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SESSÃO DE 5 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.:
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Deu-se conta de dois officios do ministerio da guerra, enviando informações e esclarecimentos pedidos. - Tiveram segunda leitura: um projecto de lei do sr. Brito Fernandes, outro do sr. Simões dos Reis, uma renovação de iniciativa dos srs. Poças Falcão e Almeida e Brito, e outra do sr. Goes Pinto. - O sr. Francisco Machado enviou para a mesa, acompanhando de algumas reflexões, um projecto de lei, um novo requerimento de aspirantes e engenheiros machinistas navaes e uma representação dos serventes da direcção geral de contabilidade. - Apresenta o sr. José Maria de Andrade uma representação de muitos habitantes da villa e da freguezia de Torrão e um projecto de lei, satisfazendo o pedido da representação. - O sr. Oliveira Valle apresenta duas representações, uma de muitos proprietarios, industriaes e commerciantes da freguezia de S. Pedro em Alcantara, e outra da camara municipal de Oeiras, fazendo algumas considerações sobre a questão cerealifera. - O sr. Alfredo Brandão advoga a necessidade de se recompensarem todos os que se distinguissem na Africa. - O sr. Jacinto Candido refere-se ao regimen de isenção de direitos para os cereaes, que ainda está vigorando no districto do Funchal, em prejuizo dos seus habitantes. - O sr. ministro da fazenda promette informar-se para dar explicações a este respeito na sessão seguinte. - Justificou faltas o sr. Jacinto Candido.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 145, sobre a fixação das forças de terra, que foi approvado, depois de algumas considerações dos srs. Serpa Pinto e Avellar Machado. - Foi tambem approvado sem discussão o projecto n.° 136, auctorisando o governo a organisar os quadros do pessoal que vence feria, em serviço no deposito geral do material de guerra e estabelecimentos fabris do commando geral de artilheria, e a modificar as tabellas de vencimento do mesmo pessoal; e, depois de breves considerações dos srs. Consiglieri Pedroso e ministro das obras publicas, o projecto n.° 144, que manda proceder ao recenseamento geral da povoação de dez em dez annos, devendo o primeiro recenseamento ter logar em 1890. - Por ultimo ficou pendente a discussão do projecto n.° 134, auctorisando o governo a adjudicar por concurso a construcção e exploração por sessenta annos de um entreposto commercial livre no porto de Lisboa ou nas suas proximidades, entre a torre de Belem e Cascaes, tendo usado da palavra, combatendo-o, o sr. João Arrojo, e o sr. Matoso Santos, como relator, defendendo-o. - No fim da sessão o sr. Pinheiro Chagas chamou a attenção do sr. presidente do conselho sobre a intervenção do governador civil de Evora na eleição da mesa da misericordia de Montemór o Novo. Respondeu o sr. presidente do conselho que não tinha conhecimento do facto, mas que ia pedir informações. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros apresentou uma proposta de lei, approvando o accordo entre Portugal e a Gran-Bretanha para permutação de encommendas postaes, sem valor declarado. E mandou para a mesa o Livro branco, relativo ao commercio dos vinhos portuguezes no Brazil.

Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 61 srs. deputados. São os seguintes : - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Miranda Montenegro, Eduardo de Abreu, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco Machado, Soares de Moura, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel
José Correia, Manuel José Vieira, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Victor, Estrella Braga e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Simões dos Reis, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Scarnichia, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Ferreira Galvão, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio Pires, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Campos Valdez, Antonio Centeno, Moraes Sarmento, Urbano de Castro, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Elvino de Brito, Freitas Branco, Lucena e Faro, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Sant'Anna e Vasconcellos, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Barbosa Collen, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Laranjo, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Manuel Espregueira, Pedro Diniz, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Francisco José Machado, nota das verbas gastas em obras na praça de Peniche, nos ultimos dez annos, e bem asssim nota dos orçamentos ainda não executados.
Á secretaria.

Do mesmo ministerio, devolvendo informado o requerimento do quartel mestre Joaquim José Alves.
Á secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Considerando a representação, que submetto á vossa apreciação, dos povos de Santa Cruz, Canada de Santa Cruz, Ladeira de Santa Cruz, Portel do Valle, La-

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deira do Barriga, Pontas Negras, Rua de Cima, Rua de Baixo, Ribeira Secca, Urdimalas, Ribeira Grande e Moinhos, pertencentes á freguezia das Ribeiras, na ilha do Pico, concelho das Lages, districto da Horta, onde se pede fundadamente a formação de uma nova freguezia constituida por aquelles povos, tenho a honra de offerecer ao vosso exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É creada, com sede no logar de Santa Cruz, uma nova freguezia, formada dos logares de Santa Cruz, Canada de Santa Cruz, Ladeira de Santa Cruz, Portel do Valle, Ladeira do Barriga, Pontas Negras, Rua de Cima, Rua de Baixo, Ribeira Secca, Urdimalas, Ribeira Grande e Moinhos, que actualmente fazem parte da freguezia das Ribeiras, concelho das Lages, na ilha do Pico, districto da Horta.
§ unico. Denominar-se-ha do Bom Jesus a freguezia, cuja creação é determinada n'este artigo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, 30 de junho de 1887. = Manuel Maria de Brito Fernandes, deputado pelo circulo n.° 100.
Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de administração publica e de negocios eclesiasticos.

Projecto de lei

Senhores. - O concelho de Oliveira de Azemeis acha-se actualmente dividido em sete districtos de juiz de paz. Esta divisão poderia ter rasão de ser antes da vigencia da lei hypothecaria de 1 de julho de 1867 e do codigo do processo civil; mas actualmente nenhuma rasão ha que justifique similhante divisão.
Pela novissima reforma judiciaria a falta de conciliação nas causas que por lei não eram isentas d'ella, era uma nullidade insanavel; essa falta, depois da publicação e vigencia do codigo do processo civil, é apenas uma nullidade supprivel, e, por isso, quasi todas as acções são hoje propostas no juizo contencioso, sem que preceda a tentativa de conciliação. Já a lei hypothecaria tinha feito diminuir consideravelmente o numero das causas que não podiam ser propostas no juizo contencioso sem previo chamamento ao juizo conciliatorio. Da execução d'estas duas leis resulta haver districtos de juizo de paz em que, durante um anno, se não faz uma conciliação, como succedeu no anno proximo passado em alguns dos districtos do concelho de Oliveira de Azemeis.
Isto dá logar a que não haja quem queira servir o logar de escrivão de juiz de paz, pelos poucos ou nenhuns proventos que d'ahi possam advir-lhe, e tanto assim que o escrivão de paz do districto de Oliveira de Azemeis ha muitos annos está servindo interinamente o logar de escrivão dos districtos de paz de Ul, Loureiro e Pinheiro da Bemposta; e o de S. João da Madeira está servindo tambem interinamente o logar de escrivão de paz de Carregosa. Torna-se, pois, indispensavel reduzir os districtos do juiz de paz do concelho de Oliveira de Azemeis, pois só assim poderá haver quem queira exercer taes logares.
Por isso tenho a honra de propor á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O concelho de Oliveira de Azemeis será dividido em quatro districtos do juiz de paz:
1.° Com a sede na villa de Oliveira e composto das freguezias de Oliveira, S. Roque (Villa Chã), Ossella, Macinhata de Seixa, Ul e S. Thiago de Riba Ul;
2.° Com a sede no Pinheiro da Bemposta, composto das freguezias do Pinheiro, Loureiro, Travanca e Palmaz;
3.° Com a séde no Couto de Cocujães, composto das freguezias do Couto, Madail, S. Martinho, S. João da Madeira e Macieira de Sarnes;
4.° Com a sede em Carregosa, composto das freguezias de Carregosa, Pindella, Nogueira de Cravo, Fajões e Cesar.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 1 de julho de 1887. = O deputado por Oliveira de Azemeis, Antonio Simões dos Reis.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Proposta para renovações de iniciativa

Renovâmos a iniciativa dos projectos de lei apresentados pelo sr. deputado Sousa e Silva nas sessões de 23 de fevereiro de 1883 e 4 de fevereiro de 1884, que têem por fim alterar o decreto de 17 de maio de 1832 no sentido de tornar collativas e independentes algumas parochias ou curatos, que hoje são suffraganeos dos prioratos, estabelecidos pelo decreto acima citado.
Sessão de 4 de julho de 1887. = J. F. Poças Falcão = F. de Almeida e Brito.
Lida na mesa foi admittida e enviada ás commissões de administração publica e de negocios eclesiasticos.
A proposta refere-se aos dois seguintes:

Projectos de lei

Senhores. - A carta de lei de 8 de maio de 1878, conferindo 03 direitos de eleitor a um grande numero de cidadãos que até ali os não tinham, veiu alargar em grande escala a votação nas differentes assembléas eleitoraes, e por isso estatuiu no seu artigo 6.° que as commissões recenseadoras procederiam a nova divisão d'essas assembléas.
No concelho de Lagoa, na ilha de S. Miguel, a commissão recenseadora, ou porque quiz cingir-se ao n.° 1.° do § 2.° do artigo 41.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, ou por outra qualquer rasão, apenas para as eleições municipaes dividiu o concelho em duas assembleas, das quues uma com sede na freguezia de Santa Cruz da villa da Lagoa, e outra na freguezia de Nossa Senhora dos Anjos de Agua de Pau, conservando-se, como até ali, uma unica assembléa em Santa Cruz para as eleições de deputados.
Ora, marcando o mappa, annexo á carta de lei de 8 de maio de 1878, 2:128 fogos ao concelho de Lagoa, vê-se pelo censo de 1 de janeiro do mesmo anno que esse numero de fogos se achava elevado a 2:550, numero que já hoje está augmentado, e por isso, mesmo quendo se quizesse attender ao citado n.° 1.° do § 2.° do artigo 41.° do decreto de 30 de setembro de 1852, haveria a necessidade de dividir o concelho de Lagoa em mais de uma assembléa eleitoral.
Considerando alem d'isso que a freguezia de Nossa Senhora dos Anjos, que actualmente conta perto de 900 fogos, está situada a mais de 7 kilometros de Santa Cruz, e considerando tambem que ainda na penultima eleição geral de deputados, em que na assembléa unica d'aquelle concelho não chegaram a votar dois terços do numero dos eleitores recenseados, durou o acto eleitoral quatro dias, o que, como todos sabem, traz comsigo grandes inconvenientes, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O concelho de villa da Lagoa, no districto de Ponta Delgada, fica dividido, tanto para as eleições de deputados como para as municipaes, nas seguintes assembléas eleitoraes, composta cada uma dos eleitores da respectiva freguezia: Santa Cruz, da villa da Lagoa, Nossa Senhora do Rosario, da mesma villa, e Nossa Senhora dos Anjos, do logar de Agua de Pau.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 10 de fevereiro de 1882. = Sousa e Silva.
Senhores. - Apresentando-vos o meu projecto de lei de 11 de fevereiro de 1882, para que o decreto de 17 de maio de 1832 não fosse extensivo ás parochias de S. Pedro de Ponta Delgada, Santa Cruz da villa da Lagoa, S. Pedro

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de Villa Franca do Campo, não quiz eu de certo abrir excepção com relação a certas e determinadas freguezias, pois julgava que ficariam collativas todas as parochias urbeiras da ilha de S. Miguel; informado, porém, posteriormente de que não o eram tambem as parochias de Nossa Senhora da Conceição da villa da Ribeira Grande e de Santa Mãe de Deus da villa da Povoação, a primeira das quaes tem 600 fogos e a segunda 1:215, venho, baseado nas considerações que já fiz no supradito projecto, propor-vos mais o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Deixa de ser extensivo á parochia de Nossa Senhora da Conceição da villa da Ribeira Grande e á de Nossa Senhora Mãe de Deus da villa da Povoação, o determinado nos artigos 1.°, 3.° e 4.° do titulo V do decreto de 17 de maio de 1832.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Camara dos senhores deputados, 1 de fevereiro de 1884. = Sousa e Silva.

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado em 16 de maio de 1885 e que teve segunda leitura em 18 do mesmo mez e anno, assignado pelo antigo deputado o sr. Joaquim José Alves e que respeita a admissões no monte pio official. = O deputado, E. J. Goes Pinto.
Lida na mesa foi admittida e enviada á commissão de fazenda.
A proposta refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - A circumstancia de não poderem ser admittidos no monte pio official os que exercem emprego publico por nomeação de portaria prejudica consideravelmente um grande numero de funccionarios;
Considerando que, facultando-se a admissão no citado monte pio a estes empregados, inscrever-se-ha um grande numero de individuos de trinta a quarenta annos de idade, a maior parte fóra do gremio pela desharmonia que ha na formula das suas nomeações;
Considerando que é da mais alta justiça que se estenda a vantagem do futuro a todos os funccionarios publicos, nomeados por portaria, que vençam soldo ou ordenado não inferior a 300$000 réis, comtanto que não tenham mais de sessenta annos de idade;
Por todas estas rasões, tenho a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° São admittidos no monte pio official todos os funccionarios de diversas repartições do estado, que tiverem mais de quarenta annos de idade, sujeitando-se ao pagamento da quota mensal, augmentando-a com tantos por cento, alem da joia que lhes for arbitrada, conforme a idade que tiverem no acto da admissão.
Art. 2.° São igualmente admittidos no monte pio official todos os funccionarios publicos, nomeados por decreto ou portaria, que vençam soldo ou ordenado não inferior a réis 300$000, comtanto que não tenham mais de sessenta annos de idade.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 16 de maio de 1885. = Joaquim José Alves.

REPRESENTAÇÕES

Da camara municipal do concelho de Oeiras, pedindo providencias para a crise agricola, no sentido de se augmentar os direitos ao trigo e milho estrangeiro.
Apresentada pelo sr. deputado Oliveira Valle, enviada á commissão de agricultura, ouvida a de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Dos proprietarios, industriaes, commerciantes e habitantes da freguezia de S. Pedro em Alcantara e suas proximidades, pedindo a construcção de uma estrada entre a Ponte Nova e Sete Rios, pela ribeira de Alcantara.
Apresentada pelo sr. deputado Oliveira Valle, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.

