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SESSÃO NOCTURNA DE 14 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira do Sousa

SUMMARIO

Apresentação do parecer da commissão de legislação civil sobre o projecto de lei n.º 147-A, relativo á creação de um logar de tabellião de notas em Ilhavo.

Na ordem da noite prosegue a discussão sobre o incidente levantado na sessão diurna, em referencia á companhia vinicola do norte.- Usa da palavra em primeiro logar o sr. Eduardo José Coelho, que apresenta uma moção de ordem, e historia resumidamente o que se passou com o governo progressista em relação áquella companhia. Termina, formulando quatro perguntas ao governo.- Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas.- Por concessão da camara, usa novamente da palavra o sr. Eduardo João Coelho, que trata de mostrar que, em relação ao assumpto, o governo está em deploraveis condições por não ter liberdade de acção, tendo de cumprir a intimação que lhe foi feita em telegramma pela associação commercial do Porto.- A requerimento do sr. José de Azevedo Castello Branco proroga-se a sessão até se votar o incidente.- Inscripção de diversos srs. deputados, uns a favor e outros contra a moção do sr.. Eduardo José Coelho.- Responde largamente o sr. ministro das obras publicas ao sr. Eduardo José Coelho.- Tomam parte no debate os srs.: Alfredo Brandão, que sustenta uma moção de desconfiança, e a quem responde o sr. ministro da instrucção publica: Francisco de Medeiros, que tambem apresenta uma moção de ordem: Elmano da Cunha, que manda para a mesa uma moção de confiança; Eduardo Abreu, que censura o governo, e apresenta n'este sentido uma moção de ordem, respondendo-lhe o sr. ministro da instrucção publica; e por ultimo apresenta e sustenta uma proposta o sr. Baptista de Sousa.- A requerimento do sr. Lopes Navarro julga-se a materia discutida.- A pedido do sr. José de Alpoim lê-se na mesa a lista da srs. deputados que estavam inscriptos.- Approva-se o requerimento do sr. Lopes Navarro.- São rejeitadas as moções dos srs. Eduardo José Coelho e Alfredo Brandão.- É rejeitada tambem a moção do sr. Medeiros em votação ordinaria, não tendo sido approvado um requerimento do sr. Almeida e Brito para que essa votação fosse nominal.- Approva-se a moção de confiança do sr. Elmano da Cunha, ficando prejudicadas todas as restantes moções.- Usa da palavra para explicações o sr. Eduardo Abreu, e encerra-se a sessão.

Abertura da sessão - Ás nove horas da noite.

Presentes á chamada 60 srs. deputados. São os seguintes:- Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Arrojo, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto José Pereira Leite, Bernardino Pacheco Alves Passos, Carlos Roma du Bocage, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Cesar Cau da Costa, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Francisco Vargas, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Ignacio de Gouveia, Pedro Victor da Costa Sequeira e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Eduardo de Jesus Teixeira, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso de Lima, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria Greenfield de Mello, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Antonio Luna de Moura, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel d'Assumpção, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Pinheiro Chagas, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Miguel Dantas Gonçalves Pereira e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo Mendes da Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Ennes, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Costa, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Maria Fuschini, Bernardino Pereira Pinheiro, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde do Côvo, Elvino José de Sousa e Brito, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Severino de Avellar, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, João de Barros Mimoso, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Moreira, João de Sousa Machado, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Joaquim Simões Ferreira, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Julio Rodrigues, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas

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Pedroso, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Ailbnso da Silva Monteiro, Luciano Cordeiro, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Thornás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião do Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

O sr. Pestana de Vasconcellos: - Mando para a mesa o parecer da commissão do legislação civil, sobre o projecto de lei n.° 147-A, da iniciativa do sr. deputado José Pereira Teixeira de Vasconcellos, o qual tem por fim a creação de um officio de tabellião de notas, no concelho de Ilhavo, com séde na povoação d'este nome.

Foi a imprimir.

ORDEM DA NOITE

Continuação do incidente, levantado na camara na sessão diurna, relativamente á companhia vinicola do norte

O sr. Eduardo Coelho: - Sr. presidente, começo por ler a minha moção de ordem, que é do teor seguinte:

«A camara, convidando o governo a cumprir integralmente o contrato de 15 de março do 1889, feito entre o governo e a companhia vinicola do norte, continua na ordem da noite. = Eduardo José Coelho.»

Comprehende v. exa. e comprehende a camara que, levantando-se discussão sobre a attitude do actual governo em face do contrato celebrado pelo governo transacto com a companhia vinicola do norte, eu não podia manter-me em silencio, tanto mais que na tela do debate se apreciaram mais ou menos as responsabilidades do governo, de que fiz parte.

Não julgue, porém, v. exa. e a camara que eu me expanda em largas considerações sobre a origem ou sobre a historia do contrato de 5 de dezembro de 1838, ou sobre o contrato, por mim firmado, de 15 de março de 1889.

Esse contrato é um facto consummado: o, desde o momento, é em face d'elle que me cumpre apreciar as responsabilidades do governo actual, por isso mesmo que n'estas questões não ha solução de continuidade. (Apoiados.)

As responsabilidades do governo transacto, quer politicas quer parlamentares, foram amplamente discutidas, tanto n'esta como na outra casa do parlamento. O que eu peço ao governo e que tenha para com a camara, e especialmente para com os deputados que o interrogarem, a mesma franqueza, a mesma lealdade, a mesma lisura e a mesma clareza que teve para com as perguntas que lhe foram feitas, sobre este assumpto, o governo de que fiz parte.

Não me alargarei, como já disse, em longas generalidades sobre este assumpto, porque se trata de um facto concreto.

Sobre factos positivos é que hei de dirigir as minhas perguntas ao governo, e são respostas positivas que espero obter.

Permitia me comtudo a camara que eu faça ligeirissima observação a respeito do contrato de 5 de dezembro, e diga algumas poucas palavras.

A data de 5 dezembro é uma das mais desagradaveis para o partido progressista, porque ella recorda que o contrato d'essa data não foi indifferente para deixar o governo um dos membros mais illustres e mais eminentes do partido progressista. (Apoiados.)

Posta a questão n'estes termos, eu preciso que o governo me diga qual é a sua attitude, relativamente ao contrato de 15 de março, que, como já disse, é um facto consummado.

O governo transacto, no interesse da causa publica, entendeu que devia fazer aquelle contrato, o qual foi discutido, apreciado, criticado e julgado nas duas casas do parlamento.

Resultou d'este contrato o que acontece em todos os contratos: direitos e deveres para os que n'elle outorgam. É, porém, certo que, nos termos do artigo 8.° do contrato, este ficava nullo para todos os effeitos, se a companhia vinieola se não constituisse no praso do noventa dias, a contar da data do contrato.

Constituida legalmente a companhia, o governo ficava obrigado ao que se estabeleceu no artigo 5.° do contrato.

Aconteceu, porém, que na imprensa surgiu a questão da legalidade da constituição da companhia, e esta questão tomou grandes proporções, quer na imprensa, quer no parlamento.

O governo anterior, que não desprezava as indicações da imprensa, quando se lhe afiguram mais ou menos fundamentada, e porque não queria tomar qualquer resolução, sem que esta fosse maduramente reflectida, entendeu que devia consultar os fiscaes da corôa. Não occulto á camara que, pessoalmente, lamentava este incidente, porque, tendo feito um contrato, convencido então, como o estou hoje, de que elle era conveniente aos interesses publicos, o meu mais vivo desejo era podel-o cumprir e fazer cumprir desde logo. (Apoiados.)

Mas a minha vontade individual não podia ír tão longe que desprezasse as reclamações levantadas contra a legalidade da constituição da companhia.

Foram, pois, ouvidos os fiscaes da corõa, e estes, por uniformidade de votos, consultaram contra a legalidade da constituição da companhia no praso legal.

O governo conformou-se com este parecer, e por despacho do 21 de novembro de 1889, assim o fez sabor á companhia vinicola. Eu não rescindi o contrato, como erradamente se tem affirmado.

Não discuto agora o despacho que proferi, porque não quero afastar a discussão do ponto restricto em que elle hoje deve ser tratado. Faço apenas a historia a largos traços d'estes incidentes para melhor se apurar as responsabilidades do actual governo, o para que se possa confrontar a sua attitude dubia e incerta com a attitude franca e leal do governo progressista. (Apoiados.)

A companhia recorreu para o tribunal arbitral, e o governo, depois de ouvir tambem sobre este incidente os fiscaes da corôa, deferiu a pretensão da companhia.

Redigiu-se o compromisso com as cautelas que o governo actual não póde ignorar, e a final o tribunal arbitrai proferiu sentença dando provimento á companhia vinicola. Não conheço os termos d'essa sentença, e a culpa é toda do sr. ministro das obras publicas, porque essa sentença devia já estar publicada no Diario do governo. (Apoiados.) Não careço, porém, para interrogar o governo, de conhecer propriamente o teor da sentença proferida. Confessa o governo que o tribunal deu provimento no recurso, e por isso não preciso de saber mais, para ficar convencido de que a companhia vinicola se constituiu legalmente, e portanto que prevalece o contrato do governo tal qual elle o celebrou.

O que se podia pôr em duvida era a constituição da companhia no praso legal. Resolvida esta duvida pelo tribunal arbitral, só resta cumprir o contrato, e este é claro nos seus preceitos. (Apoiados.)

Feita assim uma historia resumida dos factos, que julguei indispensavel para definir a questão, vou formular ao sr. ministro das obras publicas as seguintes perguntas:

Primeira. - Qual e a attitude do governo perante a sentença arbitral?

Segunda. - Constituida legalmente a companhia no praso legal, (e isso é incontestavel, pois que houve provimento) o

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governo paga o subsidio de 15:000$000 réis nos termos do contrato, haja ou não excesso de receita pela importação de cereaes, prevista na lei de 19 de julho de 1888?

Terceira. - O governo está resolvido a modificar ou alterar o decreto do 31 de janeiro de 1880, designadamente os artigos que tratam do regimen dos depositos geraes?

Quarta. - E alterando o regimen dos depositos geraes, entende o governo que caducaram as concessões d'esse regimen feitas na vigencia d'aquelle decreto, ou do decreto posterior?

Careço de uma resposta do sr. ministro das obras publicas, a cada uma das perguntas que tive a honra de lhe formular.

Não posso ser arguido, com esta exigencia, de alterar as praticas parlamentares. O sr. Antonio de Serpa, actual presidente do conselho de ministros, em sessão de 27 de abril do anno proximo findo, na camara dos dignos pares, dirigiu-me algumas perguntas sobre a companhia vinicola, e só depois das minhas respostas e que s. exa. discutiu o assumpto.

