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SESSÃO DE 9 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de projectos de lei e requerimentos. — Ordem do dia: Eleição da commissão de infracções — Discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Chamada — 54 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Alfredo da Rocha Peixoto, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, A. J. Teixeira, Antonio Julio, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Claudio Nunes, Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Van-Zeller, Gomes da Palma, Perdigão, Sant'Anna e Vasconcellos, Franco Frazão, Santos e Silva, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Bandeira Coelho, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Costa e Silva, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Affonseca, Pires de Lima, Manuel Rocha Peixoto, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs.: Correia Caldeira, Teixeira de Vasconcellos, Barros e Sá, Boavida, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Conde de Villa Real, Francisco Costa, Caldas Aulete, Silveira Vianna, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Melicio, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Baptista de Andrade, Cardoso Klerk, Dias Ferreira, José Luciano, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Sá Vargas, Mello Gouveia, Menezes Toste, Lourenço de Carvalho, Paes Villas Boas, Pedro Roberto, Thomás de Carvalho, Thomás Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Adriano Machado, Carlos Ribeiro, Camello Lampreia, Barros e Cunha, Luiz de Campos, Camara Leme, Visconde de Valmór.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Leu-se a acta.

O sr. Pereira de Miranda: — Sinto que a acta não possa ser tão desenvolvida como era para desejar, para que constasse d'ella que tinha havido na ultima sessão um deputado que no uso do direito que elle julgava que lhe assistia, pedíra a palavra sobre a ordem para uma questão previa, relativamente ao assumpto da ordem do dia, á qual se ía passar. V. ex.ª não attendeu a este pedido, e esse deputado, suppondo que exercia um direito, pediu a v. ex.ª que consultasse a camara se lhe dava a palavra para um negocio urgente, e v. ex.ª tambem não quiz attender a este pedido.

O fim para que eu tinha pedido a palavra era para mandar para a mesa uma proposta revelando a muita confiança que depositava na mesa. Esta proposta foi vista por alguns dos meus collegas n'esta casa e mais tarde foi approvada.

Julgo-me o ultimo dos membros d'esta casa, mas não me julgo inferior aos meus collegas no direito que me assiste como deputado.

Dada esta explicação, nada mais tenho a dizer.

O sr. Presidente: — A mesa agradece as palavras benevolas do sr. deputado, e tem simplesmente a declarar que já tinha dito que se ía passar á eleição de commissões; já se estavam preparando as listas, quando se ouviu na mesa que o sr. deputado tinha pedido a palavra.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Venho associar-me ás declarações feitas pelo meu collega e amigo, o sr. Pereira de Miranda. Fui tambem um d'aquelles que pediam a palavra para uma questão previa, que tinha a mais intima connexão com a ordem do dia. Não fui assás feliz para que a minha voz podesse ser ouvida por v. ex.ª Não quero ver n'isto uma desconsideração pelos meus direitos como deputado, porque não julgo que v. ex.ª fosse capaz de a fazer directamente e de proposito firme; se houvesse desconsideração para com os meus direitos como deputado da nação portugueza, que tenho a honra de ser, havia de lavrar o meu protesto muito categorico e solemne, porque ficar-me-ía muito mal, apesar de ser o membro mais humilde n'esta casa, se deixasse prostergar os meus direitos por quem quer que fosse.

Estou persuadido de que v. ex.ª não quiz exercer tal desconsideração; por isso limito-me a dizer estas poucas palavras.

Se a desconsideração fosse pessoal, o que aliás não supponho, de certo não seria este o logar para tomar o desforço; mas esta hypothese não é de modo algum aceitavel.

O sr. Presidente: — Não havendo mais ninguem inscripto sobre a acta, vou pô-la á votação.

Foi approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DETINO PELA MESA

Officio

Do ministerio da guerra, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. Mariano de Carvalho, ácerca do abono de forragens aos officiaes generaes.

Para a secretaria.

Requerimentos

1.º Requeiro que, com urgencia, me seja enviado, pelo ministerio do reino, copia do alvará da nomeação interina do escrivão de administração do concelho de S. Pedro do Sul.

Sala das sessões, 7 de agosto de 1871. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

2.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, me seja enviada, com urgencia, copia do alvará de nomeação interina, feita pelo governador civil do districto de Vizeu, para o cargo de administrador do concelho de Mangualde.

Sala das sessões, 7 de agosto de 1871. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

3.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, me sejam enviados com urgencia os seguintes documentos:

I. Copia do alvará da suspensão do escrivão de administração do concelho de S. Pedro do Sul, Miguel Jacinto Ferreira da Cruz, passado pelo governador geral de Vizeu, em 14 de junho proximo passado;

II. Copia de toda a correspondencia trocada entre o governador civil e ministro do reino, sobre este assumpto;

III. Copia do processo instaurado contra o alludido funccionario pelas faltas que occasionaram a suspensão. Não havendo processo administrativo a este respeito, preciso que assim me seja asseverado.

Sala das sessões, 7 de agosto de 1871. = O deputado, Francisco de Albuquerque.

Foram remettidos ao governo.

O sr. Presidente: — Vae ter terceira leitura a proposta mandada para a mesa pelo sr. Rodrigues de Freitas, e so-

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bre a admissão da qual não houve vencimento na sessão passada.

Leu-se na mesa.

Fez-se a votação.

O sr. Presidente: — Votaram 24 srs. deputados a favor e 24 contra, por consequencia não ha vencimento, e esta retirada a proposta, porque foi esta a terceira leitura, e o regimento diz que deve considerar-se retirada a proposta, sobre a admissão da qual não tiver havido vencimento em tres votações successivas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei (leu).

Vae tambem a convenção respectiva, e peço á camara que me dispense fazer a sua leitura.

Leu-se na mesa e ficou para ser enviada á commissão de diplomatica a seguinte

Proposta de lei n.º 6-H

Senhores. — A convenção addicional concluida e assignada em Londres no dia 18 de julho ultimo, e que hoje venho submetter ao vosso exame, na conformidade do que dispõe o artigo 10.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, tem por fim abolir as commissões mixtas estabelecidas pelo tratado de 3 de julho de 1842, entre Portugal e a Gran-Bretanha para a suppressão do trafico da escravatura.

Julgando os dois governos portuguez e britannico não ser necessario conservar por mais tempo aquellas commissões mixtas, entenderam dever fazer no referido tratado as modificações convenientes.

Tudo quanto no mesmo tratado e nos respectivos annexos se refere ao estabelecimento das ditas commissões mixtas, á sua organisação, jurisdicção e fórma de processo, fica pois de nenhum effeito em virtude da presente convenção.

O artigo 2.° dispõe que a jurisdicção até agora exercida pelas commissões mixtas fica competindo de ora em diante aos tribunaes dos dois paizes, sendo julgados os casos occorrentes de trafico de escravos pela fórma de processo n'elles seguida.

Os subsequentes artigos, e as instrucções por que se devem regular os navios das marinhas reaes portugueza e britannica empregados em impedir aquelle trafico, e que fazem parte da sobredita convenção, completam o pensamento dos dois governos.

Convencido portanto o governo de Sua Magestade da conveniencia de se levar a effeito a convenção de que se trata, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É approvada para ser ratificada pelo poder executivo a convenção addicional entre Portugal e a Gran-Bretanha, assignada em Londres pelos respectivos plenipotenciarios, em 18 de julho ultimo e pela qual ficam abolidas as commissões mixtas; estabelecidas pelo tratado de 3 de julho de 1842 entre os dois paizes para suppressão do trafico da escravatura.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de agosto de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama.

Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves, e Sua Magestade a Rainha do Reino Unido da Gran-Bretanha e da Irlanda, tendo considerado não ser necessario por mais tempo conservar as commissões mixtas estabelecidas em observancia do tratado concluido em Lisboa aos 3 de julho de 1842, para a suppressão do trafico da escravatura, resolveram levar a effeito uma convenção addicional, com o fim de fazer no dito tratado as necessarias modificações e nomearam para seus plenipotenciarios, a saber:

Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves, ao duque de Saldanha, seu sobrinho, marechal do exercito, conselheiro d'estado, mordomo mór da casa real, par do reino, gran-cruz das ordens da Torre e Espada, Aviz, Christo, S. Thiago e da Conceição, cavalleiro da insigne ordem do Tosão de Oiro, e gran-cruz das ordens de S. Fernando e Carlos III de Hespanha, da Legião de Honra de França, cavalleiro da insigne ordem da Annunciada da Italia, gran-cruz da Aguia Branca da Russia, de Leopoldo da Austria, de Leopoldo da Belgica, e de Pio IX, condecorado com varias medalhas militares por Suas Magestades Britannica, Fidelissima e Catholica, etc. etc. etc. ministro e secretario d'estado honorario, e seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto a Sua Magestade Britannica.

E Sua Magestade a Rainha do Reino Unido da Gran-Bretanha e Irlanda ao muito honrado Jorge Granville, conde de Granville, lord Levesson, par do reino Unido, cavalleiro da nobilissima ordem da Jarreteira, membro do conselho privado de Sua Magestade, lord guarda dos cinco portos, governador do Castello de Dover, chancelier da universidade de Londres, seu principal secretario d'estado dos negocios estrangeiros.

Os quaes tendo communicado um ao outro os seus plenos poderes, que acharam estar em boa e devida fórma, convencionaram e combinaram os artigos seguintes:

Artigo 1.°

Tudo quanto se contém no tratado concluido em Lisboa aos 3 de julho de 1842 entre Sua Magestade a Rainha de

His Majesty the King of Portugal and the Algarves, and Her Majesty the Queen of the United Kingdom of Great-Britain and Ireland, having come to the conclusion that it is no longer necessary to maintain the mixed Commissions established in pursuance of the Treaty concluded at Lisbon on the 3.d day of July, 1842, for the suppression of the Traffic in slaves, they have resolved to conclude an additional Convention, for the purpose of making the requisito modifications of the said Treaty, and have named as their Plenipotentiaries, that is to say:

His Majesty the King of Portugal and the Algarves, the Duque of Saldanha, His nephew, Field Marshal, Councillor of State, Great Grand Chamberlain and Lord Steward of His Household, a Peer of the Realm, Grand Cross of the orders of the Tower and Sword, of Aviz, of Christ, of S.1 James, and of the Conception, Knight of the distinguished orders of the Golden Fleece, and Grand Cross ot the orders of S.1 Ferdinand, and Charles III of Spain, of the Legion of Honour of France, Knight of the distinguished order of the Annunciation of Italy, Grand Cross of the white Eagle of Russia of Leopold of Austria, of Leopold of Belgium, and of Pius IX, decorated with various military medals by their Britannic, Most Faithful, and Catholic Majesties, etc. etc. etc. Minister and Honorary Secretary of State, and His Envoy Extraordinary and Minister Plenipotentiary at the court of Her Britannic Majesty.

And Her Majesty the Queen of the United Kingdom of Great Britain and Ireland, the Right Honorable Granville George Earl Granville, Lord Levesson, a Peer of the United Kingdom, Knight of the Most Noble order of the Garter, a member of Her Majesty's Privy Council, Lord warden of the Cinque Ports, and Constable of Dover Castle, Chanceller of the University of London, Her Majesty's Principal Secretary of State for Foreign Affairs.

Who, after having communicated to each other their respective Full Powers found in good and due form have agreed upon and concluded the following articles.

Article 1.º

Every thing contained in the Treaty concluded at Lisbon on the 3.d of July, 1842, between Her Majesty the

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Portugal e dos Algarves, e Sua Magestade a Rainha do Reino Unido da Gran-Bretanha e Irlanda, para a suppressão do tratado da escravatura, e nos annexos A, B, C, respectivos, com referencia ao estabelecimento das commissões mixtas para ouvirem e decidirem em todos os casos de apresamento de embarcações que possam ser trazidas á sua presença por se haverem empregado em transportar negros com o fim de os reduzir á escravidão ou por terem sido esquipadas n'esse intento, bem como á organisação, jurisdicção, e fórma de processo de taes commissões mixtas, cessará e terminará pelo que respeita ás ditas commissões mixtas, desde e depois da troca das ratificações da presente convenção addicional, excepto só no que respeitar a qualquer acto ou procedimento que d'aquellas dimane, feito ou tomado antes d'esta convenção addicional ser officialmente communicada ás referidas commissões mixtas, ou aos officiaes commandantes dos cruzadores portuguezes ou britannicos empregados em prevenir o trafico da escravatura, e que se acharem munidos com as instrucções que formam o annexo A ao tratado de 3 de julho de 1842.

Artigo 2.°

A jurisdicção até agora exercida pelas ditas commissões mixtas em virtude das estipulações do dito tratado, serão, depois da troca das ratificações da presente convenção addicional, exercidas pelos tribunaes das altas partes contratantes em conformidade com suas respectivas fórmas de processo em casos de trafico de escravatura; e todas as estipulações do dito tratado com referencia a remetter ou trazer embarcações apresadas para julgamento perante as ditas commissões mixtas, e com respeito ao julgamento de taes embarcações pelas ditas commissões mixtas, e as regras da prova a applicar, e os procedimentos inherentes a taes julgamentos, serão applicaveis, mutatis mutandis, aos tribunaes das altas partes contratantes.

Fica porém estipulado que possa haver appellação das decisões de qualquer tribunal das altas partes contratantes, de modo que a lei do paiz, onde este tribunal funccionar, o permittir em outros casos de escravatura.

Artigo 3.°

Fica estipulado que no caso de uma embarcação portugueza visitada por cruzador britannico ser detida por haver sido empregada no trafico da escravatura, ou por haver sido esquipada com esse fim, essa embarcação será enviada para julgamento á colonia portugueza mais proxima ou mais accessivel, ou será entregue a cruzador portuguez, se algum se encontrar na vizinhança do apresamento que possa servir; e que no caso identico de uma embarcação britannica vizitada por cruzador portuguez ser detida por haver sido empregada no trafico da escravatura, ou esquipada com esse fim, tal embarcação será mandada para julgamento á colonia britannica mais proxima ou mais accessivel, ou será entregue a cruzador inglez, no caso de algum se encontrar na vizinhança do apresamento que possa servir.

Todas as testemunhas e provas necessarias para constituir a criminalidade do mestre, tripulação, ou de outras pessoas encontradas a bordo de tres embarcações, serão mandadas ou entregues com a propria embarcação, a fim de serem levadas ao tribunal ante o qual essas embarcações e pessoas devam ser trazidas.

Todos os negros e outras pessoas (exceptuando as testemunhas necessarias), que possam encontrar-se a bordo de uma embarcação portugueza ou ingleza, destinados a ser reduzidos á escravidão, serão remettidos á auctoridade mais proxima do governo, cujo cruzador tenha effeituado o apresamento. Serão postos immediatamente em liberdade, e ficarão livres, incumbindo ao governo a cuja auctoridade forem entregues garantir-lhes a sua liberdade.

Com relação aos negros ou outros que tenham sido remettidos com as embarcações detidas, como testemunhas necessarias, o governo ao qual tenham sido entregues po-los-ha

Queen of Portugal and the Algarves, and Her Majesty the Queen of the United Kingdom of Great Britain and Ireland, for the suppression of the Traffic in slaves, and in the annexes A, B, C, thereto, which relates to the establishment of mixed Commissions to hear and decide all cases of capture of vessels which may be brought before them, as having been engaged in transporting negroes for the purpose of consigning them to slavery, or as having been fitted out for that purpose, as well as to the composition, jurisdiction, and mode of procedure of such mixed Commissions, shall cease and determine, as regard the said mixed Commissions from and after the exchange of the ratifications of the present additional convention, except in se far as regards any act or proceeding done or taken in virtue thereof before this additional convention shall be officially Communicated to the said mixed Commissions, or to the officers in Command of Portuguese or British cruisers employed to prevent the Traffic in slaves, and furnished with the instructions which form annex A to the Treaty of the 3.d of July, 1842.

Article 2.nd

The jurisdiction heretofore exercised by the said mixed Commissions in pursuance of the provisions of the said Treaty, shall, after the exchange of the ratifications of the present additional convention, be exercised by the courts of the High Contracting Parties according to their respective modes of procedure in cases of slave trading; and all the provisions of the said Treaty with regard to the sending or bringing in of captured vessels for adjudication before the said mixed Commissions, and with, regard to the adjudication of such vessels by the said mixed Commissions, and the rules of evidence to be applied, and the proceedings consequent on such adjudication shfall apply mutatis mutandis to the courts of the High Contracting Parties.

It is however provi ed that there may be an appeal from the decision of any court of the High Contracting Parties, in the same manner as by the law of the country where the court sits, is allowed in other cases of slave trading.