Dos habitantes da villa do Torrão, concelho de Alcacer do Sal, pedindo a creação de um conselho administrativo, com séde na mesma villa.
Apresentada pelo sr. deputado José Maria de Andrade, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.

Dos serventes de diversas repartições da direcção geral de contabilidade publica, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado Francisco José Machado e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviado com urgencia a esta camara o processo de concurso ultimamente realisado para o logar de thesoureiro da alfandega de Figueira da Foz. = João M. Arroyo.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara quaesquer informações enviadas pelo governador civil de Santarém em relação aos actos irregulares praticados pelo administrador do concelho de Mação, em relação á santa casa da misericordia da mesma villa. = Avellar Machado.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Fidelio de Freitas Branco tem faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Jacinto Candido.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Jacinto Parreira, capitão de estado maior de engenheria, pedindo alteração na organisação dos serviços techinos de obras publicas.
Apresentado pelo sr. deputado Avellar Machado e enviado á commissão de obras publicas.

Dos engenheiros e aspirantes machinistas, Joaquim José de Almeida, Julio José dos Santos, João Joaquim da Silva, Arthur Iria Rosa, Antonio Januario da Silva, José Miguel Gomes, Antonio dos Santos e Silva, Joaquim da Costa Fernandes e Carlos Antonio Carvalho, pedindo varias concessões que melhorem a situação da classe a que pertencem.
Apresentados pelo sr. deputado Francisco José Machado e enviados á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.
Para a secretaria.

O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, pedi a palavra, para mandar para a mesa nove requerimentos de aspirantes a engenheiros machinistas navaes, que pedem tres cousas:
1.ª Que depois de um anno de tirocinio fóra dos portos do continente do reino, na situação de aspirantes de 2.ª classe, sejam promovidos a aspirantes de 1.ª, e que depois de outros dois annos de tirocinio, sejam promovidos a engenheiros machinistas de 3.ª classe graduados em guardas marinhas addidos ao quadro, caso n'este não haja vaga, e vencendo n'esta situação 24$000 réis mensaes.
2.º Que aos aspirantes a engenheiros machinistas sejam

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abonadas comedorias iguaes ás que vencem os aspirantes a guardas marinhas.
3.ª Que o soldo dos aspirantes a engenheiros machinistas fique constante, tanto na estação como fóra da barra.
Ora, sr. presidente, eu acho justissimo o pedido que estes funccionarios fazem á camara dos senhores deputados, porque elles estão sendo promovidos, com vantagens muitissimo inferiores aos ajudantes de machinistas que não têem curso algum.
Os aspirantes de engenheiros machinistas estão habilitados com o curso da escola naval, e alem d'isso são obrigados a arranchar com os officiaes de marinha, porém como não lhes são abonadas comedorias, despendem todo o ordenado só na comida, não lhes ficando nada para vestir nem para o sustento de sua familia.
Ora isto é injusto, porque desde o momento que se lhes criam uns certos encargos, é necessario que se lhes dê tambem ordenados que estejam em proporção com as despezas que lhes traz a sua posição.
Mando mais para a mesa uma representação assignada pelos serventes da repartição da direcção geral de contabilidade publica, pedindo que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos serventes das camaras legislativas, e do ministerio dos negocios estrangeiros.
Estes serventes ganham apenas l5$000 réis mensaes e estão sujeitos ao imposto do rendimento, direitos de mercê e outros encargos onerosos, acrescendo ainda a necessidade de se apresentarem decentes nas repartições a que pertencem, e de satisfazerem certos encargos, aos quaes os seus mesquinhos recursos não podem satisfazer. Desde o momento em que se lhes dão esses encargos, é necessario tambem que haja proporcionalidade nos seus vencimentos. Por isso acho de justiça este pedido.
Igualmente, sr. presidente, mando para a mesa, o projecto de lei que tem por fim organisar o quadro de archivistas do ministerio da guerra. Abstenho-me de ler o relatorio por ser bastante extenso, e se v. exa. e a camara me dispensam, leio só o projecto.
(Leu.)
Abstenho-me de fazer por esta occasião as considerações que este projecto merece, reservando-me comtudo para as fazer quando o projecto vier á discussão.
Sr. presidente, aproveito a occasião de estar com a palavra, para dizer a v. exa. e á camara que me associo completamente ao projecto de lei apresentado pelo meu amigo o sr. Bandeira Coelho, no qual se concede a reforma ao primeiro tenente de artilheria, Julio Alberto de Brito e Cunha.
Este official era um dos mais distinctos da arma de artilheria, e estancio a fazer uma experiência chimica, ficou completamente cego.
Eu entendo que os parlamentos se illustram quando remuneram serviços de individuos tão distinctos como este.
Na occasião em que o meu amigo e collega, o sr. Bandeira Coelho, apresentou o projecto, pedi logo a palavra, e seguidamente todos os dias o tenho feito, sem que ella me coubesse senão agora, para me manifestar sobre elle, por isso me associo ao requerimento do meu illustre amigo, e entendo que esta camara devo conceder a este official a remuneração que elle merece. Este official não tem o numero de annos suficientes para se poder reformar; mas, tendo perdido a vista na occasião em que estudava um aperfeiçoamento a introduzir na preparação do fulminato de prata, que tem applicação nas espoletas de guerra, e cujo fabrico está a cargo da arma de artilheria, é de toda a justiça que elle tenha uma reforma que o livre da miseria.
A camara deve conceder a este illustre official o mais que lhe seja possivel, attendendo á sua patente, e applicar o mesmo processo que applicou ao capitão Celestino Soares, que partiu uma perna, quando num picadeiro aprendia a andar a cavallo, sendo-lhe depois amputada, e por este acto reformado no posto de major, tendo apenas vinte e um annos de serviço.
O acto de justiça que a camara praticou para com este distincto official, deve igualmente praticar com o primeiro tenente Brito e Cunha, que soffreu um desastre ainda maior, quando estava procedendo á preparação do fulminato de prata, empregado nas espoletas.
Como muito bem disse o meu collega, o sr. Bandeira Coelho, este official poderia ter prestado optimo serviço á sua arma, se não fosse a fatalidade que o feriu.
Parece-me portanto de toda a justiça que, a exemplo do que se praticou com o capitão Celestino Soares, se deve proceder igualmente com o primeiro tenente Brito e Cunha. Creio, sr. presidente, que toda a camara concordará em que são muito attendiveis as rasões expostas, para que áquelle distincto official, que um lamentavel desastre privou da vista, seja concedida a reforma, muito embora não tenha, como já foi dito pelo sr. Bandeira Coelho, o numero de annos que a lei marca.
O sr. Jacinto Candido: - Sr. presidente, pedi a palavra, em primeiro logar para mandar para a mesa uma justificação de faltas do sr. deputado Fidelio de Freitas Branco, e em segundo logar porque desejava fazer algumas perguntas aos srs. ministro da fazenda e do reino, que sinto não ver presentes.
Peço a v. exa. me reserve a palavra, para formular as perguntas que desejo fazer, quando s. exas. estiverem presentes.
O sr. Alfredo Brandão: - Na ausencia do exmo. ministro da marinha, a quem principalmente queria dirigir-me, peço ao illustre ministro da guerra, que vejo presente, o favor de transmittir ao seu collega o pedido que vou fazer.
Ha dias, quando o exmo. ministro da marinha se referiu aos acontecimentos da Africa oriental, mostrou s. exa. desejos de recompensar e premiar os militares que se distinguiram na tomada de Tungue e no conflicto entre as tropas portuguezas e as do cheque da Matibane.
N'essa occasião referiu-se s. exa. a um soldado que perdeu um dos olhos, e a um guarda marinha que ficou ferido n'uma perna, mencionando-os como dignos de louvor e recompensa. Não serei eu que regateie o premio e o galardão devidos aos nossos militares, que prestam serviços valiosos e dedicados nas nossas colonias.
Mas não comprehendi bem se o sr. ministro da marinha indicara estes militares como os unicos dignos de louvor e recompensa, ou se tencionava ampliar estes louvores tambem aos que se tornaram distinctos rio desforço tomado pelas nossas tropas, e no castigo ao cheque de Matibane, castigo que devia preceder a paz e socego, annunciados pelo governador geral da provincia de Moçambique no
telegramma lido por s. exa. á camara.
N'este telegramma dizia-se que estava restabelecido o socego em Matibane, e que fôra substituido o tenente Ferreira pelo alferes Januario.
É por isso de presumir que o socego fosse restabelecido, depois de desaffrontada a bandeira portugueza, para se não suppor que a substituição do tenente Ferreira, commandante militar em Chaballa, foi o preço de uma paz menos honrosa, e mais um acto de servilismo das auctoridades portuguezas para com o cheque de Matibane.
E embora o commandante militar de Chaballa, que supportou a fome e resistiu ás hostilidades do cheque de Matibane durante muitos dias, fosse substituido, como já fora substituido o coronel Fornarini, que organisou a defeza em Inhambane e dirigiu a campanha contra os vatuas, não me parece que deixasse de ser um heroe, só porque a sua conservação no posto de honra que lhe fôra confiado era desagradavel aos potentados africanos.
E note v. exa., sr. presidente, e note a camara, que, ao referir-me a potentados africanos, quero fallar dos potentados pretos e dos potentados brancos, porque não são infe-

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lizmente estes ultimos os que têem a consciencia menos negra
É, pois, para os militares que se tornaram distinctos mantendo o nosso prestigio, por occasião da desforra que precisavamos tirar do revez que as nossas tropas soffreram em Matibane, que eu peço a devida recompensa, para que se não diga que premiamos os heroes da derrota e nos esquecemos dos da victoria. (Apoiados.)
Era este, como é facil de ver, um singularissimo procedimento, cujas naturaes consequencias viriam a ser o procurarem os defensores das nossas colonias antes deixar-se derrotar, para obterem uma recompensa, do que vencerem para se tornarem victimas de um castigo.
E depois, como é mais commodo, ou pelo menos mais facil o primeiro expediente, não será absurdo suppor que os nossos annaes ultramarinos, ultimamente tão enriquecidos por façanhas assombrosas e actos de uma heroicidade que excede toda a expectativa, só tenham de hoje em diante de historiar revezes e de apontar derrotas, o que seria bem triste para quem, como nós, tem tido tanto de que se ufanar e de que sentir vaidade, especialmente nestes ultimos tempos.
O sr. ministro da marinha referiu-se tambem aos heroes que se assignalaram na bahia de Tungue.
A tomada de Tungue foi um d'estes actos do valor, que só por si dão a medida da importancia e do poder de uma nação. Tanto mais, sr. presidente, que elle foi, contra o que ninguem podia suppor, inteiramente incruento.
Não houve mortos, nem feridos, nem contundidos sequer, nem consta que se d'esse facto algum desagradavel para as tropas portuguezas.
Ora, realmente, d'estas victorias completas e sem mancha de sangue, a historia não falla de muitas.
Podemos com orgulho reclamar para nós a honra desse feito de armas sui generis, e estampal-o desafogadamente n'uma das rarissimas paginas brancas dos nossos annuaes ultramarinos.
Mas só porque este feito de armas foi incruento, inofensivo e de uma commovente innocencia, bem merecem os heroes que n'elle tomaram parte o devido preito da nossa admiração e o galardão official.
Combater, e muito particularmente com tropas negras, e sem derramar sangue, é caso que assume proporções verdadeiramente epicas e quasi milagrosas.
Bom será, porém, que os actos de valor militar praticados nas nossas colonias não sejam apreciados por fórma que desprestigiem em logar de estimularem os nossos briosos militares, fazendo-lhes ver como ao presente está rebaixado o verdadeiro merito, e como ao mesmo tempo se premeiam actos de nenhum valor militar praticados sem nenhum risco.
E se é de justiça que aos heroes de Tungue e Matibane se distribuam recompensas, justo é tambem não esquecer os heroes de Inhambane; e é para lembrar os militares que se distinguiram pelo seu valor e coragem na ultima invasão e guerra dos vatuas n'este districto, que eu principalmente pedi a palavra.
V. exa. ha de recordar-se de um telegramma do governador geral de Moçambique, publicado na imprensa, que dizia assim:
. «30:000 vatuas (gente do regulo Gungunhama) invadiram este districto no dia 16; 10:000 soldados de caçadores dos regulos sujeitos á soberania portugueza eram pouco para impedir a invasão. Batidos duas vezes retiraram para uma distancia de 12 leguas da villa. Atacados ahi no dia 23 foram derrotados os inimigos. Estou acampado no logar da batalha esperando reforço de gente do sul para continuar a oppor resistencia.»
Isto é textual, e bem merece ficar archivado nos registos parlamentares para a historia das nossas proezas africanas e da nossa ingenuidade.
Ora o acontecimento relatado n'este telegramma, acontecimento que não tem na historia nenhum outro com que possa comparar se, (Apoiados.) para quem souber o que são guerras da Africa, não deve passar desapercebido.
V. exa. comprehende muito bem, assim como comprehende todo o paiz, o alcance de um triumpho obtido contra o potentado mais aguerrido da Africa oriental, triumpho em que 10:000 combatentes, depois de derrotados duas vezes por 30:000 vatuas, derrotaram os 30:000 vencedores. (Apoiados.)
Mas o que se não comprehende é que estes 10:000 heroes, e ninguem dirá que estamos pobres d'elles, successivamente derrotados e vencedores, sejam esquecidos quando são exaltados os actos do valor praticados em Tungue, onde as nossas tropas não soffreram o menor desgosto dos subditos do sultão de Zanzibar, que, receiosos da nossa valentia proverbial em terras de Africa, abandonaram previamente o terreno que nós em seguida valorosamente conquistámos, apenas com o dispendio de alguma polvora secca e com o susto dos peixes da bahia de Tungue, já deshabituados do estrondear da artilheria portugueza.
Por isso, sr. presidente, eu, apesar do apreço em que tenho estas apregoadas hcroicidades e do juizo que faço dos protogonistas d'essas terriveis tragedias, que não raro degeneram em ridiculas farças, benevolamente acolhidas pela brandura dos nossos costumes, e devidamente apreciadas e premiadas nas regiões officiaes para alimentar o nosso patriotismo, sem querer dizer que os que possuem verdadeiro e incontestado merito procedem de outra fórma, e sem me oppor a que se premeiem os que tantos esforços fazem para ser premiados, lastimaria muito que os louvores e recompensas não sejam distribuidos tanto aos que os solicitam e mandam recommendar e apregoar as suas façanhas, como aos que, sem protectores nem panegyristas, se tiverem distinguido nas guerras com os potentados da Africa oriental.
E lembro especialmente os 10:000 heroes de Inhambane, ou as preciosas reliquias d'estes heroes, que souberam, depois de derrotados por 30:000 vatuas, vencer e derrotar os seus vencedores. (Apoiados.)
Já se vê que o governador esteve acampado no logar da batalha, esperando reforço de gente do sul para continuar a oppor resistencia, segundo refere o telegramma.
E não é para estranhar aquelle meu desejo, quando os effeitos da guerra de Inhambane para o nosso prestigio foram tão portentosos, que os vatuas desappareceram por encanto durante algum tempo, e o proprio Gungunhama ficou tão assustado com a derrota, que não só tem continuado a ameaçar o districto de Inhambane, obrigando as forças portuguezas a estarem sempre em armas para resistirem a nova invasão, mas, como prova do seu arrependimento por ter invadido as nossas possessões, mandou uma embaixada a Lisboa, sómente para pedir perdão a Sua Magestade das suas culpas passadas.
Quando fallo nas invasões dos vatuas no districto de Inhambane, refiro-me aos vatuas subditos do Gungunhama, que assolaram este districto, e que foram derrotados pelas forças portuguezas no terceiro combate com estas forças.
Ainda actualmente o nosso districto de Inhambane está ameaçado pelos mesmos vatuas, mas, a avaliar pelas boas relações em que vivemos com o successor do Muzilla, principalmente depois da sua convivencia com o residente Casalleiro, director e inventor da primeira embaixada, que em boa logica se deve considerar apocrypha para não tirar a graça e o merecimento a segunda, e com as duas professoras que acompanharam o mesmo residente na sua peregrinação, é indubitavel que estas invasões e hostilidades não são auctorisadas pelo Gungunhama, como elle confessa em linguagem official, mas sim pelos seus cabos de guerra que elle não tem podido conter, senão depois de submetter á sua auctoridade differentes potentados do districto de Inhambanc, subditos do Rei de Portugal, que

