhum emprestimo com o banco, nem fez nenhuma operação de 3 de dezembro; fez caminhos dê ferro. Ora isto parece absurdo para nós que não intendemos de finanças, mas pára quem intende dê finanças não ha outra administração, não ha senão dar mais para obter mais: é preciso progredir mais; é preciso que o governo ajuda para que nó orçamentos se repartam as sobras do que não se gastar pára todos os melhoramentos a que é necessario applica-las, e que não se appliquem a despezas improductivas. Aqui os nossos orçamentos têem um capitulo, que é o dos desperdicios improductivos, mas não tem é das despezas productivas que é o mais principal, e é preciso faze-lo.

Eu voto por todas as economias, mas não promovo nenhuma que não seja em grande; não tenho confiança nellas. Quero o credito, quero os impostos, ruas não como sé acham estabelecidos; e não tinha duvida nenhuma em que se votasse uma lei que dissesse — as despezas improductivas são estas — as productivas estas outras — e todos os impostos lançados além de certas designações hão-de Ser applicados para despezas productivas, hão-de ser applicados a cousas materiaes e tangentes. Não acho que houvesse inconveniente nenhum em expedir essa lei, e essa lei creio eu que exprimia um pensamento politico, porque estabelecia uma linha divisoria entre esta politica velha, rachitica, esteril, e a politica productiva, que seria de uma alta efficacia. Já aqui ouvi arguir o sr. ministro da fazenda por taxar a divida publica com dois juros; uma 3 por cento e outra 6; felizmente que os 6 por cento são para os capitaes empregados em cousas uteis. E esta differença reputo-a eu vantajosa e uma grande lição para o credito Velho, para o credito improductivo, porque ella lhe intima, que os capitaes productivos mesmo n'uma occasião de crise, foram respeitados por Um governo que se diz que não respeita nada. O juro de 6 por cento cicio ser só para o caminho de ferro e para a valla de Azambuja; e eu desejava que houvesse esta separação de juro, que se fizesse nina distincção clara e terminante, que os poderes publicos fizessem intender que entre o credito agiota, o credito esteril, e o credito real é productivo, havia uma differença consideravel.

Sr. presidente, vou fallar do banco. A questão do banco para mim não é uma questão que venha para a maior parte dos casos, isto é, a questão da sua gerencia passada; eu não prescindo della, mas não é esta que me occupa mais. Tem-se feito locubrações e grandes discursos para provar sé o banco levou 17 e ½ por cento ou não; eu dou a palma a todos os que tem escripto sobre este assumpto; para mim que o banco levasse 17, 18, 19 eu julgo estes peccados remiveis. O banco nas suas pretenções no fundo de amortisação descortina perfeitamente o seu estudo, e, diga-se a verdade, as cúrias vistas de seus administradores.

Sr. presidente; Napoleão dizia quando se constituiu um banco “Vamos em fim estabelecer Um banco, mas gente que intenda de um banco é uma cousa que não ha em Pratica Isto ha uns poucos de annos, mas em fim naquelle tempo não havia em França quem intendesse do assumpto. O banco está com o fundo de amortisação como uma creança está com um trabalho, com um brinco. Está a creança entretida com uma cousa que se póde quebrar, que lhe faz mal, e offerecem-lhe uma Outra cousa semilhante; diz-se-lhe — Oh! Menino Hão brinque com isso, brinque, antes com este bonito que aqui tenho; ande para a janella, ande passear —; mas o menino não quer ir passear, não que ir para a janella, quer por força, o objecto de que o querem privar. E o mesmo que acontece ao banco; não quer Senão o fundo de amortisação.

Oh! Sr. presidente, pois sé eu fosse director do banco, que nunca fui nem Serei, havia de disputar um boneco? Eu havia de arriscar-me a despopularisar-me no meu paiz, e proclamar nos paizes estrangeiros o seu estado de descredito? Havia de arriscar me a todos os dias pela manhã Ver que lêr uma grande cópia de convicios contra a minha administração e mandar escrever outros? Havia de arriscar-me a presidir a assembléas tumultuosas, onde o, excessos de palavra excederam mesmo as reuniões já cobertas? (Apoiados) Havia de arriscar-me a estabelecer uma propaganda geral em todo o paiz pela imprensa? Não me arriscam a cousa nenhuma destas. Quando o governo me fosse pedir o fundo de amortisação dizia-lhe — para que querem o fundo de amortisação? Para um caminho de ferro. Ora essa! Isso queremos nós todos. E não era isso um systema novo, porque um illustre deputado que tem horror aos interesses materiaes, já aqui rios mostrou tanto enthusiasmo pelo caminho de ferro, que foi até ao homicidio; já aqui nós disse, que se fosse ministro da fazenda e a junta do credito publico ou o banco obstassem á confecção do caminho de ferro, convertia Os seus membros em acções do caminho de ferro! Até aí não chega o meu enthusiasmo, e ha gente que pela Sua constituição, admittido este systema, não daria senão uma acção! (Riso)

Sr. presidente te eu fosse a direcção do banco dizia abertamente — querem o fundo de amortisação para um caminho de ferro? Nós tambem queremos um caminho de ferro; se é para isso o fundo de amortisação, aqui está.