Article 3.d

It is agrend that, in case of a Portuguese vessel visited by a British cruiser being detained as having been engaged in the Traffic in slaves, or as having been fitted out for the purposes thereof, she shall be sent for adjudication to the nearest or most accessible Portuguese Colony, or shall be handed over to a Portuguese cruiser, if one should be available in th neighbourhood of the capture; and that in the corresponding case of a British vessel visited by a Portuguese cruiser being detained as having been engaged in the Traffic in slaves, or as having been fitted out for the purposes thereof she shall be sent for adjudication to the nearest or most accessible British Colony, or shall be handed over to a British cruiser if one shall be available in the neighbourhood of the capture.

All the witnesses and proofs necessary to establish the guilt of the master, crew, or other persons found on board of any such vessels, shall be sent and handed over with the vessel itself, in order to be produced to the court before which such vessel or persons may be brought for trial.

All the negroes or others (necessary witnesses excepted), who may be on board a Portuguese or a British vessel for the purpose of being consigned to slavery shall be handed over to the nearest authority of the Government whose cruiser has made the capture. They shall be immediately set at liberty, and shall remain free, the Government to whose authority they may be delivered guaranteeing their liberty.

With regard to such of those negroes or others as may be sent in with the detained vessels as necessary witnesses, the Government to which they have been delivered shall

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em liberdade logo que o seu depoimento deixe de ser necessario, e lhes garantirá a liberdade.

Quando uma embarcação detida for entregue a cruzador da sua mesma nação, um official commissionado e outras testemunhas e provas terão de acompanhar a embarcação.

Artigo 4.°

Fica mutuamente estipulado que as instrucções para os navios das reaes marinhas das duas nações, destinados a evitar o trafico da escravatura, as quaes vão annexas a esta convenção, formarão parte integrante d'ella, e terão a mesma força e vigor como se houvessem sido annexas ao tratado de 3 de julho de 1842, em logar das instrucções que formam o annexo A d'este tratado.

Artigo 5.°

A todos os mais respeitos as estipulações do tratado de 3 de julho de 1842 ficarão em plena força e vigor.

Artigo 6.°

As altas partes contratantes obrigam-se a communicar a presente convenção ás commissões mixtas, e aos officiaes commandantes dos seus respectivos cruzadores, e a dar-lhes as instrucções necessarias em virtude d'ella com a menos demora possivel.

Artigo 7.°

A presente convenção addicional será ratificada e as ratifições serão trocadas em Londres o mais depressa possivel.

Em testemunho do que os respectivos plenipotenciarios a assignaram em originaes duplicados, e a firmaram com o sêllo das suas armas.

Feita em Londres aos 18 dias do mez de julho do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1871.

L. S. (assignado) Duque de Saldanha.

L. S. (assignado) Granville.

Está conforme. — Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de agosto de 1871. = Emilio Achilles Monte-verde.

set them at liberty as soon as their testimony shall no longer be required, and shall guarantee their liberty.

Where a detained vessel is handed over to a cruiser of her own nation, an officer in charge, and other necessary witnesses and proofs shall accompany the vessel.

Article 4.th

It is mutually agreed that the instructions for the ships of the Royal Navies of the two nations destined to prevent the Traffic in slaves, which are annexed to this convention, shal form an integral part thereof and shall have the same force and effect as if they had been annexed to the Treaty of the 3.d of July, 1842, in lieu of the instructions forming annex A to that Treaty.

Article 5.th

In all other respects the stipulations of the Treaty of the 3.d July, 1842, shall remain in full force and effect.

Article 6.th

The High Contracting Parties engage to communicate the present convention to the mixed Commissions, and to the officers in command of their respective crusiers, and to give them the requisite instructions in pursuance there of, with the least possible delay.

Article 7.th

The present additional Convention shall be ratified, and the Ratifications shall be exchanged at London as soon as possible.

In witness whereof the respective Plenipotentiaries have signed the same in duplicate originals and have affixed thereto the seal of their arms.

Done at London, the eighteeth day of July, in the year of Our Lord, one thousand eight hundred and seventy one.

L. S. (assignado) Duque de Saldanha.

L. S. (assignado) Granville.

Annexo á convenção addicional entre Portugal e Gran-Bretanha, para a suppressão do trafico da escravatura, assignado em Londres no dia 18 de julho de 1871

Instrucções para os navios das marinhas reaes portugueza e britannica empregados em impedir o trafico da escravatura

Artigo 1.°

O commandante de qualquer navio pertencente á marinha real portugueza ou britannica, que estiver munido d'estas instrucções, terá o direito de visitar, dar busca e deter, salvo nos limites exceptuados no artigo 2.° do tratado de 3 de julho de 1842, qualquer embarcação portugueza ou britannica que estiver effectivamente empregada ou se suspeitar que está empregada em transportar negros ou outros, ou de ter sido esquipada com essas vistas, ou de ter sido assim empregada durante a viagem em que for encontrada pelo dito navio da marinha portugueza ou britannica, devendo em consequencia o dito commandante conduzir ou mandar a mesma embarcação o mais breve possivel, para ser julgada na fórma estipulada pelo artigo 3.° da convenção addicional d'esta data, como vem a saber:

No caso de uma embarcação portugueza ser detida como fica dito, por cruzador britannico, será mandada para a colonia portugueza mais proxima ou mais accessivel, ou será entregue a cruzador portuguez, se algum se encontrar na vizinhança do apresamento, que possa servir.

No caso de uma embarcação britannica ser detida, como fica dito por cruzador portuguez; será mandada para a colonia britannica mais proxima ou mais accessivel, ou será entregue a cruzador britannico, se algum se encontrar na vizinhança do apresamento, que possa servir.

Annex to the additional Convention between Portugal and Great Britain for the suppression of the Traffick in slaves, signed at London on the 18.th day of July, 1871

Instructions for the Ships of the Portuguese and British Royal Navies cmplojcd to prevent the Traffick in slaves

Article l.st.

The Commander of any ship belonging to the Royal Portuguese or British Navy, who shall be furnished wilh these instructions, shall have a right to visit, search, and detain, except within the limits excepted in article 2.lld of the Treaty of the 3.d of July, 1842, any Portuguese or British vessel which shall be actually engaged, or shall be suspected to be engaged, in transporting negroes or others for the purpose of consigning them to slavery, or to be fitted out with such view, or to have been se employed during the voyage on which she may be met with by such ship of the Portuguese or British Navy, and such Commander shall thereupon bring or send such vessel, as soon as possible, for judgement in the manner provided by article 3.d of the additional Convention of this date, that is to say:

In the case of a Portuguese vessel detained as aforesaid by a British cruiser, she shall be sent to the nearest or most accessible Portuguese Colony, or shall be handed over to a Portuguese cruiser if one should be available in the neighbourhood of the capture.

In the case of a British vessel detained as aforesaid by a Portuguese cruiser, she shall be sent to the nearest or most accessible British Colony, or shall be handed over to a British cruiser, if on should be available in the neighbourhood of the capture.

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Quando uma embarcação detida for entregue a cruzador da sua propria nação, um official commissionado, e outras testemunhas e provas necessarias deverão acompanhar a embarcação.

Artigo 2.°

Sempre que um navio de qualquer das duas reaes marinhas devidamente auctorisado, como fica dito, encontrar embarcação sujeita á visita segundo as estipulações do tratado de 3 de julho de 1842, e d'esta convenção addicional, a busca se fará da maneira mais benigna e com todas as attenções que se devem observar entre nações alliadas e amigas, e a busca será, em todos os casos, feita por official de patente não inferior a tenente das respectivas marinhas de Portugal e da Gran-Bretanha, a não ser que o commando caiba, em rasão de morte ou qualquer outra, a official de patente inferior, ou menos que o official que fizer a busca seja ao tempo d'ella, o immediato no commando do navio pelo qual essa busca é feita.

Artigo 3.°

O commandante de qualquer navio das duas reaes marinhas, devidamente auctorisado, como fica dito, que detiver alguma embarcação em observancia do teor das presentes instrucções, fará por escripto, ao tempo da detenção, uma declaração authentica que mostre o estado em que se achou a embarcação detida, a qual declaração será por elle assignada, e será dada ou mandada com a embarcação capturada, para ser produzida como prova no respectivo tribunal. O mesmo official entregará ao mestre da embarcação detida um certificado assignado dos papeis apprehendidos a bordo d'ella, assim como do numero dos negros e outros que forem escravos, ou destinados á escravidão, encontrados a bordo da embarcação no acto da detenção.

Na declaração authentica que por este artigo se requer do apresador, bem como na certidão dos papeis apprehendidos, deverá inserir o seu proprio nome, o nome do navio apresador, a latitude e longitude do logar onde a detenção tiver sido feita, e o numero dos negros ou outros que forem escravos ou destinados á escravidão, encontrados a bordo da embarcação quando detida.

Quando o commandante do cruzador não julgar dever tomar sobre si a conducção e entrega da embarcação detida, não confiará esse serviço a nenhum official de patente inferior á de tenente de marinha, salvo se for algum official que a esse tempo não seja inferior ao terceiro em commando do navio apresador.

O official encarregado da embarcação detida deverá, quando levar os papeis da embarcação e a declaração do commandante perante o tribunal, entregar tambem um relatorio por elle assignado e authenticado por juramento, de quaesquer mudanças que possam ter occorrido a respeito da embarcação, da sua tripulação, dos negros ou outros que sejam escravos, ou destinados á escravidão, se os houver, e da sua carga, entre o periodo da detenção, e o tempo da entrega do dito relatorio.

Artigo 4.°

Parte alguma da tripulação ou dos passageiros ou da carga se retirará da dita embarcação até que esta seja entregue a uma auctoridade da sua propria nação, salvo se a transferencia de toda ou parte da tripulação ou dos passageiros se julgar necessaria, quer seja para lhes conservar a vida ou por qualquer outra consideração de humanidade, quer seja para segurança das pessoas encarregadas de conduzir a embarcação depois da sua detenção, em o qual caso o commandante do cruzador, ou o official encarregado da dita embarcação detida, lavrará um termo em que declare as rasões da dita transferencia, e os commandantes, marinheiros ou passageiros assim transferidos, serão entregues com o navio e a sua carga.

Artigo 5.°

Todos os negros ou outros (excepto as testemunhas neces-

Where a detained vessel is handed over to a cruiser of her own nation, an officer in charge, and other necessary witnesses and proofs, shall accompany the vessel.

Article 2.nd

Whenever a ship of either of the two Royal Navies, duly authorised as aforesaid shall meet a vessel liable to be visited under the provisions of the Treaty of the 3.d July, 1842, and of this additional Convention, the search shall be conducted in the mildest manner, and with every attention which ought to be observed between allied and friendly nations; and the search shall, in all cases, be made by an officer holding a rank not lower than that of lieutenant in the Navies of Portugal and Great Britain respectively, unless the command shall by reason of death or otherwise, be held by an officer of inferior rank, or unless the officer who makes the search shall at the time be second in command of the ship by which such search is made.

Article 3.d

The commander of any ship of the two Royal Navies duly authorised as aforesaid, who may detain any vessel in persuance of the tenor of the present instructions, shall at the time of detention draw up in writing an authentic declaration, which shall exhibit the state in which he found the detained vessel, which declaration shall be signed by himself, and shall be given or sent in with the captured vessel, to be produced as evidence in the proper court. He shall deliver to the master of the detained vessel a signed certificate of the papers seized on board the same as well as of the number of negroes or others being slaves, or detained for slavery, found on board at the moment of detention.

In the authenticated declaration which the captor is hereby required to make as well as in the certificate of the papers seized, he shall insert his own name, the name of the capturing ship, the latitude and longitude of the place where the detention shall have been made, and the number of negroes or others, being slaves or destined for slavery, found on board the vessel at the time of the detention.

When the commander of the cruiser shall not think proper to take upon himself to carry in and deliver up the detained vessel, he shall not intrust that duty to an officier below the sank of lieutenant in the navy, unless it be to the officer who at the time shall not be lower than third in command of the detaining ship.

The officer in charge of the wessel detained shall, at the time of delivering the wessel's papers and the declaration of the Commander in to court, deliver also a paper signed by himself, and verified on oath, stating any changes which may have taken place in respect to the vessel, her crew, the negroes or others being slaves or destined for slavery if any, and her cargo, between the time of her detention, and the time of giving in such papers.

Article 4.th

No part of the crew, or passengers, or of the cargo, shall be withdrawn from the said vessel until it shall have been delivered over to an authority of her own nation, unless the transfer of the whole or part of the crew or passengers should be considered necessary, either to preserve their lives, or for any other humane consideration, or for the safety of the persons charged with the conduct of the vessel after its seizure, in which case the Commander of the cruiser, or the officer charged with the said seized vessel, shall draw out a certificate, in which he shall declare the reasons of the said transfer, and the Commander, sailors, or passengers thus transferred shall be delivered up with vessel and its cargo.

Article 5.th

All the negroes or others (necessary withnesses excepted)

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sarias) que estiverem a bordo da embarcação detida, quer portugueza, quer britannica, destinados a ser reduzidos á escravidão, serão entregues pelo commandante do navio apresador á auctoridade mais proxima do seu proprio paiz.

Os plenipotenciarios abaixo assignados convieram na conformidade do artigo 4.° da convenção addicional assignada por elles n'este dia, que as instrucções presentes serão annexas á dita convenção e consideradas como parte integrante d'ella.

Feito em Londres, aos 18 de julho do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1871.

(L. S.) Duque de Saldanha.

(L. S.) Granville.

Está conforme. — Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de agosto de 1871. = Emilio Achilles Monte-verde.

who may be on board either a Portuguese or a British detained vessel for the purpose of being consigned to slavery, shall be handed over by the Commander of the capturing ship to the nearest authority of his own country.

The under signed Plenipotentiaries have agreed, in conformity with the 4.th article of the addicional convention, signed by them on this day, that the present instructions shall be annexed to the said convention, and be considered an integral part thereof.

Done at London, the eighteenth day of July, in the year of Our Lord, one thousand eight hundred and seventy one.

(L. S.) Duque de Saldanha.

(L. S) Granville.

O sr. Presidente: — Antes de dar a palavra aos srs. deputados que a pediram para antes da ordem do dia, devo declarar que ha quatro srs. deputados que se inscreveram já ha muitas sessões para quando estivesse presente o sr. ministro de reino. São os srs. Affonseca, Mariano de Carvalho, Rodrigues de Freitas e Osorio de Vasconcellos.

Teve portanto a palavra o sr. Affonseca.

O sr. Affonseca: — Ha poucos dias espalhou-se em Lisboa, que na ilha da Madeira tinha havido uma ameaça de subversão de ordem publica. Declaro que não tive particularidade a este respeito, entretanto a noticia espalhou-se, e supponho que é verdadeira, e parece-me que o governo teve communicação a este respeito.

Desejava que o sr. ministro do reino me dissesse se tinha tido logar este acontecimento, e quaes as providencias que s. ex.ª adoptou para poder acalmar a agitação que ali se pronunciou.

O motivo da agitação que leve logar na Madeira, dizem que fôra a revisão das matrizes e arrolamentos.

Peço a v. ex.ª que depois do sr. ministro do reino me dê a palavra, porque tenho algumas considerações que fazer a este respeito.

O sr. Ministro do Reino (Marquez d'Avila e de Bolama): — Fui prevenido de que o illustre deputado tinha pedido a palavra para interpellar o governo sobre os acontecimentos que se diz terem tido logar na ilha da Madeira, e parece-me que houve exageração na maneira por que se fallava no acontecimento.

Creio que satisfarei cabalmente a curiosidade do illustre deputado e da camara, lendo o officio do governador civil do Funchal sobre este assumpto (leu).

São estas as informações que recebi, não tenho outras, e logo que as receba não terei duvida em as communicar ao illustre deputado e á camara.

Tenho plena confiança na prudencia e moderação do governador civil do Funchal, e estou convencido de que elle ha de fazer o uso mais moderado da sua auctoridade sem comtudo faltar ao que deve a si e á lei.

Conheço perfeitamente o espirito dos habitantes da Madeira, porque fui encarregado em uma occasião importante de uma grave commissão n'aquella ilha, e encontrei em todos os seus habitantes o maior respeito á auctoridade e á lei.

Estou convencido de que a esta hora tudo terá entrado na ordem legal.

O sr. Affonseca: — Estou plenamente satisfeito com a leitura do officio do governador civil do Funchal, e agradeço as expressões benevolas de que o sr. ministro se serviu com relação á Madeira.

Associo-me á idéa de s. ex.ª, de que a esta hora tudo terá entrado na ordem regular; entretanto preciso fazer algumas considerações a este respeito.

Entendia eu que os arrolamentos tinham completamente feito o seu tempo, e que se tinha decretado que fossem occupar as prateleiras de algum museu archeologico; no entretanto resuscitaram na Madeira.