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tinham ousado subtrahir se ao seu dominio e acolher-se á protecção da bandeira portugueza.
Entre estes citaremos para exemplo o regulo Binguana.
De tudo o exposto é facil concluir, não só que o Gungunhama é um dos mais fieis aluados da corôa portugueza, que já tem tantos e tão fieis, mas tambem que é um dos potentados africanos que mais civilisados estão.
Elle, pelo que se infere das suas desculpas e das suas justificações, sujeita-se já nos seus dominios a uma espécie de regimen constitucional, obedecendo, não á sua vontade pessoal e propria, como até agora toda a gente suppunha que procediam os despotas e regulos de Africa, mas ás indicações e imposições dos seus cabos de guerra, que são, ao que se afigura, os poderes legislativo e executivo d'aquelle governo.
Por isso o Gungunhama, presenteado com os subditos portuguezes, e educado com esmero muito especial pelos mestres do Casalleiro, comprehende muito bem a necessidade de mandar embaixador a Lisboa, e de pedir perdão da guerra que nos fez, e em que foi derrotado, segundo dizia o telegramma do governador de Moçambique, a que nos temos referido.
Posto isto, o meu pedido resume-se em que não sejam só contemplados com a munificencia official os heroes da derrota em Matibane, e do innocente, pacifico e incruento triumpho na bahia de Tungue, mas que sejam tidos na devida consideração os heroes do desaggravo em Matibane, e os heroes vencedores em Inhambane.
Isto não contraria os nossos processos coloniaes, nem sobrecarregará muito o orçamento.
É certo que a administração ultramarina accusa um deficit de 1.700:000$000 réis, na orçamentologia colonial, que se não póde dizer demasiadamente escrupulosa, e que o podemos elevar, sem perigo de sermos mentirosos, a uma cifra annual superior a 2.000:000$000 réis.
Mas que importa isso, se com elle se sustentam heroes de tal grandeza, e o paiz se illustra com façanhas de tamanha gloria?
E se os esforços que fazemos para aniquilar o deficit na metropole são justos e louvaveis, embora nos obriguem a penosos sacrificios, não é menos justo e louvavel que as colonias se encarreguem de o augmentar e avolumar annualmente por motivos tão ponderosos, e com tanta utilidade.
Aproveito a occasião, sr. presidente, para renovar a declaração que fiz n'uma das ultimas sessões, assegurando a v. exa. e á camara, que faço o melhor conceito da inteireza e honestidade do sr. ministro da marinha, e que alimento por isso a esperança de que s. exa. empregará com todo o empenho e com toda a dedicação os meios ao seu alcance para por cobro á vergonhosa administração das nossas colonias e ás farças ridiculas complacentemente toleradas pela nossa tradicional indifferença, e que tanto justificam a inepcia, a connivencia e a venalidade dos poderes publicos.
Bem sei que a empreza não é facil, porque a complicada engrenagem da machina da administração ultramarina trabalha com elementos seguros e proprios, e os seus movimentos estendem-se a todas as regiões officiaes.
Mas com tempo e boa vontade, e com o desejo que s. exa. necessariamente tem de não manchar o seu nome honrado, partilhando responsabilidades alheias e sanccionando actos que envergonhariam o partido progressista, estou certo de que muito fará a bem das nossas colonias.
Aproveito tambem a occasião para instar por que sejam remettidos a esta camara os documentos que pedi nas sessões de 30 de abril e 25 de junho, recommendando especialmente os que dizem respeito ao celebre protectorado de Ajuda, que têem uma certa auctoridade, e que preciso para mostrar ao meu paiz o que valem os heroes ultramarinos, como são premiados e avaliados em Lisboa, como devem ,
ser considerados aos olhos da nossa consciencia e no conceito das nações civilisadas da Europa, e qual é a base do nosso prestigio colonial, que tanto exalta o nosso patriotismo degenerado e palavroso, e em que os visionarios descobrem o germen do nosso engrandecimento futuro.
Peço a v. exa. que dê as providencias necessarias para que estes documentos sejam remettidos á camara com a possivel brevidade, para se não realizar a prophecia ou ameaça, que já me tem sido feita lá fóra, de que o meu pedido não é attendido por motivos pouco acceitaveis.
Resta-me fazer uma observação aos srs. tachygraphos.
Quando me referi n'uma das ultimas sessões á administração das nossas colonias e aos acontecimentos do Dahomey, não só se adulterou completamente o sentido das minhas palavras, mas inventaram-se nomes em que não fallei, e em que só fallo por necessidade, mas sempre com muita repugnancia.
Que isto succedeu quando fallei muito pelo claro, sem allusões nem ironias, melhor poderá succeder hoje que, para não dizer verdades amargas que podem molestar o patriotismo dos que fingem acreditar na seriedade e grandeza do nosso prestigio colonial, tive de recorrer a um estylo que me não é habitual, varrendo assim a minha testada sem melindrar ninguem, mesmo por estar convencido da inutilidade dos meus protestos perante um paiz que gosta de viver de illusões e de promessas.
E, para não haver duvidas com respeito ao sentido das minhas palavras, declaro que não faço elogios a quem os não merece; que não considero serias nem proveitosas as embaixadas africanas; que não tenho em grande conta as heroicidades ultramarinas, proclamadas e apregoadas pelos respectivos heroes e seus panegyristas; que não julgo sufficiente a nossa marinha e exercito de Africa para readquirirmos o prestigio a que devemos a conservação das nossas colonias, prestigio que temos quasi perdido, graças á falta de honestidade, de isenção e de patriotismo de grande parte dos funccionarios ultramarinos, e ainda ás condecorações, presentes e embaixadas; que me parece inadiavel uma expedição de tropas do continente a alguns pontos da africa, alem dos motivos que todos conhecem, para se não dizer que o nosso exercito, que nunca se recusará ao dever de defender o territorio portuguez seja aonde for, só serve para romarias, paradas e enterros; que a distincção entre dois exercitos e legislações n'um paiz pequeno, pobre e respeitador da ordem, e com a regularidade e facilidade de communicações que temos com as nossas colonias, só se explica pelo velho systema de nos enganarmos com grandezas que não podemos ter; que é de absoluta necessidade a separação do ministerio da marinha do ministerio do ultramar, a organisação do ministerio do ultramar em bases novas, e uma syndicancia rigorosa e seria ás nossas possessões ultramarinas; e finalmente, que as nossas colonias, com a sua actual organisação e administração, e com os recursos de que dispomos, são apenas objectos de luxo dispendiosissimos, que nos impossibilitam de regularisar as nossas finanças, que alimentam o nosso descredito perante o mundo civilisado, e que em logar de serem a base do nosso engrandecimento futuro, serão fatalmente a origem dos maiores desastres para a metropole, se de prompto não mudarmos de vida, ou, limitando as despezas das colonias aos seus proprios recursos para ao menos não subcarregarem a metropole, que mal póde já comsigo, ou alienando alguma das nossas possessões ultramarinas para com o producto colonisarmos devidamente as restantes.
De outra sorte seguiremos o exemplo e teremos o destino dos nossos previdentes morgados, que, para conservarem intacto o seu patrimonio hereditario e não mancharem os seus brasões, preferem possuir o que não sabem nem podem administrar até que a usura e a agiotagem se encarreguem da liquidação dos seus haveres.
Fica assim lavrado o meu protesto, e feita a segunda

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rectificação ao extracto da sessão de 25 de junho na parte que me diz respeito.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Em resposta ás obsevações do illustre deputado, tenho a dizer a s. exa. que communicarei ao meu collega da marinha as observações que acaba de fazer com relação á marinha e ultramar.
Posso affiançar a s. exa. que o governo tem muito a peito premiar devidamente todos os officiaes que se distinguiram, não só nos acontecimentos da bahia de Tungue, mas em todas as occasiões em que tem sido necessario provar o valor das armas portuguezas, tanto contra o gentio, como contra todos aquelles que pretendem alterar a ordem publica, invadindo os nossos territorios com offensa da dignidade nacional em qualquer das nossas colonias das provincias ultramarinas.
Não é só conveniente premiar devidamente os individuos que se distinguiram n'esta occasião, mas é ao mesmo tempo um dever, cujo desempenho nos é grato, premiar os serviços distinctos feitos ao paiz.
Portanto, pode s. exa. ficar certo, de que não serão esquecidos todos os serviços prestados recentemente nas nossas colonias, ou em favor da integridade do nosso territorio, ou em desagravo da dignidade nacional momentaneamente offendida; mas para isso é necessario que haja conhecimento cabal dos acontecimentos, e que haja, ou proposta dos respectivos governadores d'aquellas colonias, ou informações que habilitem o governo a proceder sem hesitação e sem duvida.
S. exa. não póde estranhar que, não havendo informações officiaes ácerca de officiaes ou praças a que s. exa. se tenha referido, por se terem tornado distinctos por qualquer modo nas nossas colonias, a respeito d'elles haja uma certa demora em premiar quaesquer serviços; mas esteja certo o illustre deputado, que com relação aquelles de que houver informações cabaes, o governo, por iniciativa do ministerio do ultramar, se desempenhará d'esse dever, que lhe é extremamente grato.
Tenho dito.
O sr. Oliveira Valle: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Arroyo: - Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo ministerio da fazenda.
Desejava dirigir ao sr. ministro do reino algumas perguntas relativamente á demissão de um sub-delegado de saude do Porto.
Como o sr. ministro não está presente, peço a v. exa., sr. presidente, que inste com s. exa. para que compareça na camara antes da ordem do dia num dos proximos dias, para me responder; e no caso de s. exa. comparecer ainda hoje antes da ordem do dia, peço a v. exa. que me conceda então a palavra.
O sr. José Maria de Andrade: - Mando para a mesa uma representação dos povos da villa e freguezia do Torrão, pedindo que seja ali constituido um novo concelho.
Mando tambem para a mesa um projecto de lei, constituindo o concelho que aquelles povos pedem.
Não me competia a mim apresentar este projecto de lei e esta representação; pertencia ao illustre deputado por aquelle circulo o fazer esta apresentação, mas este cavalheiro está ausente e pediu-me para eu mandar para a mesa estes documentos.
N'estes termos não se dá a circumstancia a que alludiu ha pouco o meu illustre collega e amigo o sr. Oliveira Valle; ha a ausencia e ha o pedido d'aquelle illustre deputado.
O sr. Jacinto Candido : - Sr. presidente, agradeço a v. exa. o ter-me concedido a palavra, que eu tinha pedido para quando estivesse presente, ou o sr. ministro da fazenda ou o sr. ministro do reino, porque a qualquer das pastas diz respeito o assumpto de que desejo occupar-me.
E sobre elle já mandei especialmente um requerimento para a mesa pedindo todos os esclarecimentos e troca de correspondencia official havida entre o governo e o governador civil ou a auctoridade superior do districto do Funchal.
O assumpto diz respeito ao estado em que se encontra aquelle porto, e para elle peço especialmente a attenção do sr. ministro da fazenda, porque no Funchal, como a camara sabe, permanece o regimen da isenção dos direitos de importação do milho estrangeiro.
Ora esta medida foi determinada por uma crise alimenticia que appareceu n'aquella ilha, e o governo usou d'essa faculdade para attender de prompto ás necessidades da alimentação publica.
Mas esse estado de crise desappareceu completamente, e todavia aquella medida extraordinaria persistiu e persiste.
Este estado de cousas é altamente prejudicial, como facilmente se comprehende, não só á propria agricultura local, de que eu não me occupo, porque ahi estão os dignos representantes d'aquelle circulo que melhor tratarão d'isso, mas tambem é prejudicial aos Açores que ali encontravam, um mercado importador dos seus generos e que actualmente está fechado.
Desejava eu, portanto, que o sr. ministro da fazenda me d'esse explicações sobre este assumpto, e como elle diz respeito á suspensão de direitos de importação, s. exa. deve estar ao facto de toda a correspondencia official, e deverá saber a rasão porque esta medida permanece, depois da desapparição do estado que a provocara.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para dizer ao illustre deputado, que por hoje não posso dizer senão que não tenho idéa alguma sobre o facto a que s. exa. alludiu. Mas eu procurarei na secretaria a correspondencia que lá houver a esse respeito, e amanhã d'ella darei couta a s. exa. e á camara.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 145, sobre a fixação de forças de terra