Mas, sr. presidente, que fez b banco? O banco negou obstinadamente todos os recursos para depois os offerecer, mas de uma maneira tardia e mesquinha; o banco offerecia 1:000 contos por 4 ou 6 mil que era o fundo de amortisação! Quer dizer, não offerecia nada para o caminho de ferro, dava 1:000 contos para resgatatar 3 ou 4 mil. E estão persuadidos que eu creio que o banco póde ser um grande elemento para o caminho de ferro? Não tenho esperança nenhuma nas caixas do banco, mas desejava que elle mostrasse a sua boa vontade de ajudar, não este governo, mas todos os governos, nos melhoramentos materiaes; desejava que o fizesse, não pelos meios que tem, mas pelos meios que podia ter. Pois se o banco não póde dispor de maior somma, se o

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banco não pude dar um grande impulso ao credito, se não póde trazer para um giro de fomento e de confiança os capitaes immensos de que é possivel dispor, então o banco não é nada. Eu quero que o banco diga aos capitaes surge, surge para um grande incremento publico; mas o banco diz aos capitaes surge, surge, para o fundo de amortisação! Ora, a questão para mim é, se o banco é banco; intenda-se bem. Para um banco que fôr banco e que o quizer ser, para Um credito que fôr credito e que o quizer ser realmente, voto eu tudo, chego até a Votar o principio de que as tendas não são convertiveis; esse privilegio é duro, é áspero, mas é um privilegio dado por utilidade publica, eu faço todas as concessões, mas é preciso que o credito tome o caracter Verdadeiro, caracter que tem em outros paizes.

Sr. presidente, o banco de Lisboa nasceu de um emprestimo, e o banco de Portugal nasceu de uma bancarota. Ora, o que o berço dá a tumba o leva. As origens foram pessimas e desgraçadamente nenhuma das direcções reconheceu que é que convinha aquelle estabelecimento, era tomar um caminho absolutamente diverso nas suas transacções. Quando se constituiu o banco em 1822, um dos nossos venerandos legisladores dizia — O banco é feito para supprir as industrias e, por exemplo, para promover uma grande plantação — Creio que não ha 10 réis do banco applicados para similhante fim! Outro dizia — O banco no governo absoluto é ás vezes instrumento desse governo, aí tem o governo toda a acção sobre o banco; mas no governo Constitucional, esse estabelecimento é inteiramente separado, não tem nada com o governo — Se esse venerando legislador viesse assistir ás exequias do banco, se visse o estado de concatenação em que elle se acha com o governo, veria como se tinha satisfeito. Os seus interesses principaes são tirados do seu commercio, do seu giro de trocas de terras etc.; mas Se se perguntar ao banco de Lisboa e ao de Portugal como eram formados os seus dividendos, há de dizer que foram todos tirados do emprestimos com o governo, porque as suas transacções foram sempre pequenissimas, e acanhadissimas.

Mas diz-se agora «O banco não póde entrar no emprestimo do caminho dê ferro, porque é contra a carta organica. Supponhamos que o banco e tambem um contracto, ou que A lei do banco é um contracto; se o banco entra no emprestimo para o caminho de ferro, apesar da carta organica lh'o prohibir, o banco commette uma illegalidade e justifica O governo de ter commettido outra, tirando-lhe o fundo de amortisação.» Mas que se quer de um estabelecimento a respeito do qual se declara em uma assembléa que elle não póde entrar no emprestimo do caminho de ferro, porque os emprestimos de caminhos de ferro são emprestimos de risco? Pois se o banco não quer entrar em taes emprestimos, não queremos o banco para cousa nenhuma. Por ventura não serão emprestimos de risco todos aquelles em que elle tem entrado até agora? Por ventura não são emprestimos de risco inutil adiantamentos sobre adiantamentos a um governo que não tem regra nas suas despezas? Por ventura não são emprestimos de risco o juntar-se com outras companhias» fazer-lhes emprestimos, quando se está em amizade te intimidade com ellas, é depois querer lançar sobre o governo a carga desses emprestimos que se fizeram áquelles individuos por considerações pessoaes e por partilha de interesses! Pois não serão emprestimos de risco todas estas transacções que tem trazido o banco muitas vezes até ás porias da morte, pelo que lhe tem sido preciso recorrer a todos os individuos pára o salvar? Então se estes emprestimos não eram de risco, donde vieram todas estas crises porquê elle tem passado? Pois um caminho de ferro é Um emprestimo de risco? E vê-de o que ha lá fóra? Eu Soube que em pouco tempo as acções de caminhos de ferro tiveram uma alta, e que querendo-se explicar essa alta por considerações muito longas de finanças e de economia pública, viu-se que essa alia não era senão produzida pelo rendimento desses caminhos de ferro, que ainda não eram má negociação.

Sr. presidente, o banco precisava, e nem se póde salvar de outro modo, em vez de estar,nestas navegações de costa acosta em risco todos os dias de dar n'um recife, e de se partir n'um promontorio, soltar todas as velas, fazer-se mais ao mar, alargar as suas transacções. Mas o que tem feito o banco? O banco tem feito actos corajosos como os soldados que vão até á linha, Onde o inimigo os póde matar, mas que não vão para diante; chegam mesmo á queima roupa, é ahi deixam se estar porque não sabem retirar; se tivessem lances de cotagem, corriam menos perigos, mas tem a coragem da inercia, soffrem todos os tiros que os dizimam, e por fim fogem, mas depois de perdidos muitos soldados e com uma derrota certa O banco quando se viu aggredido pelo governo, O que devia era não lhe dar razão, e pedir todos os meios e recursos precisos para alargar todas as suas transacções, porque tem de é fazei. Não ha senão duas opiniões a êste respeito: ou o banco ha de largar o seu monopolio, ou se ha de prestar a servir como se não houvesse monopolio.