Os arrolamentos estão no mesmo caso em que estão os chins. Os chins quando morrem em alguma parte, entendem que resuscitam em Pekim, não em qualquer bêco, mas nos jardins do proprio imperador.

Parece me que os arrolamentos estão no mesmo caso.

A logica dos argumentos é uma logica que deve ser seguida, mas a logica dos factos é incontestavel.

Em 1834 foram abolidos os dizimos no continente. Não entro na apreciação se foram bem ou mal abolidos. Os resultados tem-o mostrado perfeitamente.

A Madeira era então aqui representada por quatro distinctos cavalheiros, de muita intelligencia, de muito patriotismo e de muito talento, e eram os srs. José Ferreira Pestana, visconde da Athouguia, Lourenço José Moniz, e bispo de Castello Branco.

Estes cavalheiros pediram ao governo que mantivesse como estavam os dizimos na Madeira, porque havia dinheiro para empregados publicos, para obras publicas, para responder a saques repetidos de Portugal, emfim, havia dinheiro para tudo, e que era imprudente alterar este estado de cousas.

Havia de mais a mais a consideração em que todos os economistas estão de accordo; e é que quando um povo está costumado a um certo imposto, e o paga sem reluctancia, não se lhe deve tocar; mas alem do que escrevem economistas, ha o bom senso que o aconselha.

O governo de então attendeu as considerações que lhe apresentaram aquelles cavalheiros, e o dizimo manteve-se na Madeira desde 1834 até 1843.

O quadro da fortuna já o apresentei á camara, o quadro da desgraça vou agora apresenta-lo a v. ex.ª.

Desde 1843 até 1869 ha vinte e sete mil execuções de fazenda no districto do Funchal por decimas não pagas. Em quanto houve o dizimo, havia dinheiro para tudo.

Hoje ha vinte e sete mil execuções de fazenda por decimas não pagas no districto do Funchal. Isto é realmente uma desgraça.

Sinto que não estejam presentes os deputados pelos Açoras, que de certo haviam de associar-se ás minhas idéas...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Como deputado pelos Açores peço a palavra.

O Orador: — E haviam de declarar que realmente os povos d'aquellas ilhas desejam pagar a contribuição predial em generos.

Eu não quero o restabelecimento dos dizimos, quero que a decima predial seja paga em generos, isto é, 5 por cento pagos na occasião da colheita. Aqui está o que desejo.

Como fallo n'este assumpto, peço licença para mandar para a mesa uma renovação de iniciativa (leu).

Se no continente do reino se adoptasse este systema, o estado tinha 12.000:000$000 réis de receita. Estou d'isto convencido.

Sabe v. ex.ª quem não quer a contribuição predial paga em generos? Quem pagava antigamente 4 pipas de azeite, 6 ou 8 pipas de vinho e 3 ou 4 moios de trigo e que paga hoje 60$000 réis, esse não quer a contribuição paga em generos; quem tem 400:000$000 réis em um certo distri-

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cto e que paga 35$000 réis, esse tambem a não quer; quem tem 1.000:000$000 réis ou 1.200:000$000 réis em um certo districto, e que paga 70$000 réis, esse tambem não a quer.

Abra-se um plebiscito em todo o paiz, e pergunte-se se sim ou não querem pagar a contribuição em genero, e estou persuadido que os sins hão de ser mais do que os nãos.

Mão insisto n'esta idéa, porque em occasião opportuna farei as observações que entender convenientes.

O sr. Ministro da Guerra (Moraes Rego): — Mando para a mesa as seguintes propostas de lei (leu).

Foram lidas na mesa e enviadas ás commissões respectivas as seguintes:

Proposta de lei n.º 6-I

Senhores. — A transformação das espingardas Enfield's, que temos, para o systema Snider-Barnett, foi julgada conveniente, e em breve será realisada; nulla porém ficará a vantagem que d'aqui póde provir, se se não attender tambem ao meio de obter os correspondente e necessario cartuchame sem recorrer ao estrangeiro, o que nem sempre seria possivel, mui principalmente em caso de guerra. Para prevenir este inconveniente é necessario adquirir as machinas para fabricar os cartuchos metallicos do indicado systema Snider-Barnett, conhecidos pela designação de cartucho Boxer, machinas que igualmente fabricarão o cartuchame para as metralhadoras, não excedendo o seu custo a 3:150$000 réis.

Para que o governo seja auctorisado a despender esta quantia com a compra das mencionadas machinas, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a despender até á quantia de 3:150$000 réis com a compra de um jogo de machinas para fabricar, tanto os cartuchos metallicos de inflammação central e base de ferro, conhecidos pela designação de cartucho Boxer, para as espingardas do systema Snider-Barnett, como os destinados ás metralhadoras.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a realisar a quantia designada no artigo precedente, pela fórma que entender mais conveniente.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 9 de agosto de 1871. = José Maria de Moraes Rego.

Proposta de lei n.º 6-K

Por occasião da ultima guerra franco-allemã mais um invento importante appareceu: a metralhadora. Desde então, quasi todas as nações da Europa têem augmentado os seus meios de combate adoptando esta arma, a qual, se póde dizer, é hoje objecto indispensavel no armamento de qualquer exercito regular.

Armar uma das baterias do regimento de artilheria montado com um numero de metralhadoras igual ao das bôcas de fogo de uma bateria de montanha em tempo de paz, parece acertado e urgente.

O governo espera que concordareis com esta opinião, e que lhe falcultareis os meios de adquirir seis metralhadoras com seus reparos e petrechos, e correspondente cartuxame; para o que tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.° É o governo auctorisado a despender com a compra de seis metralhadoras com seus reparos, petrechos e correspondente cartuxame, até á quantia de 7:900$000 réis.

Art. 2.° É tambem auctorisado o governo a realisar esta quantia pela maneira que entender mais conveniente.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 9 de agosto de 1871. = José Maria de Moraes Rego.

Proposta de lei n.º 6-L

Senhores. — O § 1.° do artigo 53.° do plano de reforma do exercito, approvado pela carta de lei de 23 de junho de 1864, estatue que os presidios militares sejam estabelecidos nas praças de 1.ª classe e no castello de S. Jorge.

Em conformidade com esta disposição, estava consignada no orçamento a verba correspondente aos commandos dos presidios de S. Julião da Barra, Peniche, Valença, Elvas, forte da Graça, castello de Angra e castello de S. Jorge.

Pelo diminuto numero de presidiados que actualmente ha, basta que os presidios fiquem reduzidos a tres, como já vae indicado nas rectificações ao orçamento de 1871-1872, e pela fórma por que tenho a honra de o propor na seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Os presidios militares ficam reduzidos a tres, e serão estabelecidos nas praças de Elvas e de S. Julião da Barra e no castello de S. Jorge.

Art. 2.° Fica revogado o § 1.° do artigo 53.° do plano de reforma na organisação da secretaria da guerra, e na do exercito, approvado pela carta de lei de 23 de junho de 1864, e mais legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 9 de agosto de 1871. = José Maria de Moraes Rego.

Proposta de lei n.º 6-M

Senhores. — A instituição de um estabelecimento de beneficencia para os filhos das praças de pret, data de 1837, sendo este creado por decreto de 12 de janeiro d'aquelle anno, sob o titulo de «Asylo rural militar». Ficou porém sem execução, até que vinte e cinco annos depois, pela carta de lei de 2 de julho de 1862, o referido decreto fôra modificado, mudando-se o nome do estabelecimento em «Asylo dos filhos dos soldados», e dando-se a este uma indole mais especialmente militar. Entretanto, e apesar de se ter elevado a 8:302$560 réis a quantia de 3:504$000 réis, designada no artigo 6.° da mencionada carta de lei, para a manutenção do asylo, nem assim o seu aproveitamento ha correspondido ao sacrificio pecuniario do paiz, hoje de maior momento, sem duvida, attento o desequilibrio do thesouro.

Tratando-se de reducção no orçamento d'este ministerio, raro será que não lembre, como uma das primeiras parcellas, a que no mesmo se acha votada para o mencionado asylo. Conta este actualmente 49 alumnos pensionistas do estado, e devendo 19 d'estes ter praça nos corpos do exercito no fim do presente anno lectivo, ficarão 30, que no segundo se propõe, ou poderão ser entregues a seus paes ou tutores, quando estes os reclamem, ou transferidos para o extincto collegio de aprendizes do arsenal do exercito, abonando-se 190 réis diarios a cada um, como aquelles, e ficando tambem como elles, sujeitos ao mesmo regimen de instrucção e disciplina.

Assim resultará para logo uma economia de 5:209$560 réis pelo menos, que tal é a differença entre a verba votada 8:302$560 réis, e a somma da importancia do abono de 190 réis aos 30 alumnos durante os mezes de setembro de 1871 a junho de 1872, ou 304 dias, por ser bissexto o ultimo d'aquelles annos, e 2/12 da despeza annual do asylo nos mezes de julho e agosto de 1871, em que termina o anno lectivo; economia que subirá a 6:083$360 réis no anno economico de 1872 a 1873, e successivamente maior nos seguintes, não só pela diminuição do numero de alumnos, mas tambem pelo valor das obras que elles forem executando, necessariamente proporcional ao tempo que houver decorrido.

O destino que se dá aos alumnos não é inteiramente novo, e antes harmonisa com o disposto nos artigos 2.°, 3.° e 5.° da já citada lei de 2 de julho de 1862. Quanto aos porcionistas, faculta-se-lhes tambem a entrada no collegio de aprendizes do arsenal do exercito, mediante o pagamento de uma prestação igual á que se abona aos pensionistas.

Por este modo não se desattendem os principios de economia, nem tão pouco se estreita a sua severidade em limites taes, que fiquem ao abandono esses alumnos desvalidos, todos elles filhos de praças de pret do exercito, isto é, de individuos que mais ou menos têem servido o paiz,

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e para quem os meios da vida não abundam por via de regra.

Em vista, pois, do que fica exposto, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fica extincto o asylo dos filhos dos soldados, a contar do dia 1 de setembro de 1871.

Art. 2.° Os alumnos pensionistas do estado que n'aquella data existirem no asylo, serão entregues a seus paes ou tutores, quando elles o exijam, ou transferidos para o extincto collegio de aprendizes do arsenal do exercito, ficando, como estes, sujeitos ás mesmas prescripções regulamentares.

Art. 3.° Por cada um dos referidos alumnos, emquanto existirem no collegio de aprendizes do arsenal do exercito, se abonará, pelo ministerio da guerra, a quantia de 190 réis diarios.

Art. 4.° Os alumnos porcionistas poderão tambem ser admittidos, querendo, no citado collegio, mediante o pagamento de uma igual pensão.

Art. 5.° O ministro da guerra dará previamente as necessarias ordens, a fim de que esta lei comece impreterivelmente a ter execução no principio de setembro do corrente anno.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 9 de agosto de 1871. = José Maria de Moraes Rego.

Proposta de lei n.º 6-N

Senhores. — A excessiva carestia dos generos de alimentação, e os diminutos vencimentos dos officiaes dos postos de capitão e subalterno dos corpos de cavallaria e infanteria do exercito, torna-lhes o viver quasi impossivel para occorrerem simultaneamente á sustentação propria e de sua familia, e ás despezas inherentes á posição que occupam na sociedade, e ao serviço aventuroso, e de constante mobilidade a que são obrigados.

Com a convicção que dá o conhecimento pratico da vida das fileiras do exercito não hesitaria em propor um augmento de soldo para os officiaes das classes a que me refiro, se não fôra o dever de não aggravar as circumstancias do thesouro nacional; mas na impossibilidade de propor um augmento de retribuição proporcional ás necessidades d'estes officiaes, parece-me que, se vos merecer approvação a proposta de lei que tenho a honra de submetter á vossa approvação, poderemos, sem grande sacrificio, prestar-lhes um pequeno auxilio de que tanto carecem.

Os encargos provenientes d'esta proposta não excedem a importancia de 20:000$0000 réis, e por outro lado tenho procedido aos mais rigorosos exames que me habilitam a informar que, pelos meios de uma severa administração, sem compromettimento dos legitimos interesses do exercito, nem da efficacia da sua acção, posso apresentar uma seria reducção na importancia da despeza do ministerio a meu cargo.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 9 de agosto de 1871. = José Maria de Moraes Rego.

Proposta de lei

Artigo 1.° Aos capitães, tenentes, alferes, ajudantes e officiaes quarteis mestres de cavallaria e infanteria em effectivo serviço dos respectivos corpos serão abonadas as quantias constantes da tabella que faz parte d'esta lei.

Art. 2.° O abono de que trata o artigo antecedente effectuar-se-ha nas relações de vencimento como subsidio para rancho, tendo a natureza de pret.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Tabella a que se refere o artigo 1.°

[Ver Diário Original]

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 9 de agosto de 1871. = José Maria de Moraes Rego.

Proposta de lei n.º 6-O

Senhores. — O decreto com força de lei de 19 de novembro de 1868, alterando a classificação das praças de guerra, que estava estabelecida pelo plano de 23 de junho de 1864, determinou no § 1.° do artigo 2.° que cada uma das de 1.ª classe, exceptuando a de Elvas, tivesse por governador um coronel.

Esqueceu todavia prefixar a gratificação que deviam perceber os coroneis que exercessem taes governos militares, em consequencia talvez da doutrina do artigo transitorio d'aquelle decreto, que garantia aos governadores, que então eram das praças, que mudaram de classificação, os seus vencimentos até que lhes fosse ordenado outro destino.

Até agora têem conservado a sua situação e vencimentos, como se determina n'aquelle decreto, os governadores que o eram ao tempo da promulgação do mesmo decreto; pela reforma porém a que tinha direito o governador da torre de S. Julião da Barra, teve ultimamente de ser nomeado um novo governador para aquella praça, e é necessario estabelecer a gratificação, que lhe fica competindo por tal exercicio.

Para fixar pois a regra a seguir e para completar o pensamento economico do decreto de 19 de novembro de 1868, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É fixada em 30$000 réis mensaes a gratificação dos governadores das praças de Peniche, S. Julião da Barra, Valença, forte da Graça, e Castello de Angra, em tempo de paz, e quando exercido o governo por coroneis, como estabelece o § 1.° do artigo 2.° do decreto com força de lei de 19 de novembro de 1868.

Art. 2.° Em estado de sitio, ou em tempo de guerra os governadores das praças mencionadas no artigo antecedente perceberão as gratificações que competem aos coroneis de engenheria e artilheria em commissão activa.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 9 de agosto de 1871. = José Maria de Moraes Rego.

Proposta de lei n.º 6-P

Senhores. — As espingardas Enfield's que temos podem melhorar sensivelmente de condição, dando-lhes maior rapidez no tiro, o que se obterá transformando-as para um dos modernos systemas de carregar pela culatra. D'esta maneira, e sem grande dispendio, será aproveitado um grande numero de armas que ainda podem prestar muito bom serviço.

Como a prudencia aconselhava, o governo, antes de tomar decisão definitiva, commetteu a uma commissão, composta de officiaes habeis, o encargo de estudar este assumpto, e, no caso de entender que a transformação era conveniente, de consultar sobre o systema a adoptar e sobre os meios de levar a effeito a indicada transformação o mais economicamente possivel.

Pelo que respeita ao systema, consultou a commissão pelo de Snider-Barnett; e emquanto aos meios de realisar-se a transformação, emittiu o parecer de que fosse feita na nossa fabrica de armas, adquirindo-se previamente as machinas para isso precisas.

Conformando-se o governo com estas indicações, destinou á compra das culatras moveis do mencionado systema, das machinas e de um milhão de cartuxos metallicos de inflammação central e base de ferro, conhecidos pela designação do cartuxo-Boxer, a quantia de 55:963$482 réis, producto dos donativos offerecidos á nação por subditos portuguezes, residentes no Brazil, para armamento; faltando porém para o total da despeza a fazer 9:600$000 réis, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Para prefazer a somma precisa para a compra de culatras moveis do systema Snider-Barnett, de um

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milhão de cartuxos metallicos de inflammação central e base de ferro, conhecidos pela designação de cartuxo Boxer, e das machinas para transformar as espingardas do systema Enfield no indicado de Snider-Barnett, e auctorisado o governo a despender até á quantia de 9:600$000 réis.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a realisar esta quantia pela maneira que entender mais conveniente.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 9 de agosto de 1871. = José Maria de Moraes Rego.

O sr. Presidente: — Faltam apenas tres minutos para as duas horas, que é a hora marcada para se entrar na ordem do dia: convido os srs. deputados que tiverem documentos ou requerimentos a mandar para a mesa, a faze-lo.

O sr. Santos e Silva: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda; peço a v. ex.ª que lhe dê o destino competente.

