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SESSÃO DE 25 DE ABRIL DE 1888
Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os ex.mos srs.
Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado
SUMMARIO
Tres officios do ministerio das obras publicas, acompanhando diversos documentos requeridos pelos srs. deputados Jalles, Arouca e Ravasco. - Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr. Silva Cordeiro. - Renovação de iniciativa de uma proposta de lei de 1880, sobre responsabilidade ministerial, mandada para a mesa pelo sr. ministro das obras publicas em nome do seu collega da justiça. - Representação dos moradores de diversas freguezias do concelho de Villa Nova da Cerveira, apresentada pelo sr. presidente.- Justificações de faltas dos srs. visconde do Silves e Sant'Anna e Vasconcellos. - O sr. Abreu Castello Branco refere-se de novo á epidemia de variola que tem grassado na ilha Terceira, e repelle as censuras feitas ao governo e ás auctoridades locaes; trata ainda de outros assumptos referentes á mesma ilha.- O sr. Silva Cordeiro faz algumas considerações em relação ao caminho de ferro do valle do Tamega. Resposta do sr. ministro das obras publicas. - Replica do sr. Silva Cordeiro. - Manda para a mesa um projecto de lei o sr. Mazziotti.- O sr. Baracho chama a attenção do governo para a maneira como a administração dos hospitaes civis está procedendo á contagem do tempo de serviço dos medicos do banco, e insta pela presença do sr. ministro do reino para se occupar d'este assumpto. - Explicação do sr. ministro das obras publicas com respeito á falta de comparencia do seu collega do reino. - Com auctorisação da camara usa novamente da palavra sobre o mesmo assumpto, e sobre requisição de força para a Arruda, o sr. Baracho, a quem responde o sr. ministro do reino, que acabava de entrar, na sala. - Replica o sr. Baracho, tendo obtido para isso nova concessão da camara. - Requer o sr. Serpa Pinto que se lhe conceda a palavra para um negocio urgente, e a camara recusa-lh'a.
Na ordem do dia entra em discussão a interpellação dos srs. José Dias Ferreira e Pedro Victor sobre a adjudicação das obras do porto de Lisboa. - A requerimento do sr. Franco Castello Branco resolve-se que a discussão se possa generalisar. - Usa da palavra, combatendo largamente a adjudicação pelo modo por que foi feita, o sr. Dias Ferreira, terminando por pedir ao governo explicações sobre os pontos que indicou. Responde o sr. ministro das obras publicas, que fica ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte.
Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.
Presentes á chamada 63 srs. deputados. São os seguintes:- Alfredo Brandão, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Mazziotti, Augusto Pimentel, Augusto Ribeiro, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José, Coelho, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Freitas Branco, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Julio Graça, Julio de Vilhena, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Martinho Tenreiro, Miguel Dantas, Pedro Victor e Dantas Baracho.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Campos Valdez, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Hintze Ribeira, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Barão de Combarjúa, Conde de Castello de Paiva, Elvino de Brito, Goes Pinto, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Soares de Moura, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, Sant'Anna e Vasconcellos, Candido da Silva, Cardoso Valente, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Rodrigues dos santos, Sousa Machado, Alves Matheus, Oliveira Martins, Alves do Moura, Barbosa Colen, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Vicente Monteiro, Estrella Braga e Consiglieri Pedroso.
Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Albano de Mello, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Pereira Borges, Jalles, Pereira Carrilho. Simões dos Reis, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Conde de Fonte Bella, Elizeu Serpa, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Alfredo Ribeiro, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge 0'Neill, Pereira de Matos. Laranjo, Guilherme Pacheco, Alpoim, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Santos Reis, Julio Pires, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Matheus de Azevedo, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
O sr. Presidente: - Tenho a honra de apresentar á camara uma representação que recebi de diversos habitantes das freguezias de Villa Nova da Cerveira, pedindo que não lhes seja applicavel a disposição do artigo 1.° do regulamento de 28 de novembro de 1842, ficando por isso isentos da obrigação de matricula e licença para todos os effeitos da pesca no rio Minho.
Vae ser enviada á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio das obras publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Antonio Maria Jalles, copia authentica da portaria pela qual foi prorogado o praso para a construcção do caminho de ferro de Lisboa a Cintra e Torres Vedras e ramal da Merceana.
Á secretaria.
Do mesmo ministerio, remettendo os documentos que o sr. deputado Frederico Arouca requereu por aquelle ministerio.
Á secretaria.
Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, nota dos privilegios de invenção concedidos para a fabricação de alcool.
Á secretaria.
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Segundas leituras
Projecto de lei
Senhores. - A freguezia do Santa Catharina de Lisboa tinha no sitio denominado Alto de Santa Catharina a sua sede parochial com residencia e horta para o respectivo parocho.
Por acontecimentos de força maior foi essa sede mudada para a igreja do convento dos Paulistas, dando-se ahi casa de residencia em troca da antiga, e hoje por conveniencia do serviço tanto parochial como militar foi essa casa trocada por outra, que está construida na sala do antecôro, separando-se assim o mais possivel o serviço da guarda municipal do da igreja.
Em volta da sacristia e inserto entre o quartel e a mesma igreja existe uma porção de terreno com entrada exclusiva pela calçada do Combro n.° 82-A, que é improprio para edificações e só serve para horta.
A relação de posição, em que este terreno está para com o edificio da igreja e sacristia e o seu pouco valor e insignificante rendimento para o estado eram rasões mais que sufficientes para concedel-o ao parocho, servindo-lhe de horta.
Todas as estações officiaes consultaram unanimemente em favor da petição feita n'este sentido, declarando que era de grande conveniencia para o serviço do culto divino e de vantagem para a conservação do templo, que é um bello monumento de arte nacional, o estar o terreno do olival na posse de quem tivesse a seu cargo o velar pelo culto e pelo templo. Alem d'isto o parocho tinha d'antes a sua horta no monte de Santa Catharina e, em todo o paiz o estado dá aos parochos casa e horta todas as vezes que é possivel, e este favor nem pela lei da desamortisação lhes foi retirado. É pois justiça e equidade considerar como horta parochial o tereno denominado olival e como residencia a casa onde hoje habita o prior d'esta freguezia.
Parece, portanto, digno de approvação o seguinte projecto do lei, que tenho a honra de submetter á vossa esclarecida approvação, a exemplo do que se acaba de fazer para Villa Nova de Gaia.
Artigo 1.° A horta denominada Olival, com entrada exclusiva pela calçada do Combro n.° 86-A, e a casa do antecôro do convento dos Paulistas, dos quaes está actualmente de posse o prior da freguezia do Santa Catharina de Lisboa, são consideradas horta e residencia parochial para todos os effeitos da lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 24 de abril de 1888.= O deputado, J. A. da Silva Cordeiro.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de fazenda.
RENOVAÇÃO DE INICIATIVA
O sr. ministro da justiça (Veiga Beirão) renovou a iniciativa da proposta de lei apresentada em sessão de 4 de fevereiro de 1880 pelo então ministro da justiça, sr. Adriano Machado, sobre responsabilidade ministerial.
Enviada á commissão de legislação criminal e mandada publicar no Diario do governo.
A proposta de lei a que se refere a renovação de iniciativa é a seguinte:
Senhores. - A experiencia do systema constitucional, ao passo que aperfeiçoa a educação politica dos povos, ensina aos ministros que lhes é impossivel governar sem o assentimento do paiz.
A liberdade de imprensa, o direito de reunião, a faculdade, que têem os membros das duas camaras, do interpellar os ministros, são instrumentos poderosos para despertar a attenção o esclarecer a consciencia publica, a cuja força nenhum governo póde oppor demorada resistencia.
Emquanto, porém, se forma o processo perante o tribunal da opinião vão talvez os abusos do poder executivo arruinando o paiz, que ás vezes só os conhece no mesmo momento em que lhes sente os effeitos perniciosos e irremediaveis.
Então não bastam os recursos ordinarios, e manifesta-se a necessidade de uma lei de responsabilidade de ministros.
Avivando n'elles o sentimento do dever, e servindo-lhes de escudo contra pretensões demasiadas, esta lei ha de atalhar muitos males ou inhabilitar os seus auctores para o cargo d'onde possam repetil-os.
Não digo que a falta d'esta lei absolva os ministros de toda a especie de crimes, mas subtrahe-os ao castigo por todos os abusos não definidos no codigo penal, que são innumeraveis e os mais frequentes.
A proposta que venho submetter ao vosso illustrado exame tem por fim encher esta importante lacuna da nossa legislação.
A solidariedade ministerial, que é uma das bases da proposta, não está admittida na maior parte das nações. A propria Inglaterra ainda não ha muitos annos que a recebeu nas suas praxes, e não sem algumas reservas. Entre nós, porém, todos os partidos a têem affirmado e reconhecido. E creio que não deve desprezar-se esta garantia de madureza e imparcialidade nas deliberações. N'este principio achará um ministro audaz um obstaculo á sua temeridade, vendo-se desajudado dos seus collegas, receiosos da accusação como seus cumplices ou coauctores.
A proposta leva a responsabilidade dos membros do gabinete até aos actos do poder moderador, mas só dentro dos limites prescriptos pelo espirito da constituição.
Em todas as suas attribuições, excepto duas, o exercicio d'este poder está subordinado a formalidades constitucionaes. A mesma nomeação de ministros não é uma faculdade illimitada, porque não póde recair em estrangeiros, ainda que naturalisados. É pois indispensavel que alguem responda pela observancia das solemnidades e condições legaes.
O acto, posto que legal em si mesmo, póde não o ser nos seus effeitos, como aconteceria se por virtude de successivos adiamentos não podessem ter as côrtes tres mezes de sessão ordinaria n'um anno. Assim ficaria offendida a constituição n'um dos seus preceitos essenciaes, o esta suspensão da lei fundamental não póde constitucionalmente ser imputada senão aos secretarios d'estado.
Estes não respondem pela essencia do acto real, que é indiscutivel; aliás confundir-se-íam n'um só os poderes executivo e moderador. Mas a referenda que é por onde o ministro começa a executar a regia deliberação, sujeita-o a responder pela legalidade do decreto.
Os casos do responsabilidade estão classificados no artigo 103.° da carta. Respeitando, como cumpria, as disposições da constituição, procurei accommodar ás suas classes os delictos já definidos no codigo penal e applicaveis aos ministros; acrescentando a esses delictos outros novos que aliás pareceriam excluidos.
Tratando do abuso do poder abrangi n'uma formula generica todos os actos ou omissões, posto que não qualificados na lei penal, com que os ministros causassem ao estado ou aos particulares prejuizos importantes que podessem ter sido previstos com a applicação do cuidado devido. D'esta arte não só todos os actos illegaes, senão ainda os proprios que são legaes na fórma, mas na essencia nocivos, ficam expostos a uma accusação e condemnação. N'este e em muitos outros casos, a proposta não determina as penas, mas por uma das suas disposições geraes permitte ao tribunal applicar a que parecer justa, não excedendo o degredo temporario.
Tudo isto parece repugnante com as regras elementares do direito penal, que nem admitte penas arbitrarias nem delictos indefinidos.
A responsabilidade, porém, dos ministros não pertence
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inteiramente ao dominio do direito criminal, e comprehende actos que devera ser apreciados segundo os principios de um direito especial, a que alguns criminalistas deram o nome de disciplinar.
O direito penal, que entende com a liberdade de todos os cidadãos, seria despotico, se não fosse claro, definido, preciso. O direito disciplinar applica-se a funccionarios que pela acceitação voluntaria dos cargos se obrigam a desempenhar os deveres inherentes. Este direito admitte, já que não as póde evitar, definições vagas, penas arbitrarias e uma jurisdicção discricionaria. A necessidade de o acceitar com tão notavel desvio do direito criminal manifesta-se particularmente em relação aos ministros.
Assim como é amplo e vago o poder que só lhes concede, assim o deve ser a responsabilidade correspondente. E como esta é susceptivel de uma infinidade de graus, que não podem ser determinados na lei, a pena não podo deixar de ser arbitraria.
Esta doutrina, que a rasão dicta, confirmam-na os exemplos de outras nações.
Na Inglaterra a camara dos communs tem amplos poderes para accusar, a dos lords para julgar os ministros. «Tres quartas partes das accusações, diz o conde J. Russell, tiveram por objecto delictos não definidos na lei». E a lição vinda d'esta grande escola do direito constitucional, é tanto mais auctorisada quanto se conhece o escrupulo quasi supersticioso d'aquelle paiz na applicação litteral das leis penaes.
Nos Estados Unidos a missão judiciaria das assembléas legislativas em relação aos funccionarios civis limita-se a applicar-lhes penas politicas, como a demissão e a incapacidade para cargos publicos; mas a qualificação do procedimento d'aquelles funccionarios não tem regra, senão o arbitrio da camara dos representantes que os accusa, e do senado que os julga. E das poucas accusações que tem havido, diz Story, nenhuma se fundou em delictos definidos na lei.
Emfim, a constituição belga concedeu, emquanto não se publicasse a lei de responsabilidade, um poder discricionario á camara dos representantes para accusar os ministros e ao tribunal de cassação para os julgar, caracterisando os delictos e determinando as penas até á de reclusão.
É que esta latitude, inadmissivel em direito commum, é da essencia da instituição visto que os abusos do poder executivo são tão impossiveis de definir na lei, quanto é impossivel de descrever com precisão a esphera d'aquelle poder.
Nem o dar de mão aos principios de direito penal é sempre um desfavor para os ministros; porque á liberdade de accusação corresponde a da defeza, á qual e licito escusar um acto illegal com um alto interesse publico.
Desamparados os ministros da protecção que a lei geral concede a todos os cidadãos, justo é que tenham uma compensação nas fórmas do processo e na constituição dos tribunaes. Levam este intuito algumas disposições da proposta, segundo me pareceram sufficientes e necessarias, porque a historia ingleza aponta muitos casos de accusações injustas, e alguns de injustas condemnações, inspiradas pela exaltação popular ou dictadas pelo odio dos partidos em epochas calamitosas.
Abstenho-me de justificar cada um dos artigos da proposta. Seria um trabalho longo e arido, que menos se tolera n'um relatorio que nos debates. É rara a disposição que possa abonar-se com a unanimidade das opiniões. Tanto divergem entre si as obras que tratam, e as leis estrangeiras que regulam este difficil assumpto!
A lei de que se trata interessa a todos os partidos. Assim todos prestem o concurso das suas luzes, para que ella satisfaça ás necessidades da administração e da justiça, ao decoro dos governos e aos votos da nação.
Secretaria d'estado dos negocios ,ecclesiasticos e de justiça, 4 de fevereiro de 1880. = Adriano de Abreu Cardoso Machado.
Proposta de lei de responsabilidade de ministros
CAPITULO I
Da responsabilidade dos ministros que faltarem aos deveres dos seus cargos
SECÇÃO I
Disposições geraes
Artigo 1.° A responsabilidade dos ministros comprehende;
1.° Todos os actos do poder executivo, que assignaram ou referendaram, ou executaram de qualquer modo;
2.º Todos aquelles para que concorreram com os seus votos no conselho em que foram deliberados;
3.° Aquelles mesmos contra os quaes votaram, no conselho se não se demittíram do ministerio logo que os viram adoptados pela maioria;
4.° Os actos dos seus collegas desde que tiveram cabal conhecimento d'elles, e não se demittiram ou não os fizeram annullar ou emendar;
5.° Os actos de empregados de confiança do governo, se depois de terem cabal conhecimento d'elles os deixaram subsistir;
6.º As ordens particulares, que deram, de palavra ou por escripto, no uso das suas attribuições;
7.° As omissões voluntarias dos actos que deviam praticar.
Art. 2.° Os ministros são igualmente responsaveis pelos actos do poder moderador que referendaram, se não foram observadas as formalidades legaes ou se de taes actos resultou a offensa de alguma disposição essencial da constituição. Mas pelo decreto que nomeia um novo ministro, o ministro demissionario que o referenda só é responsavel, se o Rei estava sujeito a qualquer coacção material ou se o nomeado não gosava dos necessarios direitos politicos.
Art. 3.° A acceitação do cargo é já um acto da responsabilidade do ministro que consentiu na propria nomeação.
Art. 4.° Os ministros não podem allegar em sua defeza, nem sequer como circumstancia attenuante, a ordem do Rei verbal ou escripta.
Art. 5.° A demissão ou exoneração do ministro não impede o processo estabelecido n'esta lei para a verificação da sua responsabilidade.
Art. 6.° A responsabilidade do ministro pelo exercicio do seu cargo prescreve passadas cinco sessões legislativas ordinarias, contadas desde a sua exoneração ou demissão.
A prescripção interrompe-se;
1.° Pelo procedimento criminal ou disciplinar:
2.° Pela nova nomeação do ministro responsavel para o ministerio.
Art. 7.° Ás penas estabelecidas na lei podem ser accrescentadas as de demissão, privação ou suspensão total ou parcial dos direitos politicos, ainda que estás não sejam consequencias legaes d'aquellas penas.
Nos delictos a que não for estabelecida pena na lei, póde ser applicada a que parecer apropriada á transgressão, não excedendo a de degredo temporario.
SECÇÃO II
Dos casos especiaes da responsabilidade dos ministros
Art. 8.° Os ministros são responsaveis:
1.° Por traição;
2.° Por peita, suborno ou concussão;
3.° Por abuso do poder;
4.° Pela falta de observancia da lei;
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5.° Pelo que obrarem contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos;
6.° Por qualquer dissipação dos bens publicos (carta constitucional, artigo 103.°).
Art. 9.° É crime de traição qualquer dos actos que a lei qualifica de criminosos contra a segurança exterior ou interior do estado, ou contra os interesses do mesmo estado em relação ás nações estrangeiras, e será punido com as penas estabelecidas na mesma lei.
São igualmente réus de traição os ministros que por decreto suspendem a constituição no todo ou em parte, e serão condemnados a uma pena até prisão cellular por oito annos.
São réus do mesmo crime, e sujeitos á mesma pena, os ministros que tiverem intelligencias com os representantes de nações estrangeiras ou com elles machinarem contra a independencia da nação ou contra a integridade do seu territorio.
§ 1.° As propostas apresentadas pelos ministros á camara dos senhores deputados para a reforma da constituição não podem em caso algum ser consideradas como criminosas. Mas a reforma decretada pelo governo sem o concurso do parlamento é comprehendida no artigo 170.º do codigo penal.
§ 2.° Os ministros que cederem ou tentarem ceder a uma potencia estrangeira alguma parte da soberania ou de poder politico em territorio portuguez incorrem nas penas estabelecidas na lei contra os que tentam destruir a integridade do reino.
Art. 10.° Os crimes de peita, suborno e concussão abrangem os que no codigo penal têem estas designações e as de corrupção o peculato, sendo punidas com as penas estabelecidas no mesmo codigo.
Art. 11.° O abuso de poder comprehende os crimes que o codigo penal qualifica de abusos da auctoridade, excesso do poder e illegal prolongação de funcções publicas, e é punido com as penas com que o mesmo codigo castiga os ditos crimes.
É igualmente abuso de poder qualquer acto ou omissão, ainda que não especificados nas leis, de que resultasse prejuizo importante ao estado ou aos particulares que podesse ter sido previsto com a applicação do cuidado devido.
Art. 12.° A falta de observancia da lei é um crime no ministro que por dolo ou culpa grave não a cumpre, ou não a faz observar pelos seus subordinados.
Se a falta de observancia da lei consistir na transgressão de uma lei penal em materia de cargo do ministro, as penas são as que estiverem comminadas na mesma lei.
Se a inobservancia da lei importar prevaricação, será punida com a pena estabelecida no codigo penal para este crime, se não lhe corresponder pena mais grave.
Nos outros casos de falta do cumprimento da lei por dolo ou culpa grave a pena será proporcionada á transgressão dentro dos limites estabelecidos no artigo 7.°
§ unico. A inobservancia da lei não é punivel quando a mesma lei for manifestamente contraria á constituição, mormente quando for offensiva dos direitos individuaes n'ella garantidos.
Art. 13.° Pelo que praticarem contra a liberdade, segurança e propriedade dos cidadãos, os ministros são responsaveis:
1.° Se suspendem as garantias individuaes sem motivo suficiente, ou por mais tempo do que é absolutamente indispensavel, ou abrangendo territorios em que não se dá a necessidade d'esta medida extraordinaria;
2.° Se não estando suspensas as garantias as offendem por actos ou disposições particulares na pessoa de um ou mais cidadãos;
3.° Se estando suspensas forem excedidos os limites da necessidade, ou causados prejuizos irreparaveis.
§ 1.° Presume-se destituida de fundamento legitimo a suspensão das garantias, se juntamente com o decreto, que a ordenou, não foi publicado outro decreto convocando as côrtes para se reunirem no praso de quarenta dias; ou se por culpa do governo as cortes convocadas não só reuniram no dito praso; ou se, tendo-se reunido, foram adiadas, ou dissolvida a camara dos deputados, antes de deliberarem sobre suspensão das garantias. Em qualquer dos casos previsto n'este paragrapho os ministros serão condemnados a degredo temporario, podendo todavia o tribunal impor-lhes penas correccionaes, se as houver por suficientes segundo as circumstancias.
§ 2.° Nos mais casos d'este artigo serão impostas as penas estabelecidas no codigo penal para os crimes contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos, quando esses crimes foram provocados por um acto ministerial, ou ficaram impunes por culpa dos ministros.
Art. 14.° Os ministros são responsaveis por dissipação dos dinheiros publicos:
1.° Quando ordenam despezas não auctorisadas por lei, ou maiores do que as auctorisadas ou sem observarem as formalidades legaes;
2.° Quando celebram contratos manifestamente lesivos, ou com desprezo das formalidades estabelecidas na lei;
3.° Quando por falta da vigilancia compativel com os variados deveres dos seus cargos despenderam mais do que era necessario para conseguir o fim da lei, que auctorisou a despeza;
4.° Quando não empregaram os meios competentes para a boa arrecadação, cobrança c conservação da fazenda do estado, ou das corporações cujos bens são administrados pelo governo;
5.° Quando não têem em bom estado a contabilidade do seu ministerio.
A pena é a suspensão de direitos politicos, ou de alguns d'estes direitos, salvo se o facto da dessipação constituir crime a que por lei esteja imposta pena mais grave.
SECÇÃO III
Na fórma do processo
Art. 15.° Todo o cidadão no goso dos seus direitos civis e politicos tem direito de participar á camara dos senhores deputados qualquer facto da responsabilidade dos ministros.
Art. 16.° A participação deve conter o nome, idade, estado, profissão e morada do participante, narrar o facto criminoso com todas as circumstancias, juntar os documentos ou mencionar os que existirem nas estações publicas, com os esclarecimentos que facilitem a busca; mencionar os nomes, estados, profissões e moradas das testemunhas; ser datada e assignada pelo participante, e a sua assignatura reconhecida pelo tabelllão.
Art. 17.º Haverá na camara dos senhores deputados uma commissão denominada de infracções, composta de cinco deputados pelos menos, eleitos por escrutinio secreto.
Um grupo de deputados não inferior á decima parte do numero legal dos que compõem a camara, póde nomear dois membros para esta commissão alem dos que são eleitos por escrutinio.
Art. 18.° As participações dos crimes dos ministros feitas por cidadãos á camara dos deputados, são remettidas pela mesa á commissão de infracções, que deve dar o seu parecer no praso de quinze dias.