As perguntas do digno par foram as seguintes, e convem que a camara tenha d'ellas conhecimento, para que fique certa de que eu não preparo qualquer surpreza ao governo e designadamente ao sr. ministro das obras publicas.

Note bem a camara; vou ler as perguntas que mo foram dirigidas pelo actual presidente do conselho, quando tive a honra de dirigir a pasta do ministerio das obras publicas e as respostas que então lhe dei:

Primeira pergunta:

«Se o governo considera como definitivo o contrato de 15 de março ultimo, ou apenas como um compromisso provisorio, dependente de ratificação ulterior.»

Resposta minha:

«Que o governo reputa completo e definitivo esse contrato, que veiu substituir o de 5 de dezembro do anno findo, sem que portanto careça de ser submettido á sancção do parlamento.»

Segunda pergunta:

«»Se na hypothese de o considerar como um compromisso provisorio o tenciona trazer ao parlamento para ser sanccionado.»

Resposta minha:

«Tem par prejudicada esta pergunta em vista da resposta que dera á primeira.»

Terceira pergunta:

«Se, em presença das novas reclamações do commercio, está disposto a annullar ou modificar substancialmente esse contrato.»

Resposta minha:

«Que um dos primeiros deveres dos poderes publicos e manter integralmente os seus contratos, e não crê, embora o commercio peça agora a alteração ou revogação do contrato de março, que o actual ou qualquer futuro governo o annulle ou altere em vista d'essas reclamações.

Quarta pergunta:

«Se, baseando-se o contrato no regulamento de 31 de janeiro de 1889 para a concessão dos depositos, e estando nas faculdades do poder executivo a revogação de um regulamento, ficará de pé o contrato, caso se invalidasse o regulamento n'aquella parte.»

Resposta minha:

«Entende que nas contribuições do poder executivo cabe a faculdade de alterar por outro decreto o regulamento de 1889, mas não o contrato, por haver direitos adquiridos.»

Quinta pergunta:

«Se o subsidio de 15:000$000 réis fica dependente de se verificar o augmento de receita pela importação de cereaes, a que se refere a lei do anno passado.»

Resposta minha:

«O governo dá á lei dos cereaes uma interpretação opposta áquella que lhe dá o digno par, quando esta lei dispõe que o governo fica auctorisado a despender até á quantia de 60:000$000 réis para diversos fins, consoante da seguinte maneira o determina em o n.° 2, do seu artigo 6.°

«D'esta disposição infere que o legislador previu que em todo o caso devia haver sempre excesso de receita que habilitasse o governo a preencher os fins que vem de enumerar, e se tal previu, tem elle, orador, por claro que o governo, conservando-se nos limites d'essa auctorisação, está dentro da legalidade.»

Não discuto agora, sr. presidente, se as minhas respostas, como membro do governo, foram politicas ou impoliticas; o que posso affirmar é que foram francas, lisas, leaes, como convem ao governo dal-as em casos taes. Apoiados.)

Aguardo, pois, a resposta do sr. ministro das obras publicas para lho responder segundo as explicações que s, exa. te dignar dar-me.

O sr. Presidente: - V. exa. terminou o seu discurso?

O Orador: - Não, senhor. Eu aguardo a resposta do sr. ministro para continuar na ordem de considerações que julgar conveniente, e para v. exa. estar convencido de que não falto ás boas praxes parlamentares, muito de proposito narrei o que commigo se passou na outra casa do parlamento, quando eu era ministro, e sobre este mesmo assumpto. As perguntas, de que já fallei e as respostas por mim dadas, parece me que satisfarão a v. exa. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - O sr. ministro das obras publicas inscreveu-se, e para que v. exa. possa usar da palavra em seguida ao sr. ministro, terei de consultar a camara, por que com isso vae alterar-se a ordem da inscripção. (Apoiados.)

O Orador: - Já disse a v. exa., com a lealdade que posso, que careço de resposta ás perguntas tão concretas e tão positivas, que fiz sobre este assumpto, sem as quaes não posso apreciar a responsabilidade do governo. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Consultarei depois a camara sobre se permitte que o sr. deputado use da palavra em seguida ao sr. ministro.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - As perguntas feitas pelo illustre deputado, o sr. Eduardo José Coelho e de que me foi possivel tomar nota, são as seguintes:

1.ª Qual a attitudo do governo perante a sentença arbitral?

2.ª Visto ser incontestavel, desde que houve provimento no recurso, que a companhia se constituiu legalmente dentro do praso legal, o governo paga o subsidio de 15:000$000 réis, nos termos do contrato, haja ou não haja excesso de receita pela importação de cereaes, proveniente da lei de 19 de julho de 1888?

3.ª O governo está resolvido a modificar ou alterar o decreto de 31 de janeiro de 1889, designadamente os artigos que tratam do regimen dos depesitos geraes?

4.ª E alterando esses artigos, o governo entende que caducavam as concessões, feitas no regimen do mesmo decreto e dos posteriores?

Creio que são estas as perguntas do illustre deputado. Com relação á terceira, respondo desde já que o sr. ministro da fazenda apresentou ao parlamento uma proposta de lei alterando o serviço das alfandegas. Quando essa proposta for discutida, o parlamento terá occasião de apreciar quaes são as idéas do meu collega, e se sim ou não o regimen dos depositos geraes vae ser modificado.

Não é assumpto que corra pela minha pasta e pelo qual eu possa responder; consta de uma proposta...

O sr. Eduardo Coelho: - E alterando-se o regimen dos depositos geraes, caducam as concessões que lhe foram feitas?

O Orador: - Se o illustre deputado mo deixasse acabar, melhor seria, porque não tinha que voltar ao principio.

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Repito, está pendente, com respeito á questão dos depositos geraes, uma proposta de lei do sr. ministro da fazenda, e quando ella se discutir, a camara verá se o regimen dos depositos geraes fica ou não alterado.

Quanto á primeira pergunta, já tive occasião de dizer, em resposta ao sr. José de Alpoim, que o governo não quer discutir a sentença arbitral, mas que podem haver muitos outros pontos de duvida independentes d'essa sentença.

Com respeito á segunda, assim como á quarta perguntas, colloco-me no terreno em que me colloquei ha pouco, e em que sempre me tenho collocado.

Se eu responder a todas as perguntas de s. exa. e se cada um dos illustres deputados tambem fizer uma pergunta sobro qualquer dos pontos do contrato, acabarei eu por dizer quaes são todas as minhas duvidas.

Repito, debaixo do ponto de vista em que o governo se colloca, apesar de todo o respeito que lhe merece a camara e individualmente cada um dos senhores deputados, não tendo elle tomado ainda resolução alguma, é claro que não póde ser obrigado a communical-a s. exas.; e para poder tomar uma resolução precisa ouvir a opinião do procurador geral da corôa:

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - O sr. deputado Eduardo José Coelho pediu para se seguir no uso da palavra ao sr. ministro das obras publicas; mas eu não lha posso conceder sem uma resolução da camara.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem a palavra o illustre deputado.

O sr. Eduardo Coelho: - Não tenho motivo para me arrepender pelas perguntas que dirigi ao sr. ministro das obras publicas. As respostas de s. exa. foram sufficientemente claras, por serem demasiadamente evasivas, para eu e a camara ficarmos sabendo a sorte que o espera n'esta questão. (Apoiados.)

Não quero melindrar o nobre ministro; mas as respostas de s. exa. mostram bem que é indispensavel n'esta discussão o sr. Antonio de Serpa, actual presidente do conselho. (Apoiados.)

E não se repute o sr. ministro amesquinhado por tal motivo. Esta questão, por motivos que agora julgo desnecessario dizer, foi sempre mais ou menos tratada pelo sr. presidente do conselho.

Aconteceu isso quando eu geria a pasta das obras publicas; aconteceu no tempo do sr. Navarro; e vejo que agora acontece o mesmo; mas, permitta-me o nobre ministro que lhe diga: s. exa. não quer, ou não sabe responder ás perguntas que eu lhe fiz, com a mesma franqueza que eu respondi ao sr. Antonio de Serpa. Esta differença e importante. (Apoiados.)

Effectivamente só o sr. presidente do conselho póde dar explicações categoricas e positivas á camara. (Apoiados.)

Mas, sendo o governo solidario, e desde o momento que o sr. ministro das obras publicas deu uma resposta tão incolor, que não resposta nenhuma, (Apoiados.) parecendo até que apenas teve em vista illudir as perguntas que lhe fiz, eu não posso deixar de rememorar os factos, para que bem se conheça a posição deploravel em que estão os actuaes ministros n'esta questão. (Apoiados.)

Devo accentuar de novo que um deputado ou um digno par póde, n'essa qualidade, ter qualquer opinião individual sobre assumpto determinado, mas como membro do governo ha uma cousa a que se não falta nunca: é a probidade governamental. (Muitos apoiados.) A entidade individual desappareço. (Apoiados.)

A camara já sabe as perguntas que me dirigiu na camara dos dignos pares o sr. Antonio de Serpa, e tambem sabe as respostas que lhe dei.

É preciso saber se os srs. ministros actuaes renegam ou sustentam no governo as opiniões que tinham quando na opposição levantavam esta questão em ambas as camaras. (Apoiados.)

Peço á camara que reflicta que esta questão e todos os promenores d'ella, e d'onde derivam as responsabilidades que hoje impendem sobre o governo, foram amplamente discutidas em ambas as casas do parlamento, e não é licito ao governo, nem a outro que vier, duvidar um momento sobre a natureza, sobre o alcance do contrato de 15 de março.

O governo foi interpellado nas duas casas do parlamento, e mais de uma vez respondeu categoricamente e sem evasivas, e, portanto, não póde haver duvida sobre a sua interpretação entre as partes que outorgaram n'aquelle contrato.

Logo, se não ha solução de continuidade no governo, ha tambem o primeiro dever do governo, que é respeitar a lealdade dos contratos, e nenhum governo póde illudir esse dever, faltar a essa lealdade. (Apoiados.) É isto que é preciso declarar bem categoricamente n'esta discussão.

A camara precisa, pois. saber o que me respondeu o actual presidente do conselho.

Peço a attenção da camara. A sua resposta, entre outras, foi a seguinte:

«O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, começo por agradecer ao sr. ministro das obras publicas o ter respondido precisamente a cada uma das perguntas que lhe fiz.

«Não posso deixar, porém, de dizer que me admiro muito de que um jurisconsulto tão distincto, como é o sr. ministro das obras publicas, tenha as opiniões que acaba de expor.