Para mini a utilidade dos bancos caracterisa-se pela alia do juro, pelo preço do capital; é uma cousa caracteristica, cuja observação não deve escapar. Quando se instituiu o banco de França, o preço do juro era de 3 por cento ao mez, e hoje o preço do juro em França é de por cento ao anno. O banco de Portugal quando se estabeleceu o preço do dinheiro, era de 12 por cento ao anno, o preço do dinheiro hoje é de 1 por cento ao mez. Para mim em presença disto o banco é um estabelecimento demonstrada, claramente Inutil, sem acção nenhuma sobre a economia publica; porque, desenganemo-nos, em quanto não tivermos capitaes baratos, não podemos ter nada, porque o capital é o jornal, a enxada, o estrume, a ferramenta, o capital é tudo, e com o capital a 12 por cento não é possivel absolutamente nada. Nós vivemos de um milagre: diz-se isto, é uma observação indecorosa para nós, mas é justa; nós vivemos do nosso clima, porque em outro paiz com taes instituições economicas era impossivel viver. Mas este solo e este clima não é Cousa que se repute como um beneficio do governo, nem corto uma razão para nos desobrigar das diligenciai de tirar todo o partido deste solo; quanto mais uma terra é favorecida pela natureza, maior é a obrigação para. á parte da especie humana que a habita, de a cultivar e fazer florecer; o nosso clima faz à nossa vergonha, e torna-nos indignos do solo que nos deu em parte a sorte, e em maior parte a bravura e dedicação dos nossos pagados. Larguemos a herança, se a não sabemos grangear!

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Sr. presidente, mas já se disse — o banco não estava costumado afazer outras transacções, está costumado só a fazer transacções com o governo; e como não está costumado a mais nada do que isto e estava nesse costume, não póde sair disso. Isto é uma bella razão economica! Eu, sr. presidente, não teria duvida em votar por uma lei que dissesse — o banco de Portugal e todos os bancos quantos aqui ha, ou quantos poderem haver, não emprestam dinheiro ao governo senão em tres casos — guerra externa, sublevação interna, e melhoramentos materiaes; em outras transacções não entram absolutamente, compram a divida fluctuante como qualquer particular na praça, em ella estando regularisada, e a respeito de direcções essas não podem ser reeleitas, porque sendo reeleitas brevemente estão envinagradas; está lá algum espirilo infallivelmente.

Eu peço desculpa á camara de me ter distrahido I.om isto. Já se disse que a commissão de inquerito ao banco tinha de vir tosquiada do banco; nem vai tosquiar, nem ha de vir tosquiada; entra com a lã com que vai, e sae com a lã que levou, isso decididamente; mas a respeito do estado do banco não está tão lanzuda como podem crer as alias intelligencias de que nós nunca nos podemos esquecer, por que nos repetem aqui que cá estão, que são alias e levantadas e nobres e superiores.

Sr. presidente, já se disse, já se comparou até o banco de Portugal com o de Inglaterra, e disse-se isto como resultado de um trabalho improbo, para o que se tinha andado em busca de documentos muito instructivos, revolvendo-se toda a sciencia sobre o assumpto que não era sabido, e no fim de tudo, estas comparações tinham-se firmado em documentos que teem sido tão profusamente impressos que se vendem pelo mais vil preço que se póde dar. Não é com um entrouxado de cifras que se prova a divida do banco. (O sr. Cunha Sotto-Maior.) — Mas refute agora) Se se perguntar se o estado deve ao banco, não tenho duvida em o affirmar; mas dizer-se por que o estado deve ao banco, venha para cá o que o banco quizer, não estou de accordo.

O banco de Inglaterra, disse-se, quando acabar o contracto, hão-de pagar-lhe o que lhe devem. Mas póde comparar-se o banco de Portugal com o de Inglaterra, ou com outro qualquer Discutiu-se nesta ordem tudo quanto havia, mas ainda senão apresentou um unico exemplo em parte nenhum da Europa de andar um governo em guerra com o banco. A Hespanha, ião catholica como é, tem andado em guerra com a igreja, com os partidos politicos, com os pertendentes, com os socialistas, com a republica, com o credito, com o orçamento e com tudo quanto ha, menos com o banco. O que póde dizer-se tambem, é que em parte nenhuma se atacou o banco como aqui. Mas é que lá não se ataca; Já manda se, por que ou os bancos são independentes, e então fazem o que querem, ou dependentes do governo, e nesse caso sujeitam-se ás suas determinações. Fallou-se tambem no banco de Vienna, a quem o governo tem dado toda a protecção, que tem exigido. — É verdade — porque, o banco de Vienna tem servido o governo em todas as situações; porque o banco de Vienna, nomeio da crize, em que o governo se achou, deu-lhe recursos não só para as despezas da guerra, mas para ir costeando os melhoramentos materiaes. Sr. presidente, disse-se que o fundo de amortisação não dava nada, não dava senão para uma ou duas legoas de linha de ferro, e que ninguem faria o caminho, senão quando estavam os recursos todos juntos para o emprehender; e que nós nos abalançavamos a começar uma obra, sem a certeza de que ha de ser concluida. Mas quando se tira o fundo de amortisação ao banco, então o banco não póde viver sem elle; então faz-se tudo, para que lhe seja restituido; então presta-se a todos os melhoramentos!! Pois se o banco não póde viver, sem o fundo de amortisação, para que lh'o tirastes? Vós tiras-tes-lho para o matar, e se o matastes, para que o quereis ressuscitar? Só se a medida produz differente effeito pelo tempo, em que foi tomada.

Pois o nobre deputado não tem agora os seus desejos satisfeitos? Lembra-me uma historia de um grande mestre culinario, que fazia sempre um jantar estragado, e perguntando-lhe o dono da casa — por que era, que o jantar se estragava — respondeu o afamado cozinheiro — porque veiu muito cedo; no outro dia veiu á hora propria, e querendo jantar, saiu-lhe o mestre da cozinha dizendo — que não tinha jantar, porque o comera todo o galo. De maneira que assim se está sempre a respeito do illustre Deputado, esperando ver a realisação dos seus planos, e agora espero, que vote com o sr. ministro da fazenda, que realisou o desideratum das suas finanças; (O sr. Avila: — lista enganado) talvez; aqui está o relatorio da operação de 31 de dezembro (Leu).

