SESSÃO DE 25 DE ABRIL DE 1888 1241
então dir-se-ía que o governo não mandava instaurar o processo, porque tinha medo da luz e das investigações judiciaes. Dir-se-ía que manietava a justiça para que ella não ferisse algum dos seus membros; que a amordaçava para que ella não corroborasse com provas o que a diffamação espalhava! (Muitos apoiados.)
Essa situação é que o governo não podia acceitar para si, nem collectivamente nem individualmente. A sancção official das diffamação estava feita desde que todos os grupos politicos da opposição se tinham precipitado soffregamente a explorar o escandalo. (Muitos apoiados.} O resto era pouco O processo judicial nada acrescentava a esse tristissimo estado de cousas, creado pelos desvarios dos grupos opposicionistas, e tinha a vantagem de mostrar, que o governo não fugia a nenhumas inquirições, o que de si era meio caminho para quebrar os dentes á calumnia. (Muitos apoiados.)
Seria commodo para a opposição poder argumentar com a recusa do governo para insistir na criminalidade d'este. (Apoiados.) Que protestos, que threnos de indignação, que objurgatorias furibundas, se o governo tivesse praticado esse erro, ou caído n'esse laço! O governo foge ao processo judicial?! Logo, é criminoso convicto. Seria este o thema favorito. Seria mais do que insensato expor-se o governo a taes arguições. (Muitos apoiados.)
Queriam o processo?! Pediram-n'o em clamorosas vozes?! Pois ahi o têem. Agora lastimam-se por isso?! Acham que é a sancção official da diffamação?! Queixem-se de quem o tornou necessario. (Muitos apoiados.) Queixam-se, sobretudo, da imprensa, d'essa desgraçada imprensa, que tendo sido o palladium das liberdades publicas, tendo sido o campeão mais corajoso e mais efficaz das instituições constitucionaes, está hoje empenhada em ser a assassina da liberdade! (Apoiados.)
(Ouve-se susurro na galeria da imprensa.}
Vozes: - Á ordem, á ordem. Rua com os interruptores.
O sr. Presidente : - Tenho de advertir a galeria da imprensa de que, no desempenho das minhas funcções, me verei obrigado, bem a meu pezar, a mandal-a evacuar, se por quaesquer manifestações de agrado ou desagrado pretender intervir na discussão.
O Orador: - Repito! A imprensa, que foi a mais extrema defensora da liberdade, é hoje a mais detestavel assassina d'essa liberdade que ajudou a fundar.
E não quero eximir mo ás culpas e responsabilidades que tenha n'esse capitulo, Não as nego. Allegarei unicamente, que não fui eu que creei essa escola. Quando entrei para a imprensa já a achei n'essas tendencias, posto que muito longe do rebaixamento, em que hoje se encontra. E quem entra para uma raena, ha de fatalmente sujeitar-se ás condições de combate, que n'ella estão estabelecidas. Foi o que me succedeu.
Das passadas luctas politicas, a imprensa tinha conservado esses maus habitos. Tinham-se extinguido os rancores nos peitos, mas não as durezas das invectivas nos jornaes. Já não se trocavam balas, mas continuavam a trocar-se injurias. E o mal tem ido em augmento!
Sujeitei-me fatalmente ás condições geraes da lucta; mas logo que tive uma personalidade politica sufficientemente caracterisada, não escondi que considerava prejudicial um tal regimen. (Apoiados.) Tenho plenissimo direito de affirmar hoje estas idéas, d'aqui, dos bancos dos ministros, porque as affirmei de igual fórma dos bancos da opposição, até quando isso podia favorecer o governo que eu combatia! (Apoiados.)
Lamentarei que este ministerio, ou esta situação politica, não tenham opportunidade para corrigir esse mal; mas direi hoje, o que d'ahi já disse, quando aqui se sentava e sr. Fontes: que não recusarei o meu voto e a minha palavra ao governo, qualquer que elle seja, que de frente atacar este problema, que eu julgo da maxima importancia para a estabilidade das instituições constitucionaes.
É inutil, diante dos factos lastimosos que temos diante dos olhos, imaginar que a instituição da imprensa tem orça para ser corrigir a si propria. O velho simile de que ferida do cão se cura com o pello do mesmo cão, é uma formula sem verdade applicavel. A verdade dos factos, é que, n'este regimen da liberdade absoluta ou de licença, a boa imprensa não tem força para corrigir a má, e é a má que preverte a boa. (Apoiados.)
E em tal caso o caminho está naturalmente indicado.
E eu direi mais uma vez, que a imprensa é hoje a causa mais promotora da corrente de anti-parlamentarismo, que o tem desenvolvido na Europa, e que, para se reprimir essa corrente e se defender a existencia das instituições constitucionaes é indispensavel modificar o regimen da imprensa. Lá está a França, onde os republicanos moderados soltam o mesmo pregão, dizendo que a liberdade da imprensa foi o presente mais funesto que elles deram á causa
republicana.
Digo isto sem paixão. Digo-o como uma convicção minha, que vem de longe, que hoje está mais afervorada, e que publicamente tenho manifestado em mais de uma occasião.
Mas o illustre deputado não queria que só por sujeição os clamores da imprensa se mandasse instaurar o chamado processo Hersent. Veja-se a contradicção! Ao mesmo tempo, o sr. Dias Ferreira censurou asperamente o governo por não ter annullado ou rescindido o contrato Hersent, só porque um jornal disse que o sr. Burnay recebêra 145:000$000 réis para não ir ao concurso! (Muitos apoiados.)
Então como é isto?! No primeiro caso, o clamor de toda a imprensa da opposição não devia ser bastante para o governo mandar instaurar processo, que é só uma investigação; no segundo caso, a simples noticia de um jornal devia bastar para o governo annullar um contrato, que fixa obrigações e direitos! (Muitos apoiados.)
A contradicção é manifesta.
Tambem o illustre deputado disse que o processo ha de ter o desfecho que o governo quizer, porque só se podem inquirir as testemunhas que o delegado do governo indicar; e que o processo fôra abusivamente mandado intentar contra pares e deputados, os quaes, sendo, como são, irresponsaveis pelas opiniões que exprimem no parlamento, são tambem irresponsaveis criminalmente pelo seu voto, quaesquer que sejam os motivos d'elle.
O illustre deputado não tem rasão em nenhuma d'essas arguições.
Em primeiro logar o governo não mandou intentar processo contra pares e deputados ou contra quaesquer pessoas determinadas. O governo Ouviu um grande alarido, ouviu dizer que havia grandes crimes e numerosos criminosos, e limitou-se a mandar ao ministerio publico: promova que se investigue se houve crimes, e, havendo-os, quem são os criminosos. (Apoiados.) Nada menos, mas nada mais. Fez esta recommendação o enviou ao ministerio publico todos os jornaes que tratavam do assumpto.
Não sei se juridicamente póde acceitar-se em absoluto a doutrina da irresponsabilidade dos pares e deputados, tal como o sr. Dias Ferreira a apresentou. Mas isso importa pouco. Ás justiças ordinarias é que compete investigar, porque não havia motivo algum para desde logo se fixar fôro especial, nem o governo podia admittir isso. Se as justiças ordinarias averiguam que effectivamente houve crimes que importa punir, e que n'elles se acham compromettidos individuos que têem immunidades especiaes, essas mesmas justiças remettem o conhecimento do caso para o respectivo foro privilegiado, e esse procederá como julgar conveniente. Como o illustre deputado vê, o procedimento do governo foi correctissimo, sob o ponto de vista de faci-