«Pois então o que diz a lei a que ha pouco me referi?

«Diz que do excesso de receita que houver, o governo póde applicar 60:000$000 réis a um certo fim.

«Sendo isto assim, é claro que, quando não ha excesso de receita, a lei fica de nenhum effeito n'esta parte.

«Mas diz o illustre ministro, que o governo está obrigado a fazer a despeza com o subsidio.

«Porque?

«Se a lei dissesse que o governo era obrigado a fazer aquella despeza ainda mesmo que não houvesse excesso de receita, eu estava de accordo com o illustre ministro, mas a lei não diz isso.

«A lei diz que do excesso de receita que houver, o governo fica auctorisado a fazer a referida despeza.

«Não havendo, porém, excesso, é evidente que o governo procede illegalmente fazendo uma despeza para que não tem auctorisação.

«Diz tambem o illustre ministro, que o legislador podia ter-se enganado, dando como certo que haveria excesso de receita.

«Pois não se enganasse.

«O legislador julgou que havia esse excesso de receita, mas enganou-se, como todos podem enganar-se.

«Acrescentou ainda o sr. ministro das obras publicas que, se não houver excesso de receita, o governo tem de pedir ao parlamento a verba respectiva para pagamento do subsidio.

«Ora, se isto é assim, o sr. ministro está de accordo commigo em que a lei não auctorisa o governo a dar o subsidio, quando não houver excesso, visto que é necessario trazer o negocio ao parlamento, e por consequencia pedir a auctorisação legal que não tem na lei anterior.

«Parece me perfeitamente claro.

«Aqui estão muitos jurisconsultos n'esta camara, mas creio que nenhum dará á lei de 19 de julho de 1888 outra interpretação.

«No caso de não haver excesso na receita dos cereaes, trará o governo, diz s. exa., o negocio ao parlamento. E se este não quizer votar o subsidio á companhia, e fará

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muito bem se assim o fizer, não poderá o governo dar á companhia o subsidio a que se obrigou pelo contrato.

«Ha um regulamento que auctorisa o governo a fazer uma certa concessão, regulamento que póde ser alterado pelo poder executivo, e, em virtude d'esse regulamento o governo fez uma certa concessão. É claro que a concessão, fundada só no regulamento, caduca desde o momento em que o governo, no uso do teu direito, alterar o reglamento.

«Póde o governo por um contrato que fez dar força legislativa áquillo que e regulamentar? Parece-me que não.

«Eu sinto que o sr. ministro das obras publicas se collocasse n'esta posição, um jurisconsulto tão distincto como eu o considero.

«O governo por um decreto seu, e sem ouvir o parlamento, tornou legislativa uma disposição que é perfeitamente regulamentar. Não me parece que seja possivel.

«Todas as disposições que são regulamentares póde o governo alteral-as como quizer.

«A questão de legalidade fica para discutir mais tarde; por'ora só direi que me parece impossivel poder esta camara auctorisar a doutrina que acabo de ouvir da bôca do sr. ministro das obras publicas.

«A lei, a meu ver, e todos crêem, certamente, ser esta a sua unica interpretação, só auctorisa a despeza, de onde o governo que tirar o subsidio ás companhias vinicolas, quando houver excesso de receita que lhe faça face, e um contrato não approvado por uma lei não póde inhibir o governo de alterar os regulamentos, ou não póde dar força legislativa a disposições que são só regulamentares.»

A camara tambem deve gostar do conhecer a opinião do sr. Hintze Ribeiro, actual ministro dos negpcios estrangeiros. S. exa. tomou nesta questão uma parte muito activa, muito intransigente.

Convem, pois, reeordal-a no ponto capital. Dizia elle:

«Temos pois: 1.°, um subsidio de 15:000$000 réis; 2.°, o regimen dos depositos geraes.

«E para cada uma d'estas concessões está citada a lei em que o governo se baseia a fim de as fazer: para o subsidio dos 10:000$000 réis a lei dos cereaes, de 19 de julho de 1888; para os depositos geraes a lei de 29 de dezembro de 1887 e o regulamento de 31 de janeiro de 1889.

«Quanto á primeira concessão, a do subsidio, vejamos o que dia a lei dos cereaes:

«Artigo 6.° Do augmento da receita dos direitos de importação estabelecidos por esta lei, sobre o producto, no anno economico de 1887-1888, de anslogos direitos até aqui estabelecidos, serão applicados:

...................

«2.° A somma de 60:000$000 réis annuaes para a reducção, tanto nos caminhos de ferro do estado como nos de companhias particulares, das tarifas de transporte de adubos, que não tiverem já transporte livre, fiscalisação e autenticação dos adubos chimicos que forem expostos á venda, e bem assim á creação no estrangeiro de depositos commerciaes dos typos dos nossos vinhos, que melhor acceitação tenham em cada mercado.

«Pergunto: esta auctorisação é incondicional ou condicional? é condicional, pois, da leitura, que venho de fazer, se vê que o governo está auctorisado a dar este subsidio, mas com a condição de que haja um augmento de receita. Ora é precisamente esse augmento de receita que ainda se não sabe se se apurará.

«Nem mesmo no anno economico corrente se conhece por emquanto se haverá tal augmento.

«É licito até conjecturar que não.

«Porque, segundo as estatisticas mensaes, o producto da importação dos cereaes tem diminuido e não augmentado.

«E se esta diminuição continuar, como é de suppor, o producto do anno corrente ha de ser muito inferior ao de 1887-1888.

«O que em todo o caso não é dado affirmar, é que venha a ser superior, e menos ainda calcular em quanto o haja de ser.

«Mas, apesar de ter baixado a receita proveniente da importação dos cereaes, o que fez o sr. ministro das obras publicas?

«Fez antecipadamente um contrato, obrigando-se a dar á companhia annualmente, durante quinze annos, 15:000$000 réis.

«Já para este anno a concessão é illegal.

«Porque?

«Porque nem mesmo para este anno s. exa. tem a certeza de haver augmento de receita.

«E não se dando o subsidio unicamente por um, senão por quinze annos, sabe porventura o governo que durante este longo praso ha de sempre haver augmento de receita?

«Não o sabe nem o póde saber.

«Ora, se o não sabe, para que fez a concessão?

«Se acaso a lei dissesse em absoluto que o governo ficava auctorisado a applicar 40:000$000, 50:000$000 ou 60:000$000 réis, para determinados fins, e, entre elles, para a instituição de depositos de vinho no estrangeiro, é evidente que o governo estaria então dentro da lei fazendo a concessão; mas não dizendo a lei isso, como não diz, o governo procedeu illegalmente, outorgando por quinze annos um subsidio baseado em uma auctorisação sobremaneira contingente, porque só póde sair de uma receita puramente hypothetica.

«Parece-me ter demonstrado que n'esta parte o contrato é illegal.

«Agora a defeza do w. ministro das obras publicas é monstruosa para um jurisconsulto como s. exa. E eu lastimo que a sua posição de ministro o forçasse a abdicar das suas prerogativas de juiz, para n'este assumpto se nos apresentar com argumentos que não resistem á mais leve critica.

«O que nos diz s. exa.?

«A lei previu um augmento de receita; o governo tem de cumprir as previsões da lei.»

«A lei previu, é verdade; mas o que falta saber é se previu, bem ou mal.

«O legislador podia enganar-se, como de facto se enganou.

«Só porque a lei previu, não se segue que o augmento de receita se realise, e era necessario, a fim de fazer-se a concessão, que essa previsão fosse exacta, facto este de que tudo nos induz a descrer.

«O que nos diz ainda o sr. ministro das obras publicas?

«A lei reconheceu a necessidade de um certo e determinado serviço e creou-lhe para isso a necessaria dotação. O que fez o governo? Executou a lei.»

«Mas o sr. ministro ainda nos diz: «que se a dotação não chegar, o governo virá ao parlamento pedir um abono supplementar».

«Ora, isso comprehender-se-ía se porventura se tratasse de occorrer a quaesquer serviços, cuja necessidade fosse reconhecida na lei, o que não succede com o caso de que se trata, pois que a propria lei, tanto não julgou necessario o serviço de que se trata, que só para a hypothese de se apurar um excesso de receita, é que auctorisa a sua execução.

«Posto isto, sr. presidente, acho que n'esta parte não pôde, haver duvida.

«É indefensavel que o sr. ministro das obras publicas vá conceder um subsidio de 15:000$000 réis durante quinze annos, baseando-se na disposição da lei dos cereaes, que aliás só o permitte quando o excesso da receita venha a cobrir tal despeza?!

«Ninguem póde, sequer, conjecturar com rasão que esse excesso se alcançará!»

Portanto, sr. presidente, tenho, pois, demonstrado pelos documentos parlamentares, e não me refiro agora ao que disse n'esta casa o sr. Arroyo, que tambem fallou sobre o

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assumpto, afinando pelo menino diapasão, e s. exa. sabe que eu tive a honra de responder lhe n'essa occasião; está demonstrado, digo, que todos os actuaes ministros que intervieram no assumpto, inclusive o sr. presidente do conselho, firmaram a doutrina do que não havia direito por parte da companhia ao subsidio, excepto se a lei chamada dos cereaes produzisse excesso de receita para ser applicado a esse subsidio.

Era esta a opinião individual, quer como deputados, quer como pares do reino, a que s. exas. sustentaram no parlamento. Estavam no seu pleno direito; exerciam um direito de critica consoante os dictames da sua consciencia; e não serei ou que os reprehenda ou censure; do mesmo modo que não ha motivo para reprehender ou censurar qualquer deputado ou qualquer par do reino que, impugnando como contraria aos interesses publicos qualquer proposta de lei, depois, se essa proposta se converto em lei do paia, o sou primeiro dever é cumpril-a, e se é funccionario, fazel-a cumprir e respeitar em tudo o que de si dependa. (Apoiados.)

Mas se esta era a opinião dos illustres deputados e dignos pares do reino que estão hoje no governo, pergunto eu: Têem no poder as mesmas opiniões, que tinham, quando no parlamento sustentaram a doutrina, que acabo de expôr? Esta é que e a questão, (Apoiados) nem eu digo que os srs. ministros não podem ter no governo a opinião que tinham como deputados ou pares, e isso é o que torna a questão grave; (Apoiados) porque, desde que o contrato veio á téla do debate parlamentar, e foi discutido, criticado e explicado de modo a tirar todas as duvidas polo governo que o firmou, parece que ao governo actual só cumpre fazel-o cumprir lealmente. (Apoiados.) No governo, e em assumpto de contrato, dcsappareceram as opiniões individuaes. (Apoiados.)

