1240 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sou eleito n'esta casa; (Apoiados.)mas não desejava pertencer á commissão de inquerito por motivos de consciencia.
Contra quem era o inquerito? Contra o governo? Inquestionavelmente. Não podia ter outra significação a eleição da commissão de inquerito.
Ora estando eu convencido de que o governo havia infringido os preceitos da lei penal, podia promover-lhe a accusação criminal, se tivesse na minha mão provas concludentes e claras, e podia votar-lhe tambem uma moção de censura, obrigando-o a retirar-se do poder, quando soubesse que elle tinha delinquido sem ter as provas juridicas do delicto. Mas não podia syndicar de um ministro, accusado pela opinião de factos tão graves, e continuar a viver com elle como deputado.
Era uma questão de dignidade parlamentar, que eu reputei desacatada pelas côrtes, quando ordenou a syndicancia aos actos dos ministros, continuando a mantel-os com o seu apoio no poder.
É obrigação das maiorias cobrir os ministros com a sua responsabilidade, emquanto lhes não retiram a sua confiança.
Desde que os ministros não podem represental-as honradamente, o dever das maiorias é intimar-lhes a abdicacação do poder, e não ordenar-lhes syndicancias.
Syndicar dos ministros e sustental-os no poder em perfeita communhão de idéas com as maiorias parlamentares é transtornar todos os principios, por que se rege o systema, representativo.
É a primeira vez que uma maioria parlamentar decreta uma syndicancia contra os ministros, e os conserva nos bancos do poder.
É escusado perder tempo com dissimulações e disfarces. O accusado na opinião e na imprensa, accusação a que o inquerito parlamentar tendia a dar satisfação, foi sempre o sr. ministro das obras publicas.
Se a maioria julgava em sua consciencia que o procedimento do governo fôra regular, e que o gabinete não merecia censura, não devia ordenar a syndicancia, porque a escolha da commissão representava já, só por si, um principio de suspeição e de desfavor para os srs. ministros.
Entendi, na occasião da eleição da commissão, como entendo agora, que a camara não devia estar a syndicar de um ministro, conservando-o ao mesmo tempo no poder, que devia ou rejeitar francamente a syndicancia, ou intimar ao governo mandado de despejo.
Bem sei que só perde hoje o tempo na exposição dos principios liberaes, mas eu não estou disposto a deixal-os preterir sem reclamação.
Apesar de reputar gravissima a nossa situação financeira, ainda estou convencido de que é preciso, primeiro que tudo, manter bem alto o regimen parlamentar, o prestigio das instituições, e a dignidade dos ministros.
Com meios mais ou menos violentos, com tempo, e com paciencia, podemos luctar contra as difficuldades financeiras. Mas os maus exemplos dados ao paiz pelos altos poderes do estado podem produzir no povo males irreparaveis.
O povo não póde ficar edificado com o espectaculo, que lhe deu o governo, mandando instaurar, por simples boatos de imprensa, um processo criminal, em que só poderão achar-se envolvidos os representantes da nação, ou os membros do poder executivo.
Não se acredita a representação nacional deitando pregão ao paiz de que pares e deputados estão sujeitos a uma devassa, porque se está organisando corpo de delicto sem factos determinados, para darem contas do seu procedimento parlamentar nos tribunaes criminaes.
Expliquem-se os srs. ministros, e preoccupem-se n'essas explicações, menos com os votos da camara, do que com a necessidade do manter em toda a sua altura o prestigio do poder executivo c a honra da nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Sr. presidente, tem rasão o illustre deputado! Não serei eu que o contradiga, quando s. exa. affirma que trabalhâmos todos para o desprestigio das instituições fundamentaes do estado, e para o descredito dos homens que as representam!
Tem rasão, carradas de rasão o illustre deputado. O mal é visivel, o seu desenvolvimento manifesto, os seus effeitos são já desastrosos!
Não vae longe o tempo em que, com justos motivos, nos denominavam os estranhos a Belgica do occidente, como significando assim que o regimen parlamentar e o systema constitucional tinham entre nós um culto fervoroso e intemerato. Mas hoje, a consciencia nos dirá a todos com tanta magua, como verdade, que estamos na frente d'essas nações, que pelos desvarios das suas facções partidarias vão creando na Europa uma corrente de anti-parlamentarismo, a qual de dia para dia. engrossa, ameaçando submergir as instituições liberaes.
E somos todos noa os que cooperâmos n'esta má obra. Os precedentes, que exprobrámos aos contrarios, não nos servem para nos emendarmos e corrigirmos, e tão sómente os aproveitâmos como estimulo para os excedermos. Pois que é o que quasi francamente e sem rebuço se diz, e que o proprio sr. Dias Ferreira notou?! Que eu estou ou estive pagando as aggressões menos justas que tenho feito durante a minha carreira jornalistica.
De modo que não é uma causa de moralidade e de justiça a que se sustenta; é só uma campanha de desforra e de reivindicta politica que se promove! E paga-se o capital, e pagam-se os juros, dos mais leoninos... e a final quem tudo paga é o regimen parlamentar, que desça e, é o systema constitucional que padece, é o paiz que soffre no desprestigio crescente das suas instituições!
Tem muita rasão o illustre deputado. O chamado processo Hersent, que o governo mandou intentar, ficará como um padrão ignominioso da situação politica que atravessámos. Mas essa situação não se personifica n'um ministro, nem se representa só n'um ministerio. Essa situação é de nós todos; d'este e d'esse lado da camara. E, no caso presente, e ainda mais de lá do que de cá; porque as responsabilidades d'essa ignominia não recaem sobre o governo que mandou intentar o processo, mas sobre quem tornou necessario, indispensavel, imprescindivel, que o governo o mandasse instaurar. (Muitos apoiados.)
É uma ignominia, de certo, como padrão dos tempos, que se mandasse instaurar um processo criminal sobro factos, em que se dizia lindavam ou podiam andar envolvidos ministros, pares, deputados e outros homens publicos. É indecoroso que se arrastem na lama das suspeições infamantes os homens que, pela sua posição occupam as eminencias na direcção das cousas publicas.
É como que a sancção official da diffamação sujeitar á inquirição dos tribunaes a espuma das paixões odientas e os arrancos do facciosismo desbragado. Ninguem o lastima, como eu; e ninguem mais do que eu conhece a necessidade de pôr um dique a taes desregramentos em vez de lhes dar força e apoio. Mas veja-se quão é grande o mal que, pensando eu assim, fosse eu quem mais instasse para que esse processo se instaurasse! E que a enxurrada póde ter tambem uma força imperiosa. O governo teve, senão de a acatar, de a reconhecer.
Mas quem é o responsavel? É quem desencadeou esse enxurro! (Muitos apoiados.) É quem desprendeu c assoprou essa torça, suppondo que com ella enxolhava só um homem, e sem reparar que o homem era quem menos soffria com o enxovalho. (Muitos apoiados.)
Pois não foram os jornaes da opposição, de todas os matizes, sem excepção de um só, que voz em grita pediram o processo judicial?! (Muitos apoiados.)
O que queriam que o governo fizesse?! Que recusasse o processo?! Talvez contassem com isso! (Apoiados.) Mas