Avista disto fica patente a posição em que se collocou o nobre deputado. — Já está acabada a fluctuação da divida; as rendas publicas já estão desembaraçadas e libertas de um commercio improductivo e esteril, e por consequencia resta só applicar estes meios aos melhoramentos uteis; e deparando-se a occasião de haver um ministro que realisou esse pensamento, não deve o nobre deputado perder os ensejos, que se lhe offerecem, ou dentlro do poder ou fóra do poder, para ajudar o governo a poder levar as cousas ao fim, visto que nem sempre Deos tem disposto de nos entregar a nós proprios o desenvolvimento dos nossos pensamentos. Não digo que isto seja muito para a organisação da fazenda, mas é alguma cousa; e o nobre deputado, a quem as revoluções estorvaram sempre de levar ávante o seu pensamento de salvar o paiz, uma vez que a solte compõe as cousas de maneira, que lhe tira sempre das mãos esses meios de salvação publica, o que deve fazer é acceitar as condições da mão daquelles a quem a sorte chamou para as realisar: não póde ler outra cousa no seu pensamento, porque é esse o sacrificio que deve fazer da sua ambição, se é que a tem (O sr. Avila: — Não a tenho).

Então direi uma cousa, sem querer offender o seu melindre, estou persuadido que o illustre deputado tem culpa nestas cousas, estou persuadido que os financeiros é que tem estragado este paiz.

Depois da revolução de 27 de janeiro de 1842, é força confessar que o chefe dessa resolução veiu para Lisboa com a intenção e vontade de se libertar, e não mais sujeitar-se aos poderes e influencias monetarias, porque via que nenhum governo podia ou devia a ellas sujeitar-se, porque sob taes influencias nenhum estado póde ser governado, nem nenhum homem póde governar. Com as determinações do banco e companhia confiança é impossivel governar conveniente, e

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constitucionalmente. — Digo, o chefe dessa revolução veiu com boas intenções. — O Periodico dos Pobres no Porto dizia então — que era preciso acabar com a agiotagem que succava o sangue aos servidores do estado, e arruinava o paiz, que era para evitar isto que a restauração da carta se fazia. Mas o que se seguiu? Tudo se perdeu, e veiu a tutella do banco, e das companhias.

Sr. presidente, nós temos feito ao banco tudo quanto se póde fazer. E se alguma cousa ha de caracteristico neste objecto e o seguinte: — Qual é a cifra de contribuição para as notas!.. São 500 e tantos contos de réis. Isto é, são 500 e tantos contos de réis para amortisação das notas. Qual é a cifra para as estradas?.. São 100 e tantos contos de réis, não chega a 200!.. Ora se isto não é caracteristico, então não ha nada absolutamente, nada que o seja. Eu não preciso de outra cousa para argumentar a favor da minha opinião. O sr. deputado Avila, cujo amor ás viagens é de todos conhecido, se apresentar este facto descarnado a todos os homens intendidos nestes assumptos, elles descrevem-lhe immediatamente o resto. Dizendo-lhe isto, elles de certo compõem-lhe o resto. O que era o banco?.. Era um banco quebrado e fallido. O que eram as notas?.. Dinheiro que toda a gente linha emprestado sem juro. Pois elle falliu, e apesar disto ha de pagar-se-lhe um imposto para o indemnisar!..1 Dão se lhe 500 e tantos contos para isto, e para todas as viações publicas de Portugal dão-se 100 contos!.. Isto parece incrivel! Diz-se ao banco — Dai-me cá o fundo de amortisação para com o producto delle fazer algum Caminho: diz elle, nada; isso não quero eu. Não se precisa que o povo portuguez ande, basta que pague. Ora o povo não póde pagar sem andar; para pagar é preciso trabalhar, e para trabalhar é preciso andar; não póde trabalhar sem andar, nem pagar sem trabalhar; mas caminhos para andar, isso nada, isso não se lhe dêem; não precisa!!. Isto é inaudito, isto não se practica em parte nenhuma! (Apoiados)

Sr. presidente, vou ao malfadado decreto da conversão, a respeito do qual se disse, que o sr. ministro da fazenda fez o que ainda ninguem fez.

Sr. presidente, a conversão de que se tracta, assegurou um illustre deputado, tinha um caracter especial, e que não havia nenhum exemplo com que se podesse comparar, nem na Europa antiga, nem na moderna e que em Portugal tinham todas as conversões sido sempre livres e libérrimas; e que desde Sully até agora todas as conversões tinham sido feitas seguindo-se os tramites escolásticos, e deixando aos credores toda a liberdade de acceitar ou não a conversão; e para isto o illustre deputado, segundo disse, cançou-se em procurar documentos, quando estes documentos estão na legislação do nosso paiz, e todos elles provam contra a asserção do illustre deputado.

Sr. presidente, aqui nunca se fizeram conversões; permittiram-se, mas nunca se realisaram. Permittiu-se vir á conversão, dizendo-se aos que não vinham que se lhes havia de pagar, e quando os que não convertiam, chegavam para se lhes pagar, não se lhes pagava nada, de modo que ficaram sem o juro da conversão, e sem o juro e satisfação dos capitaes, que não quizeram converter. Deste modo já se vê que nunca se realisou entre nós nenhuma conversão. E se o illustre deputado quizesse fazer uma recapitulação a respeito de todas as conversões que se propuzeram, mas que se não realisaram em todas as suas partes, e do modo que se havia promettido realisar, ainda havia de encontrar uma boa porção dellas. O sr. José da Silva Carvalho fez uma conversão que não completou: ahi estão os documentos comprovativos. E o que me diz o illustre deputado á conversão do papel-moeda?.. Que me diz a essa conversão?.. Foi essa bem voluntaria, bem regular, e bem escolar? Perguntou-se aos possuidores do papel-moeda se faziam a conversão, se a acceitavam voluntaria?.. Perguntou-se-lhes se queriam converter os seus capitaes?.. E uma conversão de moeda corrente é uma conversão muito diversa da de fundos publicos. O papel-moeda era um meio circulante, como qualquer outro dinheiro, e o governo dizendo de um dia para o outro — Isto não é dinheiro — ficavam os que tinham essa moeda com ella em casa, mas sem valor algum; ficavam sem dinheiro e sem juro, emquanto que a conversão de fundos publicos tem sempre o juro do capital representado.