Sr. presidente, o governo, sendo justo, tem ao mesmo tempo uma situação commoda, politicamente fallando.

Não tem responsabilidades, porque não firmou o contrato, não tem responsabilidades de interpretação, porque essa interpretação, que aliás consta do contrato, foi explicada pelo governo seu antecessor, e póde dizer-se auctorisada pelo parlamento. (Apoiados.)

Porque não é, pois, o governo franco e claro nas suas explicações?! (Apoiados.)

Porque usa de reticencias, onde convem toda a lisura? (Apoiados.)

Porque assume responsabilidades, onde está isento d'ellas? (Apoiados.)

Pois não tem nos registos parlamentares todos os elementos de interpretação e ao mesmo tempo todos os elementos de defeza? (Apoiados.)

Não queira para si o governo a responsabilidade, de que se generalise e accentue a crença, de que os poderes publicos podem faltar á fé dos contratos, quando lhes aprouver, porque o pleiteante forçosamente terá de succumbir diante da força de que elles dispõem. (Apoiados.)

Se o tribunal arbitral julgou definitivamente, se todos os direitos cessaram, porque o pleito foi derimido, que motivo póde haver para as duvidas do governo? (Apoiados.)

Mas, emfim, é preciso que exista uma causa, e uma causa muito forte, para o governo tomar uma altitude tão injustificada n'este assumpto. Não é o amor da coherencia pelas opiniões que sustentou, quando ainda não era governo. (Apoiados.)

Essa causa é preciso descobrir-se, é preciso dizer-se ao paiz.

E não me parece que seja preciso um grande trabalho para descobril-a. (Apoiados.)

Não é meu intuito fazer historia retrospectiva, mas não posso occultar um facto essencial, porque esse facto explica a altitude dubia e vacilante do governo. Não desconhece a camara, que a benemerita associação commercial do Porto tomou e toma n'esta questão uma parte activissima, e não é offendel-a (está isso longe do meu proposito) dizer agora que ella, durante a administração do governo transacto, procedeu, mais de uma vez, por modo menos correcto e por vezes tumultuario. (Apoiados.) Não obstante essa altitude, entendi do meu dever que as respostas que devia proferirem qualquer casa do parlamento, todas as vezes que fosse chamado a dal-as, deviam sor, como creio que o foram, será arrogancias, mas sem tibiezas. (Apoiados.)

Vejo que a attitude altaneira da benemerita associação commercial não mudou, e que obedece aos mesmos impulsos da sua indignação patriotica, quando se trata da companhia vinicola. (Apoiados.)

Ora. vejâmos. O tribunal arbitral proferiu sentença, e sabe-se que essa sentença deu provimento ao recurso da companhia vinicola.

Quer o camara saber a serenidade de animo da benemerita associação commercial do Porto?

Quer a camara saber como ella se dirigiu ao governo?

Quer a camara saber a verdadeira causa d'esta situação humilhante por parte do governo?

Vou ler á camara o telegramma, que a benemerita associação commercial dirigiu ao actual sr. presidente do conselho e a resposta prompta que elle se dignou dar lhe.

São do teor seguinte:

«A associação commercial do Porto, surprehendida e impressionada com as noticias que dão aqui alguns jornaes sobre a decisão do tribunal arbitral na questão da, instituição da companhia vinicola, pede a v. exa. se digne communicar-lhe com urgencia o que ha de verdade sobre o assumpto, confiando sempre nas declarações e promessas de v. exa. = Barão de Massarellos, presidente.»

O sr. Antonio de Serpa:- respondeu:

«É exacta a noticia da decisão do tribunal arbitral. O governo examinará a questão, em vista das leis, e tomará as resoluções que julgar convenientes ao interesse publico, dentro da legalidade e de accordo com os principios que os actuaes ministros têem sempre professado ácerca d'este assumpto. = Presidente do conselho.»

A camara ouviu attentamente a leitura d'estes telegrammas? Creio que sim. Pois elles dizem tudo; (Apoiados.) dizem mais do que eu lhes posso dizer. (Apoiados repetidos.)

Temos aqui o corpo de delicto. (Apoiados.)

O sr. ministro conhece estes telegrammas? Creio que os conhece, e a prova, d'isso está nas reservas e na timidez com que me respondeu. (Apoiados repetidos)

A associação commercial surprehende-se que haja tribunaes n'este paiz, e que elles julguem conforme os dictames da sua consciencia! (Apoiados.) E não se surprehende somente; dirige-se altaneiramente aos poderes publicos e exige-lhes que pelo telegrapho, sem demora, lhe digam o que ha sobre o assumpto. Ainda mais; exige resposta prompta, pelo telegrapho, e com um excesso de modestia e cortezia, acrescenta: confiamos sempre nas declarações e promessas de v. exa. (Apoiados repetidos.)

E agora peço eu á camara e poço ao paiz que reflicta na attitude que tomaram os actuaes ministros quando eram opposição. Sem isso não se póde comprehender a attitude que agora tomou o governo. (Apoiados.)

O que significa tudo isto, o que está em tudo isto?

Nada mais e nada menos do que um pacto feito com a associação commercial, quando os actuaes ministros estavam na opposição! (Muitos apoiados.)

Isto quer dizer que os srs. ministros subiram ao poder e que n'esta questão não têem liberdade de acção. (Muitos apoiados.)

Acceitaram um mandato imperativo, o qual agora lhes é intimado pela benemerita associação commercial, e, o que é mais, é-lhes intimado pelo telegrapho. (Muitos apoiados.)

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Mas o que ha sobre tudo isto, torno a repetir?

O que ha n'estas palavras dirigidas ao actual presidente do conselho: confiando nas declarações e promessas de v. exa.? (Apoiados.)

Tudo isto quer dizer: V. exas. têem para, comnosco compromissos, e estes compromissos hão de ser cumpridos. (Apoiados.)

Mas qual é a natureza d'esses compromissos?

É por isso que eu dizia que não era impertinencia, e que era absolutamente indispensavel a presença aqui do sr. presidente do conselho. (Apoiados.) E como estes telegrammas não são apocriphos, é preciso que o paiz saiba, pois que o governo representativo é um governo de publicidade, quaes foram esses compromissos e como se fizeram. (Apoiados repetidos.)

Os homens que se sentam hoje nas cadeiras do poder fizeram essa promessa quando eram membros das duas casas do parlamento? Pactuaram com aquelle movimento da benemerita associação commercial do Porto e levaram para o poder esses compromissos?

N'este caso, não têem liberdade de acção para resolver esta questão. (Apoiados.)

Mas o governo tomou quaesquer compromissos depois que é poder?

Nesta hypothese, o caso é mais grave ainda, porque então tomou o compromisso do attentado contra a sentença arbitral, qualquer que ella fosse. (Apoiados.)

Os telegrammas de que tenho fallado não admittem outra explicação. (Apoiados.)

O que eu vejo, sr. presidente, em tudo isto é mais do um symptoma triste; (Apoiados.) o que eu vejo é a audacia de uma associação, aliás benemerita, dirigir-se aos poderes publicos de uma maneira verdadeiramente insolita. (Apoiados.)

Direi mais. A maneira arrogante como a benemerita associação commercial se dirige ao governo accusa tambem falta de confiança e um certo desprimor, porque denuncia compromissos, que porventura deviam ser mais ou menos confidenciaes. (Apoiados.)

Lança em rosto ao governo, e pelo telegrapho, que ha compromissos, espera que sejam cumpridos, e ao mesmo tempo ameaça. (Apoiados.)

Isto é uma verdadeira decadencia.

Deviamos suppor que a igualdade perante a lei era uma conquista, contra a qual ninguem ousaria insurgir-se. (Apoiados.) Pois estamos enganados. O tribunal arbitra] nem podia julgar com independencia, e porque o fez, ha quem increpe e governo e o ameace! (Muitos apoiados.) Pois o que significam as palavras a associação commercial surprehendida e impressionada?

Não é isto um ataque á integridade do tribunal que julgou? Não é isto uma ameaça ao governo a quem se dirige? (Muitos apoiados.)

Eu lamento, sr. presidente, que, a proposito de um subsidio de 15:000$000 réis, aliás compensado por tantas vantagens, dado, á companhia vinicola do norte, se tente dar á lei chamada dos cereaes uma interpretação que ella não comporta, e que agora se pretenda interpretar diversamente, só porque isso offende os interesses de individualidades mais ou menos poderosas. (Apoiados.)

É uma triste coincidencia. A lei de 19 de julho de 1888, conhecida pela lei dos cereaes, porque procurou attenuar a crise cerealifera foi interpretada e executada sem resistencias, direi antes com applauso publico. O governo, designadamente no decreto de 27 de dezembro de 1888, interpretou-a exactamente como a interpretou quando posteriormente celebrou o contrato com a companhia vinicola. Ninguem arguiu o governo.

Parece que os poderes publicos precisam de consultar as individualidades poderosas para saber como hão de interpretar as leis.

É por isso que eu lamento estas coincidencias, que manifestam uma verdadeira decadencia. (Apoiados.)

Note a camara a moralidade do caso.

Applicou-se a lei relativamente aos 200:000$000 réis dos addicionaes, e relativamente á reducção das tarifas dos caminhos de ferro, e por signal que a este respeito perguntou o sr. Arouca ao sr. Emygdio Navarro se s. exa. já tinha dado cumprimento á disposição da lei, na parte que se referia ás tarifas, obtendo resposta affirmativa.

Applicou-se a lei em tudo, e só não póde applicar-se agora, porque a benemerita associação commercial do Porto não quer! (Apoiados.)

Não espere, pois, a camara, que o governo deixe as reservas, em que tenta manter-se.

É obrigado por força de compromissos antigos; e a sua situação é duplicadamente triste.

Não póde ser franco, nem perante a companhia vinicola, nem perante a benemerita associação commercial. (Apoiados.)

Recorre, pois, ás palavras dubias, ás dilações, a ver se o futuro lhe depara ensejo de saír das dificuldades que o assediam. (Apoiados.)

Ou se ha de emancipar dos compromissos tomados, e receia ser arguido de faltar á fé jurada, ou ha de ajoelhar diante da benemerita associação commercial do Porto, exorando-a a que o liberte das promessas feitas. (Apoiados.)

Ou então terá, por todas as formas e maneiras, de sacrificar a companhia vinicola. (Apoiados.)

Partidariamente poderia regosijarmo com a situação do governo, porque está soffrendo o castigo dos desatinos que praticou como opposição. (Apoiados.)

Ha, porém, superior a todas as conveniencias partidarias a dignidade e o prestigio dos poderes publicos, e essa dignidade e esse prestigio não desejo eu vel-os assim deprimidos.