Este parecer póde ser interlocutorio, se for necessario pedir documentos, inquirir testemunhas ou mandar ouvir o ministro; mas satisfeitas as diligencias que a commissão julgar necessarias, o parecer definitivo deve ser apresentados nos quinze dias immediatos.
A commissão póde por despacho seu recusar seguimento á participação que não estiver em termos dignos da camara a quem é dirigida.
Art. 19.° A mesa da camara tem auctoridade para sa-
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tisfazer ás reclamações da commissão de infracções, expedindo as rogatorias aos juizes das comarcas, onde residirem as testemunhas, a fim de serem por elles inquiridas, pedindo pelo ministerio competente os documentos indicados pela commissão, convidando o ministro a responder sobre os artigos participados, e mandando proceder a quaesquer diligencias que a mesma commissão ou a camara tiverem por convenientes á indagação da verdade.
Art. 20.° Se a commissão de infracções entender que a participação não está regular, ou que o facto, conforme é narrado, não constitue crime, assim o declarará no seu parecer.
Do mesmo modo procederá, a commissão a respeito das participações fundadas unicamente em documentos a ella juntos, se estes não provarem o facto criminoso.
Art. 21.° Se a commissão, depois de ter examinado as Aprovas, entender que a arguição não é infundada, promoverá que pela mesa da camara seja convidado o ministro a dar á sua resposta n'um praso rasoavel não inferior a dez dias.
Art. 22.° Convencida a commissão de que o ministro está responsavel, formulará no seu parecer os artigos de accusação que tiver por procedentes, classificará o crime, citando a lei que o declara punivel e juntará os documentos e depoimentos que a confirmam.
§ unico. Sobre este parecer seguir-se-hão os mesmos termos que no caso em que a accusação é proposta por um deputado (artigo 24.° e seguintes d'esta lei).
Art. 23.° A proposta de qualquer deputado para que seja accusado um ou mais ministros indicará os factos, classificará o crime e apontará a lei que o declara punivel, será datada e assignada pelo seu auctor, e apresentará logo os documentos em que se funda, ou nomeará ás testemunhas que lhe podem servir de prova.
§ unico. Esta proposta será assignada por onze ou mais deputados, declarando que estão convencidos da verdade dos factos e da justiça da accusação.
Art. 24.° Lida a proposta, a camara fixará a sessão em que se ha de fazer a sua leitura solemne, a qual só poderá ter logar depois de um intervallo de dez dias, e dará logo parte d'esta determinação ao ministro arguido, enviando-lhe copia da proposta e dos seus documentos.
Art. 25.° Na sessão aprasada para a leitura se ouvirá a defeza do ministro verbal ou escripta, se elle a quizer apresentar, e se deliberará se a proposta deve ou não ser tornada em consideração.
Art. 26.º Se a decisão da camara for affirmativa, eleger-se-ha uma commissão especial composta pelo menos de nove membros, em cujo numero não podem ser comprehendidos os auctores da proposta, ainda que estes hajam funccionado como membros da commissão de infracções.
Art. 27.° A commissão elegerá de entre os seus membros um presidente, um relator e um secretario, e desde então ficará investida de toda a auctoridade, jurisdicção e fé publica de um tribunal de justiça, para o fim de proceder a todas as diligencias e actos necessarios para a formação de um processo preparatorio, podendo chamar perante si e interrogar tanto o ministro arguido, como quaesquer testemunhas, obter directamente do governo os documentos que julgar precisos, e requisitar das respectivas auctoridades todos os papeis e diligencias que lhe parecerem convenientes para perfeita averiguação do facto e da sua imputação.
Art. 28.° Ultimadas as diligencias e completo legalmente o processo preparatorio, a commissão apresentará á camara o seu parecer com todo o processo, formulando os artigos de accusação, se julgar que esta deve ter logar, e indicando o maximo da pena que lhe parecer applicavel.
§ unico. Este maximo póde ser inferior ao que estiver marcado na lei.
Art. 29.° A camara designará o dia, da discussão do parecer, que deverá ser pelo menos quize dias depois da sua apresentação. Todos os papeis serão impressos e distribuidos, tanto pelos membros da camara, como pelos ministros, enviando-se tres exemplares ao arguido.
Art. 30.° Discutido o parecer, a camara votará successivamente sobre cada um dos artigos, se a accusação deve ou não ter logar. Votará igualmente o maximo da pena que lhe parecer applicavel. Durante a discussão não podem ser offerecidos artigos que não tenham sido objecto da proposta primitiva ou do parecer da commissão. Qualquer facto novo só póde ser assumpto de nova proposta, que seguirá os mesmos termos da anterior.
Art. 31.º A decisão affirmativa da camara produz uma rigorosa pronuncia, cujos effeitos para o ministro culpado são:
l.º Ficar suspendo do exercicio de quaesquer funcções publicas e com inhabilidade para ellas até final sentença;
2.° Ficar sujeito a accusação e livramento perante o tribunal dos dignos pares;
3.° Ser preso, se a pena for alguma das maiores do que perda dos direitos politicos e expulsão do reino.
§ 1.° Se o accusado for par do reino, a prisão não póde ser realisada senão por ordem da respectiva camara (carta constitucional, artigo 26.°).
§ 2.° Antes de remettido o processo para a camara dos pares, a dos deputados póde dispensar a prisão, se não a reputar necessaria, mediante fiança ou sem ella. A prisão, porém, terá logar, não obstante esta dispensa, em todos os casos em que, segundo a lei geral, se reputa quebrada a fiança.
Art. 32.° A camara dos deputados elegerá de entre os seus membros um até tres commissarios, que proponham, sustentem e promovam, em nome d'ella, a accusação perante a dos dignos pares, e para esse effeito lhes passará as procurações, que immediatamente serão juntas ao processo, e com elle remettidas ao tribunal.
Art. 33.° Perante a camara dos dignos pares seguir-se-ha o processo estabelecido na lei de 15 de fevereiro de 1849, com as modificações constantes dos artigos seguintes.
Art. 34.° O accusado póde nomear tres defensores.
Art. 30.° Dos defensores não se exige outra habilitação, senão a qualidade de cidadão portuguez no goso dos seus direitos civis e politicos.
Art. 36.° Os pares nomeados depois de apresentada na camara dos deputados a proposta de accusação, e bem assim os nomeados dentro dos tres mezes immediatamente anteriores á mesma proposta, não podem fazer parte da camara dos pares constituida em tribunal de justiça para o julgamento dos ministros.
Art. 37.° O accusado póde recusar, sem allegação de motivo, até a quinta parte dos pares, com que se abriu a sessão judiciaria.
Se os accusados foram dois ou mais, o numero recusado será repartido igualmente por todos, e se não admittir divisão, acrescentar-se-hão ao dito numero os que forem necessarios para que cada um dos accusados possa recusar igual numero de juizes.
O accusador ou accusadores podem recusar até á quinta parte dos pares com que se abriu a sessão, não mais, seja qual for o numero dos accusadores ou dos accusados. Uns e outros podem oppor suspeições na fórma de direito.
Art. 38.° O processo é publico e verbal.
Art. 39.° Os dignos pares que não compareceram a todas as sessões não podem ser juizes na causa.
Art. 40.° O tribunal não póde impor ao accusado maior pena do que o maximo indicado pela camara dos deputados.
Art. 41.° No caso de ser dissolvida a camara dos deputados, o processo que se tiver começado continuará na sessão seguinte, sem necessidade de se repetirem os actos já praticados. Todavia os deputados membros das commissões serão substituidos pela camara de novo eleita.
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Art. 42.° Antes do julgamento a camara dos deputados póde desistir da accusação. A desistencia deve ser proposta por doze deputados, e approvada por dois terços dos deputados presentes.
CAPITULO II
Dos crimes communs dos ministros
Art. 43.° Nos crimes communs dos ministros, o processo preparatorio corre pelo tribunal judiciario competente até á pronuncia, sendo com esta remettido á camara dos deputados.
Art. 44.° Recebido na camara o processo, é mandado pela mesa á commissão de infracções, que dará o seu parecer no praso de quinze dias, sobre se tem ou não logar a accusação.
Art. 45.° Decretando a camara que tem logar a accusação do ministro, a parte offendida tem direito de o accusar pessoalmente, ou por procurador, juntamente com o ministerio publico, cujos funcções são desempenhadas por um commissario eleito pela camara dos deputados.
Só póde ser procurador da parte offendida um advogado, ou um par ou deputado da nação.
Art. 46.° O processo de accusação corre perante a camara dos pares que a julga.
Art. 47.° As disposições dos artigos antecedentes são applicaveis ainda que os crimes sejam anteriores á nomeação do ministro.
O ministro que tiver sido exonerado ou demittido antes de começado o processo de accusação, será julgado pelos tribunaes o segundo o processo ordinario.
Art. 48.° São applicaveis nos processos contra os ministros as disposições das leis geraes, que não forem contrarias á presente lei, e as do codigo penal contra as falsas declarações, ou falsos testemunhos, calumniosas participações e querelas maliciosas, salva sempre a immunidade garantida pela carta contitucional aos membros das duas camaras.
CAPITULO III
Da responsabilidade civil dos ministros
Art. 49.° A responsabilidade civil dos ministros regula-se pelos principios do codigo civil e será julgada pelas justiças ordinarias.
Art. 50.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, 4 de fevereiro de 1880. = Adriano de Abreu Cardoso Machado.
REPRESENTAÇÃO
Dos moradores das freguesias de Gondarem, Loivo, Cerveira, Lobelhe, Roboreda, Campos e Villa Meã, do concelho de Villa Nova da Cerveira, districto de Vianna do Castello, pedindo que lhes não seja extensiva a disposição do artigo 1.° do regulamento de 28 de novembro de 1842, ficando por isso isentos da obrigação de matricula e licença para todos os effeitos de pesca.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado visconde de Silves, por motivo justificado, tem faltado a algumas sessões, e terá de faltar a algumas outras. = J. F. Abreu Castello Branco.
Declaro que não tenho podido comparecer ás ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado, Henrique, de Sant'Anna e Vasconcellos.
Para a secretaria.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Por parte do meu collega, o sr. ministro da justiça, mando para a mesa uma nota renovando a iniciativa da proposta de lei apresentada á camara na sessão de 4 de fevereiro de 1880, pelo então ministro da justiça, o sr. Adriano de Abreu Cardoso Machado, sobre responsabilidade ministerial.
Aproveito a occasião para participar á camara que o meu collega, o sr. Beirão, não póde comparecer na sessão de hoje por estar em serviço n'uma commissão parlamentar da camara dos dignos pares do reino, e que por igual motivo não compareceu á sessão de hontem.
A renovação de iniciativa e a proposta de lei a que ella se refere vae publicada na secção - segundas leituras - a pag. 1216.
O sr. Abreu Castello Branco: - Sr. presidente, tenho a honra de participar a v. exa. que o sr. visconde de Silves não póde comparecer ás sessões por motivo de doença.
Ha dias, a proprosito da epidemia de variola que tem opprimido a ilha Terceira, foram feitas algumas considerações por um illustre deputado que se assenta d'aquelle lado da camara, censurando a auctoridade administrativa por não tomar tomar providencias n'aquella conjunctura.
Sr. presidente, eu n'essa occasião tratei de repellir as censuras que eram feitas á auctoridade e ao governo; mas como não estava habilitado com os documentos necessarios, só muito perfunctoriamente me occupei d'este assumpto.
Agora, que estou habilitado com documentos, permitta v. exa. e a camara que eu lhe tome alguns momentos a fim de explicar como se passaram os factos e restabelecer a sua verdade, repellindo inteiramente as censuras feitas ao governo e ás suas auctoridades da ilha Terceira.
Sr. presidente, o illustre deputado que fez as considerações a que me refiro sentia-se maguado ao ter que censurar a auctoridade administrativa; e sentia-se maguado porque era movido a fazer essa censura pelo seu justo e louvavel zêlo pela saude publica, e ao mesmo tempo a censura ía ferir um magistrado administrativo, que s. exa. declarou ser seu parente e seu amigo.
Muito bem, louvo e não posso deixar de louvar o zêlo do illustre deputado; mas s. exa. disse que não podia deixar de se sentir maguado censurando um seu amigo. Parece-me que s. exa. ficará mais maguado ao receber a noticia, que agora dou a v. exa. e á camara, de que as censuras que s. exa. fez eram completamente infundadas, e que as informações que s. exa. recebeu e pelas quaes fez obra eram menos exactas.
A epidemia da variola appareceu na ilha Terceira e desenvolveu-se por ter desembarcado n'aquella ilha no dia 27 de abril de 1887 um varioloso que viajava no vapor Funchal; mas poucas horas depois do desembarque houve o cuidado de o remover para um lazareto provisorio, mas isso não obstou a que a epidemia se desenvolvesse.
Beneficiaram-se as casas em que estavam os variolosos, mandaram-se destruir e remover todos os fócos de infecção, fizeram-se fumigações nas casas e nos hospitaes e pozeram-se em execução todos os preceitos aconselhados pelos medicos, e o illustre deputado veiu incitado por um louvavel zêlo, porém, mal informado, dizer que não se tinha feito nada d'isto.
Pois eu posso affirmar a v. exa. e á camara que isto se fez, e se a minha palavra não basta, estão aqui os documentos com que tudo isso se prova.
Apesar d'isto, a epidemia continuava a desenvolver-se, e então adoptaram-se todas as providencias recommendadas pelo delegado de saude, para que de alguma sorte se atalhasse o mal, e estabeleceram-se no hospital enfermarias para os variolosos, visto que o lazareto que existe não tem as condições precisas para ali serem tratados.
Por parte da camara e da misericordia forneceram-se medicamentos aos variolosos pobres, não havendo nem um
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unico varioloso indigente que não fosse soccorrido; pois, apesar dos poucos recursos que ali ha, com o auxilio do sr. ministro do reino, que mandou para ali tubos vaccinicos e algumas quantias para serem «distribuidas pelos pobres, e dos particulares, que tambem concorreram com donativos, repito, não houve um unico varioloso pobre que não fosse soccorrido.
Mas ha ainda um outro supposto facto, pelo qual o illustre deputado censurou as auctoridades d aquella ilha; foi porque não determinaram que se fizessem os enterramentos no novo cemiterio, allegando que o cemiterio do Livramento não estava nas condições precisas, e que se fizeram inhumações nas sepulturas que não estavam em condições legaes e proprias.
Declaro que isto é inexacto. O cemiterio do Livramento, é verdade, que está proximo das habitações; mas aquelle que ultimamente se construiu, ou começou a construir, tambem não demora a grande distancia, não havendo, por isso, vantagem em preferir este, e sendo bem certo que no do Livramento nunca faltou espaço para inhumações.
A respeito d'aquelle cemiterio, existe um litigio ou recurso pendente do tribunal administrativo. S. exa. o sr. deputado a quem me refiro, disse que n'um caso extraordinario, como este, o governador civil deveria determinar que, apesar de tudo, se fizessem ali enterramentos.
Oh! sr. presidente, o governador civil não póde atacar de frente os direitos dos cidadãos; não podia pôr termo aquelle pleito, ordenando que se praticasse sem necessidade e sem vantagem publica um acto que podia ser injusto, como o proprio illustre deputado a que me refiro muito bem sabe.
Se s. exa. tivesse reflectido n'aquella occasião, e não fosse movido simplesmente pelo sentimento de muito zêlo e interesse pela saude publica, poderia recordar-se que o conselho de districto já em tempo deu uma resolução interlocutoria, pela qual se determinou que aquelle cemiterio não servisse.
Quer v. exa. saber quem foi o relator que no conselho de districto sustentou este parecer? Foi o proprio sr. deputado que censurou agora o sr. governador civil.
Pela minha parte louvo, e muito, o zêlo e interesso pela saude publica, que aquelle illustre collega nos revelou, mas ao mesmo tempo não posso deixar de chamar a attenção de v. exa. e da camara para este facto, a fim de repellir completamente a censura feita ao governador civil do districto.
N'estes casos de epidemia, ordinariamente exagera-se muito. Quando ha dois ou tres casos fataes em qualquer localidade, logo se diz que foram dez, e mais adiante que foram vinte, e depois que foram cincoenta. E assim o illustre deputado disse que a epidemia da variola estava devastando tudo, chegando a haver cincoenta casos fataes diariamente.
Ora, sr. presidente, eu tenho aqui uma nota estatistica dos obitos que houve durante os ultimos seis mezes, que dá ao todo durante esse tempo cento e trinta e cinco obitos, e d'estes cento trinta e cinco, mais de duas terças partes foram de creanças. Já se vê portanto, que se exagera muito, e isto explica-se facilmente.
É o terror, é o receio de que a epidemia recrudesça e que nós possamos perder os nossos parentes, amigos, etc., que nos faz muitas vezes exagerar a este ponto. A verdade porém é esta.
A este respeito nada mais direi; em todo o caso peço a v. exa. que me permitia enviar para a mesa estes documentos, para que quem quizer os possa ver o examinar á sua vontade, e pela sua leitura todo o qualquer ficará convencido de que por parte da auctoridade se fez tudo quanto legalmente se póde fazer para conjurar o mal.
E, sr. presidente, não terminarei sem fazer uma indicação ao sr. ministro das obras publicas com referencia ao que se passa nos Açores e no continente.
Tenho visto n'estes ultimos dias, que se empregam grandes cuidados e solicitude em obstar a que haja representação nos theatros que não estejam nas condições precisas para se salvarem as vidas no caso de incendio.
É muito louvavel e muito justo este cuidado, este zêlo e esta solicitude; mas por isso mesmo que no continente a proposito de theatros se desenvolve tanto cuidado, tanto zêlo e tanta solicitude, eu desejava que igual solicitude e zêlo houvesse tambem com relação ás ilhas para se prevenirem os naufragios, porque morre muito mais gente nos naufragios do que nos incendios. (Apoiados.)
E se é justo, se é justissimo tomar todas as providencias para resguardar as vidas dos que vão divertir-se, parece-me que é tambem justissimo que se tomem todas as cautelas para resguardar as vidas dos quo vão trabalhar no mar, porque o trabalho do mar é um trabalho com que, não só lucram os que se empregam n'elle, mas a sociedade toda. (Apoiados.)
Ora eu não posso deixar de lembrar mais uma vez ao sr. ministro das obras publicas a grande conveniencia de quanto antes mandar illuminar as costas dos Açores, porque ainda se navega de noite entre aquellas ilhas de relogio na mão, e com o credo na boca, porque a cada momento póde o navio dar á costa por não ter a certeza da distancia a que está da terra.
Consta-me que ultimamente, o sr. ministro das obras publicas tem tomado a peito este assumpto, e tem mandado proceder aos trabalhos necessarios para a collocação dos pharoes.
Se já vieram os projectos e orçamentos, de alguns d'elles, peço a s. exa. que não se demore em fazer collocar, ao menos esses, e depois se collocarão os outros.
Continuarem as cousas como estão actualmente é impossivel, é de um perigo gravissimo, porque constantemente se estão perdendo muitas vidas, e é preciso que se empreguem todos os meios para que isto assim não continue.
Outra medida tambem preventiva é a construcção da doca da ilha Terceira.
Eu tenho toda a confiança no sr. ministro das obras publicas, que, não só como ministro, mas como cavalheiro, é incapaz de faltar áquillo que tem promettido, e que não deixará de apresentar uma proposta para que se leve a effeito a construcção da doca.
Por isso peço a s. exa., em nome dos mais altos interesses d'aquellas ilhas, era nome dos interesses humanitarios que quanto antes mande proceder, não só aos trabalhos da collocação dos pharoes, mas aos da construcção da doca.
O sr. Silva Cordeiro: - Recorda que em junho do anno passado mandara para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Celorico de Basto, pedindo a construcção do caminho de ferro do valle do Tamega.
Já este anno se referiu a este assumpto, e, procurando, ha pouco, o sr. ministro das obras publicas no seu gabinete, para lhe communicar que havia n'aquelle e n'outros concelhos agitação por causa d'este caminho de ferro, s. exa. dissera-lhe que nada havia sido ainda resolvido.
Não muito depois s, exa., sendo interrogado, dissera que já estava resolvida a construcção do caminho de Braga a Chaves.
Se houvesse motivos para quaesquer reservas, respeital-os-ía, mas se os não houvesse, desejaria saber se na rede do caminho de ferro ao norte do Mondego estava incluida a linha do Tamega, se esta linha era de via reduzida ou de via larga, e se havia ou não garantia de juro.
Referia-se a este assumpto, porque, tendo sido convidado para um comicio e tendo-se escusado por estar persuadido de que não havia até então resolução alguma tomada pelo governo, pouco depois se soubera no concelho que a sua informação não era inteiramente exacta.
(O discurso será publicado em appendice, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Na-
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varro): - Ainda- não posso dar uma resposta completa e categorica ao illustre deputado, sobre o assumpto restricto a que s. exa. se referiu.
O meu desejo é fazer a linha ferrea da margem do Tamega; e tanto é assim, que a mandei estudar; mas, por considerações e por motivos que é ocioso referir agora, e que mais tarde virão á discussão, não posso, no momento actual, dizer qual a opinião definitiva do governo com relação a essa linha; isto é, se ella será incluida ou não na rede geral das linhas que fazem parte da proposta que hei de trazer á camara, se essa linha ha de ser de via larga ou de via reduzida, e, finalmente, se será adjudicada em concurso com ou sem garantia de juro.
Podia dizer a minha opinião particular, mas não a opinião do governo, não só porque não ha ainda a este respeito uma resolução definitiva, mas tambem porque não quero comprometter com declarações precipitadas qualquer resolução que elle tome.
Esta questão tem de ser resolvida em breve; talvez mesmo na proxima semana eu apresente á camara a proposta de lei com relação a caminhos de ferro, e n'essa occasião o illustre deputado verá até que ponto serão attendidos os seus desejos.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Silva Cordeiro: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu use agora da palavra.
A camara consentiu.
O sr. Silva Cordeiro: - Embora não me satisfaçam inteiramente as explicações que o nobre ministro das obras publicas acaba de me dar, por isso que o meu desejo seria que s. exa. pozesse a sua pasta sobre este assumpto, do mesmo modo que a poz sobre a construcção do caminho de ferro de Braga a Chaves, não deixo comtudo de agradecer a s. exa. as suas palavras, que são mais uma prova da deferencia pessoal com que s. exa. por mais de uma vez me tem honrado.
Aproveitando a occasião, declaro que, uma vez que o governo não tem ainda opinião definitiva a este respeito, hei de pugnar à outrance, não só aqui, no cumprimento do meu dever, como representante d'aquelles povos, mas ainda lá fóra, pela construcção d'essa linha, que considero da maior utilidade.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Chaves Mazziotti: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorisando a camara municipal do concelho do Cintra a proceder á venda de duas propriedades urbanas, e a construir com o producto da venda um edificio appropriado para as repartições publicas e cadeia civil.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, na segunda feira pedi a presença n'esta casa, do sr. presidente do conselho e ministro do reino, para lhe dirigir algumas perguntas relativamente aos factos accentuadamente contradictorios, ácerca da maneira como se está fazendo, por parte da administração dos hospitaes civis de Lisboa, a contagem, para o effeito da promoção, do tempo de serviço prestado pelos facultativos do banco dos mesmos hospitaes.
N'esse dia não estranhei a ausencia do sr. presidente do conselho, porque o sr. ministro da fazenda, que estava presente, teve a bondade de me responder que o sou collega faria a diligencia por vir o mais breve possivel a esta camara, acrescentando que n'aquella occasião s. exa. se achava na camara dos dignos pares, onde era exigida a sua presença.