Mas, sr. presidente, isto a que se chama conversão, não foi conversão, foi uma reducção, como tem feito todos os ministros de fazenda, como a fez o proprio ministro que está ao lado do. illustre deputado, como a tem feito todos os ministros, porque todos os ministros tem successivamente cortado na divida publica. Não os censuro por isso. Isto não foi conversão, foi uma medida de necessidade; e eu bem sei que a necessidade é um principio falso e erroneo, mas é preciso reconhece-lo em certas circumstancias.

O que me parece impossivel, é que o nobre deputado, tão versado na historia dos outros paizes, fosse buscar como typo de honradez e probidade financeira dois homens celebres, que senão citam nunca por honra do systema financeiro que agora se segue — Sully e Colbert — foram os mais furiosos e desalmados bancaroteiros que appareceram em França.. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — É falso, é falsissimo) Pois para provar que oram bancaroteiros, eu vou fazer as provas litterarias. O illustre deputado póde ignorar a historia financeira desse tempo; mas de certo não ignorará a litteratura dos salões desse tempo. A litteratura dos salões desse tempo era a seguinte:

De nos rentes, pour nos péchésj Si les quartiers sont ntranchés, Pour quoi s'en cmouvoir la bile? Nous n'aurons qn'à changer le lieu: Nous allions à V Hotel-de-ville, Et nous irons à VHotel-Dieu.

Este epigramma demonstra só por si o estado das finanças naquelle tempo.

Sully primeiro achou as finanças em tal estado que os financeiros diziam que as rendas publicas não chegavam para as despezas do anno nunca, e tinham empenhado essas rendas com grossas usuras para si; de maneira que havia sempre um deficit na receita do estado á sombra do qual elles faziam o que queriam, e nunca se igualava a receita com a despeza, e Sully tomou medidas violentissimas, mandou repor todas as usuras quantas se tinham feito até alli, retardou o pagamento dos interesses da divida que achou á sua entrada, e estabeleceu tambem medidas de rigor para obrigar os prestamistas a reporem tudo aquillo que tinham havido de mais até alli; poz em praça as re-

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cebedorias geraes, foi extremamente contrariado em tudo isto, mas o Rei apoiou.

Agora Colbert. Este chegou a prohibir os emprestimos com pena de morte, depois fê-los pelas necessidades da guerra, mas fez reducções estupendas na divida, porque reduziu-a pela terça parte, depois reduziu-a ainda mais, e depois não pagou pelo nominal, depois das reducções pagou pelo preço da praça. Todos os rendeiros nessa occasião, todos os prestei mistas se levantaram contra elle, e passaram se tambem scenas desagradaveis, teve de se escapar, foram accommette-lo em casa de um magistrado desse tempo e escapou milagrosamente. Colbert foi bancaroteiro, nem podia deixar de o ser, porque o fomento tem uma certa concordancia com a banca-rota, quer dizer, todo o homem que quer utilisar o dinheiro, tem uma certa repugnancia em o queimar em emprestimos. De maneira que, ir. presidente, metteram o illustre deputado em engano.

Bravo Murillo. Disse-se «foi um triste exemplo citar Bravo Murillo. Oh! Que exemplo terrivel e deploravel! Pois este homem perseguido, banido do seu paiz, que teve de fugir para escapar á indignação publica, é quem se ella! Foi um triste argumento cita-lo. Embora Bravo Murillo tivesse fugido do seu paiz, embora elle tivesse sido obrigado a isso, em consequencia das medidas violentas que empregou, e que tem isso? Pois nós estamos em estado de não poder fazer justiça aos homens, de não reconhecer as qualidades boas de um homem em consequencia das qualidades más que elle tem? Bravo Murillo era um homem violento, violentissimo, reaccionario, que não tinha as idéas do seu tempo, do tempo em que geriu os negocios publicos, que teve a desgraça de acceder talvez a suggestões contrai ias á liberdade do seu paiz; mas era um homem de estado reconhecido, sabido e confessado pelos seus proprios adversarios, e que fez muito bem á Hespanha.

Mas, sr. presidente, ouvi dizer, a Hespanha, o que ella agora está sentindo, é o resultado das medidas que tomou contra o credito. Esta observação é notavel quando feita pela boca de um illustre deputado, que como ministro tomou as mesmas medidas! Entre nós tem-se deixado de pagar arbitrariamente, sem fórma nenhuma de ponto ou de conversão, não tem existido fórma alguma regular de pagamento, não se paga a ninguem. E até uma vez o sr. barão do Tojal veiu declarar-nos aqui cheio de ufania, coberto de gloria — não paguei os juros da divida ingleza. — Ninguem lhe perguntou então se era por conversão ou não; se não foi por conversão, foi por uma operação que se parece com essa, foi pela operação de não pagar. (Riso)

As conversões fazem-se quando o credito de um estado está pujante. Como quer o illustre deputado applicar as theorias do credito pujante para o credito decrescente? Quem tem muito credito, é que faz conversões, porque a conversão não é senão o uso do credito melhorado para alliviar os onus do credito de peior condição; mas quando o credito está abatido, o remedio é não pagar, ou collocar as rendas publicas de modo, que habilitem o paiz a pagar alguma vez.