Peço, pois, ao governo que não prolongue por mais tempo esse estado de irresolução que a ninguém já illude.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, convidando o governo a cumprir integralmente o contrato de 15 de março de 1889, feito entre o governo e a companhia vinicola do norte, passa á ordem do dia. = Eduardo Coelho.

Foi admittida.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão, até se liquidar este incidente. Assim se resolveu.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Mais por dever de cortezia para com o illustre deputado que acaba de fallar, do que por necessidade de responder ás observações que s. exa. fez, vou, por poucos minutos, usar da palavra.

O illustre deputado fallou brilhantemente, como sempre, expoz á camara a questão, como s. exa. entende ou a comprehende.

Disse por vezes que o governo não queria responder, que o governo queria illudir com respostas evasivas as perguntas claras e precisas que s. exa. fazia. Disse mais, que o governo deveria dar á lei uma certa e determinada, interpretação, e que se o governo procedia d'esta fórma, era em virtude de um telegramma que a associação commercial do Porto enviou ao sr. presidente do conselho.

Sr. presidente, eu não posso ser mais claro, ou não sei ser mais claro do que tenho sido, todas as vezes que respondo aos illustres deputados. Eu não quero furtar ao parlamento o direito de fiscalisação sobre os actos do gover-

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no. (Apoiados.) Eu não quero deixar de resolver a questão da companhia vinicola do norte. (Apoiados.) Eu não quero prejudicar a real companhia vinicola do norte, nem quero favorecer a associação commercial do Porto, (Apoiados.) não obstante o respeito que esta benemerita associação me merece. (Apoiados.)

Não é nada d'isto. É simplesmente outra cousa que o illustre deputado não quer ver. (Apoiados.) E não quer ver, porque não lhe convem, debaixo do seu ponto de vista. (Apoiados.)

S. exa. quer que eu tenha já um juizo seguro sobre a orientação que o governo deve tomar em relação ao contrato da companhia vinicola do norte; e eu não tenho ainda esse juizo seguro.

Nada mais claro. (Apoiados.)

E por não o ter ainda, ninguem tem direito a censurar-me, allegando que pretendo illudir a camara ou fugir ao direito que ella tem do fiscalisar os actos do governo, ou que eu quero prejudicar alguma entidade. (Apoiados.)

Esta é que é a questão; nem mais nem menos.

Começou s. exa. por dizer que o contrato era um facto consumado. Pois não era tambem um facto consumado no seu tempo o s. exa. não o rescindiu? E não o rescindiu com o fundamento de que a subscripção não estava legal, e de que a companhia não estava legalmente constituida?

Que mais direito tem s. exa. do que eu para não respeitar um facto consumado? Quem póde contestar-me o direito de apreciar e resolver conforme entenda? (Apoiados.)

Mas s. exa. acrescentou que o governo quer acobertar-se com a opinião do fiscal da coroa! E o illustre deputado o que quiz, quando tambem o consultou? (Apoiados.)

Com que direito me nega, a mim, o que s. exa. queria para si?

Só s. exa. é que podia illustrar-se; os outros não, os outros têem obrigação de resolver per si, não poderia ter duvidas!

Quando o ministerio e progressista, os direitos são uns; quando é regenerador os direitos são outros!

Não póde ser; os direitos do illustre deputado, quando ministro, eram tantos como hoje são os meus.

Os direitos são os mesmos para todos os que se sentam n'estas cadeiras.

Mas o que é mais curioso, é que s. exa., que não quer acobertar-se com a opinião dos fiscaes da corôa, ainda ha pouco, dizia que, fossem quaes fossem as opiniões d'esses fiscaes, havia de seguil-as!

Isto é que se póde dizer que é querer acobertar-se com as opiniões da procuradoria geral da corôa. (Apoiados.)

Eu é que ainda não disse, se seguirei ou regeitarei a opinião dos fiscaes; o que digo é que quero illustrar-me, como é meu direito e meu dever, para poder tomar uma resolução definitiva, e por uma vez; porque não desejo proceder, como o illustre deputado procedeu, quando era ministro, tomando hoje uma resolução e ámanhã outra. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu combati sempre o ministro progressista das obras publicas, o sr. Emygdio Navarro; mas nunca deixei de reconhecer que s. exa. n'este mesmo assumpto, tinha uma opinião; tinha a coragem d'ella e saíu com ella. (Apoiados.)

Mas, qual foi a opinião do sr. Eduardo José Coelho e do governo de que s. exa. fazia parte, sobre este ponto? Quem examinar o processo, nem sequer comprehenderá como tal contrato começou.

Não se percebe isso, nem se descobre facilmente quaes as rasões por que o contrato, feito pelo sr. Emygdio Navarro, foi rasgado e substituido; mas sabe-o a camara; e, se não sabe, eu não tenho duvida em dizel-as.

No contrato feito pelo sr. Emygdio Navarro estava, expressa uma opinião, um modo de ver e de pensar; no contrato do sr. Eduardo Coelho a opinião estava nos estatutos, de sorte que quem vae ver o contrato vê uma cousa o quem examina os estatutos, vê outra.

Ao passo que da comparação do contrato com os estatutos resulta a affirmação de umas certas doutrinas, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, em circular aos consules, dizia que a interpretação era outra! (Apoiados.)

Para não proceder assim, para não ter hoje uma opinião e ámanhã outra, para proceder de uma fórma correcta e digna, é que eu quero consultar um esclarecido magistrado sobre as duvidas que tenho, e ouvir as suas opiniões, seguindo-as ou não, conforme o governo as julgue ou não acceitaveis.

Não quero acobertar me com a opinião d'aquelle magistrado; quero consultal-o para depois resolver, consoante a boa doutrina, os bons principies, o direito e o interesse publico.

Tambem affirmou o illustre deputado que o governo progressista não rescindiu o contrato!

O que significa então o seu despacho, de que a companhia recorreu? (Apoiados.)

Eu vou ler á camara esse despacho; mas antes d'isso quero referir um facto que não é de reserva.

Quando aqui só tratou da questão da companhia vinicola, eu pedi ao meu chorado chefe, o sr. Cardoso Avelino, que me dispensasse de tomar parte na discussão que ía ter legar, sobre o assumpto, na procuradoria da corôa, porque tendo eu tratado essa questão no parlamento achava-me inhibido de a discutir ali; e s. exa. não teve duvida em acceder ao meu pedido.

Mas, voltando ao tal despacho, como todos ouviram, o sr. Eduardo José Coelho chamou-lhe simples. - Ora eu não sei se é simples, se é composto; o que sei é que s. exa. levou com elle a companhia para o tribunal arbitral, e paralysou-lhe a vida durante um certo tempo; porque a final de contas, o grande prejuizo para a companhia proveiu do sr. Eduardo José Coelho.

Quem substituiu o decreto de 15 de dezembro pelo de 5 de março? Quem rescindiu o contrato de 5 de março? Quem prejudicou a companhia, se é que a companhia podo ser prejudicada? Foi incontestavelmente o sr. Eduardo José Coelho. E é ainda s. exa. quem se levanta hoje contra o governo, que não quer proceder de leve como s. exa. procedeu!

Mas vamos ao despacho. É o seguinte:

«Tendo-se o conselho de ministros conformado com esta consulta da procuradoria geral da corôa e fazenda, no qual por uniformidade de votos se concluo que a companhia vinicola do norte se não constituiu legalmente no praso marcado no artigo 8.° do contrato de 15 de março, publicado no Diario ao governo de 9 de abril ultimo, e que é portanto nullo e de nenhum effeito o mencionado contrato por força da prescripção do artigo citado, assim se declara aos signatarios do contrato, enviando-lhes por copia para sua cabal informação, copia d'esta consulta. 21 de novembro de 1889.»

É este o celebre despacho; e por tal signal que se manda n'elle enviar por copia uma copia. Duas vezes copia.

Mas não se chamará a isto rescindir um contrato? Se não é, parece tal e qual uma rescisão. E a prova que parece ser, está no facto de ter a companhia pedido immediatamente ao governo o tribunal arbitral. Naturalmente o pedido não foi para se entreter. E quem sabe? Talvez que o fizesse, não porque o seu contrato ía desapparecer como fumo nas mãos do sr. Eduardo José Coelho, mas sim por querer repartir com alguem os muitos beneficios que s. exa. fazia á companhia.

Sr. presidente, eu não sei se o sr. Eduardo José Coelho rescindiu ou não rescindiu o contrato; mas repito agora o que sempre disse e sustentei quando era opposição; isto é, que considerava o sr. Eduardo José Coelho como um dos nossos mais respeitaveis magistrados, porque a sua illustração, honestidade e rigidez de principies podiam

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servir de modelo, mas que, infelizmente para as partes, as doutrinas juridicas que s. exa. applicava, destoavam um pouco dos principios juridicos que aqui defendia.

Foi isto o que eu disse então e o que hoje mantenho.

Mas, sr. presidente, se s. exa. não rescindiu o contrato com a companhia vinicola, então para que serviu o tribunal arbitral? (Apoiados.)

Evidentemente, se o houve é porque a companhia o pediu, porque o sr. Eduardo José Coelho rescindiu o contrato e porque s. exa. prejudicou a companhia.

Isto é incontestavel e agora o que se vê é que s. exa. quer fazer as pazes com ella á minha custa; (Muitos apoiados.) mas isso é que não conseguirá. (Apoiados.)

O que aqui se diz, repete-se lá fóra, e eu quero que fique bem assente que o governo não tem interesse algum em querer prejudicar a companhia vinicola, nem a nenhuma outra.

O governo o que quer é resolver a questão, consoante os interesses publicos. O que não quer, é proceder de leve, para hoje resolver por uma fórma e ámanhã ter de mudar de resolução, como tantas vezes succedeu durante a gerencia do governo transacto. (Muitos apoiados.)

Disse ainda s. exa., recordando á camara, muito satisfeito, as perguntas que na outra casa do parlamento lhe dirigira o actual sr. presidente do conselho, quando o illustre deputado era ministro, e as respostas claras e precisas que s. exa. lhe dera!

Pois o illustre deputado foi quem fez o contrato e não havia de saber dar explicações, quando lhe fossem pedidas?!

Pergunto eu; a sua situação era a mesma que a minha? Pois então s. exa. fez o seu contrato, assignou-o, e não havia de estar habilitado a responder, quando fosse interrogado sobre a interpretação que dava a esse contrato?! E vem agora o sr. Eduardo José Coelho fazer alarde da clareza com que respondeu!