Hontem, porém, não houve sessão na camara dos dignos pares, como hoje tambem a não ha, e s. exa. continua a figurar pela sua ausencia.
E o que é ainda para estranhar e que s. exa. que se arvorou em sentinella vigilante de todos e de tudo quanto ha no paiz, apenas não vigia, ao que parece, o cumprimento dos seus proprios deveres, dando satisfação aos fundamentados pedidos dos deputados da opposição, que os fazem no uso do seu legitimo direito, e andando afastado d'esta casa quando se trata de um assumpto tão serio e tão grave como é o que origina esta minha reclamação. (Apoiados.)
É preciso, portanto, que v. exa., sr. presidente, ou o sr. ministro das obras publicas, façam saber, de novo, ao sr. ministro do reino, que eu desejo interpellal-o sobre a importante questão a que me referi; e que, se s. exa. não comparecer aqui na sexta feira ou no sabbado, eu tornarei a reclamar a sua presença, compellindo-o com esta minha insistencia ao cumprimento dos seus deveres. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu tenho a honra de fazer parte do corpo legislativo ha alguns annos, e como membro d'esta casa não vacillo em classificar o procedimento do sr. presidente do conselho como uma falta de attenção que não estou disposto a admittir nem a tolerar. (Apoiados.)
Arrogue-se s. exa. muito embora o tão pomposo quanto mavortico titulo de sentinella vigilante, vigie e faça as sentinellas que os seus instinctos bellicos lhe aconselhem, o que me é completamente indifferente; mas fique ao mesmo tempo informado de que o desempenho d'essa espinhosa faina o não dispensa de vir a esta camara responder ás perguntas que os deputados da opposição pretenderem dirigir-lhe. (Apoiados.)
Insisto, portanto, em pedir ao illustre ministro das obras publicas que se digne informar o seu collega do reino de que desejo, repito, no uso legitimo do meu direito, interpellar s. exa. sobre o assumpto que indiquei e que não póde ser protelado porque, se prevalecesse a recente doutrina ou opinião da administração dos hospitaes civis, ficariam profundamente prejudicados distinctissimos funccionarios, cujas incontestaveis regalias não podem estar á merco do favoritismo que essa mesma administração entenda dispensar aos seus preferidos. (Apoiados.)
E a v. exa., sr. presidente, peço que me inscreva de novo para quando estiver presente o sr. ministro do reino, se por acaso s. exa. aqui apparecer.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - O sr. ministro do reino não deixará de comparecer ainda n'esta sessão.
O illustre deputado sabe que está dada para ordem do dia uma interpellação com respeito ás obras do porto de Lisboa, c como a presença do meu collega foi pedida para essa discussão, s. exa. virá hoje de certo á camara.
Peço ainda licença ao illustre deputado para lhe observar que a presença do sr. presidente do conselho tambem foi exigida na camara dos dignos pares por occasião da realisação da interpellação sobre as obras do caminho do ferro do Algarve, e que, tendo durado essa discussão quasi um mez, só terminou ha dois dias. Alem d'isso s. exa. não tem só que assistir ás discussões parlamentares; s. exa. tem de comparecer tambem na sua secretaria e tem assumptos gravissimos de que se occupar. Não póde, portanto, estranhar-se que, por maiores que sejam os seus desejos, por mais que se esforce por attender ás reclamações dos pares e dos deputados, nem sempre consiga satisfazer-lhes, comparecendo no parlamento.
Se s. exa. não se acha já aqui é de certo porque o serviço publico o tem impedido.
Acrescentarei ainda que o sr. presidente do conselho não tem que vigiar ninguem; s. exa. exerce a vigilancia que lhe compete, como compete a todos os presidentes de conselho.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Baracho: - Peço a v. exa. queira consultar a camara sobro se me permitte usar ainda da palavra para responder ao sr. ministro.
Foi permittido.
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O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, devo declarar que não me satisfizeram as explicações do illustre ministro das obras publicas, comquanto lh'as agradeça.
Eu diss,e quando comecei a fallar, que não estranhára na segunda feira a ausencia do sr. ministro do reino, porque sabia que s. exa. estava empenhado n'uma discussão na camara dos dignos pares; mas pedi n'esse dia ao sr. ministro da fazenda que se dignasse informar o seu collega de que eu desejava interpelal-o sobre um assumpto importante, e a despeito d'isto s. exa. não veiu hontem nem hoje á camara, apesar de não ter havido sessão na camara dos dignos pares n'estes dois dias. (Apoiados.}
Nos governos parlamentares o primeiro logar dos ministros é no parlamento. (Apoiados.)
(Entrou o sr. presidente do conselho de ministros.}
Folgo de ver entrar o sr. ministro do reino, mas não posso deixar de consignar que s, exa. não chegou á tabella (Riso.) porque já cá devia estar. E aproveitando a presença de s. exa., vou rapidamente recordar o que disse na sua ausencia.
Estranhava eu ainda agora a ausencia do sr. presidente do conselho, e estranhava-a porque, tendo eu pedido ao sr. ministro da fazenda que informasse o seu collega, do reino de que desejava interpellal-o sobre um negocio de grande importancia, s. exa. devia hontem ter vindo a horas de poder responder, antes de se entrar na discussão do assumpto dado para ordem do dia. (Apoiados.)
Em presença d'estes factos, acabava eu de dizer ao illustre ministro das obras publicas, que, com caridade que tão bem lhe fica, desculpara a falta do seu collega, que a sua resposta me não satisfizera, e acrescentava que tendo o sr. ministro do reino declarado na outra camara que era a sentinella vigilante das instituições, devia vigiar de preferencia não só pelo cumprimento dos seus proprios deveres, mas tambem porque se cumprissem as praxes a que obedece o systema parlamentar. Verdade seja que s. exa. no dia 19 da maio de 1870 não era sentinella vigilante das instituições, nem de outra qualquer cousa, (Apoiados.) não abonando este seu precedente o bom desempenho das funcções em que ultimamente se investiu. (Apoiados.) Julgo que a este respeito não póde haver duas opiniões. (Apoiados.)
E recapitulado o que tinha dito na ausencia de s. exa., vou chamar a sua attenção para a maneira como a administração dos hospitaes civis de Lisboa está procedendo na contagem do tempo de serviço, para o effeito da promoção, aos facultativos do banco do hospital de S. José.
Os facultativos do banco são despachados n'esta qualidade por meio de concurso de provas praticas e documentaes, e depois de exercerem o cargo durante cinco annos e de terem feito, polo menos, quatrocentos e cincoenta e cinco dias de serviço de escala, têem direito a serem promovidos a facultativos extraordinarios de enfermarias De facultativos extraordinarios são promovidos, por antiguidade, a directores de enfermaria
É esta a escala hierarchica n'aquelles estabelecimentos.
Succede, porém, que a administração em logar de abrir concurso, logo que se dito as vacaturas para os logares de facultativos do banco do hospital, senão com certa antecedencia, o que seria ainda mais correcto, despacha interinamente as pessoas que melhor lhe parecem, e só muito tempo depois é que abre concurso.
Actualmente, segundo me consta, ha três facultativos interinos, e não até ainda annunciado concurso, nem se nabo quando o será.
Peço ao sr. ministro do reino que tome este negocio em consideração e se previna o facto de haver facultativos interinos do banco, porque a administração sabe perfeitamente os dias de serviço de cada um dos effectivos, e portanto póde com facilidade prever o tempo em que se dão as vacaturas. (Apoiados.)
O facto do se estar admittindo facultativos interinos dá em resultado que estes se habilitem melhor, para o effeito das provas praticas, do que os que não podem lá entrar, e faz com que aquelles sejam, porventura, preferidos, sem o deverem ser, nas nomeações definitivas. (Apoiados.)
Succede mais que o serviço interino não tem sido até hoje contado para o effeito da promoção, o que é perfeitamente justo e rasoavel, porque desde o momento em que esse tempo fosso contado, e incontestavel que a preferencia não seria para os que dessem melhores provas praticas c documentos mas para os que gosassem o favor da administração, quo annullaria completamente a genuidade dos concursos. (Apoiados.)
E prosseguindo na minha ordem de idéas, direi que em 1885 foram despachados effectivos para o banco do hospital de S. José sete facultativos. O decreto da nomeação m a data de 16 de julho de 1885 e diz, outro outras cousas, o seguinte:
«... e tendo ainda em attenção a proposta da mesma administração e o serviço prestado por aquelles facultativos extraordinarios no referido banco; hei outro sim por bem determinar que esse serviço lhes seja coutado para todos os effeitos legaes.»
E para que não houvesse duvidas sobre quaes eram estes effeitos legaes, a administração do hospital em officio de 5 de agosto do mesmo anno dirigiu-se ao director do banco, communicando lhe o que queriam dizer esses effeitos legaes, officio que, em prova de conformidade, teve o visto de todos os sete facultativos despachados. Dizia assim esse documento:
«Por proposta da administração, apoiada com as suas solicitações individuaes, concedeu o governo que fosse considerado para todos os effeitos legaes o tempo em que os facultativos do banco estiveram servindo n'esta repartição, antes do decreto, que em virtude do concurso os proveu definitivamente. Era equitativo e era justo. Deve se, porém, entender que estes effeitos legaes são todos os que estão consignados no regulamento, e nenhuns outros. V. exa. chamará a attenção dos srs. facultativos a quem aproveita a concessão para esta circumstancia, a fim do que não seja motivo de erradas apreciações, ou de illusorios esperanças.
O effeito legal da prescripção comprehende-se no sentido da reforma.»
Note v. exa. bem e a camara, a administração era então categorica em affirmar que a contagem do tempo, por serviço interino, era só para o effeito da reforma. E accentuada esta circumstancia, prosigo na leitura do officio, em que ainda mais e mais se põem em relevo essas idéas:
«Estendel-o (o effeito) até á promoção seria por um lado forçar a significação dos artigos do regulamento, e por outro atropellar direitos justamente adquiridos, que não deixariam de sublevar se e protestar contra a violencia da expoliação.»
Muito intencionalmente sublinhei algumas palavras, durante a leitura, porque ellas são na verdade significativas. E conclue o officio, por modo não menos curioso:
«Por ultimo convem ainda declarar que a situação relativa da antiguidade dos facultativos do banco e a que resulta da sua nomeação ministerial e do seu posterior serviço.»
Ora este officio, interpretando as palavras do decreto que tinha feito a nomeação dos facultativos do banco, foi presente a todos elles, que se conformaram com elle e o assignaram, como já tive occasião de dizer.
Apparece, porem, agora um facultativo do banco a re-
72 *
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clamar que lhe seja contado para o effeito da promoção o tempo que interinamente serviu no banco. Vejamos o que tem a responder a isto a douta, sabia e luminosa administração, a mesma que interpretava, como se viu, o decreto de 1885 que acabei de ler. Diz ella, informando sobre essa pretensão, em officio de ha poucos dias e que tem o n.° 2:243:
«É tambem um facto que o citado decreto, depois de mencionar os facultativos nomeados, pela ordem cm que os classificara o jury, para os sete lugares vagos, concilie com as palavras que o supplicante traslada para o seu requerimento. São as seguintes: «... e tendo ainda em attenção a proposta da mesma administração, e o serviço prestado por aquelles facultativos extraordinariamente no referido banco: hei outrosim determinar que esse serviço lhes seja contado para todos os effeitos legaes.»
Como v. exa. tem, por certo, presente e a camara, esta parte do decreto de 16 de julho de 1885, foi a que serviu á administração para escrever o seu officio de agosto do mesmo anno, em que assegurava que a contagem, para o effeito da promoção, do tempo do serviço dos facultativos interinos ou extraordinarios representaria uma violenta espoliação contra a qual não deixariam de sublevar-se e de protestar os prejudicados. E é essa mesma administração, composta até dos mesmos homens d'essa epocha, e permitta-se-me que eu insista n'este ponto, que em 1888 commenta pelo seguinte modo essa mesma parte do decreto de 1885:
«Entendo esta administração que um d'aquelles effeitos legaes é, como muito bem pondera o supplicante, o consignado no artigo 5.° do regulamento do banco, approvado por decreto do 9 de julho de 1885, dispondo o seguinte:
«Os cirurgiões do banco servirão por espaço de cinco annos, findos os quaes, e tendo cada um dos mesmos cirurgiões prestado quatrocentos cincoenta e cinco dias, pelo menos, de serviço de escala, passam desde logo á classe dos extraordinarios das enfermarias do hospital.»
Tudo isto é simplesmente espantoso. É a mesma administração, que tão clara e categoricamente dizia que o tempo de serviço interino, não podia ser contado senão para a reforma, e nunca para os effeitos da promoção, é a mesma administração, mais uma vez o consigno, composta dos mesmos individuos, que apparece agora a dizer absolutamente o contrario, contradizendo se d'esta maneira flagrante o impropria, que póde ser interpretada por varios modos, e nenhum seguramente em louvor d'ella. (Apoiados.)
E quer v. exa. e a camara saber a que dão causa similhantes aberrações? A que se insurja até centra ellas quem com ellas podia lucrar. E porque o facto a que alludo faz honra a quem o praticou, citarei o nome do reclamante em favor de que se cumpra a lei. É o sr. dr. Serrano, que já ha um anuo podia ter sido nomeado extraordinario de enfermaria, se lhe contassem o tempo de serviço interino. Repito, esta maneira de proceder faz honra ao sr. Serrano, que acima de quaesquer interesses pessoaes considera o cumprimento da lei, a qual se fosse interpretada como o deseja hoje a administração, o resultado dos concursos deixaria de prevalecer, para dar a precedencia ao patronato e ao nepotismo. (Apoiados)
Em presença do que fica exposto, ninguem duvidará da contradicção manifesta em que incorreu a administração. (Apoiados.)
V. exa., sr. presidente, comprehende, de certo, que este facto e grave, e tão grave que me obriga a dirigir algumas perguntas ao sr. ministro do reino, esperando cm que s. exa. se digne responder-me.
Está v. exa. resolvido a manter a genuidade dos concursos, a pratica estabelecida e a letra da lei, não contando o tempo interino de serviço para o effeito da promoção? Apoiados.)
No caso especial que se acha pendente, está v. exa. disposto a despachar cm sentido contrario da informação abusiva e iniqua, para lhe não dar adjectivação mais frisante, da administração? (Apoiados.)
Está v. exa. disposto a estranhar, se não a punir, como é seu dever, a administração pela insolita e contradictoria maneira como procedeu em assumpto de tanta importancia? (Apoiados.)
Por ultimo, está v. exa. lambem resolvido a acabar com o abuso das nomeações de facultativos interinos do banco, abuso esto que é a causa unica de reclamações como da que me tenho occupado? (Apoiados.)
Desde o momento em que este abuso termine, acabarão as causas de favoritismo; o sendo o sr. presidente do conselho, como já declarou na camara dos dignos pare, e é notorio, a sentinella vigilante das instituições, eu espero que s. exa. vigio pelo cumprimento da lei, para que não se dêem mais factos attentatorios, como é que denunciei, da moralidade e das leis do paiz. (Apoiados.)
Espero igualmente, sr. presidente, que s. exa. nos diga, se sabe, se effectivamente o facto a que hontem se referiu o illustre parlamentar e meu particular amigo, o sr. Arroyo, é ou não exacto. Diz elle respeito á agitação que, diz-se, lavra ria Arruda. O sr. presidente do conselho respondeu, conforme o seu costume nada absolutamente saber.
Ora eu tenho a observar lhe que tem ser sentinella e sem ser vigilante, pelo menos n'esta occasião, sei que foram solicitadas forças de cavallaria e de infanteria em numero relativamente; consideram para a Arruda, e que a escassez dos effectivos dos corpos da guarnição é tal, que não póde ir para ali o numero de praças requeridas pela auctoridade civil.
Mas, sr. presidente, se houver com effeito agitação, nós todos lhe conhecemos a causa. Reside ella na fórma deshumana como o governo tem procedido para com a Arruda. (Apoiados.) Nem com um bastardo se procede por similhante modo. (Apoiados.) Está isto na mente de todos, póde crel-o o illustre presidente do conselho. (Apoiados.}
Pois os srs. ministros vão reunindo e amontoando oiros e faltas de toda a ordem, e não querem que haja agitação e descontentamento no paiz? (Apoiados.)
E depois vem, como no principio d'este anno, insinuar que a agitação não era do paiz, mas promovida pelo pão negro da opposição!
Pois eu affirmo a s exas., sem receio de ser desmentido, que quem come pão negro não é a opposição, é o paiz inteiro, (Apoiados) em consequencia dos ininterruptos attentados, em que o governo é eminente, contra as liberdades publicas e justas aspirações dos povos. (Apoiados.)
Esperando as explicações do sr. presidente do conselho, eu rogo a v. exa., sr. presidente, que depois d'ellas se digne consultar a camara sobre se permitte que eu replique, como entender.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Sr. presidente, ainda bem que eu cheguei a horas de poder tranquillisar o illustre deputado, dando as explicações que s. exa. me pede; explicações que não me parece que versem sobre um assumpto tão grave que, pela minha demora de alguns instantes, perigasse a paz publica, ou a salvação da patria. (Riso.- Apoiadas.)
Mas, emfim, visto que o illustre deputado julgava necessaria a minha presença, e eu vim a proposito, aqui me tem para lhe dar todas as explicações que pediu.
Devo, porém, dizer com toda a franqueza que acho verdadeiramente extraordinario o caso a que s. exa. se referiu, porque o illustre deputado, se eu bem ouvi, pediu-me
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explicações sobre uma questão relativa á pretensão de differentes medicos do hospital, e que está pendente de exame e resolução minha.
Eu ainda nada resolvi, e acho extraordinario que s. exa. venha chamar a minha attenção no parlamento para este ponto, advogando a causa dos cavalheiros a que se referiu, contra outro, e que esteja, com a auctoridade da sua voz o com os seus argumentos, influindo para que ou resolva n'um certo sentido.
Repito, eu não tomei ainda resolução alguma sobre o assumpto.
As reflexões que s. exa. fez são de certo muito valiosas, e eu prometto desde já ao illustre deputado que hei do tomal-as opportunamente na devida consideração; mas o que é certo é que não posso deixar de attender igualmente ás rasões adduzidas pelo outro lado, (Apoiados )e de attendel as com toda a consideração e com todo o amor da justiça, porque é dever do meu cargo fazer justiça a todos.
O que desejo é que se reservem as criticas, os reparos e as censuras, que tenham de se fazer com relação ao meu acto, para quando esse acto esteja praticado e officialmente communicado aos interessados.
Esta questão póde tornar-se contenciosa, porque é uma questão de direito.
Se eu a resolver a favor de um, os outros dois podem recorrer para o tribuna administrativo. Se for resolvida a favor dos dois, é provavel que a parte não favorecida recorra tambem!
Isto é mais uma rasão para eu proceder com toda a gravidade, e examinar maduramente a questão. Só assim poderei fazer a justiça a que sou obrigado, e por isso só tenho a estranhar que s. exa. não espere que eu adopte uma resolução a respeito do assumpto, para depois, se ella não for conforme com a justiça e com o direito, o illustre deputado vir então censurar-me e chamar a attenção do parlamento para o meu acto.
É esta a minha unica estranheza.
Dê-me s. exa. tempo para estudar o assumpto, para ouvir as rasões que possa haver por uma e outra parte, para formar a minha opinião, e para tomar, emfim, uma resolução em harmonia com os preceitos legaes. (Apoiados.)
E é tudo quanto por agora posso dizer ao illustre deputado, sem entrar em apreciações sobre o assumpto.
Ainda hoje estive examinando por largo tempo o processo, mas não me foi possivel tomar uma resolução.
Se essa resolução houver de vir, como é possivel, em harmonia com as indicações que o illustre deputado acaba de favor, certamente que a administração dos hospitaes não póde ficar sem alguma correcção.
O que peço a s. exa. repito, é que não me obrigue a mais explicações, que não posso dar, desde que declaro á camara que o assumpto não está resolvido.
O illustre deputado chamou tambem a minha attenção para os acontecimentos da Arruda.
inda hoje, para me habilitar a dar informações ao sr. Arroyo, perguntei ao sr. governador civil de Lisboa se havia alguma perturbação da ordem publica n'aquella villa, e s. exa. respondeu-me que não.
Perguntei-lhe tambem se houvera requisição de força militar, e s. exa. informou-me que, tendo officiado no dia 16, requisitando para o Sobral de Monte Agraço a força que ali costumava estar e que, por necessidade de serviço, fôra retirada, essa requisição tinha sido logo satisfeita pelo ministerio da guerra.
É um simples expediente de administração. Todos os dias se estão fazendo requisições de força, e realmente não vale a pena chamar a attenção do governo e pedir providencias para um assumpto d'esta natureza.
Creio que são estas as explicações que o illustre deputado desejava; e se s. exa. No fim do seu discurso, não tivesse feito allusão a umas palavras que eu pronunciei na outra casa do parlamento, terminaria aqui as minhas considerações; mas s. exa. mais de uma vez alludiu ao facto de eu ter dito na camara dos dignos pares que era sentinella vigilante, e a verdade é que, segundo mo parece s. exa. não comprehendeu bem o sentido d'essas palavras, e a minha intenção talvez porque não fui bem claro quando fallei.
Eu nunca tive necessidade de ser sentinella vigilante, nem de empregar a minha vigilancia para defender de qualquer dos meus collegas, ou de qualquer dos meus amigos, os interesses publicos. (Apoiados) Tenho sido obrigado, por vezes, é certo, a empregar toda a minha vigilancia para os defender, mas não dos meus collegas ou dos meus amigos. (Apoiados.)
Era esta, sr. presidente, a explicação que eu desejava dar á camara, com respeito áquellas minhas palavras.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - O sr. deputado Baracho pede novamente que eu consulte a camara sobre se lhe permitte usar da palavra n'esta occasião.
Vozes: - Falle, falle.
Resolveu-se afirmativamente.
O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, começo por agradecer á camara a benevolencia com que annuiu ao meu pedido; e agradeço tambem ao illustre presidente do conselho as suas explicações, que se não me satisfizeram com relação á questão de ordem publica, agradaram-me mais do que eu esperava, relativamente á attitude que s. exa. se propõe assumir para com a administração dos hospitaes civis de Lisboa.
Pelo que respeita á questão de ordem publica, reconhece se facilmente que, a despeito do que s. exa. asseverou, a situação do paiz não e tão desaffrontada, não corre tão serena e mansamente, como se quer fazer suppor, por isso que se emprega a força, não de policia, o que seria normal, mas de infanteria e cavallaria, para conservar a ordem, senão para a restabelecer. (Apoiados.)
Eu estimo muito que a paz publica seja sempre mantida; mas pareço me que pelos processos de administração que o governo segue, ha de ella ser alterada em mais alguns pontos, porque as provocações são tantas, que a paciencia do paiz esgota se. E é preciso que se entenda que o paiz não é representado pelos syndicatos chorudos, pelas operações bem combinadas, nem pelas pingues administrações e governadorias de companhias e bancos. (Apoiados.) N'esta parte é que toda a vigilancia seria pouca, quer se seja ou não sentinella. (Apoiados.)
O paiz é outra cousa muito differente, e é por isso que é possivel tornar a repetir-se a agitação do começo do anno, porque o governo, de novo o asseguro, é emerito em provocar actos d'esta natureza. (Apoiados.}
E relativamente á phrase, que o sr. presidente do conselho pretendeu explicar, de sentinella vigilante, devo apenas dizer, o que se diz em technologia militar. S. exa. mudou a arma de hombro, (Riso.) mas continua a ser sentinella, o que me apraz registar.