O sr. Serpa Pinto: - (O discurso será publicado quando s. ex. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Avellar Machado: - Não vou impugnar o projecto; e farei apenas brevissimas considerações mais em relação ao que disse o meu amigo e camarada o sr. Serpa Pinto, do que propriamente a proposito do parecer em discussão.
Eu entendo que a proposta do governo, que serviu de base ao projecto de lei que se acha na tela do debate, era completamente desnecessaria. O decreto com força de lei de 30 de outubro de 1884 estabeleceu o effectivo do nosso exercito em pé de guerra e não determinou qual deveria ser o effectivo em pé de paz, porque estatuiu que fosse fixado annualmente pela camara na lei do orçamento. Desde o momento em que no orçamento do estado se acha já fixado qual o numero de praças de pret que devem constituir o effectivo em pé de paz no actual anno economico, não vejo a necessidade de por nova repetição, escusada, apresentar á apreciação da camara este projecto.
(Interrupção.)
A lei do orçamento é uma lei ordinaria e que vigora como qualquer outra, dentro do praso que lhe é fixado; ora o decreto de 30 de outubro de 1884 determinou que o effectivo de paz em cada anno fosse fixado na lei do orçamento, logo é claro e evidente que é completamente desnecessario este projecto, visto havermos já votado a lei de meios, pondo em vigor no actual anno eco-

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nomico o orçamento que vigorou no anno economico anterior, com pequenas modificações. Comprehendo perfeitamente que o sr. ministro da guerra apresentou esta proposta de lei á sancção parlamentar por um escrupulo constitucional que eu muito louvo e applaudo, afastando-se assim do procedimento dos seus collegas, que só pensam em desauctorisar o parlamento, usurpando-lhe as funcções consignadas no codigo fundamental por que se rege este paiz.
Emquanto ás considerações feitas por alguns dos meus collegas a respeito do recrutamento, eu direi que não concordo com o systema actualmente em vigor, e que as modificações introduzidas na legislação anterior pela lei eleitoral, fructo do decantado accordo do partido progressista com o regenerador, pouco ou nada melhoraram este importantissimo ramo de serviço, base indispensavel da existencia de um exercito convenientemente organisado, instruido e disciplinado.
Não ha muito tempo ainda que um distincto governador civil de um districto insulano, do districto da Horta, (porque o não hei de dizer?), instado para que fizesse cumprir á risca a lei do recrutamento, respondeu ao ministro do reino da maneira mais franca e sincera, estabelecendo o seguinte dilemma: de duas uma; ou v. exa. quer deputados ou recrutas, porque deputados e recrutas ao mesmo tempo não póde ser (Riso). E o ministro respondeu-lhe que mandasse deputados, e o districto da Horta até hoje não tem satisfeito nem á millesima parte do contingente militar.
E isto, pouco mais ou menos, succede tambem nos districtos do norte do reino.
Contam até as gazetas, e está averiguado ser verdade, que na ultima inspecção de recrutas que teve logar no districto de Villa Real foram apresentadas ajunta revisora as relações que continham os nomes dos membros do concelho de Alijó, que iam ser inspeccionados, contendo já em frente de cada nome as indicações de apurados, rejeitados ou esperados, conforme a vontade suprema da auctoridade, sendo necessario que um distincto cirurgião militar, o dr. Torres, se me não engano, levantasse um protesto energico contra tão indecoroso procedimento attentorio da sua dignidade e dos seus brios, para que a tramoia projectada deixasse de surtir effeito.
E o que teria acontecido a este honrado militar e brioso facultativo se na pasta da guerra estivesse outro ministro que não fosse o sr. visconde do S. Januario, que, honra lhe seja, tem tido o patriotico intuito de não fazer politica com o exercito?
O menos que lhe teria acontecido, por cumprir com o seu dever, seria talvez a demissão da commissão, e a transferencia para qualquer corpo das ilhas, a exigencias do governador civil, ou de qualquer influente eleitoral.
Já vê v. exa. que hoje mesmo, e apesar das modificações que o partido regenerador fez na lei do recrutamento, para acautelar o mais possivel a genuidade das operações do mesmo recrutamento, ainda não foi possivel
subtrahil-o á influencia nefasta das auctoridades administrativas, que exijem que as juntas sejam compostas de individuos que se submetiam aos seus caprichos, e ás suas exigencias, tudo acobertado com o manto da politica. E ha de acontecer assim emquanto os ministros da guerra não fizerem ouvidos de mercador ás imposições dos governadores civis, nomeando para as commissões de exame dos recrutas officiaes e facultativos da sua confiança, e collocando-os completamente independentes da nefasta influencia das auctoridades administrativas, subtrahindo os ás mesquinhas vinganças de alguns pachás dos districtos.
Emquanto não estiver em vigor o serviço militar obrigatorio, emquanto o governo não tirar ás auctoridades administrativas a sua perniciosa, ainda que indirecta, interferencia na composição das juntas de revisão, emquanto o recrutamento não for feito unnica e exclusivamente pela auctoridades militares, os resultados hão ser sempre os mesmos approximadamente.
Infelizmente a politica serve-se de todas as armas; e ora se eleva ás mais altas concepções, ora desce até ás mais pequenas cousas; intromette se em tudo e em toda a parte, não lhe escapando, já se vê, o apuramento dos mancebos para o exercito.
Que a camara vote 8:000, 10:000 ou 12:000 homens para o contingente annual do exercito creia v. exa., sr. presidente, e creia-o o nobre ministro da guerra, que com o actual systema de recrutamento jamais lograrão ver a tempo e a horas, nas fileiras, os respectivos contingentes votados pelo parlamento.
Com o actual processo de recrutamento difficilmente podemos ter em armas a força necessaria para as necessidades da instrucção, porque muitos districtos, principalmente os, do norte e os dos Açores, não dão nem metade, nem mesmo muitas vezes um terço dos recrutas com que, por lei, eram obrigados a contribuir.
Mas a maior injustiça que se pratica, e muitas vezes determinada por urgencia impreterivel do serviço, é ter de mandar dar passagem para os corpos aquartelados nos districtos, incorrigiveis na falta de cumprimento da lei do recrutamento, as praças dos corpos de quartel nos districtos que são exemplares no pagamento de tão pesado tributo. (Apoiados.)
O sr. ministro da guerra sabe muito bem a verdade do que acabo de expor, e ainda não ha muito tempo que, contra sua vontade, teve de mandar reforçar alguns dos corpos do exercito com praças que pertenciam aos regimentos localisados em circumscripções administrativas irreprehensiveis no cumprimento das leis de recrutamento.
Foi assim que do Funchal foram mandadas passar á guarnição da capital duzentas praças de pret, e analogamente de outros corpos que se achavam com maior
effectivo, muitas praças foram deslocadas para outros em que esses effectivos eram insignificantes.
O que isto prova é que é indispensavel um remedio prompto para este estado de cousas, evitando-se que os districtos modelos no pagamento do tributo chamado ainda hoje de sangue, apesar que impropriamente, como são os de Santarem, Portalegre, Leiria, Faro, Funchal, etc., vão pagar o criminoso desleixo de outros, taes como os de Braga, Vianna, Porto, Horta, etc.
Emquanto ao limitadissimo numero de praças de pret que n'este projecto se estabelece como effectivo de paz para o exercito, eu lamento, como militar e como deputado da nação, que apenas possamos dispor de tão pequeno numero de soldados para distribuir pelos regimentos que possuimos, porque actualmente 21:000 ou mesmo 24:000 homens dão apenas um effectivo ridiculo para cada uma das unidades administrativas, principalmente se attendermos ao fraccionamento quasi incrivel de tão limitada força por um numero extraordinario de destacamentos, esparsos por todas as terras do paiz, e do não menor numero de diligencias que á ordem dos governadores civis e dos administradores de concelho percorrem o reino em todos os sentidos.
Eu preferia, se fosse possivel, que n'umas epochas do anno, durante quatro ou seis mezes, se recolhessem todos os destacamentos e diligencias, e que elevada a força do exercito a 35:000 ou 40:000 homens, se lhes ministrasse a devida instrucção, já nos locaes dos aquartelamentos, já nos campos de manobra, e nas escolas de applicação.
Nos restantes mezes do anno poder-se-iam realisar grandes licenceamentos, harmonisando assim de uma maneira mais conveniente as necessidades do exercito e da agricultura com as urgencias do thesouro.
Não é, a meu ver, extremamente difficil conciliar a instrucção do exercito que só se póde realisar quando os regimentos possuam os devidos effectivos, com a pobreza do thesouro, e com as justificadas exigencias de um paiz

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essencialmente agricola como é o nosso. Já no tempo do celebre conde de Lippe estes principies tiveram entre nós uma realisação pratica, e muitas nações guerreiras, e entre ellas a França, põem annualmente em pratica tão salutares principios, e que tanto se compadecem com as urgencias do thesouro, e com as justificadas exigencias dos lavradores.
Seria mais facil realisar este pensamento se nós podessemos ter, como acontece em outras nações, uma guarda policial ou gendarmeria bem organisada. Emquanto não tivermos essa gendarmeria e o exercito for occupado nos serviços que a ella especialmente competem, nunca poderemos ter uma força armada á altura a que a nação tem direito de exigir, e em harmonia com a despeza que faz com tão indispensavel instituição.
Eu, que nada valho, mas que me acho animado das melhores intenções, peço ao governo que vá pensando na organisação de uma guarda, visto que hoje, segundo aqui se tem asseverado por parte do sr. ministro da fazenda, as condições financeiras do paiz são cada vez melhores, podendo mesmo reputar-se excellentes, com o que eu muito folgo.
Precuro o governo pelos meios ao seu alcance reformar o serviço de policia e das guardas municipaes e organisar com brevidade e perfeição uma gendarmeria á altura de bem desempenhar o seu importante papel, e creia que terá bem merecido do exercito, que será assim libertado de muitos serviços absolutamente improprios de tão levantada instituição.
Todos sabem que as guardas municipaes de Lisboa e Porto não satisfazem ao fim para que foram creadas, apesar de não ser pequena a despeza que com ellas se faz. Convenientemente modificada a sua organisação, e generalisada depois esta instituição, poderemos alcançar, com um sacrificio relativamente pequeno, quando o comparâmos com os grandes beneficios a colher, que em breve tenhamos um corpo de policia e segurança, modelo na sua organisação e nos seus elementos constitutivos.
Apresento estas considerações, que por emquanto poderão ser julgadas quasi que como utopias, mas que irão calando pouco a pouco no animo dos srs. ministros e de toda a camara, até que chegue o dia em que fatalmente serão postas em pratica.
Vejo que a camara está animada dos melhores desejos de discutir as importantes propostas do sr. ministro da guerra, algumas das quaes já têem parecer das respectivas commissões, e é de suppor que sejam submettidas brevemente á discussão; e desde já declaro a v. exa. que hei de expor sobre ellas a minha humilde opinião, com a independencia e imparcialidade com que o costumo fazer, concluindo por approvar aquillo que me parecer justo, e em harmonia com as necessidades do exercito, a que me honro de pertencer, sem que de modo algum entre como factor, n'essa apreciação, a minha posição politica n'esta casa. Mais uma vez declaro á camara que nas questões militares, e nas que interessam á agricultura, apoiarei energicamente até os meus mais intransigentes adversarios politicos, se alguma cousa de util apresentarem á sancção do parlamento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Luiz José Dias: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara, se julga a materia suficientemente discutida.
Assim se resolveu.
Em seguida foi approvado o projecto,
Leu-se na mesa o projecto n.° 136. É o seguinte.

PROJECTO DE LEI N.° 136

Senhores. - A vossa commissão de guerra foi presente a proposta de lei do governo, n.° 104-A.

Considerando que se torna urgente organisar os quadros do pessoal que vence feria em serviço no deposito do material de guerra e estabelecimentos fabris do commando geral de artilheria, e bem assim modificar as tabellas dos vencimentos do mesmo pessoal, visto vigorar ainda o decreto com força de lei de 13 de dezembro de 1869, e é de justiça tornar definitiva a classificação de provisoria dada á officina de cartuchame, e extensivo ao pessoal do commando geral de artilheria o direito á reforma, sendo esta egulada nos termos do decreto de 17 de julho de 1886:
É a vossa commissão de parecer que deve ser convertido em lei o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E o governo auctorisado a organisar os quadros do pessoal que vence feria, em serviço no deposito geral de material de guerra e estabelecimentos fabris do commando geral de artilheria, e bem assim a modificar as tabellas dos vencimentos do mesmo pessoal, sem que haja augmento de despeza, ou seja reduzido o vencimento dos actuaes operarios e mais empregado?
Art. 2.° Os operarios que á data do decreto de 17 de julho de 1886 não tinham ainda direito á reforma, ser-he-ha esta regulada nos termos do referido decreto.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, 27 de junho de 1887. = E. X. de Sousa e Serpa = E. J. Goes Pinto = Francisco José Machado = Antonio Eduardo Villaça = Manuel Maria de Brito Fernandes = Joaquim Heliodoro da Veiga = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = Antonio José Pereira Borges = Marianno Presado = Luiz de Mello Bandeira Coelho.