Quem podia habilitar a camara a formar o seu juizo, senão o ministro que tinha assignado o contrato? (Apoiados.)

Eu vi pela primeira vez o processo, quando me foi apresentado o accordão do tribunal arbitral, e s. exa. acha muito que eu gastasse seis ou sete dias para o estudar, e que tendo tido duvidas, fosse eu proprio a casa do sr. procurador geral da corôa consultal-o, para me illustrar com a sua opinião, como s. exa. se illustrava, e para mo orientar sobre o assumpto, mas não para me acobertar com essa opinião!

Tenho eu culpa de que esse magistrado me respondesse que queria dar-se por suspeito e que queria declarar a suspeição officialmente?!

Tenho eu culpa de que seja necessario intimar o processo e de que nisso se gastem dois ou tres dias?!

Pois tudo isto não mostra a boa fé com que andei n'este assumpto e a impossibilidade em que o governo está de dar desde já a sua opinião á camara? (Apoiados.)

O illustre deputado foi injusto para com o governo, como o foi o sr. Alpoim, quando o accusou do querer illudir a questão.

Acrescentou ainda o sr. Eduardo Coelho que o governo, não tendo responsabilidades, quer agora tel-as, porque em vinte e quatro ou quarenta e oito horas, quatro ou seis dias, não tomou a resolução de dizer ao parlamento o que s. exa. entende que elle devia dizer; isto é, que o contrato está bem feito, que sobre elle não ha a mais pequena duvida; que vae já pagar 15:000$000 réis á companhia, e que por esta fórma acabará a questão!

Procedendo assim, antes mesmo de resolver quaesquer duvidas, é que o governo, no entender do illustre deputado, não tomava grandes responsabilidades.

Ora, exactamente por não desejar o governo tomar graves responsabilidades é que não quer resolver de leve. (Apoiados.)

D'isto é que o illustre deputado se não quer convencer.

Tambem s. exa. disse que os pares do reino e os deputados podem ter as opiniões que entenderem; mas que é preciso saber se esses pares e deputados mantinham as mesmas opiniões quando eram ministros.

Sr. presidente, em todos os assumptos, e sobretudo nas questões economicas e administrativas, é coherente comsigo mesmo quem tem uma só opinião na sua vida.
Ninguem ignora isto; mas creio que tambem ninguem desconhece, que quem tem uma só opinião na sua vida nem é um homem de talento, nem é um bom cidadão. (Apoiados.)

A experiencia mostra muitas vezes que as opiniões que se tinham, eram erradas, e o homem publico que, só para não romper com a coherencia, persistir nas opiniões que tinha nos annos anteriores, depois de reconhecer que ellas eram erradas, e um mau cidadão.

Poderá ser um teimoso; mas não é um bom cidadão.

Quer o illustre deputado saber quaes são as opiniões do governo ácerca da companhia vinicola do norte; mas o governo só pede uma cousa: é que lhe dêem tempo para estudar. Depois de estudar, elle não terá duvida alguma em dizer quaes são as suas opiniões.

Pela minha parte não abdico do direito que tenho, de só dizer quaes ellas são, quando esteja habilitado para isso. (Apoiados.)

O illustre deputado, porém, ainda foi mais longe, porque declarou que eu tomava esta attitude, fugindo a elucidar a camara, porque a associação commercial do Porto tinha dirigido um telegramma, que s. exa. disse menos regular, ao sr. presidente do conselho, e que este tinha respondido logo com outro telegramma á mesma associação commercial!

Sr. presidente, para que havemos nós de envenenar as questões, fallando de telegrammas ?!...

O illustre deputado já se não lembra d'aquelles telegrammas que a associação commercial do Porto mandava ao governo de que s. exa. fazia parte, marcando até dia e hora para a resposta? (Apoiados.)

E não faltaram más linguas, não eu, que faço justiça ao caracter de s. exa., para dizerem que a annullação do contrato foi motivada pelo desejo de viver bem com aquella associação commercial.

A historia não é muito antiga, mas ha muitos srs. deputados n'esta camara que talvez não a soubessem.

Finalmente, o sr. Eduardo José Coelho accusou o governo de querer dar á lei dos cereaes, que é de 1886, uma interpretação que ella não tem.

Eu digo a s. exa. que o governo não quer dar á lei de 1886 interpretação diversa da que deve ter.

Isso depende da resposta dos fiscaes da corôa, ácerca das duvidas que se têem levantado.

Logo que o governo a obtenha, virá ao parlamento dizer qual é a sua opinião sobre este assumpto e qual foi a resolução que tomou.

Posso a affirmar ao illustre deputado que essa resolução não ha de ser forçosamente a mesma dos fiscaes da corôa; mas sim será aquella que o governo tiver como mais justa, e conforme aos interesses publicos. (Apoiados.)

Digo ao illustre deputado que pela minha parte, seja qual for a opinião que vier da procuradoria geral da corôa, nem os lavradores do Douro nem a associação commercial do Porto me hão de fazer mudar de opinião. (Apoiados.)

No dia em que tiver de mudar de opinião, faço como o sr. Navarro; sáio da mesma maneira que entrei; não digo que sáio á força, mas saio sem saudades.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Eduardo José Coelho: - Requeiro que seja publicado todo o processo que diz respeito á questão da

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companhia vinicola do norte, por isso que é de toda a conveniencia que se dê publicidade a esta questão.

O sr. Presidente: - Esse pedido do illustre deputado é mais um assumpto para uma proposta do que para um requerimento, porque não está sobre a mesa o processo a que s. exa. se refere.

O sr. Alfredo Brandão: - Mandou para a mesa a seguinte moção:

«A camara, considerando que ao governo cumpre submetter-se á sentença do tribunal arbitral que resolveu a pendencia ou litigio entre o mesmo governo e a real companhia vinicola do norte, passa á ordem do dia. = Alfredo Brandão.»

Disse que tinha pedido a palavra, impressionado pela doutrina do illustre ministro das obras publicas, em resposta ao seu collega e amigo o sr. José de Alpoim, doutrina que, a seu ver, contém verdadeiras heresias juridicas, improprias de um jurisconsulto distincto e de um ajudante do procurador geral da corôa.

Tinha tomado notas quando o illustre ministro usou da palavra na sessão diurna; ía lel-as agora, e se ellas não fossem perfeitamente conformes com as idéas apresentadas por s. exa., e confirmadas n'esta sessão, pedia-lhe que o dissesse, para em tudo se subordinar, nas considerações que ía fazer, ao pensamento de s. exa., como era seu desejo.

Que a doutrina do sr. ministro das obras publicas consistira em declarar que não tomou resolução sobre o litigio com a real companhia vinicola do norte, porque ainda não tinha opinião a tal respeito; que só resolverá depois de ouvido o procurador geral da corôa, a quem consultou, porque tem duvidas sobre factos e pontos graves do processo e sobre pontos juridicos importantes; que empregou todas as diligencias para se julgar a questão, provando assim a sua boa vontade, e desmentindo assim as suspeitas de dilação que lhe attribuem, e que não era muito que s. exa. consultasse uma vez o procurador geral da corôa, quando o ministro progressista, que o precedeu, o consultara muitas vezes sobre o mesmo assumpto.

Parecia-lhe que tinham sido estas, em substancia, as idéas do illustre ministro, que continham, na opinião d'elle, orador, verdadeiras heresias juridicas, e significavam um arbitrio e prepotencia, apregoados com tanta sem ceremonia, que até podiam parecer outra cousa.

Disse mais que o ministro não tinha resolução a tomar, porque, como parte litigante, havia de sujeitar se á decisão dos arbitros; nem podia formar opinião que o auctorisasse a evitar uma sentença, que o condemnava sem appellação, e que ha de cumprir, seja qual for o juizo que d'ella fizer.

Que s. exa. só podia ter duvidas na hypothese de ser obscura a sentença, mas que n'esse caso, o seu dever, não era consultar o procurador geral da corôa, mas reclamar perante o mesmo tribunal que proferiu a sentença, para elle as aclarar, como era de direito, e como era de simples bom senso, quando se tratava de um vendictum proferido por juizes arbitros, de que não havia recurso.

As duvidas, porém, do sr. ministro não eram duvidas de obscuridade, mas sim sobre factos e pontos graves do processo e sobre pontos juridicos, como s. exa. declarou por estas mesmas palavras, de que tomára nota.

Que se tratava de uma questão submettida a um tribunal arbitral, tendo precedido um compromisso, em que as partes litigantes, alem de renunciarem ao recurso, auctorisaram os arbitros a julgar ex aequo et bono, de uma questão submettida ao tribunal arbitral, em virtude da lei, e depois do consultado o procurador geral da corôa sobre se era caso de recorrer a este meio, e de uma questão, em que o unico processo e constituido pelo compromisso e pela respectiva sentença.

Que, por isso, as duvidas, a que o illustre ministro se referira, só podiam originar-se no compromisso e na sentença, mas que o governo não podia levantar duvidas sobre o compromisso, para não faltar á fé dos contratos, nem sobre a execução da sentença arbitral sem invadir as altribuições do poder judicial.

Que não podia haver duvidas anteriores ao compromisso, porque todas as duvidas, todas as irregularidades, todas as contestações, e mesmo todas as nullidades que existissem ficaram sanadas pelo mesmo compromisso, e substituidas por elle, assim como todas as resoluções anteriores sobre a questão submettida ao veredictum dos arbitros foi substituida pelo veredictum, que havia de ser respeitado e cumprido independentemente das opiniões e resoluções do sr. ministro.

Disse que as diligencias feitas pelo sr. ministro antes da sentença para ella ser proferida, não provavam boa vontade senão em que houvesse sentença, mas que o procedimento de s. exa. depois da sentença mostra igual boa vontade de não a cumprir, e era contra esse arbitrio que reclamava.

Que, o procedimento do ministro progressista, consultando por differentes vezes a procuradoria geral da corôa, sómente provava que esse ministro tinha sido escrupuloso na apreciação d'esta questão, e que, por isso mesmo, era dispensavel a nova consulta do sr. ministro das obras publicas, mesmo que fosse legal, sobre o assumpto, em que a mesma procuradoria tinha já emittido o seu parecer.

Terminou lamentando que se apregoasse a incoherencia e a versatilidade dos homens publicos pela fórma por que o sr. ministro o fez, doutrina que justifica com o seu procedimento, consultando o procurador geral da corôa, e declarando, que ainda não tinha opinião n'um assumpto sobre que fallára tantas vezes n'esta casa, quando não era ministro. Isto não provava mais do que incoherencia.

A moção foi admittida.