A prova d'isto está em que s. exa. nos dá a grata noticia de que não vigia os seus collegas, e sim vigia os interesses.. . do paiz, e faz muito bem. (Apoiados.) E acrescentarei ainda que tem muito que vigiar. (Apoiados.)
Quanto á questão do hospital de S. José, replicou s. exa. em termos amaveis, o que muito lhe agradeço, parecer-lhe a questão deslocada. S. exa. não me comprehendeu, permitta-me que lh'o diga.
Por fórma alguma pretendi influenciar com a minha fraca e humilde voz sobre a resolução de s, exa. Reconhecendo, porém, um facto extranhavel e digno de censura, da administração d'aquelle estabelecimento, (Apoiados.) como é a contradicção flagrante em que ella está em documentos officiaes, (Apoiados.) entendi dever despertar a attenção de s. exa. para que corrigisse, como-lhe cumpre, esse desmandamento, e nada mais. (Apoiados.)
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Eu não tenho, por agora, grande empenho em saber como s. exa. despacha, nem como ha de resolver esse negocio, porque, se s. exa. o não resolver nos termos que eu entendo, por isso que a este respeito tenho idéas accentuadas, hei de interpellal-o de novo, e a seu tempo, sobre esse facto, e tornar-lhe a inherente responsabilidade.
Eu não quiz, repito, influenciar sobro a resolução de s. exa., mas apenas chamar a sua attenção contra a maneira escandalosamente contradictoria como procedeu a administração d'aquelle estabelecimento (Apoiadas.) Mas, como s. exa. disse que havia de compulsar documentos e consultar procedentes para a resolução d'esse negocio, eu folgo de poder fornecer lhe antecedentes. Não é a primeira vez que se ventila esta questão.
Ha tempo, não me occorre a data, mas é facil averigual a, foram postos em jogo interesses da mesma natureza, entre dois facultativos do banco do hospital de S. José, o sr. Schultz e o sr. Abilio de Mascarenhas, dois medicos o cavalheiros muito distinctos.
Se ao sr. Schultz fosse contado, para o effeito da promoção, o tempo que interinamente serviu no banco, ficaria mais antigo do que o sr. Abilio de Mascarenhas, que, entretanto, tinha pelo concurso a preferencia.
A administração foi n'essa occasião perfeitamente contraria á contagem do tempo ao sr. Schultz, quer dizer, informou como informara em 1885, em contradicção com o que informou agora.
Já vê o sr. presidente do conselho que nem os antecedentes faltam, sendo este um dos motivos por que eu fallo desassumbradamente sobre o assumpto, que, ao contrario do que s. exa. julga, eu reputo da maxima importancia. (Apoiados.)
Por ultimo, folguei cm ouvir declarar ao illustre presidente do conselho que ia estudar os documentos, e em virtude d'esse estudo proceder de modo a mostrar a sua independencia á administração.
Eu, no logar de s. exa., não deixaria tambem de lh'a mostrar, como a tenho mostrado, permitta-se me a immodestia, e por diversos modos, em differentes actos da minha vida. (Apoiados.}
Vozes: - Muito bem.
O sr. Serpa Pinto: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se me concede a palavra para o negocio ingente que já indiquei a v. exa.
O sr. Presidente: - O sr. Serpa Pinto dirigiu-se á presidencia para declarar que desejava usar da palavra para um negocio urgente, que era o fazer algumas considerações sobre a remessa de uns documentos que o sr. ministro da fazenda se tinha compromettido a mandar-lhe.
Consulto a camara sobre se permitte que o sr. Serpa Pinta use agora da palavra.
Resolveu-se negativamente.
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Interpellação dos srs. Dias Ferreira e Pedro Victor ao governo sobre a execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa.
O sr. Franco Castello Branco: - Requeira v. exa. que na discussão em que se vae entrar, e que versa incontestavelmente sobre um ponto politico e de administração importante, talvez o mais importante dos que ultimamente têem sido registados nos fastos da nossa historia constitucional, seja permittido a qualquer membro da camara tomar parte na interpellação, porque se verifica a hypothese do artigo 173.° do regimento seguindo-se a ordem da inscripção indicada no artigo 95.º e que alem d'isso possa cada orador usar duas vezes da palavra, applicando-se o que está indicado no final do artigo 94.°
Parece-me que está nas attribuições da presidencia o deferimento d'este pedido; mas se v. exa. não o entender assim, requeiro que seja consultada a camara a este respeito.
Assim se resolveu.
O sr. Dias Ferreira: - Começo por declarar a v. exa. e á camara, que folgo muito de ver presente n'este de bate o sr. presidente do conselho, como eu lhe tinha pedido por occasião de só discutir o parecer da commissão de resposta ao discurso da corôa, sem que o pedido importasse descortezia para com o ministro da pasta por onde principalmente correu este negocio, porque eu não quero fazer de cortezias a ninguem. Eram as necessidades da discussão, que tornavam indispensavel a assistencia do sr. presidente do conselho á liquidação d'este assumpto.
Mas antes do tudo quero marcar bem o terreno do debate; isto é, definir precisamente os termos em que tenciono tratar esta questão. (Apoiados.)
Não posso acompanhar a discussão do assumpto, ainda que não fosse tão grave, nos termos em que foi posta na imprensa periodica, e nos termos em que foi depois tomada pelo governo, que mandou instaurar procedimento criminal, de certo porque
reconheceu a existencia de factos punidos pela lei penal, com referencia á adjudcação dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Sr. presidente, para miro são essencialmente differentes as duas tribunas, a do parlamento e a da imprensa, e questões melindrosissimas que podem ser tratadas, e que têem sido muitas vezes tratadas, na imprensa periodica, não podem ser jamais trazidas aos debates do parlamento.
A imprensa discute como elemento individual ou social, mas fóra de todas as condições officiaes. Os membros do parlamento estão sujeitos ás prescripções do regimento, e, o que é mais, ás determinações imperiosas do mandato popular.
A imprensa está sujeita, pelas suas demasias, á responsabilidade legal, tanto no juizo criminal como no juizo civil, e os pares e deputados são inviolaveis pelas opiniões que preferirem, e pelos votos que derem, no exercicio das suas funcções legislativas.
Respeitando, portanto, a fórma por que se levantaram e correram na imprensa os debates, sobre a importantissima questão dos melhoramentos do porto de Lisboa, hei de todavia pôr a questão no terreno que julgo mais conveniente, ou antes no terreno em que costumo propor todas as questões no parlamento. Os factos graves c gravissimos, que referiam, ou a que alludiam a imprensa e a opinião, a proposito dos melhoramentos do porto de Lisboa, são estranhos ao meu discurso por falta de provas juridicas.
Se tivesse na mão provas claras, decisivas e concludentes dos factos narrados, na imprensa, com respeito ao procedimento do governo n'esta momentosa questão, havia de cumprir, sem hesitações nem condescendencias, com franqueza e hombridade, o meu dever.
Não teria a mais pequena duvida de vir propor á camará a accusação criminal dos ministros.
Não tenho, porém, elementos para entrar n'esse caminho, e por isso a accusação que faço ao governo é essencial e rigorosamente politica, mas unicamente politica, porque não descubro provas de incriminação penal em nenhuma das peças d'esse volumoso processo, que a imprensa e a opinião organisaram ácerca dos melhoramentos do porto de Lisboa.
As questões, que podem affectar a honra e a probidade individual, não as sei tratar senão no rigoroso desempenho das minhas funcções officiaes, e munido dos elementos de prova que são essencialissimas em materia tão delicada. Por isso que eu não podia, e portanto não devia, tratar de outra questão que não fosse a da responsabilidade politica do gabinete, é que eu reputava necessaria a presença do sr. presidente do conselho n'este debate, o que era tanto mais indispensavel, quanto que eu não acceito a jurispru-
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dencia constitucional, que está lavrando no paiz, de que a responsabilidade dos actos praticados na momentosa questão dos melhoramentos do porto de Lisboa é unica e exclusivamente do sr. ministro das obras publicas.
O governo é todo solidario. (Apoiados.} Os despachos ministeriaes mais importantes, que se encontram nos documentos publicados, foram todos proferidos em virtude da resolução do conselho de ministros; e, ainda que o sr. ministro das obras publicas não tivesse formulado n'aquelles termos as suas decisões, desde que está sentado junto dos seus collegas, tão responsaveis são estes como elle. (Apoiados.) A gloria ou responsabilidade é do todos e de cada um (Apoiados.)
O systema, que se vae accentuando na politica portugueza, de transformar as mais graves questões em questões puramente pessoaes, estremando-se o ministro d'esta ou d'aquella pasta, para tratar do ministros e não de ministerio, reputo-o subversivo dos principios, em que assenta o regimen parlamentar.
Mas é tão pronunciada a tendencia dos nossos homens publicos para as questões pessoaes, que é frequente ouvir se no parlamento a pessoas altamente collocadas, e não poucas vezes no proprio banco dos ministros, a seguinte linguagem verdadeiramente humilhante: «esta lei é progressista, aquella é regeneradora!»
Não é esse o meu caminho.
Hei de continuar a discutir as cousas, pondo quanto pospivel de parte as pessoas. Esta é a minha norma de proceder, especialmente na vida parlamentar.
Mas os srs. ministros não podem estranhar a attitude violenta, e por vezes offensiva, que tomou a imprensa periodica na discussão do procedimento governativo a respeito dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Pelo menos alguns dos srs. ministros não deveriam surprehender-se com as aggressões dos jornaes, porque conhecem, como eu, o velho adagio popular- quem semeia ventos colhe tempestades. (Apoiados.)
E, se o sr. ministro das obras publicas, em especial, durante a discussão d'este assumpto na imprensa teve maus quartos de hora, tinha já pago tudo adiantadamento, e não está devendo nada aos que aproveitaram esta occasião para tirarem desforra. (Apoiados.)
Mas eu quero conservar me completamente estranho a essas formas de debate. Não vejo diante de mim senão o governo, para lhe pedir a responsabilidade politica e financeira de ter usado da auctorisação, que lhe conferia a lei de 16 de julho de 1885, para fazer executar as obras do porto de Lisboa com infracção dos bons preceitos administrativos, sem contemplação com as circumstancias do thesouro, e contra a opinião, anteriormente compromettida de alguns dos membros do gabinete. Não tenho desejo nem empenho em que os srs. ministros fiquem n'uma situação desairosa n'este debate. Pelo contrario folgaria muito com que o governo se explicasse perante a camara e perante o paiz de modo tão claro, tão concludente e tão frisante, que se desvanecessem completamente as más impressões que lavram no publico ácerca do procedimento do governo na execução da lei, relativa aos melhoramentos do porto de Lisboa.
Sr. presidente, para dar ao assumpto o caracter de questão politica aberta, não ora a minha interpretação dirigida especialmente ao sr. ministro das obras publicas, nem ao ministro de outra qualquer pasta. A minha interpretação era dirigida ao governo, e não ao ministro de qualquer pasta em especial, o se a algum ministro em especial eu a quizesse dirigir, seria ao sr. presidente do conselho, que, depois de todos os desastres do governo em tão desgraçada questão, quiz fechar com chave de oiro esta serie do infelicidades, ordenando aos agentes do ministerio publico que instaurassem um processo crime, que, nos termos e nas condições em que nasceu, abrange de certo só pares e deputados, ou principalmente pares e deputados por factos relativos ao exercicio de suas funcções.
E muito influiram as questões do processo judicial e do inquerito parlamentar na minha resolução para annunciar a interpellação ao governo sobre a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Já quasi me fallecia o animo para renovar a discussão sobre um assumpto que discuti tão largamente nos debates sobre a proposta depois convertida na lei de 16 do julho de 1885, que ataquei com toda a vehemencia, por que vinha sobrecarregar o thesouro com obras, das quaes, se eram convenientes algumas, outras eram de utilidade duvidosa e podiam até importar graves perigos para a barra de Lisboa e para a navegação no canal.
O processo criminal com os commentarios da imprensa periodica, que lhe sei viram de base e de fundamento, é um acto tão extraordinario, e tão destituido de apoio em lei ou em precedentes, que me corria o dever de levantar mais uma vez a minha voz sobre o grave assumpto dos melhoramentos do porto de Lisboa, ainda que não discutisse a questão principal.
Reservo todavia pata o final do meu discurso a liquidação d'esta parte da interpellação para não prejudicar a ordem logica das idéas.
Devo, porém, dizer mais uma vez, como já disse na discussão da lei de 16 de julho de 1885, que não combato os melhoramentos do porto de Lisboa, nem haverá n'esta casa quem combata em principio esses melhoramentos. (Apoiados.) O que eu queria era que dos melhoramentos, propostos pelo governo, e votados pelo parlamento, se executassem só aquelles que as necessidades publicas reclamassem, que fossem compativeis com os recursos do thesouro.
Mas não venho hoje fazer o processo do parlamento que votou essa lei. O parlamento de 1885 procedeu na plenitude da sua jurisdicção constitucional com a mesma soberania e liberdade, com que nós apreciâmos e votâmos hoje sobre qualquer assumpto sujeito, á nossa deliberação (Apoiados.)
A questão das votações, que crearam a referida lei, para mim acabou.
O que discuto hoje é a responsabilidade do governo e a responsabilidade do governo na execução d'essa lei. Apoiados.)
A referida lei não impunha ao governo a obrigação de fazer os melhoramentos do porto de Lisboa. Pelo contrario, auctorisava o governo a adjudicar as obras. Portanto o uso d'aquella auctorisação é da completa o exclusiva responsabilidade do actual gabinete.(Apoiados.)
O parlamento, que votou a lei, procedeu como entendeu no uso liberrimo do seu direito.
Não devo voltar sobre este assumpto, porque não tenho a quem pedir a responsabilidade da votação, nem o governo quererá de certo declinar a responsabilidade integra e completa que lhe cabe, por ter usado da auctorisação, que lhe confere a lei de 16 de julho de 1885, quando d'ella podia deixar de usar. (Apoiados.)
Mesmo que a referida lei não contivesse apenas auctorisação, devia o governo, reputando inconvenientes as disposições, n'ella consignadas, quer para a administração publica, quer para a economia do thesouro, propor ás côrtes a revogação ou a modificação dos seus preceitos, em vez de se apressar a dar lhe execução.
Para accentuar bem a responsabilidade do governo n'esta questão, é preciso considerar a situação dos srs. ministros ao encontrarem no seu advento ao poder, votada a lei de 16 de julho de 1885, e em começo de execução, mas execução que não havia ainda creado direitos para ninguem, porque apenas estava feito o concurso para os projectos, e estes em poder da junta consultiva de obras publicas e minas para dar parecer sobre a idoneidade d'elles. Abstenho-me de apreciar a responsabilidade do partido progressista n'este assumpto, isto é, a responsabilidade dos
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pares e deputados progressistas, que no parlamento se pronunciaram sobre esta medida. Refiro-me só aos membros do partido progressista, pares e deputados, que manifestaram a sua opinião nos debates sobre a proposta de lei, e que se encontravam nos conselhos do governo no momento de começar a execução da mesma lei.
Aggrava muito a responsabilidade do gabinete a attitude que haviam tomado nos debates parlamentares sobre a proposta, depois convertida na lei de 16 de julho de 1885, alguns dos seus membros, aos quaes eu dou agora occasião de explicarem á camara e ao paiz desassombrada, clara e explicitamente, quaes foram as rasões imperiosas e as necessidades urgentes que os obrigaram a passar por cima das suas anteriores opiniões, que deviam ser a expressão verdadeira da sua consciencia, para espontanea mente virem dar execução a uma lei que continha apenas uma auctorisação, e cuja execução elles reputavam obnoxia ao paiz.
Abria o debate n'esta casa o actual sr. ministro dos negocios estrangeiros, então deputado, que tratara a questão com grande largueza e desenvolvimento, sobretudo debaixo do ponto de vista financeiro, apontando factos tão comprovativos da gravidade da nossa situação financeira, que não admittiam facilmente resposta, e tanto que não a tiveram.
As considerações, que o sr. Barros Gomes expoz sobre a situação do thesouro, eram então, como são hoje, as minhas.
O meu desejo era poder dizer às côrtes que o quadro, então feito pelo actual sr. ministro dos negocios estrangeiros, não era exacto, que o seu discurso de então se ressentia de uma triste preoccupação de espirito.
Mas, infelizmente, os factos por elle apontados eram verdadeiros, e as proposições que elle avançava não admittiam contestação.
Eu só tenho a acrescentar que a situação se tem aggravado, e se ha de aggravar successivamente, desde que os poderes do estado não pensam senão em augmentar as despezas e em desfalcar os reditos dos contribuintes.
Comquanto eu goste pouco de fazer leituras á assembléa, não a enfadarei de certo, lendo-lhe alguns periodos do discurso proferido por um homem tão competente e tão instruido nas questões financeiras e orçamentaes, como e o sr. ministro dos negocios estrangeiros. (Apoiados.)
Basta a leitura da moção por aquelle douto orador apresentada, para a camara ficar sabendo, o juizo que aquelle cavalheiro fazia da proposta, depois convertida na lei de 16 de julho de 1685, que os srs. ministros se apressaram a pôr em execução.
A moção era assim:
«A camara entende que nas actuaes condições do thesouro, quando annualmente se recorre ao credito por quantias superiores a 8.000:000$000 réis, não é opportuno emprehender obras cujo custo se eleva a mais de 10.000:000$000 réis, particularmente se para isso e mister realisar operações de credito, importando um encargo real de juro de mais do 7 1/2 por cento, equivalente ao preço das inscripções de 40 por cento.»
Convem notar que depois se assegurou no debate que os encargos subiam n'alguns casos a perto de 9 por cento!
Depois do calcular os enormes encargos, que pesavam sobre o orçamento do estado, e do declarar que só as despezas com a occupação do Zaire estavam calculadas em 500:000$000 ou 600:000$000 réis, com fundada rasão dizia o sr. Barros Gomes:
«Mas não ficâmos ainda por aqui.
«A camara votou, ainda que só ao tratar-se da votação apparecesse na sala o numero regimental de 56 srs. deputados, havendo-se passado, a discussão na presença de 6 ou 10, como eu mesmo verifiquei, a camara votou, repito, o caminho de ferro de Ambaca 324 kilometros a réis 20:000$000, o que importa uma despeza de 6.494:000$000 réis, equivalente a uma annuidade, ao juro de 6,5 por cento garantido pelo governo, do 422:000$000 réis.
«Mas ainda mais.
«Votámos o cabo submarino, o que representa uma garantia de juro, podendo elevar-se a 254:000$000 réis.
«Temos ainda em construcção o porto de Leixões, do qual se affirmava que havia de custar 4.500:000$000 réis, c que, segundo se diz agora, não ha de custar muito menos de 6.000:000$000 réis.
«Ha tambem o porto do Funchal, cujo custo ha de ser superior a 400:000$000 réis.
«Temos em andamento as obras do porto e linha ferrea de Mormugão; temos, construidos pelo governo, ou com garantia de juro, os caminhos de ferro da Beira Baixa, do Douro, do sul e sueste, de Torres Vedras e Cintra, de Mirandella, do ramal do Vizeu a Santa Comba; temos o edificio do correio; pedem-se-nos 50:000$000 réis para o lyceu, e não sei quantos contos ou milhares de contos para outras obras.»
Estas declarações do sr. Barros Gomes descreviam com toda a clareza e verdade a situação do thesouro em 1885, o mostravam que o estado do thesouro não permittia a execução n'aquella epocha de obras tão dispendiosas.
A situação financeira, propriamente tal é hoje a mesma, ou antes tem-se aggravado muito desde então para cá, (Apoiados.) porque em 1886 e em 1887 foi consideravelmente augmentada a despeza publica, tanto por actos dictatoriaes. como por decisões parlamentares, ora alargando-se os quadros do funccionalismo, ora contemplando-se com largos beneficios quantas classes os pediram. (Apoiados
E n'este anno desde a resposta ao discurso da corôa até hoje ainda não se apresentou na tela do debate um projecto, que não importasse augmentos de despeza, e alguns bem injustificados. (Apoiados.) E, peior ainda que o augmento de despeza, é que se têem aggravado os impostos a ponto de se absorver quasi a quota disponivel do contribuinte, que já está dando visiveis demonstrações de não querer, ou de não poder pagar mais. (Apoiados.)
Bem sinto que não esteja presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque queria perguntar-lhe como é que, não podendo o thesouro em 1885 com todas as despezas, já mencionadas, póde hoje com todos ellas, e alem d'isso com as obras do porto do Lisboa, e com todos os mais encargos já votados no consulado progressista, e pedir-lhe que me dissesse d'onde nos hão de vir os recursos para accudir a uma situação financeira tão violenta! (Apoiados.)
Ministros, que tremiam diante da despeza com as obras do porto de Lisboa em 1885, por ser muito grave a situação da fazenda publica n'aquella epocha, hoje que essa situação é gravissima, porque novas despezas vieram onerar o orçamento do estado, c porque novos saques se fizeram á bolsa do Contribuinte, não tem hoje a mais ligeira inquietação com os sacrificios que nos hão de custar os melhoramentos do porto de Lisboa!
Tambem já então se preoccupava o sr. Barros Gomes com a questão de moralidade ulteriormente agitada na imprensa periodica, e a que o governo deu curso official, mandando instaurar processo criminal por factos criminosos relativos ás obras dos melhoramentos do porto de Lisboa. Tão preoccupado estava n'essa epocha o actual sr. ministro dos negocios estrangeiros com a situação moral do paiz, que julgava indispensavel espalhar profusamente um livro de que elle deu noticia á camara, por entender que com a leitura do livro muito podiam ganhar as instituições.
Dizia o sr. Barros Gomes:
«Pois esse livro devia ser espalhado profusamente em Portugal. Talvez que as instituições ganhassem muito com sua leitura; talvez que a pureza d'ellas se sustentasse um pouco mais; talvez que a consciencia publica, firmada n'uma base «cientifica, podesse protestar melhor contra um certo industrialismo que invadia até a camara aos minis-
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tros até o recinto legislativo. Mas, sem insistir mais por agora n'este ponto, que é melindroso, continuarei no exame a queria procedendo da situação da fazenda no exercicio de 1885-1886.»
Esta asseveração feita por um deputado, hoje membro do governo, de que o industrialiamo tinha já invadido os gabinetes dos ministros e o recinto das camaras, e de que; por ser melindroso o negocio, não insistia agora n'este ponto, não é menos forte, nem menos significativa, do que a campanha de insinuações feita na imprensa periodica.
Estou lendo muito de proposito os trechos do discurso de um dos srs. ministros, que, antes de o ser, já dizia, a proposito d'esta questão, que o industrialismo tinha invadido as camaras dos ministros e até o recinto do corpo legislativo, e que acrescentava que não era mais explicito, por ser melindroso o assumpto.
Estas noticias que tinha, pelo menos, um dos ministros, de invasão do industrialismo nos gabinetes dos ministerios e não recinto das camaras, mais lhes augmentava o dever de procederem tão correctamente na execução da lei, que evitassem toda a occasião de suspeitas. (Apoiados.)
Eu não applaudo este systema de insinuações. Desde que não ha melindre para levantar uma insinuação que póde ser affrontosa, não deve haver escrupulo em seguir o facto até final.
Em todo o caso, desde que se achava nos conselhos da corôa quem tal conceito formava das circumstancias da proposta, quem via já o industrialismo invadindo o gabinete dos ministros e o recinto do poder legislativo, (Apoiados.) não póde surprehender se com a campanha depois instaurada na imprensa sobre este gravissimo assumpto.