O sr. Anselmo Braamcamp: — Mando para a mesa o diploma do sr. deputado eleito pelo circulo n.º 99. Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de o remetter á commissão de verificação de poderes.

Aproveito esta occasião para lembrar a v. ex.ª, que tendo sido commettido á mesa o encargo de nomear as commissões que ainda faltam, ha a maior necessidade de que ellas sejam nomeadas quanto antes, a fim de que estas elejam os seus representantes, junto da commissão de fazenda, para que possam progredir, com a actividade que a commissão de fazenda e toda a camara desejam, os trabalhos do orçamento. Pedia portanto a v. ex.ª tivesse a bondade de as nomear com a maior urgencia.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Rodrigues de Freitas: — V. ex.ª não me deu a palavra. Eu era o primeiro na inscripção antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Não se chegou a entrar na parte antes da ordem do dia; o que houve foi uma discussão ácerca dos negocios da Madeira, discussão que já estava pendente ha quatro dias.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Quiz simplesmente notar que eu estava inscripto antes da ordem do dia, e era o primeiro.

O sr. Presidente: — Estão muitos senhores inscriptos antes da ordem do dia, e effectivamente o sr. deputado é o primeiro.

O sr. Pires de Lima: — Eu tambem pedi a palavra a v. ex.ª para um negocio urgente.

O sr. Presidente: — É a hora de se passar á ordem do dia.

O sr. Pires de Lima: — Eu pedi a palavra para um negocio urgente e peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me concede a palavra.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara; mas antes d'isso tenho de informar a camara de que houve um equivoco em relação á proposta apresentada pelo sr. Rodrigues de Freitas. A mesa julgava que ella já tinha tido terceira leitura quando ainda não tivera senão a segunda. Na sessão seguinte far-se-ha a terceira leitura e votar-se-ha sobre ella.

Consultada a camara, resolveu que se desse a palavra ao sr. Pires de Lima.

O sr. Pires de Lima: — Começo por agradecer a bondade da camara, e para não abusar serei breve. Apenas duas palavras, para dirigir uma pergunta ao sr. ministro do reino, que está presente, sobre uma noticia gravissima que hontem li n'um jornal d'esta capital.

O jornal a que alludo é o Diario popular, e a noticia que n'esse jornal se refere é a seguinte:

«Consta-nos que na casa pia de Evora se desenvolveu uma molestia que se tem tornado epidemica, e do que já foram victimas parece treze ou quatorze alumnos, de que actualmente se acham seis de cama e que provavelmente tambem morrem.

«Correm diversos boatos sobre este infeliz acontecimento, e não se póde deixar de estranhar que a auctoridade competente não tenha de prompto, e apenas falleceram duas ou tres alumnas com a mesma molestia, dado as devidas providencias, a fim de fazer remover d'ali os alumnos que não foram atacados de tão terrivel padecimento.

«Pedimos providencias em nome da humanidade.»

Não tenho a honra de representar n'esta casa nenhum dos circulos que compõem actualmente o districto de Evora, mas sou deputado da nação portugueza, e n'esta qualidade não se me deve estranhar que eu me interesse pela sorte dos meus concidadãos, qualquer que seja a terra onde o acaso do nascimento, ou os caprichos da sorte os tiver collocado.

Evora é a terra da minha residencia habitual; tenho lá parentes e amigos; e por consequencia, uma noticia d'esta importancia devia naturalmente sobresaltar o meu espirito, e é por isso que venho perguntar ao seio da representação nacional ao sr. ministro do reino todas as circumstancias e pormenores d'este facto.

A casa pia de Evora não é desconhecida do sr. ministro do reino, porque como já tive occasião de dizer em uma das sessões passadas, este instituto de caridade devo a sua existencia á iniciativa intelligente de s. ex.ª e aos seus diligentes esforços, quando governou o districto de Evora. Aquelle estabelecimento é um dos mais importantes de Evora e, no seu genero, é o unico em todo o districto.

Segundo um relatorio official publicado em 1869, asyla 150 a 160 alumnos de ambos os sexos, e a todos sustenta e educa, habilitando-os de mais a mais para exercerem uma profissão que no futuro lhes garanta meios de subsistencia.

Não discuto agora se o systema usado n'aquella casa para a educação dos alumnos, é bom ou não. Nas differentes epochas em que residi em Evora não me pareceu mal administrada; o seu estado sanitario era excellente; as condições hygienicas optimas, e a mortalidade pouco excedia 2 por cento. De 150 a 160 alumnos creio que n'um anno apenas morreram 3.

Agora diz se que se desenvolveu uma epidemia n'aquella casa. É ou não verdadeiro este facto? Sendo verdadeiro, quaes foram as causas extraordinarias que o provocaram, não obstante as condições hygienicas que anteriormente havia n'aquelle estabelecimento?

A epidemia que se desenvolveu na casa pia é de uma ordem tal, que possa inspirar serios receios de que, saíndo fóra dos seus muros, vá invadir a cidade, convertendo Evora n'um vasto cemiterio? Quaes foram as providencias que a auctoridade local e a auctoridade central deram a este respeito?

Sobre estes pontos chamo a attenção do sr. ministro do reino, e estou certo de que s. ex.ª me ha de dar a este respeito respostas as roais salisfactorias; mas se porventura a minha espectativa for illudida, desde já peço a v. ex.ª que me dê outra vez a palavra sobre o objecto, apesar do adiantado da hora.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino: — Confesso que não tinha conhecimento do artigo do Diario popular, a que se referiu o illustre deputado, mas logo que o illustre deputado chamou a minha attenção para aquelle artigo, fiz expedir immediatamente um telegramma ao governador civil de Evora, perguntando-lhe se era verdade o que se dizia, quanto a ter-se desenvolvido uma epidemia na casa pia d'aquella cidade, e quaes eram as providencias que tinha adoptado para conter o mal.

Hei de ter resposta em breve d'aquelle magistrado, e não terei duvida alguma de dar conhecimento d'ella ao illustre deputado, ou á camara, se s. ex.ª quizer continuar a sua interpellação na camara.

O illustre deputado fez-me justiça; s. ex.ª sabe que tenho um duplicado interesse em que a casa pia de Evora seja convenientemente administrada, e que os alumnos d'aquelle importante estabelecimento possam estar sempre ao

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abrigo de qualquer epidemia, bem como que não seja dizimada aquella população importante.

Effectivamente, como o illustre deputado disse em outra occasião em que fallou n'este assumpto, têem saído d'aquelle estabelecimento homens muito notaveis nas letras, e eu conheço muito particularmente um que é doutor em theologia pela universidade de Coimbra, e que foi um dos mais distinctos estudantes da universidade quando a frequentou.

O sr. Pires de Lima: — E hoje é um dos mais distinctos lentes da universidade.

O Orador: — Acrescenta o illustre deputado, e eu tambem, que é hoje um dos mais distinctos lentes da universidade. Este cavalheiro foi alumno da casa pia de Evora, e sempre que me escreve faz-me a honra de me chamar pae, em attenção a ter eu sido o fundador d'aquelle pio estabelecimento.

Portanto, póde o illustre deputado ter a certeza de que este negocio attrahe toda a minha attenção como ministro e como fundador que tive a honra de ser d'aquella casa.

O sr. Presidente: — O sr. Pinheiro Borges pediu a palavra sobre este incidente?

O sr. Pinheiro Borges: — Sim, senhor.

O sr. Presidente: — Não posso dar-lhe a palavra sem consultar a camara.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Em vista da manifestação da camara tem a palavra.

O sr. Pinheiro Borges: — Já no outro dia quiz manifestar ao illustre deputado pela Feira, o sr. Pires de Lima, a satisfação que sinto por ver o interesse que s. ex.ª toma pelos assumptos que dizem respeito ao circulo que tenho a honra de representar n'esta casa; n'essa occasião porém não estava s. ex.ª presente, e por isso lhe peço me permitta agradecer-lhe de novo os seus bons desejos em lavor da boa administração do mesmo circulo.

Com respeito ao assumpto da pergunta dirigida por s. ex.ª ao sr. presidente do conselho, posso informar que indo a Evora, ha de haver pouco mais ou menos vinte dias, ali me constou que tinha falleciio uma alumna da casa pia, sendo esta a undecima fallecida em curto espaço de tempo. Constou-me tambem que o facto não tinha passado despercebido para a administração d'aquelle pio estabelecimento, que entre outras providencias tinha tomado a de fazer saír as alumnas, que foram habitar com differentes pessoas da cidade, talvez mesmo com as proprias familias.

Dizia-se porém no proprio dia em que saí de Evora, que as alumnas tinham sido de novo mandadas recolher ao edificio da instituição. Não conheço os fundamentos que aconselharam a administração da casa pia a tomar este ultimo expediente, ouvi sómente advertir por algumas pessoas, que a agglomeração não concorreria de certo para extinguir a epidemia.

Este facto não me causou menos impressão do que a que sentiu e tão bem expressou o meu collega, o sr. Pires de Lima, e tanto assim que sobre elle pedi esclarecimentos ao governo, fallei particularmente com o sr. ministro do reino e ainda lhe perguntei se os esclarecimentos já tinham vindo, respondendo-me s. ex.ª que os esperava obter em pouco tempo, para resolver o assumpto com conhecimento de causa.

O sr. Presidente do Conselho: — É verdade.

O Orador: — Dizem ultimamente que os fallecimentos das alumnas são provenientes de tisicas, embora o facultativo do estabelecimento seja de opinião diversa.

Não me parece ser agora occasião de fazer largas observações a respeito da administração do districto, que tanto cuidado merece ao meu illustrado collega; apenas direi que a administração de Evora está sendo victima da intervenção activa que a auctoridade tem tido nas eleições e da dupla centralisação a que está sujeita. Soffre por causa da centralisação geral que concentra no governo toda a acção do paiz, e soffre por causa da centralisação local, por querer a auctoridade administrativa absorver a acção que pertence aos corpos collectivos, ás associações e congregações, tendo-se dado ultimamente um facto relativo á administração das misericordias de Evora e Montemór que muito bem o demonstra, e que espero que s. ex.ª, o sr. ministro do reino, resolverá com a brevidade que o assumpto demanda.

O sr. Pires de Lima: — Eu quero apenas agradecer ao sr. presidente do conselho o cuidado que lhe mereceu este grave objecto. Já s. ex.ª teve a bondade de me mostrar a copia do telegramma que dirigiu ao chefe do districto e eu espero pela resposta para então fazer sobre o assumpto as considerações que elle, pela sua importancia, está indicando.

Tambem eu (dirigindo-se ao sr. Pinheiro Borges) mandei para a mesa differentes requerimentos pedindo informações sobre a administração do districto de Evora, e quando estas me forem enviadas hei de annunciar uma interpellação ao sr. ministro do reino; porque realmente a administração do districto de Evora está deploravel como hei de demonstrar, mas espero documentos officiaes para sobre elles basear todas as minhas asserções (apoiados).

Não digo mais nada. Já passou a hora destinada para antes da ordem do dia; e por isso, agradecendo novamente á camara a benevolencia com que me concedeu a palavra, termino aqui mesmo.

O sr. Falcão da Fonseca: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me inscrever para tomar parte na interpellação que acaba de annunciar o sr. deputado que me precedeu.

O sr. Alcantara: — Participo a v. ex.ª que se acha installada a commissão de marinha, tendo nomeado para presidente o sr. José Baptista de Andrade, a mim para secretario e havendo relatores especiaes para cada um dos negocios.

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: — Convido os srs. deputados a formarem as suas listas para a commissão de infracções. As listas devem conter sete nomes.

Fez-se a chamada.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 58 listas, sendo 9 brancas, e saíram eleitos os seguintes senhores:

José Maria da Costa e Silva.............. 47 votos

José de Sande Magalhães Mexia Salema..... 47 »

Antonio José de Barros e Sá.............. 46 »

Visconde de Montariol.................... 46 »

Ignacio Francisco Silveira da Mota....... 46 »

Agostinho da Rocha e Castro.............. 45 »

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel 45 »

O sr. Presidente: — Em virtude da resolução da camara e da confiança dada á mesa para a nomeação de commissões, ella, no desempenho do seu dever, nomeia para as comporem os seguintes srs.:

GUERRA

Placido Antonio da Cunha e Abreu.

Barão do Rio Zezere.

Francisco Maria da Cunha.

Antonio José de Barros e Sá.

D. Luiz da Camara Leme.

Hermenegildo Gomes da Palma.

João José de Alcantara.

Domingos Pinheiro Borges.

Miguel Maximo da Cunha Monteiro.

ULTRAMAR

José Baptista de Andrade.

Joaquim Pinto de Magalhães.

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.

Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Francisco Maria da Cunha.

João Gualberto de Barros e Cunha.

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OBBAS PUBLICAS

João Antonio dos Santos e Silva.

Joaquim Thomás Lobo d'Avila.

Lourenço Antonio de Carvalho.

Placido Antonio da Cunha e Abreu.

Pedro Roberto Dias da Silva.

Hermenegildo Gomes da Palma.

Carlos Ribeiro.

Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

ECCLESIASTICA

Augusto Cesar Barjona de Freitas.

Antonio José Boavida.

Francisco da Silveira Vianna.

José de Menezes Toste.

Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima.

Manuel Bento da Rocha Peixoto.

José Maria da Costa e Silva.

PETIÇÕES

João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.

João Vasco Ferreira Leão.

José Pedro Antonio Nogueira.

João Carlos de Assis Pereira de Mello.

Antonio Augusto Cerqueira Velloso.

COMMERCIO E ARTES

José Dias de Oliveira.

Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Francisco Pinto Bessa.

Manuel Paes Villas Boas.

Francisco Correia de Mendonça.

Manuel Pinheiro Chagas.

Francisco da Silveira Vianna.

SAUDE PUBLICA

José Pedro Antonio Nogueira.

Luiz Vicente d'Affonseca.

Miguel Mariano Cunha Monteiro.

João Baptista Cardoso Klerk.

Fortunato Vieira das Neves.

Manuel Thomás Lisboa.

Manuel Joaquim Alves Passos.

DIPLOMATICA

Antonio Correia Caldeira.

Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos.

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.

Visconde de Villa Nova da Rainha.

Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

Visconde de Valmór.

Ricardo de Mello Gouveia.

RECRUTAMENTO

Barão do Rio Zezere.

José Antonio Maia.

João Carlos de Assis Pereira de Mello.

Francisco Correia de Mendonça.

Luiz de Almeida Coelho de Campos.

Alberto Osorio de Vasconcellos.

José Bandeira Coelho de Mello.

CONSULTAS DAS JUNTAS GERAES

Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos.

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Jacinto Antonio Perdigão.

Thomás Frederico Pereira Bastos.

Francisco Joaquim de Sá Camello Lampreia.

Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque.

Francisco Van-Zeller.

ESTATISTICA

Augusto Saraiva de Carvalho.

Antonio José de Barros e Sá.

Visconde de Moreira de Rey.

Antonio Barreto de Almeida Soares e Lencastre.

Manuel Bento da Rocha Peixoto.

Jayme Constantino de Freitas Moniz.

Manuel Pinheiro Chagas.

AGRICULTURA

Visconde dos Olivaes.

Visconde de Montariol.

Adriano de Abreu Cardoso Machado.

João Antonio Franco Frazão.

Francisco Antonio da Silva Mendes.

José Maria dos Santos.

Antonio Julio Pinto de Magalhães.

José Joaquim Figueiredo de Faria.

D. Miguel Pereira Coutinho.

Conde de Villa Real.

Albino Augusto Geraldes.

PESCARIAS

Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Eduardo Tavares.

Mariano Cyrillo de Carvalho.

Francisco Julio Caldas Aulete.

EXPOSTOS

José Dias Ferreira.

José Luciano de Castro.

Jacinto Antonio Perdigão.

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Adriano de Abreu Cardoso Machado.

REGIMENTO

Anselmo José Braamcamp.

Antonio Correia Caldeira.

Antonio Rodrigues Sampaio.

Francisco Correia de Mendonça.

Guilherme Augusto Pereira de Carvalho e Abreu.

VINHOS

Visconde de Montariol.

Joaquim Pinto de Magalhães.

Luiz Vicente de Affonseca.

Agostinho da Rocha e Castro.

José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior.

O sr. Mariano de Carvalho: — Ouvi ler a lista das commissões nomeadas pela mesa, satisfazendo ao voto de confiança que a camara n'ella depositou; todavia eu, agradecendo á mesa a nomeação que de mim fez para a commissão de pescarias, peço á camara a minha escusa d'esse encargo, porque me considero incompetente em questões de peixe, visto que não distingo um goraz de um caxuxo (riso).

Não sei realmente como desempenhar-me de um encargo tão difficil e espinhoso, e por isso peço a v. ex.ª consulte a camara sobre se me dispensa de fazer parte d'essa commissão.