Já ouvi dizer que os credores inglezes concordavam em deferir a nossa divida por 5 annos — unia parte della; e aconselharam certas medidas. Eu concordava; porque quando um inglez dá um conselho serio,

Verdadeiro e justo, a respeito das nossas cousas publicas, digo que se tome esse conselho inglez, ou seja de quem fôr, quando elle se não der com as portinholas abertas, porque não admitto que me deem conselhos com o bastão levantado; mas quando m'os dão em bom termo, não tenho duvida nenhuma em os acceitar. Dizerem os credores inglezes — defiram a divida — o que denuncia isto? O bom juizo; porque sabem que um paiz carregado de dividas, nunca póde pagar sem melhoras de condição. Esta declaração dos credores inglezes, feita ou apresentada como conselho amigavel, podia considerar-se no caso de não ser desattendida, mas o facto é que então não se fez nada a este respeito, senão pelo lado negativo.

Sr. presidente, todas as nossas finanças teem sido falsas: é tirar-se de um lado para dar ao outro, e feitas as contas ao do que podemos dispor, e ao que podemos pagar, não podemos pagar, seja; mas não só havemos de pagar isso que pagamos actualmente, mas mais, porque é preciso habilitar o paiz a pagar mais. O nosso orçamento deve ser de mais 6:000 contos, tem de pagar o povo mais esta somma; agora a questão é de haver um governo, que lhe faça pagar estes 6:000 contos mais, dizendo elle são muito bem pagos, estou muito contente, estou perfeitamente nesta minha terra, muito bem governado, muito bem administrado, muito bem acariciado, e cheio de regalos, levam-me caro, mas merece a pena. Para ler isto é preciso paga-lo; mas com tanto que o povo possa dizer isto, voto que se pague até essa somma. Agora pagar e fallar ao povo com tudo o que o governo é obrigado a ministrar-lhe, isso é insupportavel.

Sr. presidente, eu não sei para que veiu toda essa fileira de economistas, que se citaram a respeito das conversões, quando é sabido que para as conversões, amortisações, ou pautas, as cousas hão de fazer-se segundo o motivo que as promove, e as circumstancias peculiares que se dão ao tempo em que taes factos teem logar.

Ora Malthus não queria senão converter a especie humana á regra de um scepticismo talvez barbaro, para a conter n'um numero de individuos compativel com as subsistencias, a que elle tinha dado uma lei verdadeira ou falsa; mas não se applicou a tractar de conversões financeiras.

Sr. presidente, não ha um é paiz, que não tenha feito muitas e successivas banca-rotas, nem é possivel organisar o credito, quando elle chega a uma grande indisciplina, a grandes abusos, senão por meios violentos. A questão é, que essa violencia seja feita com moderação, com prudencia, e com o espirito desaffrontado, e com intenção de levantar o credito das suas cinzas; porque o credito ou nasce de uma vida regular, de uma vida constantemente ao par, ou nasce de grandes córtes sobre desvarios, de novas normas, de novas regras, e de nova vida.

Eu peço aos Ilustres deputados que me digam e apontem um só paiz, onde o credito se tenha estabelecido sem ser por estes meios violentos. E como uma dessas tempestades, desses cataclismos que algumas vezes apparecem, em resultado dos quaes a terra mais improductiva se torna n'um campo o mais fecundo. Só deste modo é que ha de prosperar o credito; e espero que os credores do estado ainda hão de vir a conhecer as vantagens que lhes resultam das medidas que actualmente teem sido adoptadas pelo governo, porque a rasão é clara: os proprios accionistas do

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banco ainda hão de confessar e reconhecer as vantagens dessas medidas, e que aquellas que a direcção do banco tem tomado, não são as melhores. Muitos accionistas do banco bem sabem que muitas das medidas tomadas pela direcção não estão de accôrdo com os seus interesses; e se elles estivessem livres de uma certa pressão, de certo as não poderiam approvar; porque assim como se diz, que ha deputados que são ministeriaes dentro da camara, mas que o não são fóra della, lá acontece o mesmo, ha muitos accionistas que são ministeriaes da direcção, na casa do seu parlamento, mas que não são ministeriaes cá fóra nas conversações particulares que teem, quando tractam dos seus negocios.

Estamos chegados aos caminhos de ferro, e aqui sou eu considerado como um grande réo, porque se diz — que o governo accedendo á feitura do caminho de ferro do norte, levou nisto uma idéa completamente politica, e o meio de captar o meu apoio ao governo. Felizmente o illustre deputado que hontem fallou, desfez esta illusão. Eu tenho a declarar, primeiro que tudo, que o sr. ministro da fazenda communicou-me a sua intenção de fazer o caminho de ferro do norte. O caminho de ferro do norte é uma cousa absolutamente necessaria; e para o comprovar, entre muitas cousas que podia citar, cito Uma representação de alguns commerciantes do Porto, representação insuspeita que vou ler á camara. (Leu)

Sr. presidente, eu considero esta representação como uma representação a favor do caminho de ferro do norte; não sei se os nobres deputados lhe dão este alcance: eu nunca governei o paiz; mas os senhores daquelle lado da camara, que tau as vezes teem sido governo, parece-me que alguma responsabilidade podem ler por um documento tal, nesta época, e nestas circumstancias: é o commercio da primeira cidade do reino, que pede ao governo um dos seus vapores para transportar, de Lisboa para o Porto, as suas mercadorias, porque não as póde transportar por terra, em consequencia das más estradas, e por mar por falla de embarcação. E, pois, para evitar estes e outros estorvos, que a cada passo se estão dando no nosso commercio interno, que é de absoluta necessidade a feitura de caminhos de ferro. (Apoiados)