N.° 104-A

Senhores. - O notavel incremento que, a partir do anno de 1869, tem adquirido entre nós a fabricação do material de guerra, creou a necessidade de alterar as disposições do decreto com força de lei do 13 de dezembro d'aquelle anno, que ainda hoje rege os estabelecimentos fabris do commando geral de artilheria. O maior desenvolvimento dado ao fabrico das bocas de fogo de bronze e dos projecteis, pela acquisição de novas machinas, a creação da officina de cartuchame metallico e a ampliação da de capsularia que lhe ficou annexa, os processos modernos introduzidos na factura das novas polvoras de guerra, tudo leva a alterar a constituição dos quadros do pessoal fabril para satisfazer ás exigencias do serviço actual, tornando ao mesmo tempo extensivos ao pessoal das novas officinas as vantagens concedidas no supracitado decreto aos operarios então existentes.
A classificação de provisoria dada á officina de cartuchame metallico desde a sua creação em 1872 prejudica o futuro do pessoal que lhe pertence, visto como no estado actual das cousas os operarios d'aquella officina, uma das mais importantes dos estabelecimentos fabris, não têem direito á reforma que a lei concede aos seus companheiros de trabalho.
N'estas circumstancias torna-se de evidente necessidade proceder a uma revisão completa dos quadros do pessoal que vence feria, empregado no deposito geral do material de guerra e nos estabelecimentos fabris do commando geral da artilheria, bem como dos jornaes que lhe foram arbitrados pelo decreto com força de lei de 13 de dezembro de 1869.
Para attender a esta importante lacuna no serviço do ministerio a meu cargo, tenho a honra de entregar ao vosso esclarecido exame a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a organisar os quadros do pessoal que vence feria, em serviço no deposito geral de materia de guerra e estabelecimentos fabris do commando geral de artilheria, e bem assim a modificar as tabellas dos vencimentos do mesmo pessoal, sem que haja augmento de despeza, ou seja reduzido o vencimento dos actuaes operarios e mais empregados.
Art. 2.° Os operarios que á data do decreto de 17 de

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julho de 1886 não tinham ainda direito á reforma, ser-lhes-ha esta regulada nos termos do referido decreto.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 31 de maio de l887. = Visconde de S. Januario.
Foi approvado sem discussão.

Leu-se na mesa o projecto n.° 144. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 144

Senhores. - A vossa commissão de estatistica foi presente a proposta de lei n.° 119-B, a qual tem por fim estabelecer que o proximo recenseamento geral da população, no continente do reino e ilhas adjacentes, tenha logar no anno de 1890, em mez e dia opportunamente designados pelo governo, preceituando ao mesmo tempo que os futuros recenseamentos se realisem de dez em dez annos.
Dois principios consigna a proposta do governo: o dos censos decennaes, e o da sua realisação em annos cuja terminação seja zero.
O primeiro principio estava consagrado, entre nós, no artigo 2.° da carta de lei de 15 de março de 1877; e já anteriormente, em 30 de maio de 1863, fôra apresentada pelo governo de então á deliberação da camara dos senhores deputados uma proposta de lei visando ao mesmo fim, que, comtudo, não foi convertida em lei, apesar de approvada pelas respectivas commissões, em consequencia do encerramento das côrtes.
Na Gran-Bretanha, na Belgica, na Hollanda, na Noruega, na Italia, etc., desde muito está em pratica o periodo decennal dos censos. Na França, como na Allemanha, o periodo é ainda menor.
Procedendo assim, não fizeram estes paizes mais que obedecer ás deliberações tomadas pelos differentes congressos internacionaes de estatistica, nomeadamente o de S. Petersburgo, realisado em 1872.
Hoje, em toda a parte, a estatistica constituo o mais eloquente depoimento ácerca da vida social dos povos, e o seu ramo mais importante é por sem duvida o que só refere ao movimento da população dos estados, justamente considerada a mais segura bitola por onde aferir a prosperidade de um povo.
E se por um lado se tem considerado como perfeitamente acceitavel o período de dez annos para a execução de tão importante quanta delicada operação, em que se faz mister despender quantias avultadas a fim de que tenha o cunho de verdade e rigor, que são requisitos indispensaveis; claramente se evidenceia tambem que para desejar fôra, que em todos os paizes se fixasse o mesmo anno para se levar a effeito o censo da população, porquanto só assim se poderiam fazer as comparações internacionaes sobre o movimento das populações.
Foi n'este intuito que os congressos internacionaes de estatistica deliberaram e emittiram o voto de que os recenseamentos se realisassem em annos representados por numeros, tendo zero por algarismo das unidades. A tal deliberação accederam já muitas das nações cultas da Europa, e á vossa commissão apraz citar-vos, entre outras, a Suissa, a Belgica e a Allemanha.
O primeiro recenseamento da população de Portugal no continente do reino e ilhas adjacentes, teve logar no dia 31 de dezembro de 1863, e o segundo no mesmo dia e mez do anno de 1877, mediando pois entre os dois um lapso de tempo de quatorze annos.
Segundo as disposições da lei de 15 de março de 1877, teria logar o novo censo da população em 31 de dezembro do corrente anno.
A vossa commissão de estatistica, reconhecendo toda a importancia dos inqueritos respeitantes á população, entende a occasião azada para, com a approvação da presente proposta de lei, se realisarem no nosso paiz tambem os votos emittidos pelos congressos sobre tal assumpto.
De accordo com o governo julga tambem á vossa commissão que é conveniente a inserção na lei de um paragrapho em que se estabeleça o modo como se definirá o encargo, que ás camaras municipaes compete, de concorrer para as despezas do recenseamento.
N'estes termos, é a vossa commissão de estatistica do parecer que a proposta de lei do governo deve ser convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Proceder-se-ha, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, de dez em dez annos, ao recenseamento geral da população no continente do reino e ilhas adjacentes.
§ 1.° O primeiro recenseamento terá logar no anno de 1890, no mez e dia que o governo determinar.
§ 2.° a governo fará inserir nos orçamentos relativos aos annos em que deverem realisar-se os recenseamentos, as verbas com que o estado houver de concorrer para a execução d'este serviço.
§ 3.° O governo decretará a quota parte com que, nos termos do codigo administrativo, cada camara municipal houver do contribuir para as despezas de retribuição aos agentes do recenseamento no respectivo concelho.
§ 4.° Serão decretados em diploma especial os regulamentos e instrucções necessarios para a execução d'esta lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 1 de julho de 188 = Ernesto Madeira Pinto = Alfredo Pereira = Augusto Pinto de Miranda Montenegro = Miguel Antonio da Silveira = Ernesto Julio Goes Pinto = Antonio Eduardo Villaça, relator = Têem voto do sr.: Isidro dos Reis.

N.º 119-B

Senhores. - A proposta de lei, que temos a honra de submetter á vossa illustrada apreciação, estabelece que seja realisado o recenseamento geral da população no anno de 1890, no continente do reino e ilhas adjacentes, preceituando ao mesmo tempo que taes recenseamentos se realisem de futuro de dez em dez annos. Procedendo assim, seguimos o exemplo de grande parte de nações cultas, onde taes principios receberam já plena consagração, como tambem assentimos aos votos emittidos em diversos congressos internacionaes de estatistica, e á deliberação tomada especialmente no congresso de S. Petersburgo, em que Portugal foi officialmente representado.
A proposta de lei apresentada á camara dos senhores deputados em 30 de maio de 1863, fixando o dia 31 de dezembro do mesmo anno para se levar a effeito o recenseamento geral da população do continente do reino o das ilhas adjacentes, estatuia já o preceito dos censos decennaes. Tal proposta, porém, apesar dos pareceres altamente favoraveis das commissões de fazenda, legislação e estatistica, na o logrou sequer ser discutida, em consequencia do encerramento das côrtes. Facto é que, não obstante, se realisou na epocha acima designada, o primeiro recenceamento geral da população propriamente digno d'este nome. Seguiu-se um lapso de quatorze annos até 31 de dezembro de 1877, em que teve logar o segundo censo. A carta de lei de 15 de março d'este anno preceituou o periodo decennal para os recenseamentos, fixando aquelle dia para realisação do segundo censo.
Se o periodo de dez annos se póde considerar justamente acceitavel para a realisação d'estes grandes inqueritos, sem duvida os mais importantes de todos aquelles a que um povo tem que proceder, verdade é tambem que só a fixação do mesmo anno para se levarem a effeito os recenseamentos nos diversos paizes permittirá as comparações internacionaes, base indispensavel para a resolução acerbada de muitas questões sociaes e economicas de subida importancia.
É a este duplo fim, já realisado em tantos paizes, vivamente aconselhado pelos congressos, que visa a seguinte

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proposta de lei, que temos a honra de apresentar ao vosso alevantado criterio.
Artigo 1.° Proceder-se-ha, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, de dez em dez annos, ao recenseamento geral da população no continente do reino e ilhas adjacentes.
§ 1.° O primeiro recenseamento terá logar no anno de 1890, no mez e dia que o governo determinar.
§ 2.° O governo fará inserir nos orçamentos relativos aos annos em que deverem realisar-se os recenseamentos, as verbas com que o estado houver de concorrer para a execução d'este serviço.
§ 3.° Serão decretados em diploma especial os regulamentos e instrucções necessarios para a execução d'esta lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 17 de junho de 1887. = José Luciano de Castro = Marianno Cyrillo de Carvalho = Emygdio Julio Navarro.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Pedi a palavra sobre este projecto, unicamente para pedir um esclarecimento ao sr. ministro das obras publicas.
Desejava que s. exa. me dissesse qual o motivo de certo muito ponderoso, porque se prorogou para 1890 o praso para a feitura do recenseamento da população, que devia ter logar no fim do actual anno, parecendo-me até que havia já um certo numero de trabalhos bastante adiantados para se proceder ao recenseamento.
Naturalmente, repito, havia de haver rasões ponderosas para que se adiasse esse trabalho, que, como s. exa. sabe, e a camara tambem não ignora, tem uma grande importancia, por isso que ha um certo numero de disposições legislativas que não podem com certeza ter uma base solida, sem que saibamos um certo numero de circumstancias que só fornece este recenseamento.
Desejava portanto ouvir as explicações de s. exa. a este respeito.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Segundo a lei actual, o governo tinha obrigação de proceder este anno ao recenseamento geral da população offereceram-se porém varias difficuldades para isso se conseguir, sendo uma d'ellas, que estando já occupado um grande numero de pessoal com o inquerito agricola, não só se tornava necessaria uma duplicação d'esse pessoal, como tambem uma maior despeza, a fim de que o recenseamento se podesse realisar em condições satisfactorias.
Por outro lado, sendo certo, que o periodo decennal dos censos é o melhor para se fazer o recenseamento geral da população, dá-se a circumstancia de que o governo deseja obedecer ás deliberações tomadas nos differentes congressos internacionaes de estatistica, e nomeadamente pelo de S. Petersburgo em 1872, para que os recenseamentos geraes, de população se façam em annos que terminem em zero. É por isso que o governo vem agora com este projecto pedir para transferir a realisação do recenseamento para o anno de 1890, ficando depois a fazer-se de dez em dez annos.
Portanto o projecto tem por fim: primeiro, satisfazer a hypothese indicada no congresso de S. Peterburgo; segundo obviar á difficuldade que existe em se fazer este anno o recenseamento geral da população.
São estas as explicações que tinha a dar ao illustre deputado.
Foi approvado o projecto.
Entrou em discussão o projecto n.º 134.
É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 134

Senhores. - Favoreceu-nos a natureza dando-nos um dos mais amplos e magestosos portos do mundo, saibamos aproveitar-nos de tão grande vantagem. Emquanto na
grande maioria das nações de ha muito se envidam todos os esforços para attrahir a corrente commercial, já emprehendendo successivos trabalhos, e em algumas por vezes collossaes, para corrigir as más ou pouco boas condições dos seus portos, já tomando sabias providencias legislativas, nós temos permanecido quasi indifferentes a este movimento, confiados nas especiaes condições do nosso porto de Lisboa. Vamos felizmente sair d'esta bem prejudicial inactividade.
A proposta do governo, n.° 119-C, para a creação de portos francos, um na nossa capital, outros em algumas das nossas ilhas, tem-na as vossas commissões reunidas de fazenda e obras publicas, que com todo o cuidado a examinaram, como mais um passo n'este caminho.
Não se dictam leis ás tendencias commerciaes; determinam-se ellas por variadissimas circumstancias, e é sem duvida teimosia injustificavel o querer luctar contra o que são «relações necessarias derivando da natureza das cousas». Comtudo, se de algumas nações aponta a sua historia difficeis momentos por terem querido, a todo o transe e mau grado o conselho de continuas decepções, alargar excessivamente o seu commercio, muitos mais exemplos se podem citar das que, á força de prudencia e acerto, têem conseguido attenuar quanto lhes impedia o desenvolvimento mercantil. Mas quando tudo parece disposto para dar, a um paiz inquestionavel supremacia no commercio maritimo: - possessões collocadas nas mais percorridas derrotas commerciaes, um porto, que tem a affirmação das suas realmente extraordinarias bondades naturaes em ellas por si só lhe terem sustentado o movimento e a vida que ainda hoje tem, taes circumstancias physicas e topographicas, as quaes não exigem remedio, mas apenas pedem auxilio,
tornam-lhe a tarefa simples, e por isso mesmo menos perdoavel o descuido.
As condições economicas de que depende o futuro do nosso commercio são variadissimas; fugiram, porem, sem duvida entre as primeiras, pelo valor o alcance, a facilidade da entrada e da saída, da carga e da descarga dos navios, o que se não consegue sem libertar muito possivel estas operações de morosidade, complicações e despendios, que tanto afugentam o commercio como o contrario o attrahe.
Alongar o tempo e encurtar as distancias é o problema economico da actualidade, para cuja solução se pede o concurso de todo o saber humano. Viver mais em igual periodo de tempo é a synthese d'aquellas duas formulas, que se traduzem, praticamente pelo aperfeiçoamento, das industrias e a facilidade das trocas, por tudo que augmente a producção e colloque em relações directas, em contritto, por assim dizer, immediato, productor e consumidor. Empecer isto por qualquer meio, é perder tempo, inutilisar forças e, portanto, destruir riqueza; o movimento, só do movimento se origina, e este é o unico fautor d'aquella.
Transportando para a pratica estes principios, as nações que seriamente cuidam em assegurar um desenvolvimento normal e duradouro ao seu commercio, apparelham os portos, alongam-lhes quanto podem a linha dos caos acostaveis, marginam-nos de vias ferreas, cercam-nos de telheiros, barracões e armazéns, cavam-lhes bacias de resguardo e docas de reparação. Com um simples passo vae se de terra para bordo, o taipal do wagon encosta á amurada do navio. Um guindaste manda a corrente ao porão buscar a mercadoria, ergue-a, fal-a girar e ou a larga sob o telheiro, ou a poisa sobre a carroça ou a mette dentro da wagon, emquanto outro vae enchendo o convez do mesmo barco da nova carga que elle ha de conduzir. É que o transporte é um meio e não um fim; parado é inutil.
Por isso, ainda tanto não basta.
A França, que tem portos, como o de Marselha, guarnecidos com um rico material; a Belgica, que tem em Anvers o rival victorioso do Havre; a Hollanda, que hoje concentra