Consultada a camara, decidiu negativamente.

O sr. Francisco Mendes: — Na legislatura passada, sr. presidente, as commissões saíram das listas do partido reformista, que então preponderava, e para ellas foram eleitos membros de todos os partidos que na camara estavam representados, como, por exemplo, os srs. Braamcamp e Rodrigues Sampaio, que não só foram eleitos, mas até lhes foi dada a presidencia de duas das mais importantes commissões, a de fazenda e a de administração publica (apoiados).

N'esta legislatura, em que o partido reformista está em minoria, nenhum dos seus membros saíu eleito para as commissões.

Faço este reparo, sr. presidente, não porque me julgue desconsiderado por não ser eleito para nenhuma d'essas commissões; sou o primeiro a reconhecer a minha incompetencia, mas sim para provar a injustiça com que se chamava ao partido reformista faccioso e exclusivista. E feito o reparo, dou a v. ex.ª e á mesa os meus agradecimentos por me nomearem para a commissão. de agricultura, commissão em que não posso servir, e de que peço escusa á camara.

Consultada a camara, resolveu negativamente.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Como v. ex.ª e a camara sabem perfeitamente, sou opposição decidida, franca e leal a este governo, que considero obnoxio, infesto e ne-

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fasto. A minha personalidade é assas humilde para que eu não me espantasse de algum modo de não pertencer a qualquer commissão. Não tenho dotes que me recommendem; não tenho sciencia nem capacidade; sou o exemplo de uma carencia absoluta de todas essas qualidades, e é exactamente por isso que não me atrevo a fazer um requerimento para que a camara decida se devo, ou não, pertencer á commissão para a qual v. ex.ª me honrou, nomeando-me.

Não faço tal requerimento, mas desde já declaro terminantemente a v. ex.ª e á camara que, sendo opposição a este governo, como sou, entendo que não devo, nem me é mesmo decoroso comparecer a essa commissão. É uma opinião individual.

O sr. Agostinho da Rocha: —- Participo a v. ex.ª e á camara que se acha constituida a commissão de legislação, tendo nomeado para presidente o sr. Mártens Ferrão, a mim para secretario, havendo relatores especiaes para cada um dos assumptos que se apresentarem.

O sr. Barros e Sá: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que se imprimam todos os documentos remettidos pelo governo ácerca das conferencias.»

Se v. ex.ª entende que a este respeito precisa de uma resolução da camara, peço a consulte; assim como a respeito da urgencia.

Foi admittido e approvado o requerimento.

O sr. Presidente: — Vae ler-se e entrar em discussão o parecer de resposta ao discurso da corôa.

É o seguinte:

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza. — Tendo sido consultada a vontade do paiz, comprazo-me de encontrar-me no seio da representação nacional, cumprindo assim o mais grato dos deveres do monarcha constitucional.

Continuam inalteraveis as nossas amigaveis relações com as potencias estrangeiras, e a mais completa tranquillidede publica interna tem reinado em toda a parte.

Foi com a mais cordial satisfação, que recebi a visita a este paiz de meus augustos parentes, Suas Magestades o Imperador e a Imperatriz do Brazil. Muito me apraz ter observado, que a recepção publica que Suas Magestades encontraram, demonstra que é tão geral o apreço de suas altas qualidades, como profunda a convicção das intimas relações que ligam dois paizes, como Portugal e o Brazil, possuindo identidade de origem, de idioma, de instituições, de dynastia e de verdadeiros interesses.

Graças aos esforços empregados por diversas administrações e differentes parlamentos, póde-se assegurar que, não só deixaram de ser aggravadas as nossas circumstancias financeiras, mas que têem incontestavelmente melhorado. São ellas porém ainda bastante graves, para que reclamem toda a vossa solicitude, e para que o meu governo tenha de recorrer á vossa illustrada cooperação, a fim de se alcançar a tão possivel como indispensavel e urgente organisação da fazenda publica.

A rigorosa observancia da maior economia em todos os ramos da publica administração, junta ao emprego dos meios de melhorar a receita do estado, em harmonia com as faculdades productoras do paiz, habilitarão em breve o thesouro a libertar-se dos pesados encargos a que nos tem sujeitado a permanencia do desequilibrio entre a receita e a despeza publicas.

As exigencias da organisação da fazenda nacional não farão perder de vista a necessidade de occorrer á sufficiente dotação de bem organisados serviços publicos, que assegurem a tranquillidade, a independencia, a instrucção, a viação, a administração, e garantam em summa as boas condições moraes e materiaes do paiz, na metropole e nas provincias de alem mar. O meu governo submetterá á vossa consideração aquellas providencias que tão importante assumpto mais imperiosamente reclama.

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação: — Recorrendo á vossa valiosa cooperação, no desempenho dos deveres elevados que vos incumbem, confio que poderemos, com o auxilio da Providencia, corresponder aos desejos do paiz, tão digno de conseguir definitivamente o goso das vantagens a que constantemente tem aspirado.

Está aberta a sessão.

Senhor! — Foi com jubilo que a camara dos representantes da nação viu em seu seio o augusto chefe do estado, satisfazendo uma das mais importantes obrigações do codigo fundamental, e mostrando assim a alliança entre o povo e a monarchia.

No meio das agitações que têem perturbado a paz da Europa, acolheu a camara com vivo regosijo as declarações de continuarem inalteraveis as nossas amigaveis relações com as potencias estrangeiras, e de ter havido em toda a parte do reino a mais completa tranquillidade publica.

 cordial satisfação com que Vossa Magestade recebeu a visita de seus augustos parentes, Suas Magestades o Imperador e a Imperatriz do Brazil, correspondeu a nação inteira com espontaneos jubilos, evidenciando d'est'arte quanto sympathisa com as altas virtudes e illustrado espirito de tão ínclitos monarchas e quanto aprecia as relações com o imperio brazileiro, nosso irmão pelo idioma, pela religião e pelas instituições.

Sendo o estado da fazenda publica a mais grave das nossas difficuldades actuaes, folgará a camara de assegurar-se de que pelos esforços empregados por diversas administrações e differentes parlamentos, longe de se ter aggravado a nossa situação financeira, tem sensivelmente melhorado, e empenhará todo o seu desvelo e patriotismo em cooperar para a adopção de medidas que dêem em resultado a indispensavel e urgente organisação da fazenda publica. É este o assumpto gravissimo, forçoso é repeti-lo, e para elle devem convergir inquebrantaveis os maximos esforços.

A maior parcimonia nas despezas, sem prejuizo dos serviços publicos, o conveniente augmento da receita e o desenvolvimento da riqueza, concorrerão efficazmente para melhorar o credito, e estabelecer o desejado equilibrio entre a receita e a despeza do estado.

Por ter porém como primeira e indeclinavel a questão de fazenda, não abrirá mão a camara de outros assumptos de vital interesse, que assegurem a tranquillidade, a independencia, a instrucção e a viação, e desenvolvam melhoradas as condições moraes e materiaes, tanto no continente, como ainda nos vastos dominios que possuimos alem mar, e consagrará inteira solicitude ás providencias que sobre estes pontos lhe forem apresentadas.

Senhor: — Implorando o auxilio da Providencia, sem o qual são inuteis quaesquer fadigas, a camara dos deputados da nação espera desempenhar-se dos seus elevados deveres, correspondendo dignamente á confiança da patria, ao que deve a si e aos desejos de Vossa Magestade.

Sala das sessões, 7 de agosto de 1871. = Antonio Ayres de Gouveia = Antonio Rodrigues Sampaio = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Ignacio Francisco Silveira da Mota (com declarações) = Antonio Maria Barreiros Arrobas, relator.

O sr. Mariano de Carvalho (para uma questão previa): — Mando para a mesa a seguinte moção (leu).

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O artigo em questão diz (leu).

Tendo sido o projecto de resposta ao discurso da corôa lido na segunda feira, e sendo hoje quarta, não ha decorridos senão dois dias, e verdadeiramente não se póde contar mais de um. Faltam por consequencia dois para que as prescripções do regimento sejam cumpridas.

Póde a camara, se quizer, dispensar o regimento, e entrar desde já na discussão d'este parecer; mas emquanto o não fizer, não me parece que possamos entrar na sua discussão.

Mando, portanto, a minha moção para a mesa.

Foi admittida; e como questão previa ficou em discussão.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que a camara resolva, se em relação á discussão do projecto da resposta ao discurso da corôa, estão cumpridas as prescripções do artigo 48.°, titulo 5.° do regimento d'esta camara.

Sala das sessões, 9 de agosto de 1871. = Mariano de Carvalho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — V. ex.ª comprehende que esta questão é puramente da camara; e o governo aceitará a resolução que a assembléa tomar. Entretanto preciso declarar á camara que objectos de serviço, a que não me é possivel faltar, me inhibem de assistir ámanhã á sessão.

O sr. Mariano de Carvalho: — Parece-me que a declaração feita pelo sr. presidente do conselho em nada prejudica a questão previa que mandei para a mesa.

Primeiramente, isto é uma questão da camara; e em segundo logar, visto que o sr. presidente do conselho não póde assistir á sessão de ámanhã, o mais rasoavel, para que não tenhamos de interromper esta questão, é dar v. ex.ª a palavra aos srs. deputados que a tinham podido para antes da ordem do dia, designar para ámanhã qualquer outro trabalho, e para sexta feira esta discussão. D'este modo conciliam-se os interesses do governo e da camara.

O sr. Sampaio (para um requerimento): — Peço a v. ex.ª que consulto a camara sobre se quer que se dispense o regimento, a fim de entrar já em discussão a resposta ao discurso da corôa.

O sr. Visconde de Moreira de Rey (sobre o modo de propor): — O que o sr. Sampaio acaba de fazer, embora tivesse a bondade de lhe chamar um requerimento, é uma proposta das que costumam ser submettidas á discussão da camara.

O sr. Presidente: — Peço perdão para dizer ao sr. deputado, que a praxe é considerar aquelle pedido como um requerimento.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Peço perdão. A praxe não é essa, pelo menos não é isso o que eu tenho presenciado quasi constantemente n'esta casa.

Os pedidos para dispensa do regimento sobre uma questão mais ou menos importante, não podem considerar-se nunca como requerimentos ácerca dos quaes não é licito discutir (apoiados).

A proposta do sr. Sampaio é uma proposta prejudicial da questão previa que se levantou ha pouco. Ora, se o sr. Sampaio, por quem eu tenho a maior consideração, tem grande empenho em que a reposta ao discurso da corôa seja discutida na ausencia do sr. presidente do conselho, e se a camara acompanha o illustre deputado nos mesmos desejos, eu pela minha parte não posso discutir este documento na ausencia do sr. presidente do conselho (apoiados).

Os illustres deputados não pedem isso, mas s. ex.ªs viram o sr. presidente do conselho levantar-se e declarar que ámanhã não podia assistir á sessão. Ora, uma proposta para dispensar o regimento para se entrar já na discussão da resposta ao discurso da corôa equivale a uma proposta para que elle seja discutido na ausencia do sr. presidente do conselho.

Uma questão á esta ordem não se póde votar como simples requerimento, sobre o qual não é licito discutir. Por isso peço que o pedido feito pelo sr. Sampaio seja considerado como uma proposta e posto em discussão, porque é uma proposta prejudicial da questão previa mandada para a mesa pelo sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Sampaio (sobre o modo de propor): — Eu julgava que o sr. presidente do conselho estava hoje presente, e por isso pedia que se entrasse na discussão da resposta ao discurso da corôa. Eu não digo que ámanhã se discuta este documento na ausencia do sr. ministro do reino, digo só que a questão previa tem por unico fundamento o regimento, e o regimento tem sido sempre dispensado n'estes casos.

Se querem considerar o meu pedido como uma proposta, então devemos requerer que elle vá á commissão do regimento, e nunca poderemos entrar na discussão da resposta ao discurso da corôa.

Creio que a pratica até hoje seguida, é considerar estes pedidos de dispensa do regimento como simples requerimentos. Se a camara hoje o não entender assim, eu hei de conformar-me com a sua deliberação, mas não me associo a ella.

O sr. Mariano de Carvalho (sobre o modo de propor): — Cumpre me responder unicamente ao illustre deputado o sr. Sampaio, na parte em que s. ex.ª invocou os precedentes d'esta casa, para considerar pedidos d'esta ordem como simples requerimentos. Eu não vou invocar os precedentes da camara nas sessões anteriores, vou invocar os precedentes d'esta mesma sessão. Quando se tratava da eleição da presidencia, fez se um pedido para dispensa do regimento, para se fazer essa eleição na segunda parte da ordem do dia, e a camara considerou esse pedido como uma proposta, havendo sobre ella discussão.

Portanto, o precedente d'esta mesma sessão, leva-nos a considerar este pedido como uma proposta, e a discuti-la.

O sr. Presidente: — Proposta ou requerimento, não havendo mais ninguem inscripto vae-se votar.

O sr. Mariano de Carvalho (sobre o modo de propor): — Se é um requerimento, entendo que se deve votar já sem discussão; se é uma proposta, parece-me que então deve ser votada em primeiro logar a minha questão previa, porque foi apresentada primeiro; alem de que o requerimento ou proposta do sr. Sampaio nem sequer foi escripto para a mesa, nem admittido á discussão.

O sr. Santos e Silva (sobre o modo de propor): — Eu supponho que até certo ponto é a v. ex.ª, sr. presidente, a quem compele classificar as differentes moções de ordem, propostas ou requerimentos que são mandados para a mesa pelos differentes srs. deputados. Mas, se v. ex.ª não quer carregar com essa responsabilidade, visto haver differentes opiniões a respeito do pedido feito pelo sr. Sampaio, consulte v. ex.ª a camara, para que esta decida se o pedido feito pelo sr. Sampaio é uma proposta ou um requerimento. A camara resolverá essa questão, se v. ex.ª não quer tomar sobre si a responsabilidade da classificação, como creio que lhe pertence.

O sr. Presidente: — Pertence-me, mas com a resolução da camara.

O sr. Santos e Silva: — Portanto, queira v. ex.ª provocar uma decisão da camara a este respeito.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se considera o pedido feito pelo sr. Sampaio como um requerimento ou como uma proposta. Os senhores que o consideram como requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi considerado como requerimento.

O sr. Presidente: — Agora vou pôr á votação o requerimento do sr. Sampaio. Os srs. deputados que querem que, dispensado o regimento, se entre desde já na discussão da resposta ao discurso da corôa, tenham a bondade de se levantar.

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Foi approvado este requerimento.

O sr. Presidente: — A questão previa do sr. Mariano de Carvalho está prejudicada.

Entra em discussão a resposta ao discurso da corôa. Tem a palavra sobre a ordem o sr. Van Zeller.

O sr. Van Zeller: — Começo por ler a minha moção de ordem (leu).

Apresentando esta moção, v. ex.ª e a camara podem prever qual é o meu intento. Desejo que o governo venha a esta camara responder ás graves accusações, que lhe tem sido feitas. É este o seu primeiro dever constitucional, e esta moção de ordem que eu apresento por occasião da discussão da resposta ao discurso da corôa, apresenta-la-hei sempre que venha qualquer discussão politica emquanto o governo não apresentar os documentos que lhe têem sido pedidos. Julgo de interesse publico propor o adiamento, porque são graves as accusações que pesam sobre o governo.

Na sessão passada um illustre deputado arguiu com uma insinuação violenta o governo; accusou-o, e tomou a responsabilidade da sua accusação; e comtudo o sr. presidente do conselho, então ausente, não encontrou um só collega que se levantasse para arredar de sobre as banquetas ministeriaes uma accusação tão pesada! (Apoiados.)

O sr. ministro da justiça apenas declarou, que não podia mandar os documentos, porque tinham sido enviados para o ministerio do reino, e eu hoje li na mesa o officio que s. ex.ª expediu para a camara, em satisfação ao meu requerimento. O sr. ministro da justiça informa que tinha remettido os documentos para o ministerio do reino, porque diziam respeito a uma auctoridade administrativa dependente d'aquelle ministerio!

É licito perguntar, se nas secretarias não se registam os documentos e se não podem ser enviadas a esta camara as copias d'esses registos? (Apoiados.)

Melhor seria desistir de pedir documentos ao governo; porque solicitando-os eu do ministerio da justiça, responde-se-me que foram para o ministerio do reino, naturalmente o sr. ministro d'esta repartição virá dizer, que estão em caminho para a secretaria dos negocios estrangeiros; que hão de seguir o seu destino até o ministerio da marinha e ultramar, e o ministro d'estas repartições não sei para onde quererá expedi-los, talvez para Macau ou Timor, que é ainda mais longe (riso).