Não affirmo nem nego a proposição do sr. Barro s Gomes, de que já então o industrialismo invadia os gabinetes dos ministros e o recinto das camaras legislativas.
0 que assevero é que o sr. Barros Gomos era incapaz de levantar tão affrontosa insinuação no exercicio das suas funcções parlamentares, se não estivesse profundamente convencido do que dizia a verdade, e que portanto lhe corria o dever de, com os seus collegas, proceder por fórma a não levantarem suspeitas de praticarem actos menos regulares a proposito de tão momentoso assumpto. (Apoiados.)
É muito interessante este discurso do actual sr. ministro dos negocios estrangeiros. Contém declarações preciosas para o assumpto que se debate, e explica o mais claramente possivel a paternidade d'esta obra monumental.
O auctor de todo o trabalho, o auctor da proposta depois convertida na lei de 16 de julho de 1885, é um benemerito progressista, a quem duas vezes o sr. Barcos Gomes teve o cuidado, de declarar seu correligionario.
D'esse homem dizia o actual sr. ministro dos negocios estrangeiros:
«Felizmente que se encontrou alguem mais feliz do que aquelle ex-ministro, alcançando o que elle não logrou levar por diante.
«O que não póde conseguir do sr. Fontes e dos seus collegas o meu antigo amigo e mestre, (referia-se ao sr. Antonio Augusto de Aguiar) respeitado por todos pelas qualidades que o ornam, obteve-o facilmente das boas graças do sr. presidente do conselho o digno par do reino o meu correligionario, politico o sr. Mendonça Cortez. Em verdade, a approximação d'estes dois cavalheiros foi fecunda e extraordinaramente feliz, e tão feliz mesmo que s. exa., o homem por todos considerado como occupando a primeira posição politica n'este paiz, carregado de serviços, parlamentar distincto, e tendo não só gerido os negocios publicos, mas presidido ás situações; homem em quem todos nós respeitâmos e venerâmos qualidades eminentes, este cavalheiro, digo, não duvidou, em taes condições, fazer-se portador do uma proposta redigida e formulada em nome e directamente por aquelle illustre progressista, o sr. Mendonça Cortez. S. exa. não hesitou, a camara toda o está presenceando, em reduzir-se á condição de simples portador de uma proposta confessadamente alheia.
«Vejam v. exa. e a camara, veja o paiz qual foi o exito d'esta approximação tão fecunda, particularmente quando se compara com o desastre do sr. Antonio Augusto de Aguiar, desastre de onde resultou a sua saida do gabinete de que fizera parte.»
Segundo as declarações, pois, du um dos actuaes membros do governo, o proprio presidente do conselho de ministros, e ministro da pasta por onde foi apresentada ás côrtes a proposta para as obras grandiosas no Tejo, não era o auctor d'essa providencia.
Era simples portador de uma proposta confessadamente alheia, formulada por um progressista.
É o que asseverava esse homem illustre, e por tantos titulos de auctoridade para a camara.
Em todo o caso ficou affirmado por um dos magnates progressistas, actualmente membro do governo, que o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa não era da iniciativa do ministerio que o apresentava, por que esse ministerio ora apenas portador da proposta, que um correligionario politico do actual governo, um progressista illustre, lhe depositara nas mãos!
Estes factos são significativos. Tem uma importancia que eu lhe não quero diminuir, nem augmentar, com quaesquer commentarios que podesse fazer-lhe.
Por isso me limito a narral-os sem lhes fazer a mais ligeira analyse.
Sinto muito, repito, que não esteja presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros para ouvir pessoalmente a reproducção das suas considerações, e para receber os parabens, que eu lhe queria dar, por se sentar actualmente nas cadeiras do poder, evitando assim o perigo de uma allucinação, a que difficilmente poderia escapar.
Tão preoccupado andava o sr. Barros Gomes com a situação da fazenda publica, que era grave pelo desiquilibrio orçamental, e gravissima pelos novos acrescimos de despeza com o caminho de ferro de Mormugão, com o caminho de ferro de Ambaca, com os caminhos de ferro da Beira Baixa, com o caminho de ferro do Douro, com o caminho de ferro de Torres Vedras e de Cintra, com os caminhos de ferro de sul e sueste, com o ramal de Vizeu, com os portos de Leixões e do Funchal, e com tantas outras despezas, já votadas pelo parlamento, que julgava, ou que o paiz ia seguindo n'um plano inclinado, ou que elle não tinha já suficientemente lucidas as suas idéas.
Dizia o sr. ministro dos negocios estrangeiros:
«Ora, pergunto, será rasoavel que em taes condições o governo venha de coração leve pedir-nos que se realise desde já uma obra na importancia de 10.800:000$000 réis?
«Meditando n'esta especie de vertigem em que vamos arrastados, é que todos ou quasi todos applaudem, começo a duvidar da lucidez das minhas idéas, e a suppor que sou eu o allucinado.»
Ora, sr. presidente, já se descobriu um remedio contra a molestia de allucinação, que é das mais graves que só conhecem, porque amortece no homem todos os privilegios e todas as prerogativas, com que a Providencia o dotou para o fazer o primeiro na escala da creação.
Qual é então o remedio contra a allucinação? Está descoberto. Não o descobriu nenhum medico. Não o descobriu nenhum homem da profissão.
Descobriu-o o sr. ministro dos negocios estrangeiros. Todo esse remedio se resume em saltar das cadeiras de deputado para os bancos do poder! O sr. Barros Gomes assim que subiu ao poder, ficou logo sem allucinações!
Perdeu o susto da allucinação. Já o não incommoda a vertigem das despezas, que oneram o paiz, nem das que estavam então já creadas, nem das que os poderes publicos tem creado, e estão creando.
A vida do actual governo tem-se limitado a empobrecer O paiz, elevando as despezas e augmentando os impostos,
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prejudicando assim o desenvolvimento da riqueza publica, sem fallar por agora nos golpes mortaes, que tem descarregado no prestigio do systema representativo. Mas agora esses males não allucinam o sr. Barros Gomes.
Finalmente, tanta impressão fazia ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a proposta dos melhoramentos do porto de Lisboa, não só porque o assumpto não estava bem estudado, mas ainda porque compromettia o futuro financeiro do paiz, que terminava o seu discurso, pedindo ao governo que fechasse o parlamento em nome da salvação publica.
Não quero privar a assembléa do fecho do discurso do sr. Barros Gomes, que para o caso é monumental.
S. exa. concluia assim:
«Respondendo á vehemente accusação por mira formulada ha dias contra o sr. presidente do conselho, pelo desprestigio que s. exa. acarretara sobre o parlamento, o sr. Fontes asseverou que, mais do que ninguem, elle o sabia respeitar, porquanto lhe devia tudo quanto era.
«Pois bem, é em nome d'esse amor e respeito pelo parlamento, é em nome das recordações que fazem com que s. exa. veja no systema representativo a base, aliás justa, da sua elevação politica no paiz, que eu lhe rogo, movido unicamente por um sentimento de patriotismo e de dedicação pela causa publica, que o governo fecho as camaras sem demora, e evite assim que estejamos aqui a votar por esta fórma projectos que me não parecem suficientemente amadurecidos, e que compromettem o futuro financeiro do paiz por maneira tal que será impossivel, sejam quaes forem os sacrificios a que ainda possam submetter-se os contribuintes, salval-o de uma crise desastrosa, que é a um tempo uma calamidade e uma queira lamentavel de brio e pundonor.»
Com os actuaes ministros no poder não desejo eu côrtes, comquanto não espere d'ellas nada util para o paiz. Peço apenas que se limitem os trabalhos parlamentares a simples rhetorica, que é o que menos mal póde fazer ao paiz.
Apesar do tudo sempre as côrtes vigiarão mais do que o sr. presidente do conselho, que se intitulou a si mesmo sentinella vigilante, como se as suas responsabilidades não fossem inteiramente iguaes ás do todos os seus collegas!
Mas, como eu dizia, o sr. Barros Gomes era mais radical: queria que se fechassem as côrtes, e eu pelo contrario, receioso do que irá por esse paiz, quando o ministerio se vir inteiramente desembaraçado das côrtes, desejava que se não fechassem, mas que fizessemos só rhetorica, porque se não discutirmos projecto algum, o contribuinte levantará de certo as mãos ao céu, reconhecido ao nosso patriotismo! «Mas o sr. Barros Gomes entendia, e muito bem, n'aquella occasião, que o melhor era fechar o parlamento, porque no caminho de desgraças em que seguiam os poderes publicos, qualquer que fosse o sacrificio, que pedissemos ao contribuinte, uma bancarota seria inevitavel.
Era esta a apreciação que das circumstancias financeirar do paiz fazia o actual sr. ministro dos negocios estrangeiros, quando este gabinete se organisou, e tratou de dar execução á lei de 16 de julho de 1885.
A opinião do actual sr. ministro da justiça, comquanto não fizesse discursos, foi ainda mais pronunciada contra a proposta dos melhoramentos do porto de Lisboa, do que a do sr. Barros Gomes, porque capitaneou, como verdadeiro revolucionario, as hostes progressistas, que d'essa vez, como já de outras vezes tinham feito, abandonaram em revolução a sala das nossas sessões.
Não assisti a essa demonstração ruidosa, porque ninguem me encontra nas discussões, que só prolongam alem das onze horas da noite, quando o meu voto e a minha palavra o sejam absolutamente inherentes para os interesses do paiz.
Dizia o sr. Beirão:
«Quando vejo, porém, que, faltando meia hora para a meia noite, se levanta um deputado da maioria e requer que se prorogue a sessão até se votar o projecto, apesar de ainda se acharem inscriptos deputados da opposição, (Apoiados.) e deporá do sr. presidente do conselho ter provocado um dos membros mais distinctos da maioria progressista, que se viu assim obrigado a pedir a palavra para lhe responder; (Muitos apoiados.) convenço-me que só quer levar de afogadilho (Muitos apoiados.) um projecto com que se vão gastar 10.800:00$000 réis! Faltará para se encerrar a sessão, segundo a praxe, apenas meia hora. (Apoiados.) Eu não me atrevo, pois, a fazer as considerações que tinha a apresentar; seria dilatar a sessão até fóra da hora, cansar a camara e fatigar-me sem proveito, e por isso limito-me a declarar em meu nome e no da opposição progressista, porque estou auctorisado para o fazer, que nos retiramos; (Muitos apoiados.) e protestâmos, não diante do publico, porque apesar da importancia attribuida a este projecto, as galerias estão desertas, mas diante do paiz, que ámanhã ha de ter conhecimento d'este facto. (Muitos apoiados.)
«E, com tanta mais confiança, nos abalançâmos a proceder assim, quanto lemos a convicção de que este protesto ha de ter maior importancia do que os nossos discursos.
«Protesto, pois, contra mais um acto, que não é senão a continuação, ou do systema, inaugurado e seguido pelo actual governo, ou da tendencia, que parece, lhe é natural, de desprestigiar por todas as maneiras o systema parlamentar. (Muitos apoiados.)
«O meu voto era fundamentalmente contrario ao projecto; tinha tenção de o desenvolver; mas desde que se me concedeu do tempo ordinario da sessão só dez minutos, limito-me a lavrar contra o que se está passando, em nome da opposição progressista, um protesto solemne perante o paiz, e retiro-me.»
Qualifico de revolucionario o acto praticado pelos progressistas á voz do cominando do sr. Beirão, porque julgo que o acto mais subversivo de todos os principios constitucionaes que podo praticar um par, ou um deputado, um grupo ou um partido, é desertar do parlamento. (Apoiados.)
Ora no Diario das cortes diz-se em seguida á declaração do sr. Beirão que o orador saiu da sala, acompanhado pelos deputados da opposição progressista. Foram, pois, dois dos actuaes ministros os dois oradores que abriram e fecharam o debate contra o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Abriu o debate o sr. Barros Gomes, erguendo bem alto o pregão da bancarota.
Fechou o debate o sr. Beirão, levando nas suas mãos a bandeira da revolta.
Tão grave reputavam elles a medida que só estava discutindo, e que depois vieram com tanto afan executar!
O sr. ministro da fazenda n'essa occasião ficou só, em aberta opposição com os seus correligionarios, tornando-se n'esta medida mais ministerial, que os ministros de então, porque apresentou uma proposta, que foi acceita como era de esperar, para que, não apparecendo licitantes no concurso, o governo fizesse a obra por sua conta.
Constituindo-se pouco depois governo com estes elementos, cujas divergencias, n'uma medida capital de administração, eram perfeitamente accentuadas, o que era do esperar? Que a medida fosse por diante? Não? Que se pozessem inteiramente de parte os melhoramentos do Tejo? Não.
Obras havia, que todos reputavam necessarias, e d'estas algumas que não custavam um real, porque podiam ser entregues, sem inconveniente, á industria particular.
Porém o que ninguem, de certo, imaginaria é que o governo usasse da auctorisação, puramente facultativa, que a lei lhe dava, para levar por diante uma operação perfeitamente ruinosa, cujos encargos o sr. Barros Gomes na sua moção computava em 7 1/2 por cento, e que no correr da discussão se apurou poderem ir até perto de nove, uma
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operação em que o governo havia de pagar por 90$000 réis obrigações que agora lhe recebiam a 70$000 réis e uma fracção!
O que era, pois, de esperar de um governo medianamente sensato, era que trouxesse outro projecto ás côrtes com a determinação especifica dos melhoramentos do porto que reputasse absolutamente indispensaveis, e com o remodelamento completo de bases financeiras, destinadas a occorrer aos encargos com obras tão dispendiosas.
Procedeu o governo assim? Recuou porventura diante do uma providencia, cujas condições financeiras eram já na epocha da promulgação da lei extremamente onerosas para o thesouro, e que se tornaram carissimas com a elevação do preço dos nossos fundos?
Pelo contrario. Com o maior afan e com uma pressa sem explicação, não descansava o governo nas diligencias para dar quanto antes execução plena a uma medida nefasta sob o ponto de vista administrativo e sob o ponto de vista financeiro.
Como terei occasião de mostrar á camara, ás vezes no mesmo dia, em que a junta consultiva de obras publicas dava o seu parecer, proferia o governo a sua resolução sobro assumptos gravissimos e importantissimos. O enthusiasmo com que o governo se apressou a usar da auctorisação que a lei lhe dava, e de que podia deixar de usar, e o afan com que procurava tornar em realidade essa auctorisação, sem embargo da opposição extraordinaria que o partido progressista lhe fizera, carece de larga explicação.
O que e certo é que dois dos actuaes ministros, e um capitaneando o partido progressista em revolução, se pronunciaram do modo mais estrondoso contra o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, que consideravam altamente ruinoso paia as finanças do estado, o que depois esses mesmos ministros, com pleno assentimento e applauso dos seus correligionarios, se apressaram a dar andamento rapido e prompto a uma medida que não estavam obrigados a cumprir, porque continha simplesmente uma auctorisação!
O partido regenerador, propondo ás côrtes a construcção das obras do porto de Lisboa, faria um mau serviço ao paiz, mas declarava, e podia estar convencido, que esta providencia era de manifesta vantagem publica.
Porém os que combateram o projecto com todas as suas forças, e que reputavam ruinosas as bases financeiras da medida, receando até a bancarota, é que não podiam depois nas cadeiras do poder levar á pratica uma obra, que estavam auctorisados a não executar.
E n'este ponto o accordo dos srs. ministros foi sempre completo.
Raro é o dia em que a imprensa não annuncia divergencias entre os srs. ministros ácerca de qualquer assumpto de administração ou de finanças, como a respeito do projecto dos tabacos, a respeito da reforma judicial e de outros assumptos.
Mas a respeito das obras do porto de Lisboa nunca no conselho de ministros se levantou divergencia que chegasse ao conhecimento do publico.
Quando se tratou, não de cumprir um preceito obrigatorio, mas de usar da auctorisação para fazer um saque de 11.000:000$000 réis sobre o contribuinte, os srs. ministros formavam em columna cerrada para esmagar á custa do thesouro todos os seus anteriores compromissos!
É indispensavel que o governo para bem do paiz, e no interesse do prestigio das instituições, explique claramente ao parlamento as rasões que o moveram a usar, n'estas circumstancias, da auctorisação que lhe dava a lei de 16 de julho de 1885.
Os srs. ministros podiam perfeitamente prescindir de usar da auctorisação, que um governo anterior pedira.
Mas, sã julgavam urgentes alguns ou mesmo todos os melhoramentos na mencionada lei comprehendidos, viessem ao menos pedir ás côrtes a alteração das babes financeiras d'aquella medida, para não onerarem o thesouro com uma operação de encargos fabulosos nas actuaes circumstancias do credito publico.
Pois não fizeram assim, e aqui está a primeira e a principal de todas as suas responsabilidades, que pesará sempre de um modo desfavoravel sobre todos e sobre cada um dos membros do governo, se não disserem muito clara e muito explicitamente as rasões por que mudaram do opinião, applaudindo hoje uma providencia, que ha bem pouco tempo julgaram financeiramente ruinosa, e incompativel com as forças do thesouro.
Sinto grande repugnancia em voltar a um assumpto que discuti largamente durante duas sessões n'esta casa; mas as necessidades do debate podem obrigar-me a referencias mais ou menos directas, ao que então expuz á assembléa, no interesse da clareza que quero manter em todo o meu discurso.
Desejo que todos comprehendam o meu pensamento, e que o governo possa destruir uma a uma as apprehensões do meu espirito com respeito a esta malfadada questão.
Não tenho interesse pessoal, nem proximo, nem remoto na empreza dos melhoramentos do porto de Lisboa, nem conheço pessoa alguma das que n'ella figuram.
Não tenho outra ambição no debate sobre este gravissimo assumpto, que tomou no publico proporção muito singular e extraordinaria, senão habilitar os srs. ministros, no interesse das instituições e para honra do paiz, a explicarem tão claramente os seus actos, que apaguem de todo as más impressões do publico a respeito d'elles.
É grande tambem a responsabilidade do governo por ter feito a adjudicação das obras sem estarem concluidos os estudos indispensaveis reclamados pelas estações competentes.
Tanto a commissão nomeada em 1871, cimo a commissão nomeada em 1883, para darem o seu parecer sobre os melhoramentos do porto de Lisboa, notavam a falta de estudos e de indicações precisas e claras sobre a velocidade das correntes, sobre as condições das marés, e sobre o estado da barra, ou antes sobre a influencia que na barra o no canal podiam exercer as obras projectadas na margem norte do Tejo.
O que sobre tudo preoccupava os homens technicos, ou mais dados ao exame d'este assumpto, era a falta de estudos ácerca dos elementos de que depende a conservação do estado da barra.
As excellentes condições da barra do Lisboa dependem da magnifica enseada que precede a foz do rio, fechada pelos cabos da Roca e de Espichel, das condições do mar da palha que armazena aguas do oceano, e do estado do canal interior que faz o transporte das aguas entre o mar da palha e o oceano Atlantico.
Agora estão sustentando alguns engenheiros, como já muita gente, por occasião de se discutir a lei do 16 do julho de 1885, sustentava, que as obras projectadas na margem direita do Tejo podiam prejudicar especialmente a barra de Lisboa; e já então eu pedi aos nossos homens da governança que tivessem caridade com o paiz na questão do porto de Lisboa, que se contentassem com ter entregado tanta causa de coração leve, e sem perderem o somno, que ao menos deixassem em paz, como ultimo refugio, á nação portugueza a barra de Lisboa!
Não admitte duvida que o avançamento dos muros e dos caes acostaveis sobre o coração da corrente para rectificar a margem direita do Tejo, diminuindo o estuario do rio, diminuo pela natureza das cousas a porção de aguas do oceano que o mar da palha armazena, porque não póde entrar agua em tanta quantidade desde que é creada pelas obras a superficie molhada do canal.
(Interrupção.)
Mas eu não sou doutor em engenheria, que é o que hoje vale. (Riso.)
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E, porém, certo que estas duvidas são postas por pessões technicas, e que ninguem lhes responde.
Pois não sustentam homens competentes que a suppressão do canal que, separava a torre de Belem da praia do Bom Successo, muito contribuiu para a diminuição que se nota na profundidade da barra, comparados os resultados das sondagens feitas em 1811 com os estudos feitos em 1845?
Não attribuem muitos a differença de profundidade da barra, aliás insignificante, que deram os estudos de 1879, comparados com os de 1845, á influencia das obras do pequeno aterro ultimamente construido á Boa Vista?
E quem responde a estas considerações que são publicadas na imprensa e que sobresaltam o espirito de todos os que reputam a barra de Lisboa a primeira riqueza do paiz? Ninguem.
Tambem é corrente entre os homens praticos e conhecedores das correntes do Tejo que, regularisada a margem norte do rio com um caes avançado, que aperte acorrento já de si violenta desde o pontal de Cacilhas até a torre de Belem, não só os navios fundeados no Tejo podem correr grande perigo, por melhores que sejam as suas amarrações, mas hão de os pequenos barcos luctar com graves difficuldades para fazerem a travessia no canal entre Cacilhas e Belem ao mais pequeno golpe do mar que se levante.
Estas apreciações são de homens muito entendidos que eu percebi perfeitamente, porque o meu espirito não está allucinado. (Riso.)
Nem o governo tem desculpa, porque foi devidamente aconselhado a não se metter n'estes trabalhos sem estudos previos ácerca das correntes das marés e da influencia das obras na barra e no canal interior.
Deu-lhe o conselho a junta consultiva de obras publicas e minas, por unanimidade!
Para em tudo ser singular, extraordinaria e peregrina esta, providencia dos melhoramentos do porto de Lisboa, até a proposito d'ella houve engenheiros tanto nacionaes como estrangeiros que propozeram economias?
Varios engenheiros portuguezes e estrangeiros sustentaram que as obras eram excessivas, que não era preciso gastar tanto dinheiro para dotar convenientemente o porto de Lisboa.
Mas o governo seguia sempre ávante. O governo ouvia commissões officiaes, ouvia engenheiros distinctos, e cada um lhes dava a sua informação. Mas elle adoptava sempre os pareceres que lhe aconselhavam mais obras, e obras em que se gastasse mais dinheiro: e o processo de adjudicação dos melhoramentos do porto seguia sempre a marchas forçadas pura chegar quanto antes ao seu termo!
Debalde clamavam engenheiros de auctoridade decisiva n'estes assumptos, e muito considerados pelo governo e pelo paiz, ponderando lhe que não adjudicasse desde logo todos os trabalhos, que começasse com obras n'um ponto restricto, concentrando-as entre o Caes dos Soldados e a Praça do Commercio, e deixando á experiencia ensinar se ellas deviam continuar no resto da primeira secção.
O governo a todos estes conselhos fechava os ouvidos, saltava por cima de tudo, o seguia n'uma Carreira vertiginosa até chegar ao fim desejado da adjudicação de todas as obras da l.ª secção!
Já quando foi mandada ouvir a junta consultiva sobre a primeira proposta, que outro governo aqui apresentou, a junta se queixou do que lhe pedissem o parecer com tanta pressa.
Mais eu gosto d'esta nossa junta, que, desde que os ministros entram em linha, não desfaz nunca no que faz o governo, (Riso.) procurando todavia manter-se dentro das condições regulares e normaes, (Apoiados.) e desviar de si quaesquer responsabilidades.
É notavel, não só debaixo do ponto de vista administrativo, mas tambem debaixo do ponto de vista politico, o parecer da junta consultiva sobre o projecto espectaculoso, elaborado pela commissão nomeada em 16 de março de 1883.