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em Rotterdam as suas attenções; a Italia, que ameaça com Genova o futuro commercial de Marselha; entenderam que todas e as melhores condições materiaes seriam insufficientes, se preceitos administrativos ou fiscaes obrigassem os navios a demorar-se nos portos mais do que o tempo estrictamente indispensavel ás necessidades do commercio.
Assim a França concedeu ás docas o deposito real e ainda a certas companhias o considerar-lhes os armazens, para todos effeitos, como o proprio navio; a Belgica e a Hollanda deram, a primeira aos seus depositos publicos, a segunda aos seus armazens geraes (que não devem confundir-se com os magasins généraux francezes) largas liberdades fiscaes, e a Italia estabeleceu que nenhuma formalidade aduaneira se exigisse aos navios carregando ou descarregando, era Genova, no porto franco.
Ora Lisboa tem actualmente as relações commerciaes e o movimento do seu porto que os quadros seguintes apontam; bem avisados andaremos nós, se desejamos alargar umas e augmentar o outro, tomando o exemplo d'aquellas nações.

Movimento de embarcações em 1885

[Ver tabela na imagem.]

Commercio geral em 1885

Valores

[Ver tabela na imagem.]

Diz-se que o porto da nossa capital é principalmente um porto de escala; rasão de mais para nos esforçarmos em convidar o commercio a por aqui passar. A pouco e pouco, auxiliados pela nossa posição geographica, veremos o porto de escala transformar-se em porto de deposito e virem a elle trazer-se e a elle buscar-se as mercadorias de tres partes do mundo.
A idéa, pois, do governo, de fundar uma instituição que desembaraça o trafego commercial maritimo de alguns portos de formalidades até hoje inevitaveis, não poderia deixar de ter a adhesão das vossas commissões.
Examinemos, porém, mais de perto a proposta do governo.
Segundo a nossa legislação aduaneira ha tres especies de deposito commercial: o deposito real, o alfandegado e o affiançado. Constitue-se o primeiro em armazens da alfandega os dois outros em armazens particulares. Não é porém á vontade do commercio que as diversas mercadorias podem ser guardadas n'uma ou noutra especie de armazem, ha para isso preceitos legaes, sendo, por exemplo, excluidas do deposito real, entre outras, as mercadorias isentas de direitos de entrada, as que tiverem o direito especifico de 5 réis ou o ad valorem de 5 por cento, as importadas a granel, as de producção ou manufactura do continente do reino ou das ilhas adjacentes.
Estas disposições, que têem por fim não pejar os armazens da alfandega, nem com mercadorias de pouco valor fiscal, nem de natureza ou em estado que as tornem seja

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obstruentes, seja de difficil guarda, revelam que o deposito real, como estabelecido entre nós, é apenas um remédio, não uma solução. Realmente, a alfandega depositaria tende a desapparecer da organisação aduaneira de todos os paizes: é falsear a índole da instituição, complicar-lhe os serviços e augmentar-lhe as responsabilidades o transformar as casas fiscaes em armazéns de commercio. Nas relações entre o expedidor e o destinatario a alfandega deve só entremetter-se para que o estado perceba os direitos que lhe são devidos - para nacionalisar a mercadoria: levar mais longe a sua misssão, substituir-se a qualquer d'elles, nas obrigações ou nos deveres, é sobrecarga de attribuição com que se onera sem que, seja dito, o commercio lucre muito.
As manipulações das mercadorias, e a sua beneficiação, o tel-as em logar d'onde facilmente saiam para a exportação ou para o consumo sem constantes deslocações que as encareçam, o poder depositai as ou expedil-as immediatamente d'esses logares sem formalidades nem estorvos que as demorem, são incalculaveis vantagens para quem a occasião é tudo e uma hora mal aproveitada representa por vezes a perda de grandes valores. Ora não são os armazens da alfandega que, nem pela sua necessaria organisação, nem pelos relativamente apertados limites a que têem de restringir os depositos, podem realisar taes condições. Não seriam então armazens de alfandega, seria a alfandega de armazens.
E, se não é isto o que deve ser, é facil achar a formula que tudo concilia: a alfandega vigiando armazens. Repartindo as attribuições e encargos podemos dar a umas e á outros maior latitude e melhor satisfação.
Tal é o que em parte se realisará para Lisboa se concederdes ao governo a auctorisação que vos pede - para adjudicar por concurso a construcção e exploração dum entreposto em que, livre de direitos aduaneiros, possam embarcar, desembarcar, conservarem se depositados, serem beneficiados e manipulados quaesquer géneros ou mercadorias que se não destinem ao immediato consumo do paia, isto é, para os quaes não seja pedido despacho immediato.
Dizemos em parte porque esta instituição só se refere, e só poderia referir-se, ao movimento commercial exterior do nosso porto. As obras projectadas no porto de Lisboa virão satisfazer o resto, permittindo se descentralisem completamente os serviços aduaneiros.
Mas se por um lado muito se deve attender aos interesses do commercio, igual cuidado nos devem merecer os do estado. Escolher para porto franco ponto proximo de centro populoso, dificultaria a fiscalisação, a qual ou seria excessivamente custosa ou mal exercida. Pelo lado de terra, a zona a que taes liberdades se concedem deve ser cercada de uma larga faxa fiscal tanto quanto possivel descoberta, escolhendo-se tambem local que, satisfazendo a isto, permitta pelo lado do rio bem balisar a ancoragem dos navios conforme o seu destino. É este o pensamento da proposta do governo e ainda com elle as vossas commissões de fazenda e obras publicas estão de accordo.
Relativamente á parte financeira da proposta não traz ella augmento de despeza, e a diminuição de receita, proveniente da franquia concedida a algumas ilhas será quasi equilibrada pela supressão das alfandegas respectivas e pelo rendimento do real de agua. O deficit, se ainda o houver, larga compensação terá no desenvolvimento do commercio dessas ilhas e na maior affluencia a ellas de navios, o que acrescentará a importancia dos direitos de porto.
Se nos limitámos a só falar do porto de Lisboa, é porque se applica aos portos insulares para os quaes o governo vos propõe tambem portos francos, tudo o que com referencia áquelle dissemos.
Dando-se nas ilhas do Pico e Porto Santo as mesmas condições que nas do Faial, Flores e Corvo: - nenhum prejuízo de industrias proprias pela concorrencia e acharem-se em caminhos commerciaes, as vossas commissões, a que incumbia o estudo d'esta proposta acceitaram a indicação que pelo governo lhes foi feita para serem tambem declarados francos os portos e os territorios d'aquellas duas ilhas.
Não se transformam n'um momento os costumes, nem o commercio muda facilmente de rumo e habitos; mas aos governos incumbe a obrigação de por prudentes determinações ir lentamente provocando a trasformação de uns, insistentemente attrahindo o outro. Ao tempo e á experiencia o convencer os contumazes, dar confiança aos incredulos chamar os arredos. Não é necessario conhecer muito de perto o commercio estrangeiro para lhe ter ouvido queixas contra as formalidades impeditivas do nosso porto, e lastimar lhe sejam obstaculo para o aproveitar; esquecem uns que são ellas em parte inevitavel consequencia das suas magnificas condições como porto, outros, não o esquecem, mas não se julgam por umas compensados das outras.
Esforcemo-nos por tirar a rasão aos queixosos, e a nossa capital assumirá no convivio commercial o logar que lhe compete.
Para isto, é pelas rasões expostas, as vossas commissões reunidas de fazenda e obras publicas são de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E o governo auctorisado a adjudicar, por concurso, precedendo annuncios por sessenta dias, a construcção e exploração por sessenta ânuos de um entreposto commercial livre no porto de Lisboa, ou nas suas proximidades, e em sitio convenientemente escolhido entre a torre de Belém e Cascaes, no qual, livres de direitos, possam embarcar, desembarcar ou conservar-se depositados quaesquer generos ou mercadorias que não se destinem ao consumo do paiz.
§ unico. A adjudicação de que trata este artigo será feita em harmonia com as seguintes bases:
a) Que o entreposto commercial constará de cães e pentes de embarque e desembarque, armazens e as necessárias vedações para o serviço fiscal, sendo o projecto de todas as obras mandado formular pelo governo antes da abertura
do concurso;
b) Que o estado não concede subvenção nem garantia de juro á empreza adjudicataria, mas simplesmente os terrenos pertencentes ao estado, que lhe sejam precisos, e o direito da exploração durante sessenta annos;
c) Que nenhuma pessoa ou sociedade poderá ser admittida ao concurso sem previamente depositar na caixa geral de depositos a quantia de 50:000$000 réis em dinheiro ou em títulos de divida publica pelo seu valor no mercado;
d) Que a empreza adjudicataria elevará no praso do qunize dias, contados da data da adjudicação, o seu deposito a 100:000$000 réis, o qual receberá os juros sendo em titulos da divida publica, ou lhe será abonado o juro medio da divida fluctuante se for em dinheiro, não podando, o deposito ser levantado sem estarem concluidas todas, as obras, e reconhecidas conformes com os projectos apresentados a concurso.
e) Que todas as obras e edificios, depois do levantamento do deposito definitivo servirão de garantia ao estado para o exacto cumprimento, por parte da empreza, de todas as obrigações por ella contrahidas;
f) Que todas as obras estarão concluidas e em perfeito estado de exploração no praso maximo de tres annos, contados da assignatura do contrato definitivo:
g) Que os navios e mercadorias que na totalidade se aproveitem do entreposto commercial, unicamente ficarão sujeitos a direitos de tonelagem e sanitarios, não superiores aos actualmente estabelecidos;
h) Que os navios que simultaneamente transportem mercadorias do entreposto commercial, para importação ou exportação, gosarão dos mesmos beneficios, pelo que respeita a mercadorias, em relação às destinadas ao entreposto ou

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d'elle saídas, e pelo que respeita aos navios na proporção da tonelagem destinada às mesmas mercadorias;
i) Que a tarifa das despezas de carga, descarga, armazenagem, serão fixadas pelo governo no programma do concurso e as de beneficiação por accordo entre elle e a empreza, não podendo umas e outras ser alteradas sem o mesmo accordo;
f) Que a empreza conservará as pontes, cães, armazéns e vedações e suas dependências em perfeito estado, devendo nesse mesmo estado entregal-as gratuitamente ao governo findo o praso da concessão;
k) Que o material movei, tambem sempre mantido em perfeito estado de conservação, será na epocha de reversão para o estado pago á empreza pelo seu valor, conforme a avaliação feita por dois peritos nomeados pelo governo, dois pela empreza e um pelo supremo tribunal de justiça, servindo esse material, o seu valor e todo o mais activo da empreza de garantia para o caso de falta do exacto cumprimento da clausula anterior;
l) Que a empreza será isenta de todos os impostos directos que não sejam o predial e o industrial;
m) Que se a empreza se constituir em sociedade anonyma os seus estatutos serão sujeitos á approvação do governo sem embargo da lei das sociedades anonymas;
n) Que junto da empreza haverá um commissario regio, cujo vencimento, não superior a 1:800$000 réis por anno, será por ella pago;
o) Que os lucros liquidos da empreza, superiores a ... por cento de juro e á percentagem necessaria para a amortisação do capital fixo no praso de sessenta e tres annos, pertencerão por metade ao estado e pela outra metade á empreza;
p) Que a base da licitação será o juro de que trata a baso antecedente.
Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a declarar francos de direitos de alfândega, tanto na exportação como na importação, os portos e territórios das ilhas do Faial, Corvo, Flores e Pico, bem como os da ilha de Porto Santo, cobrando-se unicamente nos portos destas ilhas os direitos de tonelagem e sanitários, e os de embarque, desembarque, armazenagem e beneficiação nos armazéns que o estado estabeleça no porto artificial da Horta e nos que venham a estabelecer-se na ilha de Porto Santo.
§ 1.° Nas cinco mencionadas ilhas, logo que a franquia comece, será estabelecido o imposto do real de agua sobre os mesmos géneros e com as mesmas taxas em vigor no continente do reino.
§ 2.° Os generos exportados das ilhas mencionadas para qualquer porto portuguez, ou para ellas exportados de qualquer porto tambem portuguez, serão para todos os effeitos considerados, aquelles nos portos de entrada, e estes nos de saída, como estrangeiros, logo que a franquia se ache decretada.
§ 3.° O pessoal do serviço interno da alfândega da Horta e o da delegação da ilha de Porto Santo ficará adido às alfândegas do segundo grupo, sendo-lhes garantidos os seus actuaes vencimentos e entrando nos quadros das mesmas alfândegas, convenientemente reduzidos, na proporção de metade das vacaturas n'elles occorridas.
Art. 3.° O governo fará todos os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão de fazenda, 27 de junho de 1887. = José Dias Ferreira (com declarações ao artigo 1.°)= José Frederico Laranjo = Antonio Candido Ribeiro da Costa = José Augusto Barbosa Colen = Antonio Eduardo Villaça = Antonio Maria de Carvalho = Gabriel José Ramires = Ernesto Júlio Góes Pinto = Eduardo Abreu = José Maria dos Santos = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Ignacio Emauz do Casal Ribeiro = Manuel Affonso de Espregueira = Vicente E. Monteiro = Carlos Lobo d'Ávila = Julio Pires = Marianno Prezado = A. Baptista de Sousa = Augusto Pinto
de Miranda Montenegro = J. P. Oliveira, Martins = Antonio M. P. Carrilho = F. Mattoso Santos, relator.