Sr. presidente, ha, pendente de ha muito, uma accusação gravissima contra o sr. presidente do conselho. S. ex.ª attentou contra a constituição do estado (apoiados), não respeitou a liberdade individual (apoiados), não protegeu as garantias dos cidadãos (apoiados), affrontou as immunidades e as regalias de um poder independente do estado! (Apoiados.)

O sr. presidente do conselho não póde estranhar que eu traga á discussão este assumpto essencialmente politico, e para o qual fui chamado á autoria por s. ex.ª, a proposito da eleição do circulo de Villa Verde, e da referencia então feita aos attentados praticados no circulo de Arganil pelos agentes eleitoraes do sr. marquez d'Avila e de Bolama. Pedi immediatamente a palavra para requerer a v. ex.ª que consultasse a camara, a fim de permittir uma discussão geral sobre o incidente levantado pelo sr. ministro do reino. Mas a intimação que v. ex.ª fez ao sr. presidente do conselho, chamando o á ordem, impediu e prejudicou o requerimento que eu ía apresentar. Hoje porém vou tratar (e estou no meu direito) de rectificar algumas inexactidões que o sr. presidente do conselho pronunciou n'esta camara, e que estão transcriptas no Diario das sessões.

O illustre presidente do conselhos chamando-me n'aquella occasião á autoria, e dizendo o que entendeu da sua justiça para que a camara se convencesse da sinceridade com que s. ex.ª dirigira e presidira ao acto eleitoral, em que s. ex.ª não figurou só de grande eleitor, mas foi tambem grande usurpador (riso e apoiados), teve a bondade, que muito agradeço, de vir narrar a esta camara a conferencia que tive com s. ex.ª; conferencia, sem caracter particular, porque da minha parte só havia proposito de apontar factos que por interesse publico desejava e queria levar ao conhecimento do sr. ministro do reino.

A publicidade que s. ex.ª deu á minha conferencia, desobriga-me de, por dever de delicadeza, pedir licença para recordar o que se passou entre mim e o sr. ministro do reino.

No dia 6 de julho recebia-se n'esta cidade um telegramma que noticiava o seguinte facto: peço toda a attenção da camara, porque é veridico e não ha nenhuma syndicancia que tenha força para o negar ou contestar; ha n'esta sala testemunhas oculares do facto que vou referir.

Um official de diligencias, um empregado do juiz de direito da comarca de Arganil, um funccionario da justiça, munido com um mandado de captura, um individuo indiciado criminoso: este individuo preso pelo official de diligencias, que tinha effectuado aquella prisão por virtude de mandado judicial, foi immediatamente solto pelo administrador do concelho, que em acto continuo prendeu o official de diligencias. A auctoridade administrativa não satisfeita de attentar contra uma ordem do poder judicial, aggravou a enormidade do seu procedimento criminoso, mandando metter na enxovia o official de diligencias! (Vozes: — Ouçam, ouçam). Eu narrei este facto ao sr. marquez d'Avila. No dia seguinte recebia-se outro telegramma, e era noticiada a prisão de um cidadão que estava manso e pacificamente socegado em sua casa. É funccionario publico; mas não é empregado de confiança politica, d'estes que os governos julgam obrigados a serem escravos dos ministros do reino nos actos eleitoraes é um empregado fiscal que foi para sua casa no uso e goso da licença que seu chefe lhe tinha concedido, estava no seu direito de ir e de dispor da sua influencia particular a favor de quem muito bem lhe aprouvesse (apoiados). Estes factos narrados por mim ao sr. ministro do reino em toda sua nudez e crueza, deviam merecer credito a s. ex.ª e activar sua solicitude, a fim de tomar algumas providencias efficazes. Sabe v. ex.ª quaes foram as providencias que s. ex.ª tomou especialmente contra estes dois attentados? Sabe como procurou remediar estas prisões arbitrarias? Era a sua primeira obrigação era o seu primeiro e immediato dever, telegraphar, quando não fosse para outra cousa, senão para ensinar ás suas o auctoridades administrativas a cumprirem a lei, para lhes ordenar depois de feito o mal, ao menos que os presos fossem entregues ao poder judicial (apoiados). Era esta a primeira obrigação do governo (apoiados).

(Ápartes.)

O sr. Presidente: — Peço attenção aos srs. deputados, e que não haja interrupções.

O Orador: — Eu já respondo ao sr. Telles de Vasconcellos.

(Ápartes.)

Eu já lhe respondo, quero responder lhe, e hei de responder-lhe, mas deixem-me desde já perguntar ao illustre deputado, porque motivo esteve um cidadão preso cinco dias, porque esteve preso desde o dia 7 até ao dia 11, sem culpa formada, tendo o sr. ministro do reino e todos os seus delegados administrativos conhecimento pleno deste facto no dia 7?

(Ápartes.)

Quem está aqui hoje, quanto mais em Coimbra, póde no dia seguinte de manhã chegar a Arganil, se quizer, permitte-o o estado da viação. Porque é pois que o sr. ministro do reino não expediu nos seus telegrammas ordens positivas, para que um empregado da sua subida confiança levasse instrucções para o seu agente em Arganil?

O sr. ministro do reino, para satisfazer á minha justa anciedade, tinha expedido, á minha vista, não affirmo se escrevendo pelo seu proprio punho, mas creio que sim, o telegramma que vou ter, e desde já faço uma rectificação

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na ordem chronologica dos telegrammas, porque s. ex.ª no seu discurso não a descreveu com a devida exactidão.

O sr. ministro do reino quiz entregar-me o telegramma que vou ler, para eu proprio o levar á estação do telegragrapho; e recusei aceita-lo, porque julgava o sr. marquez d'Avila e de Bolama incapaz de o deixar em cima da mesa, depois de dizer que o ía expedir.

O telegramma é o seguinte:

«Recommendo lhe de novo toda a vigilancia para que se evitem illegalidades e violencias da parte dos seus subordinados. Peço-lhe que tenha sobretudo em vista o collegio de Arganil. É preciso que as eleições se façam com toda a liberdade. O governo prefere a perda de todas as eleições ao triumpho de uma só por meios illegaes e violentos.»

Sr. presidente, o discurso do sr. marquez d'Avila, na sessão de 1 de agosto, refere que o meu honrado amigo, o sr. Braamcamp, testemunha d'esta conferencia no mesmo gabinete do ministerio dos negocios estrangeiros, expozera tambem ao sr. ministro do reino, uma certa ordem de factos de que não tive conhecimento senão pela leitura dos Diarios da camara; factos que diziam respeito á eleição de Villa Verde, e contra os quaes aquelle illustre deputado pedia providencias ao sr. ministro do reino.

Eu desejava perguntar ao sr. ministro do reino, se em Villa Verde tambem foram presos officiaes de justiça; se tambem ali foram soltos os criminosos; se tambem ali se attentou contra a liberdade da eleição, prendendo-se os cidadãos em sua casa, ficando prisioneiros durante cinco dias sem culpa formada e sem serem entregues ao poder judicial.

Não sei se estes factos occorreram em Villa Verde, sei que tiveram logar com certeza em Arganil. É de presumir que nos dois circulos eleitoraes de Villa Verde e Arganil as scenas foram as mesmas. Li o telegramma expedido para Coimbra, vou ter o telegramma expedido para Braga (leu).

É exactamente o mesmo telegramma, com as mesmas palavras, alterados apenas os nomes dos destinatarios e os dos circulos eleitoraes. Será isto tratar os negocios publicos com seriedade? Que significação politica têem estes telegrammas expedidos pelo governo? Não a comprehendo; era grande a responsabilidade pelas occorrencias conhecidas, e cumpria tratar estes negocios com alguma consideração e com algum respeito. O que significa esta linguagem de chancella, para providenciar a casos diversos? Estes telegrammas vasados no mesmo molde e impressos com o mesmo carimbo? Não se comprehende em terras civilisadas.

Seria possivel não contestar a utilidade d'esta linguagem de chancella em uma região que tem hoje um nome conhecido de ambos os hemispherios. Na Bolama, por exemplo, quando os vassallos do regulo tivessem o espirito preoccupado, afigurando-se-lhes imminente o perigo de qualquer desastre politico, comprehende-se que o imperante d'aquellas gentes para levar a paz e a alegria ao coração de todos, fizesse inserir na sua folha official, a proposito dos casos os mais graves e os mais diversos, a seguinte providencial! «S. ex.ª, o sr. de Bolama, passa sem novidade em sua importante saude» (riso). Mas o que se comprehende possivel n'aquella terra, não póde ser invocado em paizes civilisados como meio de executar a justiça. As phrases d'aquelle telegramma não providenciavam nem tentavam pôr cobro ás violencias e aos attentados, cuja verdade eu afiançava ao sr. ministro do reino. O sr. ministro não quiz acreditar nas minhas palavras e pediu-me que por escripto eu me responsabilisasse pela verdade d'aquelles factos.

Não tenho copia da carta que pessoalmente fui entregar em casa de s. ex.ª, porque não devia perder tempo. Era, o meu maior desejo não perder um só instante, nem concorrer para demorar a expedição das ordens que o sr. ministro devia communicar pelo telegrapho, mandando que partisse um proprio, um agente da sua confiança, que, chegando a Arganil, contivesse os desvarios do administrador do concelho, que vigiasse a uma, que levasse ordens expressas para sobrestar nos attentados commettidos e restabelecer a marcha legal, fazendo com que os presos fossem immediatamente entregues ao poder judicial, porque tinham direito a conhecer quaes eram os crimes a afiançarem-se querendo, porque, logo que o preso pede fiança, cessa a acção da auctoridade administrativa. Recordo-me que o sr. ministro do reino negou-se a communicar estas ordens, allegando que a auctoridade administrativa tem o direito de prender e de reter os presos durante vinte e quatro horas. Hei de ter occasião de contestar, em presença da legislação civil, o direito arbitrario que a auctoridade administrativa arrogou. Não cito leis, porque nem o sr. ministro do reino nem os seus delegados sabem respeita-las. Quero servir-me unicamente de documentos emanados do ministerio do reino, que contêem doutrina muito applicavel.

Vou ter uma portaria circular expedida nos tempos em que as paixões politicas andavam muito mais exaltadas; é opportuna na presente occasião.

A portaria de 23 de abril de 1836 é referendada pelo ministro do reino Agostinho José Freire, de quem eram collegas José da Silva Carvalho e Joaquim Antonio de Aguiar, nomes que toda a camara acata e venera.

«Sendo evidente que a primeira necessidade moral é a força da lei, é mister que, superiores á influencia de paixões e a qualquer espirito de partido, os magistrados administrativos, levados unicamente do bem publico, empreguem todos os meios competentes para obter tão indispensaveis fins, sem todavia se esquecerem de que as suas funcções todas administrativas e beneficas em nada participam do poder judicial... manda Sua Magestade a Rainha que o governador civil de... fique bem certo... de que as auctoridades administrativas não detem presos á sua ordem; e por isso quando dentro dos limites da sua competencia verificarem prisões, devem remetter sem demora os delinquentes ao respectivo delegado do procurador regio, etc.»

Sr. presidente, esta era a jurisprudencia administrativa d'aquelle tempo. Hoje é muito diversa.

O cidadão Antonio Ferreira de Abreu Pinto foi preso no dia 7 de julho. O sr. ministro do reino teve conhecimento d'este facto no mesmo dia. Chegado a Arganil fez o seguinte requerimento perante a auctoridade administrativa do concelho:

«Diz Antonio Ferreira de Abreu Pinto, que tendo sido preso hontem ás duas horas da tarde, em sua propria casa em Pomares, onde se achava pacificamente, pelo regedor da sua freguezia acompanhado de uma força militar, em consequencia de ordem official expedida por v. s.ª aquelle regedor, e ignorando completamente o motivo da sua prisão, ou qual o crime que tinha commettido para um similhante procedimento para com elle, principalmente na vespera da eleição para deputado, protestando o supplicante desde já usar dos direitos que as leis e a constituição do estado lhe garantem, vem no entretanto respeitosamente pedir a V. s.ª se digne declarar-lhe o crime por que se acha preso, porque, se tanto for necessario, o supplicante quer afiançar-se, se é que o crime a admitte, e se a admitte não póde v. s.ª rete-lo mais na prisão, em vista do § 2.° do artigo 252.° do codigo administrativo, e 1:017.°, 1:022.°, 1:023.° da novissima reforma judiciaria, e artigo 145.° §§ 6.°, 7.°, 8.° e 9.° da carta constitucional. — P. a v. s.ª se digne deferir-lhe. Arganil, 8 de julho de 1871. = Antonio Ferreira de Abreu Pinto.»

Este requerimento é verdadeiro. Publicou-o a imprensa, e ainda que o sr. presidente do conselho não queira acreditar no despacho, eu afianço á camara que está junto ao respectivo processo na comarca de Arganil. O despacho é o seguinte:

«Está detido nas cadeias d'esta villa para averiguações.

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Arganil, 8 de julho de 1871. = Manuel da Cruz Aguiar.»

Tinha o requerente sido preso na vespera ás duas horas da tarde, e preso continuou até o dia 11. V. ex.ª comprehende quanto me devia ter penalisado esta noticia, e quanto ella devia indignar qualquer homem de bem (apoiados), por ser um attentado enorme contra a constituição do estado, por ser uma usurpação das regalias do poder judicial.

Pequena importancia parece merecer este attentado, porque o sr. presidente do conselho conserva-se quedo e silencioso, não dá consideração, nem pede a palavra para justificar estas accusações. Estimava muito que pedisse a palavra; digo sinceramente...

O sr. Presidente: — Digo ao sr. deputado que está enganado. O sr. presidente do conselho já se inscreveu (apoiados).

O Orador: — Peço perdão, a minha insistencia provém unicamente do desejo que tenho de ouvir a justificação do governo, e fazia os mais sinceros votos para que s. ex.ª fallasse.

O sr. Presidente: — De accordo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a palavra para antes de fechar a sessão; porque desejo responder hoje mesmo ao sr. deputado, visto que o não posso fazer ámanhã.

O Orador: — Folgo muito que o sr. presidente do conselho peça a palavra; não quero se não que s. ex.ª possa justificar-se. Está á espera de uma syndicancia que não vem, nem ha de vir.

O cidadão preso em Arganil, na sua marcha, em prisão, devia ter seguido caminho direito para Coimbra, mas foi internado, foi desviado da estrada real. Não havia necessidade de acrescentar esta nova violencia. Quando um preso não é um faccinora (apoiados), póde ser tratado com mais attenção; permitte-o a tolerancia dos nossos costumes; com mais rasão, quando apenas detidos para averiguações; era até conveniente poupar o serviço de tanta tropa. A disciplina do exercito perde com certas correrias politicas.

Mas era necessario que estas scenas se representassem; que o preso fosse correndo as localidades onde se haviam reunido as assembléas mais importantes; era necessario que viesse pela assembléa do Pombeiro, naturalidade do sr. Dias Ferreira; era necessario que viesse a Santo André de Poyares, naturalidade do candidato meu antagonista eleitoral; era necessario traze-lo em exposição publica e condemna-lo a representar aquellas scenas.

O sr. ministro da guerra é complice com o seu collega, o sr. presidente do conselho, e muito lastimo que não tenham apparecido os documentos que solicitei, e que me forçaram a propor o adiamento da discussão que está pendente.

Sr. presidente, lanço toda a responsabilidade unicamente sobre o sr. presidente do conselho.

É injusta a suspeita que um illustre deputado, no fim da sessão passada, lançou contra o cavalheiro que instou pela remessa dos documentos pedidos.

O sr. Dias Ferreira e eu não conhecemos aqui n'esta sala para exigir a responsabilidade d'estes attentados senão ao sr. ministro do reino (apoiados).

O sr. Telles de Vasconcellos póde ter a certeza de que nós não lhe dirigimos a menor insinuação, pelo contrario o sr. Telles de Vasconcellos que soltou um dos criminosos que era innocente n'esta questão, é para mim o meu melhor amigo, o meu melhor defensor.

Se eu podesse collocava o sr. Telles de Vasconcellos defronte do sr. ministro do reino para que se s. ex.ª dissesse que não eram exactos estes factos, o illustre deputado podesse mais depressa testemunhar a verdade.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Hei de ter a palavra.

O Orador: — E ha de negar os actos da prisão que referi?

O sr. Telles de Vasconcellos: — Não, senhor.

O Orador: — Pois então será o meu melhor patrono, o meu melhor defensor...

O sr. Telles de Vasconcellos: — Está enganado.

O Orador: — Disse o illustre deputado que era homem liberal, e significou, na sessão passada quanta pena tinha de não ter pertencido á cohorte dos bravos que desembarcaram nas praias do Mindello. Acredito que s. ex.ª é um espirito liberal.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Agradeço.

O Orador: — Não deve agradecer porque não seria homem novo.