(O discurso será publicado na, integra, e em appendice a esta sessão, guando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Responde ao sr. Alfredo Brandão. Entende que a argumentação de s. exa. foi perdida, pois que não quiz attender ás palavras do sr. ministro das obras publicas, que bem claramente declarou que as suas duvidas versavam sobre pontos alheios áquelle que foi assacado pelo tribunal arbitral.

Essas duvidas nasceram do processo administrativo e nada têem com a questão submettida ao tribunal.

Referindo se a uma phrase proferida pelo sr. Brandão, em desabono do sr. ministro das obras publicas, declara o orador que não póde deixar de a levantar. Está, todavia, convencido que s. exa. a empregou, impellido pelo ardor da argumentação e não com a idéa de melindrar o sr. ministro.

Termina, criticando e qualificando de injusto quanto dissera o sr. Alpoim com relação aos negociantes de vinho do Porto.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Francisco de Medeiros: - Sr. presidente, começo por ler a minha moção, que é a seguinte:

«A camara, reconhecendo que a entidade governo não soffre solução de continuidade e que as decisões definitivas do poder judicial devem ser acatadas por todos e cumpridas pelas partes que n'ellas são condemnadas, continua na ordem da noite.»

Sr. presidente, cabendo-me a palavra depois do discurso do illustre ministro da instrucção publica e bellas artes, não posso deixar de patentear a minha surpreza pelas palavras que s. exa. proferiu e que me fizeram quasi imaginar não ser s. exa. quem fallava.

Ha pouco dizia aqui uru illustre deputado da maioria, o sr. Vieira de Andrade: «Ali (as cadeiras dos ministros) é onde elles aprendem; ali é onde elles se amansam!» Realmente o sr. Arroyo mostra que já está muito manso!

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SESSÃO NOCTURNA DE 14 DE JULHO DE 1890 1245

Chego a não reconhecer no sr. ministro das bellas artes o sr. Arroyo dos ultimos tres annos. (Muitos apoiados.)

O sr. Arroyo mostrou-se um pouco magoado por causa de uma phrase proferida pelo sr. Alfredo Brandão.

Adoravel magna da parte de quem levou aqui a sua vida a discutir, não raro com alta proficiencia, mas sempre com exagerada acrimonia e ás vezes com injustiça para com os seus adversarios policos. Quantum mutatus ab illo! (Apoiados.)

O sr. Arroyo disse-nos que as phrases que elle aqui proferiu, como deputado da opposição, deviam ser apreciadas em face dos factos que elle apreciava tambem.

Ora eu pergunto ao sr. Arroyo se houve factos que podessem auctorisar s. exa. a investir desvairadamente contra tantos, e determinadamente a chamar presidente de ministros carnavalesco ao eminente estadista, illustre e honrado chefe do meu partido, o sr. José Luciano de Castro? (Muitos apoiados na esquerda.}

Lembre-se o illustre ministro de que, procedendo de tal modo como deputado, não só offendia o mais alto representante da auctoridade publica, abaixo do Rei, desacatando-o, como até investia com as qualidades pessoaes de um homem, digno do respeito de todos e de todas as considerações publicas pelas suas distinctas qualidades, altos merecimentos e relevantes serviços prestados ao paiz. (Muitos apoiados na esquerda.)

Quantum mutatus ab illo! O sr. Arroyo mostra que está manso e tem sido bem amansado (Apoiados) e por mim faço votos para que, em passando dos bancos do poder para este lado da camara, mantenha a linha de compostura, que faz um perfeito contraste com as suas antigas diatribes opposicionistas.

Mas, sr. presidente, eu não comprehendo bem isto, de certo por defeito da minha intelligencia. Levanta-se o sr. ministro das obras publicas e diz-nos: seu ainda não disse se sim ou não havia de cumprir a sentença do tribunal arbitral.»

Levanta-se o sr. Arroyo e diz: «nós não pomos em duvida a sentença do tribunal; a sentença foi firmada conforme as leis e nós estamos aqui para a executar.»

Falla o sr. ministro das obras publicas, e vemos que uma decisão definitiva do poder judicial está em cheque (Apoiados); falla o sr. Arroyo e das suas palavras infere-se que o governo ha de acatar a sentença arbitrai! (Apoiados.)

Mas o que é fora de duvida e que foi preciso que hoje o meu amigo o sr. Alpoim, n'um discurso dos mais brilhantes que tenho ouvido no parlamento e principalmente na sessão do corrente anno, obrigasse o sr. Arouca a dizer: «já que querem a publicação da sentença, então será publicada.»

Vejam o respeito que o sr. Arouca tem pela decisão do tribunal arbitral, que para a publicar foi preciso que o sr. Alpoim lhe arrancasse essa declaração na camara! (Apoiados.)

Mas eu desejava que o governo dissesse positivamente se acata, respeita e quer cumprir sem duvidas nem hesitações, sem equivocos nem rodeios a decisão do tribunal arbitral. (Apoiados.)

Declare isto francamente o sr. ministro das obras publicas, que é o da respectiva pasta. Isso, porém, não o disso elle, porque, se o dissesse, reconhecia ipso facto, como o tribunal reconheceu, que a companhia tinha sido legalmente constituida, e tal declaração não convem por ora ao governo. (Apoiados.)

A unica rasão por que o sr. Eduardo Coelho, antecessor do sr. Arouca, tinha declarado pela sua parte nullo o contrato, era, porque, conforme o parecer dos fiscaes da corôa, a companhia não havia sido legalmente constituida. E como esta decisão do sr. Eduardo Coelho foi levada ao tribunal arbitral que a revogou, julgando que a companhia estava legalmente constituida, não havia rasão para que o contrato não fosse integralmente cumprido.

Na entidade governo não ha solução de continuidade. O governo disse n'um despacho que não cumpria o contrato, porque a companhia não se tinha constituido nos termos da lei: o tribunal arbitral, nomeado pelo governo e pela companhia vinicola, decidiu contra o governo. Logo a este só cumpre acceitar tal decisão, que é definitiva, e depois da qual o contrato deve ser tão pontualmente cumprido, como foi legalmente celebrado. (Apoiados.)

Sr. presidente, a questão para mim não é de interesses da companhia vinicola, ou de interesses dos negociantes que luctam contra ella. Ponho tudo isso de parte.
Para mim a questão e de legalidade, de respeito pelas decisões do poder judicial, de probidade governativa, de lealdade no estado. (Apoiados.)

Mas o sr. ministro das obras publicas, recusa-se tenazmente a declarar que ha de acatar a decisão arbitral; e não o declara porque lá tem as suas rasões. Talvez que d'aqui a um ou dois mezes, depois de uma viagem para os lados do norte do paiz, e de ter o governo refrescado os pulmões com aquelles ares puros e sadios do Minho, o sr. ministro das obras publicas tenha opinião mais segura ácerca do caso e haja então mais respeito pelas decisões do tribunal arbitral.

Mas nós não saímos d'aqui. Cumpre ou não cumpre?

A palavra do sr. Arroyo vale muito, tenho por ella muito respeito, mas o sr. ministro da pasta respectiva é que n'este assumpto devia tomar o compromisso.

E com relação ao sr. Arouca, tenho a dizer ainda que as suas reservas mostram que estamos em dictadura permanente, a dictadura do silencio.

Falla-se na questão luso-ingleza? Silencio. Na Inglaterra diz-se tudo, aqui não se diz nada.

Pergunto ao governo se está resolvido a cumprir o contrato com a companhia vinicola, e se reconhece que ella está constituida legalmente? A sua resposta é o silencio ainda, talvez porque n'isto entram tambem inglezes. (Apoiados.)

O sr. ministro das obras publicas vae consultai1 os fiscaes da corôa, e sem elles lhe dizerem, nada dirá tambem; e nem ao menos tem para com o parlamento a condescendencia de o informar sobre o objecto restricto da consulta que vae fazer. É extraordinario isto!

Mas agora pergunto eu: que têem os fiscaes da corôa com a decisão do tribunal arbitral? Então póde alguem, seja quem for, subrepor-se a uma sentença definitiva do poder judicial? (Apoiados.)

Emfim, o governo encastellou-se no silencio; não nos dirá mais nada; ninguem lhe arrancará por em quanto o seu segredo; mas d'aqui a alguns mezes, depois de refrescar os pulmões e a popularidade com uma viagem ao Porto, será elle então um livro aberto, e o sr. ministro das obras publicas dirá tudo. E n'essa occasião veremos quem liça com as illusões perdidas; veremos se é a companhia que fica sem o subsidio, ou se são os commerciantes do Porto, adversarios d'ella, que ficam ludibriados.

Eu, apesar de todas as apparencias contrarias, ainda apostaria pela companhia.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Foi lida na mesa e admittida, a moção de ordem de s. exa.

O sr. Elmano da Cunha: - Começo por ler a minha moção, concebida nos seguintes termos:

«A camara, reconhecendo que o governo tem em toda a consideração os legitimos interesses da industria vinicola e os do commercio, e que ha de saber resolver conformemente á justiça e ás conveniencias publicas, passa á ordem da noite.

«Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 14 do julho de 1890. = Augusto Cesar Elmano da Cunha.»

Sr. presidente, procurarei resumir as considerações que

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me occorrem sobre a materia do debate, porque vão adiantada a hora, e não quero privar-me do prazer de ouvir os demais oradores inscriptos.

Sr. presidente, salvo o devido respeito aos que me precederam n'este debate, parece-me que foi menos o interesse da causa publica que o inspirou do que o intuito, demasiadamente estreito, de inquietar o governo com uma difficuldade que só o gabinete transacto creou, e que, por ultimo, se exagera. (Apoiados.)

Mas, emfim, como pretexto para se medirem forças entre adversarios politicos, e para tiroteio de algumas amabilidades negativas, qualquer assumpto é bom.

O que, porém, lamento, sr. presidente, é que jurisconsultos a todos os respeitos distinctos levem a tal excesso a paixão partidaria, que esqueçam momentaneamente o muito que sabem, e de que existe, acima de tudo, uma probidade a que chamarei juridica, assim como existe uma probidade scientifica o uma probidade litteraria!

Ora, sr. presidente, como tenho de mim para mim que não vale a pena sacrificar essa probidade a nenhum interesse, por maior que elle seja, direi á camara desassombradamente o que sinto.

Sr. presidente, eu não venho discutir as vantagens e inconvenientes do contrato de 5 de novembro de 1888; nem os prós e os contras do contrato de 15 de março de 1889. Desde que este contrato foi auctorisado e celebrado é a lei das partes. (Apoiados da esquerda.)

Sim, (apoiados,) mas será bom não antecipar; melhor será aguardar as consequencias, porque talvez não agradem aos meus illustres amigos.