N.º 112-A

Senhores. - A posição geographica excepcionalmente favorável do porto de Lisboa e a sua magestosa amplidão apontam-no como o natural entreposto do commercio entre a Europa, grande parte da America e a Africa. A proxima abertura do isthmo de Panamá deve concorrer de modo efficaz para augmentar as vantagens dispensadas pela natureza. A falta, porém, de meios próprios para a reparação dos navios de grosso porte empregados na grande navegação oceânica e as meticulosas e caras difficuldades aduaneiras constituem ainda hoje obstáculos de grande valia para que o porto de Lisboa adquira a enorme importância que as circumstancias naturaes lhe promettem. Desapparecerá breve a primeira difficuldade, visto estarem adjudicadas as obras da margem norte do Tejo. Agora cumpre estabelecer às portos da capital um porto franco ou entreposto commercial livre, onde com insignificante dispendio se depositem as mercadorias que da Europa se destinem á África e á America, ou que reciprocamente venham dos paizes transatlânticos procurar o consumo europeu.
Esse entreposto, livre de peias e despezas aduaneiras, deve ser em poucos annos um dos maiores depósitos do mundo, e levará a capital e com ella o reino ao mais alto grau de prosperidade, tornando-se Lisboa o grande empório do commercio entre três partes do mundo. Não basta, porém, adaptar o Tejo á larga funcção económica, que as suas naturaes condições lhe proporcionam, antes tambem é necessario ainda que nas derrotas entre entre elle, a África e a America haja as escalas indispensáveis á grande navegação. Ora o esforço dos nossos maiores deu-nos em Cabo Verde a mais vantajosa escala para a navegação africana, e no archipelago dos Açores a mais propicia para as carreiras da America. Por isso mesmo devem o ministerio da fazenda cuidar de tambem estabelecer porto franco no Açores, e o da marinha e ultramar olhar similhantemente para Cabo Verde. Poderia pensar-se, e ahi está o futuro, em tornar francos todos os portos açorianos, mas os interesses do thesouro, os da agricultura local e os da industria do continente não consentem, por ora, dar tão grande largueza ao pensamento económico do governo. Mas no extremo occidental do archipelago e na parte delle mais adaptada para escala entre a Europa e a America existem as três ilhas do Faial, Flores e Corvo, a primeira das quaes em breve possuirá um excellente e vasto porto de abrigo, em relação a ellas a declaração de franquia nem cerceia de modo importante as receitas do estado, nem arrisca interesses agrícolas ou industriaes de alguma valia. Pelo contrario auferirão grandes lucros as ilhas franqueadas pela affluencia de navegação, sem prejuízo antes com vantagem para o resto do archipelago, que será o centro productor, mais proximo, de todos os generos necessários ao refresco dos navios.
Os meios que o governo de Sua Magestade vos propõe para realisar o projecto assim levemente esboçado, em nada arriscam a situação do thesouro. O entreposto commercial de Lisboa será estabelecido por empreza particular sem ónus para o estado, que pelo contrario terá partilha nos seus lucros. Para o porto franco na Horta bastará construir alguns armazéns em terrenos conquistados ao mar pelas obras do porto, e o producto de módicas taxas da doca e armazenagem será bastante para fazer face ao dispêndio da construcção. O grande desenvolvimento commercial do reino proporcionará ao mesmo passo valiosas receitas ao thesouro.
Não vem o governo, fiel ao seu programma, reclamar onerosos sacrifícios do povo, mas, a despeito da modestia dos seus pedidos, está firmemente convencido de que nenhuma providencia, mais do que esta, tão rápida e inten-

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SESSÃO DE 5 DE JULHO DE 1887 1583

samente desenvolverá a prosperidade publica. Adiantada a nossa rede ferro-viaria, completada em breves annos a de estradas, realisados os melhoramentos do porto de Lisboa, possuidores o Porto, Ponta, Delgada e a Horta de magníficos portos de abrigo e commercio, ligados pelo telegrapho o continente com os Açores e a America, no dia em que o entreposto livre de Lisboa e portos francos nos Açores e em Cabo Verde reconquistarem a Portugal o perdido império commercial e em que florestas de mastros povoarem e animarem a nossa bahia do Tejo, poderão nossos filhos bemdizer os legisladores de 1887. Por estas considerações e pelas muitas que a vossa sabedoria suggerirá, espera o governo que mereça a approvação parlamentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar, por concurso, precedendo annuncios por sessenta dias, a construcção e exploração por sessenta annos de um entreposto commercial livre, no porto de Lisboa ou nas suas proximidades, e em sitio convenientemente escolhido entre a torre de Belém e Cascaes, no qual, livres de direitos, possam embarcar, desembarcar, conservar-se depositados e serem beneficiados quaesquer generos ou mercadorias que não se destinem ao consumo do paiz.
§ único. A adjudicação de que trata este artigo será feito em harmonia com as seguintes bases:
a) Que o entreposto commercial constará de cães e pontes de embarque e desembarque, armazéns e as necessárias vedações para o serviço fiscal, sendo o projecto de todas as obras mandado formular pelo governo antes da abertura do concurso;
b) Que o estado não concede subvenção nem garantia de juro á empreza adjudicatária, mas simplesmente os terrenos pertencentes ao estado, que lhe sejam precisos, e o direito da exploração durante sessenta annos;
c) Que nenhuma pessoa ou sociedade poderá ser admittida ao concurso sem previamente depositar na caixa geral de depósitos a quantia de 50:000$000 réis em dinheiro, ou em títulos de divida publica pelo seu valor no mercado;
d) Que a empreza adjudicatária elevará no praso de quinze dias, contados da data da adjudicação, o seu deposito a 100:000$000 réis, o qual receberá os juros sendo em títulos da divida publica, ou lhe será abonado o juro médio da divida fluctuante se for em dinheiro, não podendo o deposito ser levantado sem estarem concluídas todas as obras, e reconhecidas conformes com os projectos apresentados a concurso;
e) Que todas as obras e edifícios, depois do levantamento do deposito definitivo, servirão de garantia ao estado para o exacto cumprimento, por parte da empreza, de todas as obrigações por ella contrahidas;
f) Que todas as obras estarão concluídas, e em perfeito estado de exploração, no praso maximo de tres annos, contado da assignatura do contrato definitivo;
g) Que os navios e mercadorias que na totalidade se aproveitem do entreposto commercial, unicamente ficarão sujeitos a direitos de tonelagem e sanitários, não superiores aos actualmente estabelecidos;
h) Que os navios que simultaneamente transportem mercadorias do entreposto commercial para importação ou exportação, gosarão dos mesmos benefícios, pelo que respeita a mercadorias, em relação às destinadas ao entre-porto ou d'elle saídas, e pelo que respeita aos navios na proporção da tonelagem destinada às mesmas mercadorias;
i) Que as tarifas das despezas da carga, descarga, armazenagem, serão fixadas pelo governo no programma do concurso e as de beneficiação por accordo entre elle e a empreza, não podendo umas e outras ser alteradas sem o mesmo accordo;
j) Que a empreza conservará as pontes, cães, armazéns e vedações e suas dependencias em perfeito estado, devendo nesse mesmo estado entregal-os gratuitamente ao governo findo o praso do concurso;
k) Que o material movei, tambem sempre mantido em perfeito estado de conservação, será na epocha de reversão para o estado pago á empreza pelo seu valor, conforme avaliação feita por dois, peritos nomeados pelo governo, dois pela empreza e um pelo supremo tribunal de justiça, servindo esse material, o seu valor e todo o mais activo da empreza de garantia para o caso de falta do exacto cumprimento da clausula anterior;
l) Que a empreza será isenta de todos os impostos directos, que não sejam o predial e industrial;
m) Que se a empreza se constituir em sociedade anonyma os seus estatutos serão sujeitos á approvação do governo, sem embargo da lei das sociedades auonymas;
n) Que junto da empreza haverá um commissario regio, cujo vencimento, não superior a 1:800$000 réis por anno, será por ella pago;
o) Que os lucros líquidos da empreza, superiores a ... por cento do juro e á percentagem necessária para a amor-tisação do capital fixo no praso de sessenta e três annos, pertencerão por metade ao estado e pela outra metade á empreza;
p) Que a base da licitação será o juro de que trata a base antecedente.
Art. 2.° E igualmente auctorisado o governo a declarar francos de direitos da alfândega, tanto na exportação como na importação, os portos e territórios das ilhas do Faial, Corvo e Flores, cobrando-se n'elles unicamente os direitos de tonelagem e sanitários, e os de embarque, desembarque, armazenagem e beneficiação nos armazéns que o estado estabeleça no porto artificial da Horta.
§ 1.° is as três mencionadas ilhas, logo que a franquia comece, será estabelecido o imposto do real de água sobre os mesmos generos e com as mesmas taxas em vigor no continente do reino.
§ 2.° Os géneros exportados das ilhas mencionadas para qualquer porto portuguez, ou para cilas exportados de qualquer porto tambem portuguez, serão para todos os effeitos considerados, aquelles nos portos de entrada e estes nos de saída, como estrangeiros, logo que a franquia se ache decretada.
§ 3.° O pessoal de serviço interno da alfândega da Horta ficará addido às alfândegas do 2.° grupo, sendo-lhe garantidos os seus actuaes vencimentos e entrando nos quadros das mesmas alfandegas, convenientemente reduzidos, na proporção de metade das vacaturas n'elles occorridas.
Art. 3.° O governo fará todos os regulamentos necessários para a execução da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministério dos negócios das obras publicas, commercio e industria, em 18 de junho de 18Sl. = Marianno Cyrillo de Carvalho = Emygdio JUlio Navarro.

O sr. Arroyo (sobre a ordem): - Disse que a camara devia estar informada de que a associação commercial de Lisboa deliberara fazer subir á presença dos srs. ministros da fazenda e das obras publicas uma representação contra o projecto que se discutia, e então entendia que se devia adiar a discussão do projecto até que a associação apresentasse a sua representação.
Perguntava aos srs. ministros da fazenda ou das obras publicas se s. exas. concordavam em que o projecto fosse adiado até vir á camara a alludida representação.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Declarou que não concordava com o adiamento.
O Orador: - Disse que nesse caso, e em conformidade com as prescripções regimentaes, tinha a apresentar a seguinte moção:
«A camara resolve adiar a discussão do projecto n.° 134 até que a associação commercial de Lisboa emitta com-

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1584 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

pletamente o seu parecer e continua na ordem do dia. = Arroyo.»
Passava a sustentar esta proposta de adiamento.
Disse que o projecto vinha á discussão nas condições mais extraordinarias que era possível.
Era elle por sua natureza vasto e importante, e, caso fosse approvado, havia de introduzir extensas modificações no regimen commercial e alfandegário, e comtudo, o projecto não era acompanhado do parecer das repartições de commercio e industria, nem sobre elle tinham sido ouvidas as associações commerciaes de Lisboa e Porto.
Sabia que havia uma representação da associação commercial de Lisboa, a qual ainda não chegara á camara, e que era diametralmente opposta ao projecto.
No ministerio das obras publicas existiam o conselho geral de agricultura e o conselho de commercio e industria, e qual era o documento junto ao projecto de onde constasse a opinião destes conselhos que deviam ser ouvidos? Mais ainda. Tratava-se do estabelecimento de um entreposto em Cascaes, e onde estava a opinião das estações competentes do ministerio da marinha, em que se dissesse qual o local mais próprio para se fazer a bordagem dos navios? Onde estava o parecer que dissesse que Cascaes era o local mais adequado ao fim que se tinha em vista?
Existem no paiz muitas associações commerciaes e entre ellas duas importantíssimas, como eram as de Lisboa e Porto, as quaes não tinham sido ouvidas.
Achava isto extraordinario, e por conseguinte, julgava aggravado o procedimento dos srs. ministros pelo facto de terem trazido á discussão um projecto desacompanhado de quaesquer esclarecimentos e aggravado ainda pela circumstancia da associação commercial de Lisboa ter declarado que tinha a apresenta r uma representação contra, e de não se ter querido esperar que essa representação viesse a camara.
Fez a analyse detalhada do projecto sob os pontos de vista económica, commercial e alfandegario.
Fez a historia dos portos francos, mostrando que elles tinham sido abandonados e substituídos por entrepostos commerciaes formando parte integrante dos portos geraes.
Np artigo 1.° do projecto dizia-se que se auctorisava a construcção e exploração de um entreposto commercial livre entre a torre de Belem e Cascaes.
Mas qual era o local mais conveniente para se estabelecer o entreposto livre? Evidentemente em Lisboa, e principalmente agora, porque todos sabiam que as obras do porto de Lisboa iam começar brevemente, podendo assegurar-se nas docas o desembarque das mercadorias, e indo fazer-se o entreposto em Cascaes, dahi resultaria prejuízo para o porto de Lisboa.
Era para admirar que no mesmo momento em que se ia construir o porto se tratava logo de o inutilisar.
Na sua opinião o entreposto em Cascaes nenhumas vantagens daria a Lisboa, e quem havia de aproveitar, a quem havia de ser profícuo era á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, que tinha a concessão de uma linha para Cascaes, todos os benefícios seriam para esta companhia.
O governo concedera á companhia dos caminhos de ferro, Bem a intervenção do poder legislativo, e a pretexto de ser um ramal, uma linha que partindo de Santa Apolonia, vá a Cascaes, e achava que o sr. ministro, fazendo tal concessão, commettêrá uma illegalidade manifesta, por isso que a não fizera depender da sancção do corpo legislativo.
Analysou detidamente esta concessão, e passou em seguida a demonstrar que o resultado da adopção do projecto ha de ser o augmento do contrabando.
Era sua opinião que a camara faria um grande serviço ao paiz não approvando o projecto.
(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a proposta.
É a seguinte:

A camara resolve adiar a discussão do projecto n.° 134 até que a associação commercial de Lisboa emitta completamente o seu parecer e continua na ordem do dia = Arroyo.
Foi apoiado o adiamento e ficou em discussão simultaneamente com o projecto.