É verdade, agradeça á Providencia de não lhe ter tecido mais cedo os fios da existencia; e ainda bem para mim, porque a ter s. ex.ª nascido mais cedo, com o ardor marcial de que mostrou desejos, teria succumbido no fervor das batalhas, e eu não o tinha agora por meu defensor (riso).

O illustre deputado que, como digo, é homem liberal, quando soube que aquelle cavalheiro estava preso, mandou-o immediatamente restituir á liberdade; tomou sob sua responsabilidade manda-lo para casa tranquillisar a sua familia, e como satisfação declarou-lhe que ía suspender o administrador do concelho.

(Interrupção.)

Sr. presidente, tenho ouvido allegar que as eleições foram todas feitas desaffrontadamente. Em dois dias de sessão approvaram-se, não sei se sessenta pareceres, creio eu; tirou te a consequencia de que foram todas feitas sem irregularidades, sem violencias. É esta a linguagem constantemente empregada pelo governo.

É este o unico argumento com que o sr. ministro do reino tem querido provar a legalidade, a ordem, a tranquillidade com que se effectuaram as eleições (apoiados).

Sr. presidente, não venho levantar uma questão pessoal. Ninguem melhor do que o sr. presidente do conselho, póde testemunhar de que não me queixo de guerras eleitoraes, por parte do governo; embora condemne como principio a intervenção das auctoridades no acto eleitoral, e a falta da publicidade para esconder e evitar a responsabilidade. São dois males de que o systema representativo mais soffre n'este paiz (apoiados).

O sr. ministro do reino sabe que em 1868 a minha eleição foi disputada a todo o transe e que nunca mostrei despeito pessoal. Fui então seu partidario e dei-lhe provas de lealdade. Hoje levanto uma questão de principios, onde vejo que não foi respeitada, nem a constituição, nem a liberdade eleitoral.

Sr. presidente, v. ex.ª comprehende que em vista das minhas accusações, a camara deve estar anciosa de ouvir a resposta do governo e julgo me no dever de terminar, offerecendo mais tarde a minha replica.

O sr. Presidente: — Estas propostas de adiamento é costume ficarem conjunctamente em discussão com a materia. Não sei se a camara está de accordo.

(Pausa.)

O silencio da camara confirma o assentimento.

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Considerando que se a resposta ao discurso da corôa fosse um simples acto de respeito e de deferencia para com o monarcha, a camara logo depois de constituida, e de preferencia a quaesquer outros assumptos, ter-se-ía julgado no dever de satisfazer a esta homenagem ao chefe do estado;

Considerando que, por esta circumstancia, a camara e o governo deram significação politica aquelle documento;

Considerando que a politica ministerial não póde ser apreciada, sem desfavor e grave censura, emquanto o governo não justificar com documentos os actos que praticou em contravenção dos artigos 103.° § 3.° e 5.°, 145.° §§ 6.°, 7.°, 8.°, 9.° e 11.° da constituição do estado, proponho o adiamento da discussão até serem presentes a esta camara

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todos os documentos que sobre o assumpto têem sido pedidos ao governo. = Francisco Van-Zeller.

Foi apoiado o adiamento, e ficou em discussão.

O sr. Presidente do Conselho: — Esta questão de Arganil está destinada a ser aqui apresentada muitas vezes e a servir para assumptos ou para fins muito variados. Estou convencido de que as explicações que tenho de dar á camara hão de satisfaze-la completamente e hão de destruir a violencia das accusações, não no tom mas na essencia que me dirigiu o illustre deputado, mas antes d'isso, como s. ex.ª se referiu, a uma intimação ou o que quer que seja...

(O orador achava-se rodeado de muitos srs. deputados.)

O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que se sentem nos seus logares, porque o sr. presidente do conselho, levantando a voz, faz-se ouvir.

Uma voz: — Mas agora não se houve.

O Orador: — Não tardará que ouçam. Se a camara me honrar com a sua attenção, que eu lhe peço, porque careço d'ella, póde ter a certeza de que me ha de ouvir com toda a clareza.

Referiu-se o sr. deputado a uma intimação ou o que quer que seja, feita por um seu collega em occasião que eu não estava na sala, o qual me parece ter dito que dava a sua palavra de honra á camara que tinha documentos em seu poder, com os quaes havia de provar a cumplicidade criminosa do presidente do conselho com o administrador do concelho de Arganil.

O sr. Dias Ferreira: — V. ex.ª dá me licença? É unicamente uma questão de facto.

Eu disse que me compromettia a provar, com os documentos que tinham sido pedidos aos diversos ministerios, que havia associação criminosa da parte de s. ex.ª nos acontecimentos de Arganil.

O Orador: — É peior ainda. Não conheço o administrador do concelho de Arganil, entretanto fiz com elle uma associação criminosa, não sei para que! O illustre deputado não o disse.

Dou tambem a minha palavra de honra e peço ao sr. deputado que tome nota que s. ex.ª não ha de produzir documento algum que possa provar esta asserção (apoiados).

Parecia-me conveniente da parte de um cavalheiro, que já por duas vezes exerceu as altas funcções de ministro, que sabe a facilidade com que elles se atacam e accusam, ter provado primeiramente esta complicidade antes de haver asseverado a sua existencia (apoiados), tanto mais que da apresentação dos documentos diz minha consciencia que ha de resultar ficar mal um de nós, não hei de ser eu.

Tome tambem o illustre deputado nota d'esta declaração que eu faço. Se do exame dos documentos que s. ex.ª pediu, e de alguns outros que lhe são correlativos, resultar criminalidade ou cousa parecida com isto, porque não basta haver criminalidade perante a lei, ha outras regras diante das quaes deve recuar todo o homem que se préza...

O sr. Van-Zeller: — Essa responsabilidade é minha.

O Orador: — Eu não a applico ao sr. Van Zeller. O que se segue d'ahi é que ha dois responsaveis, em logar de um.

Peço aos srs. deputados que não sejam muito impacientes. Tenho mais pressa que s. ex.ªs de que esses documentos venham á camara. Repito, se algum de nós n'esta discussão representa um papel de que possa um dia arrepender-se, não sou eu.

Entro na questão, e peço aos srs. deputados que não me interrompam, na certeza de que estou prompto a responder-lhes.

O sr. Dias Ferreira: — Peço a palavra para um requerimento antes de se fechar a sessão.

O Orador: — O sr. Van-Zeller apresentou aqui um requerimento ha algumas sessões, em que pedia nada menos que o seguinte (leu).

Ainda a camara não estava constituida; funccionava como junta preparatoria, e o sr. deputado apressou-se a

pedir documentos que a junta preparatoria não tinha direito a pedir, porque já estava approvada a eleição de Arganil, á qual esses documentos se referiam.

Este documento podia ser pedido pela camara depois de constituida, para servir de base a uma accusação.

Apesar d'isso fiz obra pelo requerimento como se tivesse sido votado pela camara.

A camara comprehende que é uma tal abundancia de documentos que a maior parte d'elles só podia ser fornecidos pelo governador civil de Coimbra; mas eu repito, apesar de estender que este requerimento só podia ser feito pela camara depois de constituida, mandei immediatamente pedir os documentos ao governador civil de Coimbra.

Em 1 de agosto remetteu-me a camara dos senhores deputados uma nota de interpellação dos srs. Van-Zeller e Dias Ferreira, sobre o facto de ter sido tirado pelo administrador do concelho de Arganil um preso das mãos de um official de diligencias.

Em 2 de agosto officiei ao governador civil, pedindo esclarecimentos.

Veja v. ex.ª se houve demora do ministerio do reino em pedir estes esclarecimentos para os mandar para a camara. Não vieram tão depressa quanta é a impaciencia do illustre deputado, mas o ministerio do reino não póde ser arguido de ter demorado um instante o pedido d'estes documentos para os enviar á mesa.

Em 4 de agosto respondeu me o governador civil.

Note v. ex.ª que a interpellação foi annunciada a 1 de agosto, e no dia 2 chegou ao ministerio do reino.

V. ex.ª sabe que as notas de interpellação só são mandadas aos ministros respectivos depois de approvada a acta da sessão em que ellas foram apresentadas; portanto a acta foi approvada no dia seguinte, isto é, no dia 2, a nota de interpellação foi expedida tambem n'esse dia, e n'esse mesmo dia ainda, como v. ex.ª vê, se pediram os documentos a que o governador civil respondeu no dia 4 o seguinte:

«Ill.mo e ex.mo sr. — Respondendo ao officio de v. ex.ª de 2 do corrente, em que me exige com a maior urgencia os esclarecimentos relativos ao facto de ter sido tirado pelo administrador de Arganil das mãos de um official de diligencias d'aquelle juizo, um preso que este conduzia em virtude de um mandato judicial, cumpre-me dizer a v. ex.ª que, havendo o meu antecessor mandado syndicar d'este e de outros factos, me não é possivel satisfazer já, o que farei tão depressa me seja enviado o resultado da syndicancia, a qual activo o mais possivel.

«Deus guarde a v. ex.ª Coimbra, 4 de agosto de 1871. = Ill.mo e ex.mo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios do reino. = O governador civil, Antonio de Carvalho Coutinho de Vasconcellos.»

Aqui está a resposta do dia 4 de agosto.

Hoje estamos a 9, e estão os illustres deputados a censurar a demora do governador civil, que é o sr. Antonio de Carvalho Coutinho e Vasconcellos, homem grave e sisudo, que me assevera que activa o mais possivel a syndicancia!

Que querem os illustres deputados que faça?! Pois querem a verdade, e não querem dar tempo a que ella se esclareça e se faça luz sobre esta questão?! (Apoiados.)

Querem os illustres deputados que o governo proceda só pelas suas declarações?!

Disse o sr. Van Zeller: «Eu fui ao ministerio do reino, e disse tudo o que se estava passando ao sr. presidente do conselho!» S. ex.ª queixa-se de que eu, em vez de mandar as ordens que me indicou, mandasse outras! Pois eu havia de mandar para o governador civil de Coimbra as ordens que de mim exigia o sr. Van-Zeller, só porque s. ex.ª m'as propunha?!! Eu tinha outros deveres a cumprir, e hei de mostrar que fiz o que toda a auctoridade prudente devia fazer no meu logar (apoiados).

A questão dos telegrammas está inteiramente ligada com este assumpto; e peço licença ao sr. Telles de Vasconcellos,

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que está presente, e que provavelmente tomará a palavra, para ter as respostas que s. ex.ª me mandou, porque são todas parte do processo.

Mas o sr. Van-Zeller até metteu a ridiculo que eu tivesse mandado um telegramma para Coimbra e outro para Braga, com os mesmos dizeres, com a mesma redacção, e perguntou se isto era uma cousa seria!!!

Eu o que não achei serio foi a pergunta.

Estava presente o sr. Braamcamp e s. ex.ª estava-me referindo factos que tinham uma certa analogia com os que me tinha referido o sr. Van-Zeller; e não ha cousa mais natural do que irem os telegrammas na mesma linguagem e com a mesma redacção, mutatis mutantis, visto conterem providencias analogas.

Francamente, se houve falta foi de imaginação da minha parte, confesso-o; mas não faço poesia quando faço administração, e entendi que a minha obrigação era fazer comprehender claramente ao governador civil de Coimbra e ao de Braga, o meu pensamento. Os telegrammas aqui estão, e estou convencido de que a camara ha de achar que elles não estão escriptos com poesia, mas sim em prosa muito chã e preceptivel. O que não esperava era que isto mesmo servisse de objecto de accusação. Pois é serio, pergunta o illustre deputado, que o ministerio expeça dois telegrammas para dois governadores differentes, mas com a mesma linguagem, com as mesmas palavras?! Que crime!!

Eu fui até censurado já n'esta casa por uma phrase que em todos os paizes constitucionaes, diante de todos os homens eminentemente constitucionaes, me attrahiria a sua sympathia, e essa phrase é a que empreguei n'um telegramma em que disse que eu prefiria perder todas as eleições, a vencer uma só por meios violentos, pois entendia que n'isto dava uma garantia a todos os homens eminentemente liberaes. Tal é a força da paixão com que o governo está sendo aggredido, que até se metteu a ridiculo esta phrase! É possivel que eu podesse exprimir esta idéa de outra maneira: houve por certo falta de imaginação na expressão do meu pensamento; mas o que eu queria dizer era que o governo não queria que os seus amigos politicos vencessem uma só eleição por meios violentos, e emitti o pensamento que toda a minha vida tenho tido.

(Deram quatro horas no relogio da sala.)

Peço á camara que me permitta dizer ainda duas palavras, porque, como já lhe participei, não posso ámanhã comparecer na camara.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Eu já aqui fui accusado de estar a fazer constantemente o meu panegyrico.

Eu não faço o meu panegyrico, defendo-me. Quando sou atacado tão desabridamente como tenho sido; permittam-me os srs. deputados esta phrase, tão violentamente, não me ha de ser permittido defender-me?! (Apoiados.)

Em 1840, e os illustres deputados pelo Porto ficam desde já convidados para examinarem estes documentos, se duvidarem das minhas palavras, era eu administrador geral do Porto: creio que está presente o illustre presidente da camara municipal d'aquella cidade; tratava-se da eleição da camara municipal, e alguns amigos meus politicos vieram procurar-me para combinar commigo uma lista de vereadores. Não dei importancia a este trabalho, porque estava convencido de que a escolha que fizesse a cidade do Porto, que eu conheço, aprecio e respeito, havia de ser boa; entretanto, disse a esses meus amigos: «os senhores escolheram de certo muito bem; sabem quem são os mais habeis para administrar o municipio e eu não tenho objecção a fazer á sua escolha.»

Na vespera da eleição, e sinto que as pessoas a quem me vou referir não existam já, mas existem documentos que provam a verdade do que digo; na vespera da eleição repito, appareceu-me um cavalheiro do Porto, e disse-me que venceria muito facilmente a eleição se consentisse que houvesse uma manifestação perto da urna; e a minha resposta foi mandar chamar o commandante da guarda municipal, barão de Saavedra e ordenar-lhe que desse todas as providencias para que a eleição corresse com toda a regularidade, não consentindo que houvesse o menor disturbio ou desordem. O resultado d'esta ordem foi o triumpho da lista da opposição.

No dia seguinte reuniu-se a camara e declarou e mandou que se lançasse na acta, que era a primeira eleição livre que tinha tido logar no Porto, graças ás providencias tomadas pelo administrador geral, e resolveu que uma copia da acta fosse apresentada ao mesmo administrador por uma deputação composta do sr. presidente, do fiscal e de um vereador.

O sr. Bessa: — Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Orador: — Dou este documento como prova do modo como eu já pensava então como tenho pensado sempre a respeito da liberdade eleitoral. Devo acrescentar, que nunca vivi melhor com camara alguma do que vivi com a camara a que me refiro.

Aqui está, repito, como eu comprehendo a liberdade eleitoral.

Ora appareceu-me com effeito o sr. Van-Zeller e s. ex.ª queixou-se-me de violencias que estavam para se fazer ou que já se tinham feito no collegio eleitoral de Arganil, e eu expedi logo ao governador civil este telegramma (leu).

«Recommendo-lhe de novo toda a vigilancia para se evitar illegalidades e violencias da parte dos seus subordinados. Peço-lhe que tenha sobretudo em vista o collegio de Arganil. É preciso que as eleições se façam com toda a liberdade. O governo prefere a perda de todas as eleições ao triumpho de uma só por meios illegaes e violentos. — 8 de julho de 1871. = Avila.»

O governador civil respondeu-me immediatamente o seguinte:

«As ordens de v. ex.ª foram cumpridas; tomei todas as providencias. - Esteja v. ex.ª descansado. = Telles de Vasconcellos.»

Entretanto o que me tinha dito o sr. Van-Zeller fez-me peso e eu julguei dever expedir ao governador civil ainda o telegramma seguinte:

«Tenho recebido queixas de violencias praticadas pelo administrador do concelho de Arganil para vencer as eleições. Tome sem demora as providencias necessarias para evitar qualquer excesso, segundo as ordens que já lhe transmitti. — 8 de julho de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama.»

A resposta foi esta:

«Descanse v. ex.ª Não acredite nas queixas dos que queriam fazer pressão sobre os eleitores. Tomei as providencias devidas para garantir a liberdade de todos. = Telles de Vasconcellos.»