Esta commissão fez um projecto de melhoramentos para o porto de Lisboa, tornando por modelo as obras do porto de Anvers, onde o rio não tinha agua, nem fundeadouro, o cujas margens do largura entre 270 e 600 metros foram rectificadas sendo hoje de 350 metros a largura!
Em Anvers fizeram-se grandes escavações para dar fundeadouro aos navios, e em Lisboa entulha-se e aterra-se o Tejo para construir docas!
Taes são as similhanças entre o porto do Anvers e o de Lisboa para as obras d'aquelle servirem de modelo a este!
As primeiras condições que se exigem em qualquer porto são o facil accesso á barra, e o bom fundeadouro para os navios dentro do porto.
Ora o accesso á barra de Lisboa é facilimo a toda a hora, e, salvo rarissimos casos, com todo o tempo. Apenas de vez em quando, os nevoeiros na enseada entre cabos prejudicam a entrada do porto, ma esses mesmos facilmente se dissipam.
Quanto a fundeadouro temos no Tejo o primeiro do mundo.
O estuario do Tejo pelas suas condições magnificas não tem rival.
É um canal em que o percurso das marés é approximadamente de 90 kilometros, contando da torre de S. Julião. Podemos abrigar no Tejo toda a marinha do mundo! O Tejo é uma grande doca sem caes. Só lhe faltam os aperfeiçoamentos modernos para embarque e desembarque do passageiros, e carga e descarga de mercadorias.
Pelo contrario Anvers nem tinha barra com accesso facil, nem fundeadouro.
Pois do que se haviam de lembrar os sabios da nossa terra? De tomar para moldo das obras do porto de Lisboa, onde é facilimo o accesso á barra, e magnifico o fundeadouro, um porto como o de Anvers, em que antes de tudo se luctava com falta de agua para ancoradouro dos navios!
Depois decretaram-se obras espectaculosas, e que custam rios de dinheiro, para o porto de Lisboa, que e de escala, á similhança do que se fez em Anvers, que é porto terminus.
Lisboa não é um porto terminus, onde se completo a carga ou descarga das grandes embarcações, mas um porto de escala. Não póde ser um grande porto de importação e de exportação, porque o continente do reino representa uma pequena facha de terreno entalada entre territorio hespanhol e o oceano Atlantico, e nós não podemos absorver, por mais grandiosas que sejam as obras que façamos nos nossos portos, o commercio dos portos hespanhoes, quer do Mediterraneo, quer do oceano.
Mais temos manifestado essa mania, sempre que queremos sobrecarregar os contribuintes com obras hydraulicas ou terrestres.
Nós construiamos o porto de Leixões, e subsidiavamos caminhos de ferro em terras de Salamanca, na idéa de conquistarmos para a cidade do Porto o movimento commercial da barra de Vigo; e com as obras do porto de Lisboa imaginámos desviar para a capital do reino o movimento commercial do porto de Huelva, e talvez de Sevilha e de Cadiz!
Ora o commercio não procura os portos de mar simplesmente por n'elles encontrar as precisas commodidades. É sobretudo indispensavel que as relações commerciaes e industriaes ahi chamem o movimento maritimo.
Vigo, com uma das melhores barras do mundo, ainda não póde vencer, nem sequer competir com a cidade do Porto, que aliás possue uma barra perigosa, e até inaccessivel em certos dias do anno.
É excellente sem duvida a posição do porto de Lisboa.
Estão-lhe na frente as principaes linhas de navegação
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que fazem a carreira entre a Europa, a Africa, a America e a Occania.
Nenhum outro porto da Europa, sob o ponto de vista geographico, se acha em tão excellentes condições. Mas nas regiões, que este porto é destinado a servir, como porto de penetração maritima, falta a densidade da população, e sobretudo a grande actividade industrial, que faz de Liverpool e de Anvers dois grandes emporios commerciaes.
Não precisavamos, pois, de obras tão espectaculosas como despendiosas.
Tinhamos bem perto as provas de que com 2.000:000$000 réis se faria o indispensavel para o movimento presente do porto de Lisboa, sem prejudicar quaesquer obras que o movimento de futuro reclamasse.
Construiu a companhia do caminho de ferro do norte e leste, para seu serviço, duas pontes que lhe custaram, uma 90:0000$000 réis e outra 70:000$000 réis, ou as duas 160:000$00000 réis que, segundo a opinião de homens competentes, podem dar vasão, durante o anno, a 200:000000 toneladas; e por isso poderia o estado, segundo aquelle modelo, construir dez ou doze pontes, que era o sufficiente para a carga e descarga das mercadorias, com o que não gastariamos mais de 1.000:0000$000 réis a 1.200:000$000 réis.
Sustentou aqui este parecer por occasião do debate sobre a proposta, depois convertida na lei de 16 de julho de 1885, um engenheiro distinctissimo, que ninguem podia accusar de parcial ou de apaixonado por motivos politicos, assim como sustentou com argumentos, que não tiveram então, como não terão nunca, resposta, que as docas hão unicamente precisas nos portos que não têem fundeadouro capaz, e em que os navios têem de demorar-se, como em Liverpool, em Anvers, mas não em Lisboa, onde a navegação é propriamente de escala.
Mas, porque se não adoptou, ou ao menos, porque se não estudou este plano de um doutissimo engenheiro portuguez, que era tambem o plano de engenheiros inglezes eminentes?
Porque não custava 11.000:000$000 réis!! SE representasse uma obra espaventosa, e que custasse muitos milhares de contos de réis ao paiz, teria tido logo seguimento!
Mas, pondo de parte estas considerações, e seguindo na minha ordem de idéas, vou dar conta á camara do primeiro parecer da junta consultiva de obras publicas sobre estes trabalhos monumentaes, e chamo para elle a particular attenção da camara.
Foi redigido esse parecer pelo sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, cuja auctoridade na materia todos respeitam, e que durante muito tempo foi o relator de todos os pareceres da junta sobre a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa, deixando de figurar o seu nome nas consultas d'aquella estação official sómente quando a questão tomou um caminho altamente condemnado pela opinião. Dizia a junta n'esse parecer, que tem a data de 21 de abril de 1884, e que é redigido pelo sr. João Chrysostomo, que não poderia de certo desempenhar-se da ardua incumbencia tão satisfactoriamente como desejára, attenta, entre outras rasões, a da escassez do tempo, que apenas lhe permittira por alguns dias o exame e estudo de assumpto tão vasto e complicado, acrescendo ainda para o tornar mais difficil, como a commissão repetidas vezes declarára e reconhecida, a falta de muitos conhecimentos technicos importantes, sem o auxilios dois quaes se não poderiam conhecer completamente as condições do regimen actual do Tejo nas differentes secções do seu estuario e na barra e costa de mar adjacente, condições estas que mais ou menos podiam influir no bom estado da barra e porto de Lisboa, e cujo conhecimento era por conseguinte essencial para se apreciar com segurança a influencia que podem ter no mesmo regimen as obras projectadas, que, no entretanto, o crudito e excellente relatorio que lhe era presente, contendo muitas e ponderosas considerações, quer de ordem technica, quer de ordem economica e administrativa, resultado de numerosas investigações e de um largo e detido estudo o discussão no seio de uma commissão composta de pessoas da maior competencia e illustração, imprimia desde logo na junta tal confiança nas indicações da commissão que alliviavam o peso da sua responsabilidade, tendo de emittir um parecer sobre tão variadas questões, quando fôra aliás tão, incompleto e restricto o exame, e estudo que poderá effectuar em tão curto praso, e quando era tão transcendente o vasto o assumpto; mas que em vista do exposto, não duvidava acceitar e approvar na generalidade as indicações da commissão, e que são a summuladas idéas e das investigações e estudos a que a mesma commissão procedêra, tanto mais que essas indicações não dispensavam, como a mencionada commissão advertia, os projectos especiaes para as obras indicadas, nem dispensaram a continuação dos estudos, ainda assás incompletos do regimen do Tejo e marés, tanto em relação a sondagens de aguas e de terrenos, como em relação á velocidade e direcção de correntes, quer fluviaes, quer maritimas, e emfim em relação a outros pontos que não estavam ainda perfeitamente estudados, como era a questão dos assoriamentos (attrerrissements et affouillements) no alvo do Tejo, e em que logares se davam uns ou outros.
Pergunto eu agora, procedeu-se aos estudos, que ajunta n'este parecer reputava absolutamente indispensaveis, para se apreciar com perfeito conhecimento de causa a influencia das obras projectadas, e hoje adjudicadas, no estado da barra, e no regimen do estuario do Tejo?
E se o governo, como lhe cumpria em conformidade d'aquelle parecer da junta, mandou averiguar as condições do estuario do Tejo, e do mar da palha, e a influencia que no regimen da barra podiam porventura exercer as obras adjudicadas, onde param esses estudos? Não tenho noticia d'elles.
O que eu vejo é o governo seguir com pressa na execução da lei.
De estudos ou trabalhos, que importassem demora ou execução do projecto de empenhar o thesouro em mais 11.000:000$000 réis, não queria o governo saber. O que queria era levar por diante, e sem perda de tempo, ainda passando por cima de tudo, o plano de gastar réis 11.000:000$000!
Bem desejo eu que o governo possa explicar cumpridamente á camara que, em cumprimento do parecer da junta, se fizeram tantos estudos, que podemos estar completamente socegados e seguros, de que as obras adjudicadas não poderão jamais prejudicar, nem o regimen do Tejo nem as condições, da barra!
Mas eu estou desconfiado de que nenhuns estudos só fizeram apesar do parecer da junta, porque a paginas 272 do livro de documentos, agora distribuido, encontro uma declaração, sobre o assumpto, dos engenheiros encarregados de elaborar o projecto para o concurso, que reputo extremamente grave, por cima da qual passou a junta consultiva de obras publicas no seu parecer, sem lhe fazer sequer referencia, e que o governo acceitou bem a menor hesitação, fiel ao seu systema de marchar sempre ávante no empenho de gastar 11.000:000$000 réis ao paiz.
Esta declaração encontra-se no seguinte periodo:
«Se, porem, se attender a que a velocidade maxima actual não é uniforme em toda a largura do rio, sendo mesmo invertida junto as margens, formando revessas, e a que a linha do caes exterior, tenderá a uniformisar a velocidade, das aguas, fazendo desapparecer ou reduzindo a das correntes irregulares, revessas, ou estoques de agua, que são os accidentes que mais prejudicam a marcha ou estacionamento dos navios, póde concluir-se que as condições de regimen do rio, no que respeita ás condições de navegação, o fundeadouro, não serão sensivelmente prejudicadas, sendo mesmo possivel que sejam melhoradas.»
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Sr. presidente, pois tom desculpa ou absolvição um governo quo manda fazer obras n'um canal maritimo, que em si resume a primeira riqueza da nação, depois de lhe terem dito os homens competentes que essas obras podem prejudicar, ainda que não sensivelmente, as condições da navegação e do fundeadouro?!
Pois vão fazer-se, á custa de rios de dinheiro, umas obras, que, longe de deverem melhorar necessariamente as condições da navegação, vão, e Deus sabe, se sensivel, se insensivelmente, prejudical-a?
As corporações technicas, encarregadas de informar o governo, asseveram que as condições de navegação e do fundeadouro do rio poderão ser prejudicadas; e o governo, que devo saber que a inutilisação ou o descredito do porto de Lisboa poderia dar em terra com a vida economica da nação, em vez de moderar os seus enthusiasmos e os seus furores pela execução das obras, e ouvir de novo as pessoas nacionaes ou estrangeiras mais competentes n'esta materia, responde aquella declaração, que devia fazer estremecer todo o portuguez, ordenando a execução dos trabalhos!
Os dois engenheiros, encarregados de elaborar o projecto definitivo das obras para o concurso, receiam quo as condições da navegação sejam prejudicadas com os chamados melhoramentos do porto, a junta consultiva, que em seguida deu parecer, fechou os olhos a esta declaração alarmante, sem lhe fazer sequer referencia, e sem indicar ao menos a necessidade de novos estudos; e o governo, de sciencia certa, e em nome do posso, quero o mando, ordena o seguimento do processo!
Sr. presidente, é preciso que o paiz esteja profundamente adormecido, ou absolutamente indifferente aos seus mais serios e vitaes interesses, para ficar impune similhante arrojo!
O povo portuguez tem ao menos direito a que o governo lhe explique claramente as rasões e os motivos por que passou por cima de tão solemne declaração feita por engenheiros tão auctorisados, sem ordenar novos estudos sobre a influencia das obras nas condições maritimas do porto!
Feitas estas observações, que para mim são, foram, o sorrio sempre previas n'este momentoso assumpto, passarei á questão do concurso, estreitamente ligada com aquella, e como ella resolvida.
Feito primeiramente o concurso de projectos, como a lei determinava, reconheceram os homens competentes que dos tres projectos apresentados, comquanto todos contivessem idéas aproveitaveis, nenhum reunia as condições precisas para ser adoptado como projecto definitivo para o concurso de adjudicação das obras; e então creou o governo a direcção das obras do porto do Lisboa, que entregou a um engenheiro distincto, encarregando-o de fazer o projecto definitivo para a adjudicação das obras, mas com a condição de ouvir como consultores dois engenheiros tambem muito distinctos, que na mesma occasião nomeou.
O director das obras do Tejo, elaborando um projecto para o concurso á grande e á larga, submetteu-o em seguida, como era dever seu, á apreciação dos dois engenheiros consultores, João Chrysostomo e Loureiro.
Quer v. exa., sr. presidente, saber o que disseram os dois consultores sobre o projecto feito na direcção das obras do Tojo? Os srs. João Chrysostomo e Loureiro disseram que se não fizessem por ora as obras entre a praça do Commercio e Alcantara, que se fizessem por emquanto só os trabalhos entre a praça do Commercio e o caes dos Sol dados, que eram os mais baratos e os mais precisos, o que não prejudicava qualquer obra de futuro no resto da primeira secção ou em qualquer outro ponto.
É tambem gravissima, e a meu ver sem justificação e sem explicação, a responsabilidade do governo n'este ponto.
Sobre o projecto definitivo para o concurso das obras, elaborado na respectiva direcção, disseram os dois engenheiros consultores, João Chrysostomo e Loureiro-no primeiro caso que considerei da execução do porto de Lisboa, etc.
Estes dois insignes especialistas tinham considerado duas hypotheses na execução dos trabalhos, ou apenas as obras, entre o caes dos Soldados e a praça do Commercio, ou a construcção por completo de todas as obras desde o caes dos Soldados ato Alcantara, isto é, com toda a primeira secção.
No primeiro caso diziam os dois engenheiros, ou antes o engenheiro Loureiro, com o qual se conformava João Chrysostomo:
«No primeiro caso, que considerei, da execução do porto, sómente entre a praça do Commercio e a ponte occidental da companhia dos caminhos de ferro do norte o leste, obter-se-ía em um periodo relativamente curto uma parte muito importante do projecto, e antes do estar concluida haver-se-ía resolvido o que fosse mais conveniente para o paiz e para a praça de Lisboa, podendo os trabalhos proseguir sem interrupção até se completar o conjuncto de obras, que, mais ainda do que á capital, aproveitarão ao paiz. Por esta fórma, em quatro annos, ou pouco mais, ganhar-se-íam 1:500 metros de cães em optimas condições acostaveis a grandes navios, e com os terraplenos necessarios para satisfazerem muito bem ao commercio, já hoje muito avultado, mas que de futuro será talvez o mais importante de Lisboa e de transito pelos caminhos de ferro. Ao mesmo tempo crear-se-íam docas com 3,30 hectares de areia molhada, inteiramente tranquilla para as pequenas embarcações e navios de cabotagem, o que a navegação e o commercio de ha tanto tempo reclamam urgentemente.
«Isto tudo se conseguiria, poupando-se por agora as despezas mais avultadas do caes avançado desde o Arsenal da marinha até cima da rocha do conde de Obidos, sem ficar prejudicada a idéa da construcção d'este caes, nem as docas de marés e de fluctuações, que se prevê tenham de ser precisas. Não faltando na parte do caes exterior em frente da praça do Commercio, que offerece serias difficuldades de construcção, e cujo custo deve ser grande, os outros serão relativamente faceis, podendo junto a elles, com dragagens que não serão excessivas, obter-se profundidades que poderão ir até á cota de 8m,50 que se reputa muito sufficiente, mormente dentro de docas, ou em espaços abrigados.»
Que consideração deu o governo ao parecer terminante e decisivo dos engenheiros consultores, que não queriam que se construissem por ora as obras senão entre a ponte occidental da companhia do caminho de ferro do norte e lesto o a praça do Commercio, que eram de todas as mais importantes e necessarias, por serem mais proximas do caminho do ferro do norte, onde se faz hoje a maior parte das cargas e descargas das mercadorias, e onde é maior o movimento de importação e exportação, ficando para mais tarde as obras, que são as mais caras, do resto da l.ª secção, entre a praça do Commercio e Alcantara?
Que fez o governo, que devia ter, primeiro que todos, a peito os interesses do thesouro e as necessidades do paiz, em presença d'este conselho auctorisadissimo?
Poz inteiramente de parte o parecer dos consultores, e encarregou outro engenheiro de, conjunctamente com um dos consultores, elaborar outro projecto, que foi feito á larga e á grande, como era de esperar!
Esse projecto foi depois approvado na junta consultiva de obras publicas, mas com o voto em separado, sobre pontos importantes, de engenheiros tão distinctos, como João Chrysostomo, Lourenço de Carvalho e Boaventura José Vieira.
Dizia o sr. João Chrysostomo que não lhe parecia necessaria uma grande doca de marés era frente da praia do Santos, porque o denominado ante-porto, que era uma ampla doca de mares, e a doca de fluctuação, comprehendiam 2:200 metros de caes acostaveis ás maiores embar-
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cações, e completamente abrigados, o que julgava sufficiente, alem dos mais caes exteriores acostaveis e dos interiores das duas docas ao nascente da praça do Commercio, offerecendo todos estes caes, interiores e exteriores, o desenvolvimento total de 6:000 metros de caes, em que se podia effectuar o embarque e desembarque das mercadorias; que, em harmonia com as mesmas idéas, julgava dever supprimir-se o muro de abrigo em frente do caes da praia de Santos; que este muro de abrigo, que tinha mais de 800 metros de extensão, o julgava desnecessario e muito despendioso; desnecessario, porque o caes da praia de Santos era tanto ou mais abrigado que todos os caes exteriores que se consideravam acostaveis, e que julgar indispensavel para este caes um muro de abrigo, era o mesmo que condemnar como improprios para o acostamento todos os caes exteriores; que era muito despendioso o muro de abrigo, porque, não podendo prestar serviço algum para carga e descarga de mercadorias, era orçado o seu custo em 600$000 réis por metro corrente, e que havia exemplos, em terrenos d'aquella natureza, do custo das obras na sua execução se elevar ao duplo e ao tripulo do calculado, sendo, portanto, recommendavel evitar a construcção de obras, que não eram de absoluta necessidade em terrenos onde as fundações eram de tão elevada e incerta despeza, e de tão duvidosa estabilidade.
Dizia o sr. Lourenço de Carvalho que a construcção dos muros de abrigo da doca de marés ao poente do arsenal devia ser adiada até que a experiencia e observação dos resultados das restantes obras tivessem demonstrado a necessidade do abrigo da mesma doca, ou de augmento; que, comquanto esta fosse aberta a todos os barcos, ainda os mais pequenos, era certo que era principalmente destinada, attenta a sua profundidade de 6 metros, aos navios que demandassem um tirante de agua já consideravel, para os quaes as condições actuaes do porto offereciam completa segurança, ainda mesmo nas occasiões de temporal; que para barcos pequenos nunca seria justificavel construir muros de abrigo de tanta difficuldade e despendio, mormente havendo, como havia, docas especiaes para o seu abrigo e resguardo; mas que, quando se não quizesse acceitar desde já a dispensabilidade d'estes muros, que nenhum inconveniente resultava para o porto de Lisboa, de esperar pelos resultados da experiencia e de estudos mais completos, adiando para mais tarde a execução d'esta obra, uma vez demonstrada a sua necessidade, ou mesmo reconhecida a sua grande conveniencia; que o processo de fundação, adoptado no projecto, não offerecia garantias de estabilidade permanente, nem os factos recentes, occorridos no porto de Trieste, recommendavam ou auctorisavam uma nova applicação d'elle; que era duvidoso que um constructor, com pratica d'estes trabalhos, e com uma noção clara dos riscos e prejuizos a que o expunha a responsabilidade da conservação e reparação de uma tal obra, durante o praso de garantia, acceitasse para base do seu orçamento e para a sua execução um systema que tem tanto de incerto como de aleatorio.
Dizia finalmente o sr. Boaventura José Vieira que lhe não parecia indispensavel, nem mesmo de grande utilidade, a grande doca de Santos, por não haver necessidade dos cães acostaveis, que ella continha, por isso que alem d'elles havia mais de 5:000 metros de caes da mesma natureza, muito mais do que necessitava o movimento commercial e maritimo do porte de Lisboa; que não lhe inspiravam confiança os meios de construcção propostos para os muros de abrigo, attenta a grande profundidade de lodo n'aquelle local, não sendo para seguir, mas sim para evitar o que se passara no porto de Trieste em condições analogas; e que por todas estas rasões julgava que séria prudente adiar a construcção d'esses muros, limitando a construcção ao caes marginal, deixando a doca aberta, a fim de se poder estudar, não só o systema de construcção o mais conveniente, mas principalmente o melhor aproveitamento de uma grande parte da superficie destinada pelo projecto áquella doca.
Não haveria governo, nem o menos zeloso pelos interesses publicos, que não trepidasse diante da opinião de engenheiros tão distinctos, que lembravam os tristes exemplos de Trieste! Não argumentavam estes engenheiros distinctos com theorias ou com subtilezas metaphisicas, argumentavam com factos, lembrando que os systemas adoptados podiam dar o mesmo resultado que em Trieste.
Que resposta deu o governo a conselhos tão sensatos n'um assumpto gravissimo, em que corremos o risco de ver tudo inutilisado depois de termos gasto muito dinheiro?
E note a camara que nos engenheiros, que se separavam do voto da maioria da junta, figurava o sr. João Chrysostomo, que tinha sido relator em todos os pareceres d'aquella alta corporação do estado.
Era o sr. João Chrysostomo, com a sua grande auctoridade, que dava ao governo o conselho tão sensato e tão racional de começar primeiro pelas obras desde o caes dos Soldados até á praça do Commercio, reservando a construcção das outras para depois de feita a experiencia com as primeiras.
Querem v. exas. saber qual foi a resposta do governo, resposta rapida é prompta, que não se fez esperar?
Foi a seguinte portaria:
«Sua Magestade El-Rei, conformando-se com o parecer da maioria da junta consultiva de obras publicas e minas, datado de 13 do mez consente: ha por bem ordenar que se approve o projecto das obras do novo porto de Lisboa, datado de 6 do corrente mez, elaborado nos termos da portaria de 3 de novembro ultimo.»
O governo deve sentir necessidade de dizer á camara e ao publico quaes as rasões que o demoveram a pôr de parte o parecer de tres engenheiros tão distinctos, que era evidentemente sensatissimo, para seguir por diante com o projecto!
Não seria facil encontrar governo com a coragem de dar seguimento a um projecto de adjudicação de obras, e tão dispendiosas, sem primeiro se informar de novo com outros engenheiros de auctoridade n'esta ordem de trabalhos, se as obras projectadas corriam ou não os perigos que aquelles tres engenheiros indicavam. (Apoiados.)