A respeito de caminhos de ferro ha aqui duas parcialidades; uma é a parcialidade dos pobres, que quer os caminhos de ferro; e a outra é a de gente grande e poderosa, que não consente que haja um caminho de ferro em Portugal, senão quando se tiver confeccionado um systema tão geral e de tal fórma preparado e combinado, que vá ligar com toda a Europa; que não consentem que isto aqui seja senão a cabeça de todo esse imperio, e a viação principal para toda a parte do mundo; só então é que ha de haver caminhos de ferro em Portugal! Depois veem as considerações geográficas do nosso paiz, e dizem: «Portugal não está no meio de um grande centro de producção; isto aqui não é conveniente para caminhos de ferro) de maneira que nós, como principio de lucro, admittimos os caminhos de ferro; mas como principio de commodidade não os admittimos — Se vivessemos n'uma ilha, não tinhamos caminhos de ferro, teriamos só operações de fazenda; de maneira que nós, na opinião desses senhores, pela situação que nos deu a sorte, não somos destinados para caminhos de feno, ao menos que não seja um grande caminho de ferro, que se estenda por toda a Europa pois eu estou persuadido do contrario; estou persuadido que, porque se não póde fazer já tudo, nem por isso se deve deixar de fazer alguma cousa; estou persuadido de que a linha de ferro do sul mesmo unindo-se ao caminho de ferro de Hespanha, não ha de monopolisar todo o movimento europeo. Mas o caminho de ferro do norte, esse é todo nosso, é todo para nós, é a viação do paiz; póde levar os escrivães de fazenda, e levando estes ha de tambem concorrer para mais facilmente se poderem arrecadar as rendas publicas. (Riso)

Em outro tempo quando se tractou do caminho de ferro de leste, não se cogitava se elle havia de ser por Hespanha, dizia se sómente «faça-se o caminho mas pela companhia das obras publicas mas agora já o caminho de ferro não se deve fazer, se elle não fôr internar com a Hespanha, e se não se fizer uma convenção com os habitantes das outras nações, para que elles se obriguem a ser nossos freguezes. O caminho de ferro do norte é a unica viação que podemos ter; se se fizer a estrada daqui ao Porto, ha-de ser um grande encargo para o paiz, sem que dahi resulte grande proveito, em quanto que o caminho de ferro ha-de Ser um encargo menor, produzindo maiores vantagens. Pelas estradas, como ellas se fazem entre nós, e ainda mesmo que se façam melhores, não poderá andar por ellas senão gente abastada, porque é preciso ser conduzida em liteiras ou diligencias, e isto sae caro; e por consequencia nem toda a gente pode transportar-se deste modo, são só as classes abastadas que podem andar por essas estradas, mas essas classes não são ião immensas, que possam dar-lhes o alimento necessario e conveniente; mas nos caminhos de ferro vai toda a gente, pobre e rico pode transportar-se a grandes distancias sem grandes despezas. Que cousa é estar a fazerem se estradas, quando se podesse fazer caminhos de ferro? Ou se pode fazer uma e outra cousa; mas não creio que isto seja possivel; e neste caso façam-se antes caminhos de ferro, porque o dinheiro que se emprega nos caminhos de ferro é sempre aproveitavel, e o que se emprega nus estradas é quasi perdido.

Viações maritimas não as temos. Pois nós podemos ter viações maritimas ainda mesmo n'um estado supportavel, quando não estamos habilitados a gastar as grandes sommas que ellas demandam? Além disso, nós não temos portos nem barras; algumas dellas são de lai maneira tempestuosas, em certo tempo, que a sua communicação é impossivel. A barra do Porto, por exemplo, está terrivel, está por fazer tudo o que nella devia ter sido feito; e estou persuadido (é convicção minha) que o melhoramento de que a barra do Porto carece, não vale a pena do dinheiro que para isso é necessario gastar; é preciso fazer-se uma barra nova. No Algarve não ha barras, acabaram todas; na barra de Aveiro tem se consumido sommas immensas; cê uma vergonha dizer-se O dinheiro que nella se tem gasto, e o estado lastimoso em que se acha. A barra da Figueira depois das obras que alli se fizeram, ficou terrivel, pessima: ainda ha pouco quedei, para atravessar o rio, 11 pintos, muito mais do que havia de dar por ir num caminho de ferro daqui á minha terra. Está alguem presente que presenciou este facto.

Sr. presidente, até se disse aqui que eu tinha proposto o caminho de ferro, porque queria ir para Aveiro por caminho de ferro. Isto é incrivel! Ninguem póde propôr um melhoramento novo, senão fazendo desis-

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lenda, de que náo lia de usar delle: quero dizer, quem tivesse votado pelo gaz, nunca havia de vêr luz de gaz, quem inventasse a typographia nunca devia mandar imprimir uma obra ao prelo, etc: isto e de tal maneira miseravel e mesquinho, que é vergonha o ter-me demorado neste ponto.

Mas, sr. presidente, disse-se — O caminho do norte acabou, porque o fundo de amortisação foi applicado ao caminho de ferro de leste. — Não é assim, isto é, não acaba o caminho de ferro do norte, pela circumstancia de ser applicado o fundo de amortisação ao caminho de leste. — O caminho que vai fazer-se é de Lisboa a Santarem, e depois deste feito necessariamente terão logar as differentes ramificações: não ha nenhuma grande ramificação, que tenha sido levada de repente ao fim; pois nós não temos aqui os exemplos, e em toda a parte? Pois então o palacio de Ajuda foi já acabado? Pois que tempo levaram a fazer as obras de Santa Engracia, e acabaram? Pois o Terreiro do Paço não o estamos nós acabando (Uma voz: — As obras de Santa Engracia parece-me que não acabarão nunca) mas é isso razão para que os caminhos de ferro não acabem? As obras de Santa Engracia não acabaram, porque não havia muita devoção por Santa Engracia (Riso) senão haviam de acabar: digo pois que o raminho do norte pode fazer-se, ha de fazer-se, deve fazer-se, e acredito que póde fazer-se: 6 ou 7 annos levou a concluir o caminho de ferro de Aranjuez, que é o peor de todos os da Europa, segundo o que dizem os viajantes que por lá andaram; portanto obras desta natureza não se levam ao fim de repente.