Mas o sr. Van-Zeller tinha-me articulado dois factos e indicava as providencias que entendia se deviam tomar. S. ex.ª queria que eu mandasse ao governador civil que soltasse dois homens que tinham sido presos, e eu entendi que sem saber a rasão d'essa prisão não podia mandar ordem no sentido em que s. ex.ª pedia. Mandei este telegramma que vou ter, e pedi ao sr. Van-Zeller, porque a minha memoria muitas vezes me não auxilia e eu podia não ter comprehendido bem, pedi-lhe, digo, que me escrevesse uma carta era que me contasse o que acabava de me dizer e logo em seguida mandei ao governador civil o telegramma que vou ter:

«Acaba de me asseverar por escripto o ex-deputado Francisco Van-Zeller que o administrador do concelho de Arganil arrancára das mãos do official do juizo um preso, que se achava culpado, pondo-o em liberdade e prendendo o official. Que prendêra, tambem sem motivo, um influente a favor da opposição. Verifique sem demora estes factos, não permittindo que se pratiquem violencias contra a liberdade do cidadão. Recebo n'este momento o seu telegramma em resposta ao que lhe expedi hoje. = Avila.

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Que mais podia eu fazer? Queria o sr. Van-Zller que eu dissesse ao governador civil: «Entregue ao poder judicial taes presos?» Eu ignorava as circumstancias d'essas prisões, não sabia por que motivos tinham sido feitas, e havia de indicar ao governador civil as ordens que devia dar ao administrador do concelho, sem que elle tambem soubesse, talvez, as circumstancias que se tinham dado n'esse facto?

Entendi que, mandando um telegramma n'estes termos fazia tudo o que o sr. Van-Zeller podia desejar, e cumpria a minha obrigação como ministro (apoiados).

«Verifique sem demora este facto» dizia eu ao governador civil, a quem ouvi, com muito prazer, fazer elogios por parte do sr. Van-Zeller; mas noto que s. ex.ª, attribuindo me crimes em tudo o que occorreu a respeito da sua eleição, nem ao menos me fizesse um elogio por ter tido a fortuna de fazer tão boa escolha (apoiados).

De maneira que, se o sr. Telles de Vasconcellos tivesse faltado aos seus deveres, eu era o responsavel pelos seus actos; mas como se portou de maneira a merecer o louvor do illustre deputado, não me toca a mim nada d'esse louvor!

Nomeio governador civil um homem liberal, que queria a verdade das eleições, e não tenho nenhum louvor por isto.

É que eu estava eivado do intuito de guerrear a eleição do sr. Van-Zeller. Não póde ser outra cousa. E mandei para Coimbra um homem, o menos proprio para me seguir n'este intuito odiento, e guerrear, como já ouvi dizer, as pessoas que tinham a fortuna de incorrer nos meus odios pessoaes!

E podia alguem dizer isto? Não me parece (muitos apoiados). Pois disse-se aqui, e disse-o o homem que menos direito tinha para o dizer, porque eu mandei para administrar o districto de Coimbra exactamente o homem menos proprio para combater a eleição do sr. Van-Zeller e para fazer derramar sobre s. ex.ª o fel, o veneno que eu tinha no peito contra s. ex.ª

Repito, se o sr. Telles de Vasconcellos procedesse mal, devia o ministro do reino ser accusado, processado, e executado; porém como o sr. Telles de Vasconcellos andou muito bem, o ministro do reino não tem absolutamente nada com isto, e não merece por isto o menor louvor! A camara que aprecie, e o paiz tambem.

Pouco depois o sr. Telles de Vasconcellos, tendo-lhe sido remettido o homem, de que se fallou aqui, que tinha sido preso pelo administrador do concelho, achou este procedimento irregular, mandou soltar o preso, e suspender o administrador, mandando proceder a uma syndicancia sobre o procedimento d'esse administrador por um magistrado, que não é suspeito a nenhum dos srs. deputados.

Pergunto, que mais havia de fazer o sr. Telles de Vasconcellos, ou o ministro do reino?

E é por isto que o sr. deputado vem dizer que o ministro está incurso no crime de ter falseado a liberdade individual e merecia uma accusação formal por uma ladainha de crimes.

Eu não posso demittir o administrador do concelho de Arganil. Talvez o illustre deputado achasse conveniente que o demittisse; eu não acho. Mas está suspenso.

Está-se syndicando dos seus actos. Se esta syndicancia demonstrar criminalidade da parte do administrador, ha de elle ser demittido. Se não a demonstrar, o governo ha de obrar como entender.

Durante a syndicancia a que se está procedendo e de que foi encarregado um empregado respeitavel, que não inspira desconfianças ninguem, não devia eu demitti-lo.

E quer v. ex.ª que eu diga todo o meu pensamento?

Ha de alguem suppor que os illustres deputados estão com medo da syndicancia, pois eu entendo que é indispensavel esperar o resultado d'essa syndicancia para procedermos com imparcialidade (apoiados).

Não quero abusar mais da paciencia da camara, e como a hora deu, entrego esta questão á apreciação da assembléa e estou convencido de que ella examinando friamente o que se tem passado, e esperando sem impaciencia os documentos que não tardarão a ser-lhe remettidos, ha de reconhecer que effectivamente o governo fez o que devia ter praticado (apoiados) nas circumstancias em que se achou.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Já deu a hora em que costumâmos findar os nossos trabalhos; entretanto como ha oito srs. deputados inscriptos para requerimentos e para antes de se fechar a sessão, vou dar a palavra ao primeiro inscripto que é o sr. José Dias Ferreira.

O sr. Dias Ferreira (sobre a ordem): — Sr. presidente, não pediria a palavra n'esta altura, mesmo porque a resposta do sr. ministro do reino é quasi a justificação completa dos factos de que tinha sido arguido pelo meu illustre collega e amigo, o sr. Van-Zeller, senão fosse a insinuação que s. ex.ª acaba de fazer me; e eu entendo que esta sessão se não deve encerrar emquanto o sr. presidente do conselho não explicar o sentido das palavras que pronunciou! (Apoiados.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Apoiado, estou prompto a explica-las.

O Orador: — Eu tomei antehontem n'esta casa o compromisso de que havia de provar com os documentos que foram pedidos aos srs. ministros que o sr. presidente do conselho tinha tido participação nos delictos eleitoraes que se praticaram em Arganil.

Effectivamente, sr. presidente, não agora, porque não quero abusar da palavra, mas, quando me couber na altura da inscripção, hei de tratar esta questão com toda a largueza, e hei de comprovar a minha affirmação.

Disse o sr. presidente do conselho: «Que era necessario esperar pelos documentos!» Mas eu pergunto a s. ex.ª qual é o motivo por que não remette a esta camara, ao menos, os documentos que tinham sido pedidos ao sr. ministro da justiça, e que s. ex.ª já declarou que tinham sido enviados para o ministerio do reino! (Apoiados.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a palavra. Esqueceu-me tocar n'esse ponto, que é importante; mas eu já respondo ao illustre deputado.

O Orador: — Mas que relação tem a syndicancia com todos os documentos pedidos, e com a correspondencia official, assignada pelo sr. presidente do conselho, e pelos seus delegados?!

Acrescentou o sr. presidente do conselho, que para fazer a syndicancia fôra nomeado um magistrado, para mim insuspeito, quando, segundo me consta, fôra nomeado o administrador do concelho de Pena Cova, que, se bem me recordo, foi o primeiro administrador por mim demittido no anno passado no districto de Coimbra!!

O sr. Van-Zeller queixou-se, primeiro de que o administrador do concelho de Arganil tivesse arrancado um criminoso das mãos da justiça, soltando-o, e mettendo na enxovia o official de justiça que o conduzia preso; e em segundo logar, de que tivessse sido preso em sua casa, mettido na enxovia para averiguações, um cidadão inoffensivo, tres ou quatro dias antes da eleição...

O sr. Presidente: — Vejo-me forçado a interromper o illustre deputado, para lhe perguntar qual é o seu requerimento; entretanto, se o illustre deputado quer discutir, consulto a camara se lhe dá a palavra (apoiados).

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Não quero divagar nem abusar da benevolencia da camara. Reservo-me para discutir este assumpto, com toda a largueza que elle comporta, em occasião opportuna; todavia quero precisar bem a questão (apoiados).

O sr. presidente do conselho declarou que eu estava mal n'esta questão. Fez o favor de dizer que, da minha parte, não havia criminalidade, mas que havia causa, diante da qual deve recuar todo o homem que préza o seu nome.

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Não sei se fui eu que promovi a prisão do official de diligencias; não sei se fui eu que promovi a soltura do criminoso, e a prisão de cidadãos inoffensivos para indagações; o que eu peço ao sr. presidente do conselho é que precise bem a questão da insinuação. Se s. ex.ª tem na sua mão alguns documentos meus, como eu tenho alguns dos seus delegados, por onde possa provar, proxima ou remotamente, que fui eu quem promovi a prisão do official de diligencias ou a soltura dos criminosos, espero que os apresente. O que é certo é que a camara toda ouviu a insinuação que me fez o sr. presidente do conselho, e por isso espero que s. ex.ª se apresse a explica-la, e que seja tão explicito e tão claro como a gravidade do assumpto reclama.

Tenho concluido.

O sr. Presidente: — Relembro aos srs. deputados que já deu a hora ha muito tempo e que estão ainda muitos senhores inscriptos.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não tomarei á camara nem dois minutos. Comprehendo perfeitamente que a hora está adiantada, por isso serei muito breve; mas peço licença para preencher uma lacuna na minha resposta anterior, a respeito da qual direi muito poucas palavras.

Fallou-se effectivamente em documentos que tinham sido pedidos ao sr. ministro da justiça e que o meu collega declarou que os tinha remettido para o ministerio do reino.

É exacto que o sr. ministro da justiça mandou esses documentos ao ministerio do reino, porque se referem ao administrador do concelho de Arganil; mas esses documentos contêem materia tão grave, que eu entendi dever ouvir sobre elles o sr. procurador geral da corôa.

Vozes: — Então não vem cá.

O Orador: — Não vem cá! Pois querem fazer essa injuria ao sr. Mártens Ferrão, um dos ornamentos do fôro, d'esta camara e do paiz! (Muitos apoiados.) Quando me quizerem accusar fazem-me muita honra em me associar com o sr. Mártens Ferrão. É um negocio tão grave, repito, que eu não podia proceder sobre elle, sem ouvir uma opinião tão esclarecida como a do sr. procurador geral da corôa.

O que eu peço aos illustres deputados é que não queiram levar esta questão de assalto; para que é esta pressa? Parece-me que realmente não têem rasão (apoiados).

Ora vejamos a insinuação. Eu não fiz insinuação alguma; respondi com uma proposição tão categorica como foi a que o illustre deputado me fez: «S. ex.ª disse — comprometto-me debaixo da minha palavra de honra a provar com os documentos, que me hão de ser remettidos pelo governo, que houve associação criminosa do sr. ministro do reino com o administrador do concelho de Arganil.» E eu respondo a esta proposição com outra.

Assevero debaixo da minha palavra de honra que não ha um só documento que imparcialmente examinado demonstre tal accusação; e que se algum de nós tiver de ficar mal, com o exame d'esses documentos não hei de ser eu.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara se quer conceder a palavra aos srs. Mártens Ferrão e Dias Ferreira, que a pediram.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Dias Ferreira: — Peço a v. ex.ª que proponha á votação da camara se me permitte dizer mais duas palavras, porque eu depois não abusarei.

Vozes: — Falle, falle.

A camara decidiu que se desse a palavra aos srs. Mártens Ferrão e Dias Ferreira.

O sr. Mártens Ferrão: — Sr. presidente, pedi a palavra para dizer a v. ex.ª e á camara que recebi ha tres dias o processo a que se referiu o nobre ministro do reino, e logo que o tenha examinado com a circumspecção e estudo necessario enviarei a minha resposta fiscal ao governo.

Nada mais tenho a dizer.

O sr. Dias Ferreira: — Folgo de ouvir que os documentos estão em Lisboa, e estão em puder do sr. procurador geral da corôa, porque já vejo que o sr. ministro do reino poderá vir desmentir, na sexta feira, as accusações que lhe hei de levantar.

Eu hei de responder de uma maneira tão completa a todas as observações que fez o sr. presidente do conselho, que me parece que s. ex.ª se ha de arrepender de ter irritado este debate.

Que significa pedir a representação nacional uns documentos, e não lhe serem mandados, quando é certo que esses documentos podiam ser enviados por copia, quando é certo que os documentos já foram passeiar do ministerio do reino até Coimbra, e hoje estão na mão do sr. procurador geral da corôa? Pois não podiam ficar os originaes no ministerio respectivo, e virem as copias para a camara? (Apoiados.)

Ninguem respeita mais do que eu o caracter, a integridade e a illustração do sr. procurador geral da corôa; mas primeiro do que elle, primeiro do que o gabinete estão as exigencias da representação nacional (apoiados).

Os documentos a que me refiro foram pedidos no dia 24 de julho, ainda em junta preparatoria, porque eu já receiava que o sr. presidente do conselho se recusasse a manda-los, ou procurasse, pelo menos, adiar a remessa.

E falla se em syndicancia! Mas a que vem a syndicancia quando se pede um mandado de prisão ou um mandado de soltura, que deve estar nas mãos do carcereiro da cadeia de Arganil? Que relação tem a syndicancia com o requerimento em que se põe por despacho — está preso para indagações? (Apoiados.)

Quando muito poderá explica-lo o funccionario arguido. Eu não quero desde já aventar opinião sobre a famosa syndicancia, porque ha de vir, e talvez de maneira tal que seja mais um triumpho para aquelles que sustentam que houve da parte do governo associação criminosa nos acontecimentos de Arganil. É impossivel que a syndicancia, apesar de todo o favor, não seja abertamente pelos documentos.

Mas desde que eu levantei uma accusação grave ao sr. presidente do conselho, e me comprometti a prova-la, e desde que s. ex.ª tambem pela sua parte me fez a insinuação de que pelo exame dos documentos hei de eu ficar mal, creio que o meu decoro e o de s. ex.ª exigem que na sexta feira, no primeiro dia de sessão, esta questão seja completamente esclarecida (muitos apoiados).

Já é fraqueza que esses documentos, que me eram precisos para a accusação, sejam escondidos, e venham ser lidos depois do debate (muitos apoiados). Já é fraqueza, já é cobardia!! (Muitos apoiados).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu peço a v. ex.ª que note a palavra «cobardia» applicada ao governo (muitos apoiados).

(Agitação na assembléa.)

O Orador: — Eu tenho ouvido empregar muita vez aquella palavra; o que porém ouvi só ao sr. presidente do conselho foi chamar á camara «praça publica»! (Muitos apoiados).

Eu estou tão sereno e tão desapaixonado que declaro a v. ex.ª que estou prompto a retirar qualquer palavra, por mais inoffensiva que seja, com a qual alguem se julgue offendido; e portanto retiro a palavra «cobardia» se offende os ouvidos do sr. presidente do conselho.

Do que porém v. ex.ª e a camara podem estar certos é de que, apesar de não ser muito curta a minha carreira parlamentar, ainda nem uma só vez foi preciso que os presidentes da camara me chamassem á ordem, e de que nem uma só vez por minha causa se tornou tumultuaria a sessão, sendo preciso fecha-la por esse motivo.

Do que v. ex.ª póde ter a certeza e, de que não venho dizer aqui aos meus collegas, que se alguns d'elles fossem admittidos n'uma sala, não procederiam lá como procedem aqui (muitos apoiados); não o diria por circumstancia nenhuma!

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O sr. Presidente do Conselho: — Isso não é verdade.

O Orador: — Digo mais a v. ex.ª: quem não tem a serenidade precisa para empregar nos debates linguagem parlamentar, não me parece que a tenha nas occasiões eleitoraes, para ser justo com amigos e adversarios (apoiados).

Não quero ir mais longe. A posição triste, digna de censura é a do sr. ministro, se não mandar os documentos. E eu quero deixar prevenida a camara de que na sexta feira hei de aqui provocar largamente o debate sobre os acontecimentos de Arganil, e então a camara verá e verá o paiz se houve ou não participação criminosa da parte do governo n'esses acontecimentos (apoiados).

Concluo com a seguinte declaração. Espero que o sr. presidente do conselho, prezando o seu decoro pessoal e politico, não deixará de apresentar aqui na sexta feira os documentos (apoiados), que podem saír por dois dias do poder do sr. procurador da corôa, se n'este negocio grave e urgentissimo aquelle benemerito funccionario não poder apresentar o seu parecer até sexta feira (apoiados).

V. ex.ª bem vê que em vista do aspecto que esta questão tomou na representação nacional, de certo não é arrancar um criminoso das mãos da justiça o mandar buscar os papeis a casa do sr. procurador geral da corôa para os apresentar aqui na sexta feira (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Ha ainda muitos senhores inscriptos: vou dar-lhes a palavra.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo alguns documentos, parte dos quaes são diplomaticos. Espero que o sr. presidente do conselho não terá duvida em os mandar.

Todos os outros srs. deputados que estavam inscriptos cederam da palavra.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões e para sexta feira a continuação d'este debate.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

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