Custa na verdade a comprehender, como, depois das duvidas levantadas n'este gravissimo assumpto por parte de homens technicos tão competentes, o governo, em vez de empregar os meios convenientes para averiguar até onde ia a rasão e a justiça, com que elles se separavam da maioria da junta, se apressasse a empenhar o paiz em mais 11.000:000$000 réis!
Nem eu sei, sr. presidente, o que tem influido n'estes planos de melhoramentos grandiosos para se saltar por cima de todas as opiniões, que aconselham obras mais modestas e mais baratas, em vez do espectaculoso dos trabalhos projectados e adjudicados.
Os proprios engenheiros inglezes, que em regra talham á larga para o seu paiz, que dispõe de grandes recursos, e onde o custo das obras é geralmente compensado com magnificos resultados, calculavam as despezas para a construcção das obras necessarias ao porto de Lisboa em 3.500:000$000 ou 4.500:000$000 réis.
E o governo estava ao facto d'estes pareceres de engenheiros inglezes de primeira ordem.
É pois difficil de explicar a precipitação com que se houve. (Apoiados.)
São tambem flagrantes as violações de lei, que accusa o programma do concurso, que eu aliás não apreciarei sob o ponto de vista technico.
Logo no artigo 1.° se .encontra a violação aberta da lei de 16 de julho de 1885. O que dizia esta lei a respeito do concurso?
Dizia que o concurso versaria sobre o preço das obras, o qual não poderia ser superior a 10.800:000$000 réis.
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O que diz o programma? Diz que será rasão de preferencia relativa o incluirem na proposta para licitação, e dentro da mesma base financeira, a construcção de quaesquer outras obras complementares ou accessorias, de reconhecida utilidade publica, ou a cessão de vantagens importantes para o estado.
Que significava esta formula do programma? Que desse por onde desse haviam de gastar-se por força os réis 11.000:000$000?
Que se houvesse quem se offerecesse a fazer a construcção por 4.000:000$000 réis ou 5.000:000$000 réis, não lhe seria adjudicada a empreitada desde que outro con.... a proposta de obras complementares ou de cessão de quaesquer vantagens, se habilitasse a absorver os 11.000:000$000 réis?
Ou significava, o que será ainda peior, que o governo queria ficar completamente armado com os meios de escolher a seu arbitro e empreiteiro d'entre os concorrentes, assentando a preferencia sobre uma base tão larga, que quasi importava a ausencia de bases, pois que quaesquer obras complementares ou cessão de vantagens para o estado, sem mais determinação, não representam um preceito definido, mas o mero arbitro? Se a base do concurso fosse estrictamente como a lei mandava, o preço das obras, não podia o governo negar-se a adjudicar a empreitada ao que mais barato as fizesse, salvo se elle não reunisse os elementos de idoneidade que sempre se exigem em casos taes, (Apoiados.} dando-se ao poder executivo a faculdade de não adjudicar.
Mas desde que o governo incluirá no programma do concurso a construcção de obras ou a cessão de quaesquer vantagens, não só ficava no pleno arbitro de escolher entro os concorrentes, por mais numerosos que fossem, o que bem lhe agradasse, porque era a elle que competia decidir quaes das obras complementares ou quaes das cessões de vantagens eram mais uteis ao estado, mas ficava o thesouro privado de obter os melhoramentos do porto por preço mais barato quando alguem offerecesse obras complementares ou cessão de vantagens, que absorvessem todo o preço da empreitada. (Apoiados.)
Como incidente curioso, sem deixar de ser caro, apparecem n'este concurso duas entidades, que não foram licitantes, mas que apparecem sempre nas melhores occasiões, e que estão consideradas, na opinião publica, como quinto e sexto poder do estado, poder que exercem, alternada e ás vezes conjunctamente. Estas entidades são a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, de um lado, e o Burnay de outro.
Apparece em campo aquella companhia, que até ahi não tinha pensado em que o caminho de ferro do caes dos Soldados a Cascaes fosso um ramal das suas linhas, que só pelo governo lhe podesse ser concedido, a pedir a concessão do caminho de ferro de Cascaes, como ramal que ella tinha direito de construir e do explorar nos termos do sen contrato, e a offerecer o serviço patriotico de construir uma linha suburbana, que ligasse o coração da cidade com todas as linhas ferreas que a cingem.
E, entre parenthesis, devo dizer á camara que não estou nada satisfeito com a informação que recebi de que a companhia pretende obrigar todos os passageiros, que vierem do norte, quizerem seguir para o norte, a fazerem caminho pelo tunnel, sem lhes permittir embarcar nem desembarcar na actual estação do caes dos Soldados, e eu não quero entrar no tunel. (Riso.)
Mas apparece a companhia do norte o leste a pedir a concessão do ramal de Cascaes, c auctorisação para fazer um caminho subterraneo desde os arcos das aguas livres até á praça de D. Pedro; e, comquanto esta companhia tenha feito serviços ao paiz, que o paiz pela sua parte lhe tem pago muito bem, (Apoiados.) não deixou do surprehender-me a alta generosidade com que elle se offerecia a fazer-nos a linha suburbana de graça, e fiquei sobretudo admirado quando vi os jornaes a deitarem girandolaa de foguetes por este serviço patriotico e gratuito. (Apoiados.)
Eu admiro os patriotas, mas não applaudo os excessos do patriotismo, mesmo porque as exagerações ainda na pratica das mais elevadas virtudes são sempre prejudiciaes.
Fui examinar o caso, e descobri que estas concessões gratuitas eram as mais caras que se tinham feito em Portugal, o que eram pagas com dinheiro desviado do destino, que lhe dera a lei de 16 de julho de 1885, de que me estou occupando.
Pela lei de 16 de julho de 1885 era feito o pagamento das despezas com os melhoramentos do porto, parte em dinheiro, e parte em papel, e na parte em dinheiro comprehendia-se o proveniente do rendimento das obras feitas em virtude da mesma lei; e uma das obras feitas em virtude da referida lei é a via ferrea que ha de ligar a estação do caes dos Soldados com a de Alcantara.
Ora, pela celebre concessão do ramal de Cascaes é entregue de presente á companhia do norte e leste para a explorar esta via ferrea que vae ser feita por Hersent á custa do estado. (Apoiados.)
Não entregou o governo á companhia do norte e leste a linha ferrea desde o caes dos Soldados até Alcantara para ella a construir e explorar; deu-lha só para ella receber o beneficio de a explorar. (Apoiados.)
Fica a cargo de Hersent a construcção d'este troço de linha, e ha de o thesouro pagar a Hersent o preço correspondente ao rendimento da linha ferrea (Apoiados.), visto que esse rendimento foi dado de presente á companhia de norte e leste.
A lei de 1885 destinava para pagar ao empreiteiro o rendimento, não só das docas, mas das outras obras construidas cm virtude da mesma lei, uma das quaes é a via ferrea do caes dos Soldados a Alcantara, cujo rendimento por consequencia não podia ser dado de presente á companhia do norte e leste sob nenhum pretexto sem auctorisação parlamentar, que permittisse pagar por outros meios esta differença a Hersent. (Apoiados).
Comprehende-se que a companhia do caminho de ferro do norte e leste só se lembrasse de que era ramal das suas linhas o caminho de ferro do Caes dos Soldados até Alcantara, aliás já comprehendido no contrato das obras para melhoramentos do porto, quando encontrou um governo, que lh'o mandou fazer á custa do estado, ficando a cargo d'ella só a exploração!
Não ha de certo melhor negocio do que explorar, sem construir, o troço da linha ferrea mais productivo do paiz!
Este negocio servia a toda a gente!
Similhante concessão, pois, alem de altamente lesiva para o thesouro, nunca poderia ser feita sem auctorisação parlamentar.
Foi uma excepção em beneficio da mais poderosa companhia do reino.
Hoje não podemos construir uma obra, nem pôr hombros a qualquer empresa, sem que nos appareça, como entidade obrigada, a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes. (Apoiados.)
Não quero com isto dizer que se devesse entregar a outrem a exploração de um troço de linha, que faz parte do caminho de ferro de cintura, e que communica as duas estações do Caes dos Soldados e de Alcantara, mas sim que não podia ser dada a exploração d'esta pequena linha áquella companhia sem a approvação das côrtes, e sem as devidas compensações para o estado. (Apoiados.)
Por outro lado apparece-nos tambem Burnay em campo a proposito da adjudicação, e do concurso para a adjudicação das obras do porto de Lisboa.
Vi eu n'um jornal dos mais lidos da capital, e dos mais estreitamente ligados com o gabinete, que Burnay fôra gabar-se ao sr. presidente do conselho do haver recebido 145:000$000 réis, para não ir ao concurso das obras do porto de Lisboa.
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Antes de seguir adiante devo declarar que, mencionando n'esta casa um nome proprio, vim nome do pessoa que não tem aqui assento, nem responsabilidade politica, o faço pela necessidade da discussão, e que me refiro, não ao individuo, mas ao concorrente. (Apoiados.)
As declarações dos jornaes, a que me refiro, não são authenticas, porque elles não são officiaes; mas, quando a imprensa dá noticia de um facto altamente criminoso, não podem os governos ser indifferentes á publicação; (Apoiados.) o devem pelo contrario ordenar as investigações, que o caso reclamar, no interesse da verdade e da justiça.
Para as auctoridades deverem investigar de um facto criminoso não é indispensavel que elle venha ao seu conhecimento por escriptura publica ou por qualquer acto official.
Não quero apreciar o facto com relação ao individuo que o praticou. O que quero é perguntar ao governo quaes os passos que deu e as informações que colheu, para promover a rescisão do contrato de empreitada, se se verificasse que dolosamente tinham sido afastados licitantes do concurso pelos que n'isso 'tinham interesse.
Não discuto n'este logar os negocios do sr. Burnay, nem os de qualquer outra pessoa individual ou collectiva, que não tenha responsabilidade politica perante as côrtes.
O que desejo é que o governo, que necessariamente sabia o que tinha contado o Diario popular e que fôra transcripto no Jornal do commercio nos diga o que fez para zelar os interesses do thesouro, o desaggravar a lei e a moralidade offendidas.
No Jornal ao commercio de 2 de agosto de 1887; no noticiario, lia se o seguinte:
«No nosso numero anterior dissemos:
«O Diario popular, não podendo negar umas affirmações que fizemos a respeito da distribuição de uns certos titulos pour la réussite de l'affaire do porto de Lisboa, toma o expediente de se atirar ao sr. conde de Burnay, dizendo que elle foi a casa de um ministro confessar-lhe que recebera 145:000$000 réis para deixar de concorrer ás obras do porto de Lisboa!
«Sabemos que é mentirosa esta informação. Mas, se fosse verdadeira, que figura ficava fazendo o ministro que, ouvindo uma confissão tão ingenua, não tratou immediatamente de desfazer os effeitos de um concurso, que n'este caso seria contrario a todas as disposições legaes?
«Seria bom que o Diario popular dissesse quem foi que deu os 145:000$000 réis para afastar um concorrente de uma licitação publica e quem é esse ministro que está no tal segredo.»
«A isto responde hoje o Diario popular:
«Diz o Jornal do commercio que não podemos negar as suas affirmações ácerca da distribuição de certos titulos pour la réussite de l'afffaire do porto de Lisboa. Nunca pensámos em negar, porque vimos uma photographia das taes papeletas e por signal com a data de 9 de novembro de 1885, data em que n'este venturoso paiz governava a regeneração.
«Acrescenta que nos atirámos ao sr. Burnay, dizendo que elle foi a casa de um ministro confessar-lhe que recebera 145:000$000 réis para deixar de concorrer ás obras do porto de Lisboa, allega que a asserção é falsa, pergunta que figura fazia o ministro que não annullou logo o concurso, pergunta quem deu os 145:000$000 réis e a qual ministro foi pelo sr. Burnay contada esta proeza.
«Ora o sr. Burnay foi a casa do sr. presidente do conselho revelar-lhe a proeza com todos os seus pormenores, referindo quem lhe dera 45:000$000 réis e quem 100:000$000 réis, explicando a fórma do pagamento, etc. Ficou o illustre ministro justamente indignado per tal desplanto e por tal proeza, mas não póde annullar o concurso, porque, quando o sr. Burnay lhe revelou a sua proeza, já a adjudicação estava feita desde mezes.»
Não discuto nem a indignação do ministro, a quem o licitante foi contar o facto, nem os circumstancias humilhantes a que chegâmos, de se procurar o homem publico responsavel, mais altamente collocado, para se lhe dar conhecimento, em ar de gala, da pratica de um crime!
Pergunto apenas aos illustres ministros se é verdadeiro o facto que foi affirmado nos jornaes que acabo de ler, e quaes as providencias que o governo adoptou no interesse do thesouro e das leis.
É altamente desmoralisadora para o paiz esta noticia.
Mas o facto de Burnay ter recebido 145:000$000 réis a proposito das obras do porto de Lisboa é tambem contado nas Novidades, d'onde resulta que o sr. presidente do conselho soubera de actos criminosos que podiam determinar a annullação do concurso, e que ficára impassivel diante d'esses actos.
O jornal as Novidades de l5 de novembro de 1887 dizia a respeito do caso o seguinte:
«Para este caso é que muito interessa averiguar a historia dos 145:000$000 réis que o sr. Burnay confessa ter embolsado de mão beijada, em resultado de negociatas arranjadas antes do concurso.
«Ao que já foi confessado pelo Jornal do commercio temos de acrescentar o seguinte esclarecimento, que é importantissimo: o sr. Burnay fez o deposito previo de réis 540:000$000, mas não foi ao concurso. Ora não se vão levar á caixa geral de depositos 540:000$000 réis, só para os arejar. A deslocação de uma tal somma representa sempre, ainda para capitalistas de maior pujança, um embaraço e um encargo. Porque deixou o sr. Burnay de ir ao concurso, tendo feito o deposito para isso?! Dir-se-ha, que o deposito foi o rewolver engatilhado para obter ganancias de mão beijada, facto, n'este caso, previsto e punido por mais de um artigo do codigo penal!»
Ora este facto é de extrema gravidade com relação ao governo, porque dos documentos officiaes, distribuidos n'esta casa, consta que Burnay effectivamente fizera o deposito de 540:000$000 réis para ir ao concurso das obras do porto de Lisboa, e que não comparecera no concurso.
Se esse deposito significava o rewolver engatilhado na mão de um homem para obter do empreiteiro quaesquer interesses a troco de abandonar o concurso, era ao governo que cumpria tirar-lhe o rewolver da mão.
O que é certo é que o governo sabia, na occasião em que adjudicou as obras a Hersent, que Burnay tinha ido depositar 540:000$000 réis, caução indispensavel para concorrer ás obras do porto do Lisboa, e que não tinha ido depois ao concurso, e não podia ignorar que 540:000$000 réis não se vão depositar por divertimento ou para arejar como dizia o jornal, todavia não considerou estes factos, que, alem de offensivos da nossa legislação penal, podiam prejudicar o credito publico dentro e fóra do paiz.
Era official que o banco Lusitano e o Burnay tinham depositado 540:000$000 réis para concorrerem ás obras do porto de Lisboa, e que não foram ao concurso. Que significava este facto?
Mais. No Jornal do commercio explicara se o beneficio dos 145:000$000 réis, que o Burnay recebeu, por um negocio do syndicato, organisado para tomar as obrigações creadas pela lei de 16 de julho de 1885, com que se havia de pagar parte das despezas da empreitada, e dava-se como ligado esse negocio a uma proposta do governo para modificar as disposições mencionadas na lei com respeito a essas obrigações.
Ora a proposta veiu, comquanto não tivesse até hoje andamento. Na sessão de 10 de julho de 1887, tres dias antes de se fecharem as côrtes, apresentava o governo n'esta casa a seguinte, proposta:
«Artigo 1.° E auctorisado o governo a modificar as condições da emissão, salvo o valor nominal e a taxa do juro das obrigações creadas pela lei de 15 de julho de 1886, de modo que se obtenha economia nos encargos da operação.
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«Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.»
Qual era o alcance e o fim d'esta proposta, que morreu na secretaria da camara, ou no seio da commissão?
Pois o governo tinha descoberto o meio do obter economias nos encargos da operação para occorrer aos encargos com os melhoramentos do porto de Lisboa, e tanto que chegou a apresentar uma proposta para esse fim, e deixa depois a proposta a dormir o somno da morte!
Parece-me estar já ouvindo os srs. ministros a dizer que não podia ser annullado o concurso, porque estes factos só depois da adjudicação da empreitada foram sabidos.
Mas em primeiro logar do deposito feito por Burnay e pelo banco Lusitano soube o governo ainda antes de concorrer; e era, portanto, sua obrigação investigar desde logo as rasões e as circumstancias que tinham determinado o facto extraordinario de se fazer um deposito de 540.000$000 réis, e de não comparecer depois no concurso o depositante.
Em segundo logar as obrigações dos responsaveis não prescreviam nem criminal, nem civilmente, por serem conhecidos da auctoridade publica aquelles factos só depois da adjudicação das obras.
O codigo penal no artigo 278.° diz assim:
«Aquelle que em qualquer arrematação, auctorisada por lei ou pelo governo, tiver conseguido, por dadivas ou promessas, que alguem não lance, e bem assim aquelle que embaraçar ou perturbar a liberdade do acto por meio de violencia ou ameaças, será punido com prisão de dois mezes a dois annos e multa correspondente, sem prejuizo da pena mais grave, se os actos de violencia a merecerem.»
Ora desde que podesse verificar-se a existencia de facto criminoso, e o dolo do empreiteiro ou de terceiro com interesse no contrato, facil seria a annullação da adjudicação nos tribunaes competentes.
Mas o governo o que tinha era pressa de concluir o processo de adjudicação, e de dar começo á execução das obras.
Diligencias que podessem por qualquer fórma retardar a execução de obras, tão despendiosas como espectaculosas, nem as propunha, nem as acceitava.
Seguir ávante, quaesquer que fossem os prejuizos para a nação, era o seu fito.
A verdade é, sr. presidente, que os nossos homens publicos, que hoje repartem entre si a governança, vivem na illusão de que não podem, ser grandes, nem passar á immortalidade, sem demorarem muito tempo no ministerio, sem vincularem o seu nome a obras que custem réis 10.000:000$000, 12.000:000$000 ou 15.000:000$000, pagos, já se entende, á custa do paiz.
Entendem que só as obras espectaculosas lhes dão nome, e que ficarão na penumbra, em vez de passarem com o seu nome laureado á posteridade, se se limitarem a ser bons administradores e a cuidar a serio dos interesses do paiz.
A pressa do governo em pôr a cargo do paiz o enorme dispendio de 11.000:000$000 réis por via de umas obras em grande parte desnecessarias, e talvez prejudiciaes, era tal, que, dando a junta consultiva o seu parecer sobre o concurso em 6 de abril, c o procurador geral da corôa em 9, sem perda de tempo o sr. ministro das obras publicas lavrou o despacho da adjudicação que começa pelas seguintes palavras - vista a resolução do conselho de ministros. - Fez muito bem o sr. Navarro, seguindo o exemplo do sr. ministro da fazenda na questão dos addicionaes, em se auctorisar com a resolução do conselho de ministros.
A responsabilidade dos outros ministros subsistia do mesmo modo, ainda que o sr. ministro da pasta não fizesse no seu despacho menção expressa da auctorisação do conselho de ministros.
Mas assim ficou mais claro, e sobretudo é mais significativo.
Tendo porém o procurador geral da corôa dado em 9 de abril o seu parecer, que de certo remetteu logo ao governo, quanto tempo imaginam os meus illustres collegas que gastaram os srs. ministros a estudar o processo do concurso, o parecer da junta consultiva de obras publicas, e o parecer do procurador geral da corôa, tratando-se alem d'isso, como se tratava, de um assumpto em que o gabinete ia empenhar a nação em mais 11.000:000$000 réis?
E datado de 9 de abril o parecer do procurador geral da corôa. Pois de 9 de abril é a data do despacho de adjudicação, e de 9 de abril é a data dos officios expedidos aos engenheiros Reeves e Hersent, e ao presidente da junta do credito publico!
Não me tenho na conta dos menos desembaraçados; mas era-me absolutamente impossivel examinar e formar a minha convicção em assumpto tão grave n'um dia ou dois!
Por isso não deixa de causar-me surpreza que os srs. ministros, todos e cada um, podessem n'algumas horas examinar, entro si discutir, e a final resolver sobre um processo, do certo o mais importante que tem tido nas suas mãos!
Todavia este systema de despachar a vapor, era o systema seguido pelo governo sempre que as suas resoluções tinham um caracter mais grave, e mais accentuadamente tendiam a favorecer o empreiteiro.
Quando Hersent apresentou, depois de lhe ter sido feita a adjudicação, o plano definitivo ou de execução dos trabalhos do porto, sobro que recaiu o despacho do governo que mais funda indignação produziu na opinião publica, succedeu o mesmo.
Tem a data de 2 de agosto o parecer sobre aquelle plano da commissão nomeada em 28 do março de 1881.
A junta consultiva de obras publicas, em cujos trabalhos não apparece já n'esta occasião o nome do sr. João Chrysostomo, e que já segue tambem a marchas forçadas, formulou o seu parecer em 6 de agosto. Pois o despacho do governo «conformo-me» é de 6 de agosto, e a portaria approvando o projecto é de 6 de agosto!
Não se percebe bem como podia ser resolvido assumpto tão grave, no mesmo dia em que chegava á secretaria o parecer da junta consultiva.
É preciso que os srs. ministros disponham de intelligencia mais do que previlegiada para assim resolverem de prompto negocio gravissimo, que importa para a nação o empenho de 11.000:000$000 réis!
Com a concessão do caminho de ferro de Cascaes succedeu o mesmo. No dia 6 de abril dava ajunta consultiva o seu parecer, e n'esse mesmo dia despachava o sr. ministro das obras publicas: «Em vista da resolução do conselho de ministros, passe alvará»!
Sobre esta concessão, que aliás envolvia flagrante violação de lei, nem ao menos por formalidade foi ouvido o procurador geral da corôa!
Tanto a concessão do caminho de ferro de Cascaes, como a adjudicação das obras do porto de Lisboa foram decretadas em virtude de resolução do conselho de ministros; e todavia voltam-se as accusações só contra o sr. ministro das obras publicas, poupando-se as outras vestaes do ministerio!
O sr. ministro das obras publicas teve o cuidado de consignar nos seus despachos, que os proferia em virtude de resolução do conselho de ministros, declaração aliás dispensavel, porque todos os collegas respondem solidariamente pelos actos de qualquer dos ministros, desde que esses actos chegam ao seu conhecimento, e continuam todos no gabinete.
No entretanto avisadamente andou o sr. ministro das obras publicas, n'estes tempos que vão correndo, deixando escripto nos seus despachos, que tanto a generosa concessão da linha ferrea do Cascaes, como a adjudicação dos melhoramentos do porto de Lisboa, é da responsabilidade de todos os ministros, sem exceptuar aquelles que julgavam a medida dos melhoramentos do porto altamente one-
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rosa para o paiz, o que agora sacrificavam todas as suas opiniões para seguirem avante com a execução da lei de 16 de julho de 1885.
Os outros ministros não têem menos responsabilidade do que o sr. ministro das obras publicas na execução da lei dos melhoramentos do porto de Lisboa e na concessão da linha ferrea de Cascaes.