O sr. Primeiro Secretario (Francisco Medeiros): - A commissão de redacção não fez alteração alguma nos projectos n.ºs 94, 136, 144 e 145.
Foram enviados para a outra camara.

O sr. Matoso Santos: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): Mando para a mesa uma proposta de lei, approvando o accordo celebrado entre Portugal e a Gran-Bre-tanha para a permutação de encommendas postaes. E alem disso mando tambem para a mesa o Livro branco, que diz respeito ao commercio de vinhos com o Brázil. Tem documentos interessantes para o mesmo commercio e que merecem a attenção da camara e dos negociantes de vinhos.
A proposta vae adiante a paginas 1584.
O sr. Pinheiro Chagas: - Tinha pedido a palavra para chamar a attenção do sr. presidente do conselho e ministro do reino para factos insólitos, que se estão passando em Montemór o Novo, onde se repetem casos similhantes áquelles para os quaes o sr. Dias Ferreira chamou hontem a attenção de v. exa.; é a intervenção do governador civil na eleição da mesa da misericórdia de Montemór o Novo, chegando a impedir violentamente vários irmãos de tomarem parte na votação! Desejo saber se o sr. ministro do reino tem já informações a esse respeito e se me póde dizer quaes os motivos por que o governador civil deste districto se julgou no direito, imitando o governador civil de Aveiro, de intervir nesta eleição, o que deu logar a certa indignação em Montemór o Novo, de que póde resultar conflictos desagradáveis, que de certo s. exa. deseja evitar. (Apoiados.)
O sr. Presidente de Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Não tinha conhecimento dos factos a que se referiu o illustre deputado, e vou hoje mesmo telegraphar ao governador civil de Évora, pedindo informações a esse respeito; e se os factos se passaram como s. exa. os nomeou, hei de tomar providencias dentro da lei para dar satisfação á justiça.
O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna às nove horas, e a ordem da noite é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e dez minutos da tarde.

Proposta de lei apresentada nesta sessão peio sr. ministro dos negocios estrangeiros

N.° 156-F

Senhores. - Venho submetter ao vosso exame, em harmonia com os preceitos constitucionaes, o accordo celebrado entre Portugal e a Gran-Bretanha para a permutação de encommendas postaes sem valor declarado, assignado em Lisboa aos 2 de julho corrente.
Das disposições contidas neste accordo, que foi redigido em conformidade com os princípios sempre por nós seguidos em accordos desta natureza, resulta, como vereis, reconhecida vantagem para o serviço, postal. Espero, pois, que concedereis a vossa approvação á seguinte
Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o accordo para a permutação de encommendas postaes, sem valor declarado, entre Portugal e a Gran-Bretanha, assignado em 2 de julho de 1887.

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Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Secretaria doestado dos negócios estrangeiros, em 5 de julho de 1887. = Henrique de Barros Gomes.

ACCORDO

Relativo á permutação de encommendas postaes, sem valor declarado (déclaration de valeur) celebrado entre Portugal, de uma parte, e o Reino Unido da Gran-Bretanha e Irlanda, da outra.

Os governos de Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves, e de Sua Magestade a Rainha do Reino Unido da Gran-Bretanha e Irlanda, desejando facilitar as relações commerciaes entre os seus respectivos paizes, por meio da permutação, por intermedio do correio, de encommendas sem valor declarado, auctorisaram devidamente para esse fim os abaixo assignados, os quaes concordaram nas seguintes disposições:

ARTIGO 1.º

1. Podem ser expedidos volumes, sem declaração de valor, sob a denominação de encommendas postaes, de Portugal, Açores ou Madeira para o Reino Unido até ao peso de o kilogrammas, e do Reino Unido para Portugal, Açores ou Madeira até ao peso de 7 libras avoir du poids.
2. O regulamento especial, que for combinado entre as repartições do correio dos dois paizes contratantes, determinará as outras condições a que devem satisfazer as encommendas para poderem transitar.

ARTIGO 2.º

1. Cada uma das partes contratantes garante, atravez de seu território, o transito das encommendas originarias ou destinadas a qualquer paiz, com o qual a mesma parte contratante tenha feito accordos para o serviço de encommendas postaes; as administrações que tomam parte no transporte assumem a respectiva responsabilidade dentro dos limites marcados no artigo 11.º
2. Na falta de accordo em contrario entre as repartições interessadas, o transporte das encommendas postaes permutadas entre paizes não limitrophes terá logar a descoberto.
3. Fica concordado que as seguintes disposições da convenção internacional relativa às encommendas postaes, assignada em Paris em 3 de novembro de 1880, e revista em Lisboa em 21 de marco de 1885, serão executadas, salvas as modificações adiante indicadas, em todos os pontos em que forem applicaveis às relações entre Portugal e p Reino Unido, tanto em relaçno às encommendas permutadas entre os dois paizes contratantes, como em relação às encommendas expedidas em transito. As disposições indicadas são as que fazem parte dos artigos 3.° a 13.°, inclusive, do presente accordo.
4. Fica reservada às administrações dos correios dos dois paizes contratantes a faculdade de mutuamente concordarem na acceitação de encommendas postaes de peso superior a 3 kilogrammas, logo que os regulamentos internos dos mesmos paizes permitiam a adopção desta medida.

ARTIGO 3.º

1. A administração do paiz de procedencia é obrigada a pagar a cada uma das administrações que tomam parte no transito terrestre a quantia de 50 centimos por encommenda; mas quando o transito se effectuar atravez da Gran-Bretanha a taxa do transporte terrestre póde ser augmentada com uma sobretaxa de 50 centimos por encommenda.
Entretanto, quando as encommendas forem expedidas por via da Gran-Bretanha em malas fechadas, o correio inglez reduzirá, se for possível, a sobretaxa de transito.
2. Se houver, além disso, um ou mais transportes por mar, a administração do paiz de procedência deve pagar a cada uma das administrações que tomarem parte no serviço marítimo uma taxa cuja importância é fixada, por cada encommenda, pela seguinte fórma:
25 centimos pelo percurso não excedente a 500 milhas maritimas;
50 centimos pelo percurso superior a 500 milhas maritimas, mas não excedente a 1:000 milhas maritimas;
1 franco pelo percurso superior a 1:000 milhas maritimas, mas não excedente a 3:000 milhas maritimas;
2 francos pelo percurso superior a 3:000 milhas maritimas, mas não excedente a 6:000 milhas maritimas;
3 francos pelo percurso superior a 6:000 milhas maritimas.
Estes percursos são calculados, em caso de necessidade, pela distancia media entre os portos respectivos dos dois paizes correspondentes.

ARTIGO 4.°

A franquia das encommendas postaes é obrigatoria.

ARTIGO 5.°

1. A franquia das encommendas postaes compõe-se de um porte comprehendendo, para cada encommenda, tantas vezos 50 centimos quantas forem as administrações que tomarem parte no transporte terrestre, juntando-se-lhe a sobretaxa especial de transito, no caso d'elle se fazer através da Gran-Bretanha, nos termos do artigo 3.°, § 1.º, a taxa de transito marítimo estabelecida pelo § 2.° do mesmo artigo, se houver transporte por mar, e o porte addicional, indicado no artigo 7.º, quando o haja. As equivalencias da moeda são fixadas pelo regulamento especial.
2. Portugal tem a faculdade de cobrar pelas encommendas postaes procedentes das suas estações ou a ellas destinadas, um porte addicional de 25 centimos por encommenda; o Reino Unido tem a faculdade de cobrar pelas encommendas postaes originarias das suas estações ou a ellas destinadas, um porte addicional de 50 centimos por encommenda.
3. As administrações postaes dos dois paizes contratantes poderão fazer um accordo, se o julgarem conveniente, para a permutação directa por via de mar, de encommendas postaes de peso não excedente a 3 libras com portes inferiores aos applicaveis às encommendas mais pesadas.

ARTIGO 6.°

A administração remettente pagará por cada encommenda:
a) A administração destinataria 50 centimos com o addicionamento, se tiver logar, dos portes indicados no § 2.° do artigo 5.º e no artigo 7.°:
b) A cada administração intermediaria, se as houver, as taxas fixadas no artigo 3.°

ARTIGO 7.º

O paiz de procedencia póde cobrar do remettente de encommendas pela distribuição das mesmas, e para o cumprimento das formalidades da alfandega no paiz do destino, um porte addicional que não póde exceder 25 centimos por encommenda, e que reverterá a favor deste ultimo paiz.

ARTIGO 8.º

As encommendas a que se refere este accordo não podem ser sujeitas a nenhuma taxa postal, além das indicadas nos artigos 3.°, 5.° e 7.° precedentes e no seguinte artigo 9.°

ARTIGO 9.°

A reexpedição das encommendas postaes de um paiz para outro em consequEncia de mudança de residência dos destinatários, ou a devolução das encommendas caídas em refugo, dá logar á cobrança supplementar dos portes fixados no artigo 5.° a cargo dos destinatários ou dos remettentes, conforme o caso, sem prejuízo do reembolso dos direitos de alfandega pagos.

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1586 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ARTIGO 10.°

1. É prohibido expedir pelo correio encommendas postaes contendo cartas, notas com caracter de correspondencia, ou objectos cuja admissão não esteja auctorisada pelas leis e regulamentos das alfândegas, ou outros, dos paizes interessados.
2. No caso de ser expedida de um para outro dos dois paizes contratantes qualquer encommenda comprehendida em alguma dessas prohibições, a administração do paiz de destino procede em harmonia com as suas leis e regulamentos internos.

ARTIGO 11.º

1. Salvo caso de força maior, quando uma encommenda se perder, for subtrahida ou soffrer avaria, o remettente e, na sua falta ou a pedido deste, o destinatario, tem direito a uma indemnisação correspondente á importância real da perda ou da avaria, sem que, todavia, esta indemnisação possa exceder 15 francos.
2. A obrigação de pagar a indemnisação compete á administração a que pertence a repartição remettente. Fica reservado a esta administração o recurso contra a administração responsável, isto é, contra a administração em cujo territorio ou no serviço da qual teve logar a perda ou a avaria.
3. A responsabilidade pertence, emquanto não houver prova em contrario, á administração que, tendo recebido a encommenda sem fazer observação, não poder comprovar a entrega ao destinatário ou a reexpedicção regular á administração immediata, conforme o caso.
4. O pagamento da indemnisação pela administração remettente deverá ser feito o mais cedo possivel e, o mais tardar, no praso de um anno contado da data da reclamação. Á administração responsavel é obrigada a embolsar sem demora a administração remettente da importancia da indemnisação paga por esta.
5. Fica entendido que a reclamação sómente poderá ser admittida durante o período de um anno contado da data da entrega ao correio 5 passado este praso o reclamante não terá direito a indemnisação alguma.
6. Se a perda ou a avaria tiver logar durante o transporte entre as repartições de permutação de dois paizes limitrophes sem que se possa averiguar em qual dos dois paizes succedeu o facto, cada uma das duas administrações pagará metade do prejuízo.
7. As administrações deixam de ser responsáveis pelas encommendas postaes logo que os interessados as recebam.

ARTIGO 12.º

A legislação interna de cada um dos paizes contratantes continua a ser applicada em tudo o que não se acha previsto nas estipulações contidas no presente accordo.

ARTIGO 13.º

As administrações postaes dos paizes contratantes indicam as repartições ou localidades auotorisadas para a permutação internacional do encommendas postaes; regulam o modo de transmissão dessas encommendas e adoptam todas as medidas regulamentares necessárias para a execução do presente accordo.

ARTIGO 14.º

A administração postal de cada um dos paizes contratantes pôde, em circumstancias extraordinárias que justifiquem a suspensão de permutação de encommendas, suspender esse serviço temporariamente, no todo ou em parte, participando-o logo á outra administração, em caso de necessidade, pelo telegrapho.

ARTIGO 15.º

O presente accordo começará a vigorar no dia que for fixado pelas duas administrações postaes e terminará mediante aviso feito por uma das partes com um anno de antecedencia.
Em fé do que os abaixo assignados, devidamente auctorisados para esse fim, assignaram o presente accordo e lhe appozeram o sêllo das suas armas.
Feito em duplicado em Lisboa, no dia 2 de julho de 1887. = (L. S.) Barros Gomes = (L. S.) Georye G. Peke.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negócios estrangeiros, em 5 de julho do 1887. = Conde de Sabugosa.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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