Mas, sr. presidente, depois do caminho de ferro feito, o que ha-de acontecer? Ha-de acontecer, que nos havemos todos encontrar no caminho de ferro, isto é, os directores do banco de Portugal, os que combatem o governo, com os que o defendem, e havemos todos rir-nos destas luctas que actualmente tem tido logar, e reconhecer então as vantagens das medidas, que hoje tanto se impugnam.

Sr. presidente, o actual ministerio, nas medidas que tem publicado, na marcha governativa que tem levado, tem feito um grande e importantissimo serviço ao seu paiz; tem desanimado as idéas de todos os partidos, e os ministros que se seguirem a este ministerio, ou hão-de seguir as mesmas idéas, ou hão-de cair (Apoiados). Não é já possivel nem licito recuar em cellas cousas. O governo tem pago em dia, o governo que vier ha-de pagar infallivelmente em dia. Pagar em dia, sr. presidente, o que é? É acabar com a agiotagem, é acabar com este commercio iniquo sobre o sangue, vida, e moralidade das familias, e o ministerio que vier, ha-de seguir a mesma estrada; sob pena de se collocar em graves embaraços, e trazer novas difficuldades ao paiz. O governo arcou com certos estabelecimentos, o ministerio que vier, não póde contemporisar com elles, e sujeitar-se ás suas determinações e excessivas exigencias; o governo propoz a rescisão do contracto do tabaco, os outros ministerios que vierem, hão-de tomar estas medidas, ou hão-de ser escarnecidos pelas massas populares, porque a Europa é hoje democratica nas intenções.

Sr. presidente, eu vou tocar n'uma questão grave, séria, espinhosa, é a questão da decima de repartição. Eu decimo que devo a uma insurreição popular a minha liberdade neste paiz, porque eu estava fóra, e sem muita esperança de cá voltar, ou pelo menos de cá voltar tão cedo; a revolução foi de certo imprevista. Eslava longe, sr. presidente, de esperar a minha liberdade pelo triunfo de uma revolução: esperava sim, voltar á minha patria, por um sentimento de generosidade, e pura ver e admirar as grandezas do seu governo, que não suppunha tantas, como se diziam, mas que suppunha que alguma existia.

Mas, sr. presidente, eu sou de voto da decima de contribuição de repartição, e com quanto saiba que esta minha opinião vai de encontro á de algumas pessoas respeitaveis, e até á de amigos meus politicos, parece-me que esta expressão, ou manifestação dos meus desejos, não exprime senão um certo sentimento de divergencia, sem que eu queira por modo nenhum fazer desta divergencia uma tinha divisoria, entre as minhas opiniões e as dos meus amigos politicos. Não intendo que haja inconveniente algum em que possamos tractar agora da questão do imposto directo, ou indirecto. O imposto indirecto é uma cousa bem combinada, mas não é uma cousa justa (Apoiados). O imposto indirecto é alguma cousa áspero e vexatorio, e o governo estabelecendo o imposto indirecto, fez com que o contribuinte pagasse unicamente conforme os seus teres e haveres; e ninguem dirá que isto não é muito mais justo.

O padre Vieira que tinha a arte de tractar no pulpito as questões economicas, comparou a contribuição indirecta, com a operação feita por Deos ao primeiro homem, quando este se achava dormindo, tirando-lhe subrepticiamente uma costella, a fim de com ella formar a mulher que lhe servisse de companheira nos trabalhos e solidão em que se achava: quer dizer o padre Vieira intendia que o imposto indirecto era uma especie de operação feita ao contribuinte, em que se lhe ia tirando tudo quanto tinha, sem que elle sentisse.

Mas, sr. presidente, haverá por ventura algum governo que possa ter a habilidade de nos tirar uma costella, ainda mesmo estando nós a dormir, sem que o sintamos? É impossivel, porque logo acordámos.

Mas os impostos indirectos são de difficil cobrança, porque se arrecadam em diversas repartições. O imposto indirecto avulta muito mais no nosso orçamento do que o imposto directo, e eu vou lêr á camara uma relação do que pagam os differentes districtos do reino, tanto de decima como de impostos parochiaes e municipaes (Leu).

O que se segue é que julgando todos que o Alemtejo era uma provincia de muita limpeza, isto é um engano. Julguei que havia alli mais administração municipal, e noto este facto ao sr. ministro do reino, para que s. ex.ª faça elaborar algum trabalho sobre administração municipal. Eu sei que s. ex.ª tem a peito tomar alguma medida sobre este objecto.

Ora de tudo isto resulta uma flagrante desigualdade de impostos em referencia á area territorial de cada districto, e a grande differença que ha entre a contribuição directa e indirecta.

E, sr. presidente, donde provem estas collectas? Provem de tres contribuições, todas ou quasi todas indirectas, e que são cobradas em tres repartições diversas, porque o imposto para os parochos é cobrado por uma administração propria; o imposto das decimas por outra repartição tambem especial, e o imposto das municipalidades, é cobrado pelas camaras municipaes.

Por conseguinte, eu voto pelo systema de reparti-

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ção, porque o reputo mais igual, mais barato e menos vexatorio para os povos. Os povos estão sendo incommodados pelos differentes fiscaes ou recebedores das diversas contribuições, como são os dizimos, as congruas, as terças dos concelhos, maneios e contribuições municipaes, e em fim, porque os contribuintes estão divididos e sub divididos, e intendo que é muito melhor reduzir tudo a uma só denominação de cobrança, qualquer que seja a diversa applicação que tenha de se dar ao seu producto. O imposto ou contribuição deve ter regras certas e invariaveis, lançamento justo, e cobrança com pouca despeza (Vozes: — Deu a hora).

Sr. presidente, como já deu a hora, não desejo continuar, porque a camara está fatigada, e eu tambem o estou, e por isso peço licença para continuar ámanhã. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã, é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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