Não póde admittir-se outra jurisprudencia sem a inversão dos principios constitucionaes, e sem offensa ao senso commum.
As divergencias dos ministros em assumptos importantes resolvem-se pela saida dos que não estão de accordo, nem de outro modo póde acceitar-se o systema representativo.
Vou finalmente occupar-me do erro capital do governo, a instrucção do processo criminal por delictos praticados com relação aos melhoramentos do porto.
Não tem o governo dado provas de respeito pela representação nacional. As garantias individuaes dos membros do parlamento têem sido para elle como se não existissem. Mas nunca suppuz, que a politica extremamente peregrina dos srs. ministros fosse até ao ponto de mandarem metter em processo os pares e deputados, que outra cousa não é, ou não póde ser, esse famoso processo crime, que o governo mandou instaurar.
A questão, de que me estou occupando, não e a que a opinião publica levantou, e o governo perfilhou com o famoso processo criminal.
O que eu tenho estado a discutir não é o que a opinião esperava. Quatro quintos dos que me escutam julgam que eu não tenho tratado a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa, e que tenho estado a entreter tempo, em vez de satisfazer a curiosidade publica..
Diz a opinião publica e dizia a imprensa que Hersent foi altamente favorecido contra as disposições das leis e contra os interesses do thesouro na adjudicação e execução das obras, e que por esses favores Hersent recompensou todos os que contribuiram para esse beneficio, ministros, pares e deputados.
Não tenho que apreciar, nem a linguagem do povo, nem as discussões da imprensa que na questão dos melhoramentos do porto de Lisboa viram negocios escuros e mysteriosos, que seriam a deshonra de muitos dos nossos homens politicos, ministros, pares e deputados; nem ha meio de derramar luz n'esta questão, luz que muitos pediam, porque não creio que similhantes contratos se façam por escriptura publica, ou mesmo particular, nem perante numerosas testemunhas.
É, pois, perfeitamente inutil para esclarecimento completo da questão o processo que o governo mandou instaurar no tribunal criminal.
Mas contra quem corre esse processo?
Quaes são os homens publicos que podem estar compromettidos na votação e execução de uma providencia parlamentar nefasta aos interesses publicos?
São os ministros, os pares e os deputados.
Em que codigo e em que constituição leram os srs. ministros que pares e deputados podem ser perseguidos por crimes praticados no exercicio das suas funcções legislativas, quer de palavra quer de voto? (Apoiados.)
Em nenhum.
O par ou deputado é inviolavel pelas suas opiniões e pelo seu voto. (Apoiados.)
Não comprehendo, pois, a instrucção de um processo criminal contra os membros do parlamento, que por tudo poderão ser processados, menos por factos praticados no exercicio das suas funcções parlamentares. (Apoiados.)
Segundo a carta, podem ser processados os ministros d'estado, alem de outros crimes, pelos de peita, peculato e concussão, podem ser processados os conselheiros d'estado pelos conselhos que derem dolosamente contra os interesses do estado e contra as leis.
Mas os pares e deputados são inviolaveis pelas opiniões proferidas no exercicio das suas funcções. (Apoiados.} Podem determinar-se no desempenho do seu mandato por actos os mais affrontosos; mas d'esses actos não têem que dar contas senão á sua consciencia e á nação. (Apoiados.)
Estâmos assistindo a um espectaculo degradante, porque o poder judicial em Portugal não tem jurisdicção para fazer syndicancias, nem para lavrar despachos de pronuncia contra pares e deputados por factos relativos ao exercicio das suas funcções.
Para maior vergonha nossa está correndo lia quatro ou cinco mezes a devassa, sem ter ainda chegado a um resultado definitivo, nem sequer provisorio (Apoiados.}; e, para não faltar a este tristissimo expediente nem uma aggravante, todos os dias se pede licença ás duas camaras para pares o deputados irem depor n'este memoravel processo, parecendo que de actos tão affrontosos e de negocios tão humilhantes os principaes sabedores são os pares e os deputados! (Apoiados.) Este processo, como precedente, póde ter as mais graves consequencias, porque habilita o governo a dar largas ás paixões, entregando, quando lhe convier, a reputação dos membros do parlamento a testemunhas de profissão que vão depor perante o poder judicial! (Apoiados.)
Mas n'este momento representa apenas a extravasão da bilis dos srs. ministros.
Nem todos que me escutam saberão o valor de um processo, como o que só está organisando por ordem do governo a proposito dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Processos d'esta natureza podem ser o despotismo nas mãos do poder executivo e a annullação das opposições nas assembléas parlamentares. Se a proposito de qualquer acontecimento discutido ou inventado na imprensa, ás vezes por suggestões do proprio governo, elle podesse ordenar devassas sobre o procedimento dos membros das assembléas legislativas, a inviolabilidade parlamentar tinha expirado!
No processo que está correndo, o promotor foi o governo, e o accusador é o governo por intermedio do ministerio publico. Ninguem mais póde requerer termos nem diligencias nos autos, ninguem mais póde requerer a inquirição de testemunhas. O ministerio publico, como delegado do governo, acompanha hora a hora todo o movimento do processo, informa de momento a momento o seu superior sobre todas as phases da cansa, e vae indicando as testemunhas, que antes da querella não tem numero fixo, conforme os interesses do governo, visto tratar-se de uma questão essencialmente politica.
É um processo, que, pela sua natureza, e pelas circumstancias especiaes em que é organisado, não póde ter outra solução senão a que convier ao governo.
Mas no meu entender a imprudencia com que o governo, a proposito de uma discussão na imprensa periodica e na opinião publica, atirou para o juizo criminal com uma questão que envolve os pares e os deputados, não póde ter outro resultado, senão crear um mau precedente, e sujeitar-nos á vergonha, aos olhos de nacionaes e de estrangeiros, de um processo crime contra pares e deputados, pelo motivo infamante de se acharem implicados em negocios escandalosissimos!
Era o processo contra os srs. ministros como parecia reclamar a imprensa e a opinião publica?! N'esse caso nem explicação tem o facto dos srs. ministros se conservarem no poder, e se de mandarem accusar por si mesmos, ou pelo seu agente, o delegado do ministerio publico!
Por estas rasões, requeri á assembléa, que me dispensasse de fazer parte da commissão de inquerito, para que me fizera a honra de me nomear.
Foi esta a primeira vez que vim pedir á camara escusa de uma commissão para que os meus collegas me escolheram. (Apoiados.)
Costumo sempre comparecer nas commissões para que
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sou eleito n'esta casa; (Apoiados.)mas não desejava pertencer á commissão de inquerito por motivos de consciencia.
Contra quem era o inquerito? Contra o governo? Inquestionavelmente. Não podia ter outra significação a eleição da commissão de inquerito.
Ora estando eu convencido de que o governo havia infringido os preceitos da lei penal, podia promover-lhe a accusação criminal, se tivesse na minha mão provas concludentes e claras, e podia votar-lhe tambem uma moção de censura, obrigando-o a retirar-se do poder, quando soubesse que elle tinha delinquido sem ter as provas juridicas do delicto. Mas não podia syndicar de um ministro, accusado pela opinião de factos tão graves, e continuar a viver com elle como deputado.
Era uma questão de dignidade parlamentar, que eu reputei desacatada pelas côrtes, quando ordenou a syndicancia aos actos dos ministros, continuando a mantel-os com o seu apoio no poder.
É obrigação das maiorias cobrir os ministros com a sua responsabilidade, emquanto lhes não retiram a sua confiança.
Desde que os ministros não podem represental-as honradamente, o dever das maiorias é intimar-lhes a abdicacação do poder, e não ordenar-lhes syndicancias.
Syndicar dos ministros e sustental-os no poder em perfeita communhão de idéas com as maiorias parlamentares é transtornar todos os principios, por que se rege o systema, representativo.
É a primeira vez que uma maioria parlamentar decreta uma syndicancia contra os ministros, e os conserva nos bancos do poder.
É escusado perder tempo com dissimulações e disfarces. O accusado na opinião e na imprensa, accusação a que o inquerito parlamentar tendia a dar satisfação, foi sempre o sr. ministro das obras publicas.
Se a maioria julgava em sua consciencia que o procedimento do governo fôra regular, e que o gabinete não merecia censura, não devia ordenar a syndicancia, porque a escolha da commissão representava já, só por si, um principio de suspeição e de desfavor para os srs. ministros.
Entendi, na occasião da eleição da commissão, como entendo agora, que a camara não devia estar a syndicar de um ministro, conservando-o ao mesmo tempo no poder, que devia ou rejeitar francamente a syndicancia, ou intimar ao governo mandado de despejo.
Bem sei que só perde hoje o tempo na exposição dos principios liberaes, mas eu não estou disposto a deixal-os preterir sem reclamação.
Apesar de reputar gravissima a nossa situação financeira, ainda estou convencido de que é preciso, primeiro que tudo, manter bem alto o regimen parlamentar, o prestigio das instituições, e a dignidade dos ministros.
Com meios mais ou menos violentos, com tempo, e com paciencia, podemos luctar contra as difficuldades financeiras. Mas os maus exemplos dados ao paiz pelos altos poderes do estado podem produzir no povo males irreparaveis.
O povo não póde ficar edificado com o espectaculo, que lhe deu o governo, mandando instaurar, por simples boatos de imprensa, um processo criminal, em que só poderão achar-se envolvidos os representantes da nação, ou os membros do poder executivo.
Não se acredita a representação nacional deitando pregão ao paiz de que pares e deputados estão sujeitos a uma devassa, porque se está organisando corpo de delicto sem factos determinados, para darem contas do seu procedimento parlamentar nos tribunaes criminaes.
Expliquem-se os srs. ministros, e preoccupem-se n'essas explicações, menos com os votos da camara, do que com a necessidade do manter em toda a sua altura o prestigio do poder executivo c a honra da nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Sr. presidente, tem rasão o illustre deputado! Não serei eu que o contradiga, quando s. exa. affirma que trabalhâmos todos para o desprestigio das instituições fundamentaes do estado, e para o descredito dos homens que as representam!
Tem rasão, carradas de rasão o illustre deputado. O mal é visivel, o seu desenvolvimento manifesto, os seus effeitos são já desastrosos!
Não vae longe o tempo em que, com justos motivos, nos denominavam os estranhos a Belgica do occidente, como significando assim que o regimen parlamentar e o systema constitucional tinham entre nós um culto fervoroso e intemerato. Mas hoje, a consciencia nos dirá a todos com tanta magua, como verdade, que estamos na frente d'essas nações, que pelos desvarios das suas facções partidarias vão creando na Europa uma corrente de anti-parlamentarismo, a qual de dia para dia. engrossa, ameaçando submergir as instituições liberaes.
E somos todos noa os que cooperâmos n'esta má obra. Os precedentes, que exprobrámos aos contrarios, não nos servem para nos emendarmos e corrigirmos, e tão sómente os aproveitâmos como estimulo para os excedermos. Pois que é o que quasi francamente e sem rebuço se diz, e que o proprio sr. Dias Ferreira notou?! Que eu estou ou estive pagando as aggressões menos justas que tenho feito durante a minha carreira jornalistica.
De modo que não é uma causa de moralidade e de justiça a que se sustenta; é só uma campanha de desforra e de reivindicta politica que se promove! E paga-se o capital, e pagam-se os juros, dos mais leoninos... e a final quem tudo paga é o regimen parlamentar, que desça e, é o systema constitucional que padece, é o paiz que soffre no desprestigio crescente das suas instituições!
Tem muita rasão o illustre deputado. O chamado processo Hersent, que o governo mandou intentar, ficará como um padrão ignominioso da situação politica que atravessámos. Mas essa situação não se personifica n'um ministro, nem se representa só n'um ministerio. Essa situação é de nós todos; d'este e d'esse lado da camara. E, no caso presente, e ainda mais de lá do que de cá; porque as responsabilidades d'essa ignominia não recaem sobre o governo que mandou intentar o processo, mas sobre quem tornou necessario, indispensavel, imprescindivel, que o governo o mandasse instaurar. (Muitos apoiados.)
É uma ignominia, de certo, como padrão dos tempos, que se mandasse instaurar um processo criminal sobro factos, em que se dizia lindavam ou podiam andar envolvidos ministros, pares, deputados e outros homens publicos. É indecoroso que se arrastem na lama das suspeições infamantes os homens que, pela sua posição occupam as eminencias na direcção das cousas publicas.
É como que a sancção official da diffamação sujeitar á inquirição dos tribunaes a espuma das paixões odientas e os arrancos do facciosismo desbragado. Ninguem o lastima, como eu; e ninguem mais do que eu conhece a necessidade de pôr um dique a taes desregramentos em vez de lhes dar força e apoio. Mas veja-se quão é grande o mal que, pensando eu assim, fosse eu quem mais instasse para que esse processo se instaurasse! E que a enxurrada póde ter tambem uma força imperiosa. O governo teve, senão de a acatar, de a reconhecer.
Mas quem é o responsavel? É quem desencadeou esse enxurro! (Muitos apoiados.) É quem desprendeu c assoprou essa torça, suppondo que com ella enxolhava só um homem, e sem reparar que o homem era quem menos soffria com o enxovalho. (Muitos apoiados.)
Pois não foram os jornaes da opposição, de todas os matizes, sem excepção de um só, que voz em grita pediram o processo judicial?! (Muitos apoiados.)
O que queriam que o governo fizesse?! Que recusasse o processo?! Talvez contassem com isso! (Apoiados.) Mas
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então dir-se-ía que o governo não mandava instaurar o processo, porque tinha medo da luz e das investigações judiciaes. Dir-se-ía que manietava a justiça para que ella não ferisse algum dos seus membros; que a amordaçava para que ella não corroborasse com provas o que a diffamação espalhava! (Muitos apoiados.)
Essa situação é que o governo não podia acceitar para si, nem collectivamente nem individualmente. A sancção official das diffamação estava feita desde que todos os grupos politicos da opposição se tinham precipitado soffregamente a explorar o escandalo. (Muitos apoiados.} O resto era pouco O processo judicial nada acrescentava a esse tristissimo estado de cousas, creado pelos desvarios dos grupos opposicionistas, e tinha a vantagem de mostrar, que o governo não fugia a nenhumas inquirições, o que de si era meio caminho para quebrar os dentes á calumnia. (Muitos apoiados.)
Seria commodo para a opposição poder argumentar com a recusa do governo para insistir na criminalidade d'este. (Apoiados.) Que protestos, que threnos de indignação, que objurgatorias furibundas, se o governo tivesse praticado esse erro, ou caído n'esse laço! O governo foge ao processo judicial?! Logo, é criminoso convicto. Seria este o thema favorito. Seria mais do que insensato expor-se o governo a taes arguições. (Muitos apoiados.)
Queriam o processo?! Pediram-n'o em clamorosas vozes?! Pois ahi o têem. Agora lastimam-se por isso?! Acham que é a sancção official da diffamação?! Queixem-se de quem o tornou necessario. (Muitos apoiados.) Queixam-se, sobretudo, da imprensa, d'essa desgraçada imprensa, que tendo sido o palladium das liberdades publicas, tendo sido o campeão mais corajoso e mais efficaz das instituições constitucionaes, está hoje empenhada em ser a assassina da liberdade! (Apoiados.)
(Ouve-se susurro na galeria da imprensa.}
Vozes: - Á ordem, á ordem. Rua com os interruptores.
O sr. Presidente : - Tenho de advertir a galeria da imprensa de que, no desempenho das minhas funcções, me verei obrigado, bem a meu pezar, a mandal-a evacuar, se por quaesquer manifestações de agrado ou desagrado pretender intervir na discussão.
O Orador: - Repito! A imprensa, que foi a mais extrema defensora da liberdade, é hoje a mais detestavel assassina d'essa liberdade que ajudou a fundar.
E não quero eximir mo ás culpas e responsabilidades que tenha n'esse capitulo, Não as nego. Allegarei unicamente, que não fui eu que creei essa escola. Quando entrei para a imprensa já a achei n'essas tendencias, posto que muito longe do rebaixamento, em que hoje se encontra. E quem entra para uma raena, ha de fatalmente sujeitar-se ás condições de combate, que n'ella estão estabelecidas. Foi o que me succedeu.
Das passadas luctas politicas, a imprensa tinha conservado esses maus habitos. Tinham-se extinguido os rancores nos peitos, mas não as durezas das invectivas nos jornaes. Já não se trocavam balas, mas continuavam a trocar-se injurias. E o mal tem ido em augmento!
Sujeitei-me fatalmente ás condições geraes da lucta; mas logo que tive uma personalidade politica sufficientemente caracterisada, não escondi que considerava prejudicial um tal regimen. (Apoiados.) Tenho plenissimo direito de affirmar hoje estas idéas, d'aqui, dos bancos dos ministros, porque as affirmei de igual fórma dos bancos da opposição, até quando isso podia favorecer o governo que eu combatia! (Apoiados.)
Lamentarei que este ministerio, ou esta situação politica, não tenham opportunidade para corrigir esse mal; mas direi hoje, o que d'ahi já disse, quando aqui se sentava e sr. Fontes: que não recusarei o meu voto e a minha palavra ao governo, qualquer que elle seja, que de frente atacar este problema, que eu julgo da maxima importancia para a estabilidade das instituições constitucionaes.
É inutil, diante dos factos lastimosos que temos diante dos olhos, imaginar que a instituição da imprensa tem orça para ser corrigir a si propria. O velho simile de que ferida do cão se cura com o pello do mesmo cão, é uma formula sem verdade applicavel. A verdade dos factos, é que, n'este regimen da liberdade absoluta ou de licença, a boa imprensa não tem força para corrigir a má, e é a má que preverte a boa. (Apoiados.)
E em tal caso o caminho está naturalmente indicado.
E eu direi mais uma vez, que a imprensa é hoje a causa mais promotora da corrente de anti-parlamentarismo, que o tem desenvolvido na Europa, e que, para se reprimir essa corrente e se defender a existencia das instituições constitucionaes é indispensavel modificar o regimen da imprensa. Lá está a França, onde os republicanos moderados soltam o mesmo pregão, dizendo que a liberdade da imprensa foi o presente mais funesto que elles deram á causa
republicana.
Digo isto sem paixão. Digo-o como uma convicção minha, que vem de longe, que hoje está mais afervorada, e que publicamente tenho manifestado em mais de uma occasião.
Mas o illustre deputado não queria que só por sujeição os clamores da imprensa se mandasse instaurar o chamado processo Hersent. Veja-se a contradicção! Ao mesmo tempo, o sr. Dias Ferreira censurou asperamente o governo por não ter annullado ou rescindido o contrato Hersent, só porque um jornal disse que o sr. Burnay recebêra 145:000$000 réis para não ir ao concurso! (Muitos apoiados.)
Então como é isto?! No primeiro caso, o clamor de toda a imprensa da opposição não devia ser bastante para o governo mandar instaurar processo, que é só uma investigação; no segundo caso, a simples noticia de um jornal devia bastar para o governo annullar um contrato, que fixa obrigações e direitos! (Muitos apoiados.)
A contradicção é manifesta.
Tambem o illustre deputado disse que o processo ha de ter o desfecho que o governo quizer, porque só se podem inquirir as testemunhas que o delegado do governo indicar; e que o processo fôra abusivamente mandado intentar contra pares e deputados, os quaes, sendo, como são, irresponsaveis pelas opiniões que exprimem no parlamento, são tambem irresponsaveis criminalmente pelo seu voto, quaesquer que sejam os motivos d'elle.
O illustre deputado não tem rasão em nenhuma d'essas arguições.
Em primeiro logar o governo não mandou intentar processo contra pares e deputados ou contra quaesquer pessoas determinadas. O governo Ouviu um grande alarido, ouviu dizer que havia grandes crimes e numerosos criminosos, e limitou-se a mandar ao ministerio publico: promova que se investigue se houve crimes, e, havendo-os, quem são os criminosos. (Apoiados.) Nada menos, mas nada mais. Fez esta recommendação o enviou ao ministerio publico todos os jornaes que tratavam do assumpto.
Não sei se juridicamente póde acceitar-se em absoluto a doutrina da irresponsabilidade dos pares e deputados, tal como o sr. Dias Ferreira a apresentou. Mas isso importa pouco. Ás justiças ordinarias é que compete investigar, porque não havia motivo algum para desde logo se fixar fôro especial, nem o governo podia admittir isso. Se as justiças ordinarias averiguam que effectivamente houve crimes que importa punir, e que n'elles se acham compromettidos individuos que têem immunidades especiaes, essas mesmas justiças remettem o conhecimento do caso para o respectivo foro privilegiado, e esse procederá como julgar conveniente. Como o illustre deputado vê, o procedimento do governo foi correctissimo, sob o ponto de vista de faci-
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litar, contra quem quer que seja, a investigação e repressão criminal. (Muitos apoiados.}
Não é exacto que só sejam interrogadas as testemunhas indicadas pelo delegado do governo. O illustre deputado, que é um insigne jurisconsulto, sabe que o juiz póde, de sua iniciativa, chamar as testemunhas que por qualquer motivo supponha poderem fornecer-lhe indicios. Isto é corrente. (Apoiados.) E, no caso sujeito, sabe o illustre deputado que têem sido chamados a depor muitos pares e deputados, e, sobretudo, os redactores de todos, ou quasi todos os jornaes politicos de Lisboa. (Apoiados.)
Ora, se foi a imprensa que levantou esta questão, é ella que a deve esclarecer. (Apoiados.)
De duas, uma; ou a imprensa não diz na Boa Hora cousa que represente provas ou vislumbres de provas, e n'esse caso fica averiguado que a sua campanha foi uma campanha de odiosa diffamação, (Muitos apoiados.) ou ella adduz provas e faz revelações, e n'esse caso não ha meio algum de que os criminosos, por mais altamente que estejam collocados, escapem á accção da justiça, quer ella seja ordinaria, quer de fôro priviligiado. (Apoiados.) O illustre deputado ainda não ouviu nenhum d'esses redactores queixar-se de que lhe mutilassem o depoimento. Portanto, esteja descansado, porque a verdade, por um ou por outro lado, ha de apurar-se. (Apoiados.) E é só isso o que o governo quer. N'este sentido, posso concordar com o illustre deputado, em que o processo ha de ter o resultado que o governo deseja. (Muitos apoiados.)
Tambem o illustre deputado censurou o inquerito parlamentar. Acrescentou que, tendo sido nomeado para fazer parte da respectiva commissão, não acceitára, por entender que um inquerito parlamentar é uma suspeição contra o ministro, e que não póde coexistir com a presença do ministro na sua cadeira.
O illustre deputado sustenta n'este ponto uma doutrina, que nem está de harmonia com os precedentes, nem com a doutrina constitucional. (Apoiados.)
Os precedentes são terem-se feito muitos inqueritos, sem por isso se demittirem os ministros por elles visados. A doutrina constitucional é de que o inquerito constitue uma funcção normal de qualquer das casas do parlamento, não sendo por isso rasão para determinar um facto anormal, qual é o do uma crise. (Apoiados.)
O direito do inquerito está, como tal, consignado no primeiro acto addicional e na carta. E Deus nos defenda de prevalecer doutrina contraria! (Apoiados.)
O inquerito não e nada mais do que a ampliação do direito de interpellação, e da faculdade de reclamar esclarecimentos para a fundamentar. (Apoiados.)
Sr. presidente, a hora está a dar, e como amanhã não ha sessão, não quero alongar-me agora n'um começo de demonstrações e exposições, que teria de deixar interrompidas por quarenta e oito horas. Peço, por isso, a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por todos os deputados da direita da camara.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Redactor = S. Rego.