A circumstancia de haverem outorgado no contrato, em vez de pessoas individuaes, duas pessoas moraes, o estado por um lado, o do outro a companhia vinicola, nem lhe muda a natureza, nem lhe altera os effeitos. (Apoiados.)

São-lhe inteiramente applicaveis as regras geraes das convenções, e o artigo 7.° do contrato teve o singular cuidado de referir-se explicitamente a essas regras.

A companhia obrigou-se á prestação de certos factos, o estado á prestação de certas cousas, e eis tudo: temos, pois um contrato perfeitamente bilateral, que um dos contratantes é obrigado a cumprir, quando o outro cumprir por sua parte. (Apoiados)

Ora, para o caso de algum d'elles não cumprir, estipulou o artigo 6.° que um tribunal arbitrai resolveria todas as questões emergentes.

Mas, sr. presidente, uma cousa é a competencia do tribunal, e outra cousa o compromisso.

N'este compromisso, (que é ainda uma convenção), estipulam as partes, em regra: os pontos litigiosos a resolver; a dilação dentro da qual terão de ser resolvidos; se o devem ser pelas regras de direito stricto ou ex aequo et bono, etc. Foi isto, naturalmente, o que fizeram no seu compromisso a companhia vinicola e o gabinete transacto.

Portanto, ainda proferida a sentença pelos arbitros compromissados, qualquer das partes póde ter duvidas legitimas ácerca do cumprimento do julgado: v. gratia, se os arbitros decidiram mais ou menos do que os pontos controvertidos; se a sentença foi proferida depois da dilacção marcada; se houve preterição de audiencia e exame de provas; se não foi deferido o juramento aos arbitros, etc., etc.

Quero dizer que, ainda depois de proferida a sentença, podem suscitar-se essas e muitas outras questões, muito legitimas, e muito legitimamente. (Apoiados.)

Ora, francamente, quem diz aos illustres deputados que o sr. ministro das obras publicas não encontrou no processo arbitral alguma, ou algumas das duvidas, que indiquei, ou outras porventura ainda mais graves? Respondam-me, por favor, os meus illustres amigos.

(Interrupção que se não ouviu.)

Não respondem, porque não podem, porque não viram, não leram, não conhecem o processo, e porque são muito cavalheiros, e leaes cavalheiros, para affirmarem o contrario.

Como, pois, comprehender que esta questão se levante? É forçoso confessar que é, pelo menos, imtempestiva. Pois não declarou já o sr. ministro da instrucção publica, da maneira a mais formal e categorica, que o governo não pensa em se eximir ao cumprimento de uma justa sentença arbitral, proferida em condições legaes? Pois não fez já esta mesma declaração nos termos os mais explicitos, o sr. ministro das obras publicas? Certamente. E assim, para que confundir duas cousas perfeitamente distinctas?

O sr. ministro das obras publicas tem duvidas? Está no seu pleno direito. Quer consultar os procuradores da corôa? Está no seu direito plenissimo. Foi, porventura, o sr. ministro que inventou os melindres que tem para averbar-se de suspeito o mais honesto e illustrado dos homens, o sr. procurador geral da corôa? Não, por certo. Depende inteiramente do ministro o immediato averbamento da suspeição, a distribuição immediata do processo, a consulta immediata? Tambem não.

Como justiricar-se, logo, esta irosa aggressão durante duas sessões?

Pois quando só tratou do cumprimento da condição 8.ª do contrato, a formação da companhia em noventa dias, um jurisconsulto consumado teve duvidas, e o direito de as ter, e, a despeito dos interesses vinicolas da região do Douro, entendeu poder adial-os e aggraval-os pelo recurso dilatorio ás luzes dos procuradores da corôa, e, finalmente, ás delongas do processo e decisão arbitral, e esse direito nega-se hoje a um outro jurisconsulto, igualmente illustrado, mas porventura mais modesto, o sr. Arouca? Porque é que foi então correcto o recurso aos procuradores da corôa, e porque não é correcto hoje? Era menos grave em 1888 e 1889 a situação da região vinicola do Douro? Se da companhia depende, o que duvido, a salvação do Douro, porque e que o gabinete progressista não absolveu summariamente a companhia da falta de cumprimento da condição 8.ª do contrato?

Ah! sr. presidente, francamente o digo como lealmente o penso, ha n'este procedimento da opposição muito pouca generosidade! Este incidente não significa realmente mais que uma pequena maldade, uma intriga politica, que a ninguem aproveita.

(Interrupção que não se ouviu.)

Sim, seja; sei que na occasião, a que os illustres deputados se referem, a opposição regeneradora tambem fez perguntas ao governo, mas isso não é commigo; chego agora; não tenho o meu voto compromettido em nenhuma discussão passada, não tenho a minha palavra, a minha coherencia, o meu criterio vinculados a nenhum precedente; e posso, conseguintemente, apreciar desassombradamente a questão, no que ella é, no que vale e no que significa.

Uma voz: - Tem rasão.

O Orador: - Pois que a tenho, tambem a deve ter o meu illustre amigo, o sr. Arouca, em rigorosa justiça absoluta. Sustento, pois, e sustentarei, atravez e a despeito de todas as reclamações e protestos, que posta a questão nos termos em que a poz na sessão diurna o sr. ministro das obras publicas, nenhum deputado da minoria o nenhum da maioria tem o direito de levantar o menor protesto contra o direito indiscutivel do mesmo ministro a duvidar, a consultar, e a esclarecer-se com o voto dos procuradores da corôa.

Uma voz: - Então não podemos fallar?

O Orador: - A prova de que podem, é que fallaram: a questão é só da rasão que lhes assiste...

Uma voz: - E v. exa. não está fallando?

O Orador : - Sem duvida; mas se fallo é porque s. exas. fallaram: desde que s. exas. levantaram a questão impertinente ...

Uma voz: - Ora essa!

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O Orador: - Impertinente, no melhor sentido, o juridico; cuido que me será permittido demonstrar que assim é, e é necessario que fique claramente demonstrado para todos os effeitos. E direi mais, que este procedimento, este zêlo extraordinario pelos interesses da companhia vinicola do norte. ..

O sr. José Maria de Alpoim: - Com a devida venia, v. exa. tem a bondade de me dizer se se refere a mim ou a toda a opposição? Pergunto isto, porque só se refere a mim só, poderia isso parecer uma insinuação.

O Orador: - V. exa. sabe que não sou capaz de as fazer offensivas do caracter pessoal de ninguem, e muito menos do illustre deputado, cujo talento e maneiras correctissimas me inspiram verdadeira e sincera sympathia. Digo que este procedimento, esta manifestação em favor dos interesses da companhia vinicola do norte, podem trazer gravissimos inconvenientes para o futuro.

(Interrupção que se não ouviu.)

Não discuto tal, comecei mesmo por dizer que não vinha discutir os contratos, que são a lei das partes, emquanto as partes os cumprem. Mas, sr. presidente, como o contrato de 15 de março de 1889 é muito complexo, como envolve a promessa de prestações de factos successivos em relação a um largo periodo de quinze annos, e eu penso que são de mais para tão magra compensação como a estabelecida no artigo 5.°, bem póde succeder que a companhia se veja em pouco tempo a braços com muitas e talvez, segundo o meu calculo, invenciveis difficuldades, no qual caso o actual gabinete, ou outro, terão de circumscrever-se ao rigoroso cumprimento do estipulado no artigo 7.° do contrato, que é não pagar os 10:000$000 réis! E não surprehenda esta previsão, quando logo em começo do contrato se levantou uma primeira questão, que houve de submetter-se ao julgamento do tribunal arbitral! (Apoiados.)

Ora, sr. presidente, queira Deus que a companhia vinicola se não lembre d'esta sessão nocturna para se defender algum dia das suas faltas contra os deveres de algum ministro progressista, contra as conveniencias de outras companhias, da associação commercial do Porto e do commercio de vinhos de todo o paiz.

E é n'esta previsão, francamente exposta, que ou, sr. presidente, me fundo para dizer que o procedimento da minoria é, quando menos, precipitado; e se não receiasse que se avaliassem com menos justiça as minhas intenções, diria mesmo despotico, pois que indirectamente conduz a opprimir a consciencia do ministro e a prevenir de certo modo o voto dos procuradores da corôa, demasiado independentes sem duvida, mas por forma alguma insusceptiveis de uma preoccupação. Por isso digo e direi, que a intervenção do poder legislativo, a expressão do seu voto, antes da qualquer resolução do ministro ácerca do cumprimento da decisão arbitral, me não parece conveniente, e me não parece digno de uma discussão politica á altura da comprehensão e merito dos illustres combatentes, este assumpto limitadissimo.

Concluindo acrescentarei, sr. presidente, que só comprehendo da parte da mais illustrada das minorias, que é por certo aquella a que tenho a honra de mo dirigir, que ella viesse aconselhar o governo a que cumprisse o contrato em vista de taes e taes conveniencias publicas, quando fossem bem manifestas; mas nada mais. Meditem s. exas. isto e não lhes será difficil convencerem-se d'esta doutrina que tenho pela melhor.

E tanto mais que, ainda no caso de insurreição injustificada do sr. ministro das obras publicas, a companhia não precisara do auxilio da camara para exercer o seu direito, porque se os tribunaes arbitraes carecem de jurisdicção coactiva, como carecem, á companhia assiste o recurso para os tribunaes ordinarios, como é sabido.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

A moção de ordem foi admittida.

O sr. Eduardo Abreu (sobre a ordem): - Apresenta a seguinte moção:

«Considerando que as dificuldades levantadas contra a existencia da companhia vinicola do norte são promovidas por subditos inglezes residentes no Porto, e alguns em Lisboa, como o prova exuberantemente a nota do enviado extraordinario e ministro plenipotenciario da Gran-Bretanha, dirigida a 16 de junho ao governo de Sua Magestade Fidelissima;

«Considerando que no actual momento o governo não quer, nem sabe tomar resolução sobre qualquer questão, em que estejam envolvidas pessoas ou capitães inglezes:

«A camara lastima a situação do mesmo governo, que lhe não permitte adoptar neste assumpto uma resolução que é igualmente aconselhada pelos principios da justiça, pelo respeito á sentença do tribunal e tambem pela legitima altivez do nosso patriotismo e passa á ordem do dia. = E. Abreu.»

O orador expõe diversas considerações para justificar a sua moção e affirma que o governo não resolve nem poderá resolver a questão, porque, ou ha de desagradar á companhia vinicola do norte, ou ha de malquistar-se com a associação commercial do Porto.

É desde que seja esta a attitude do governo, negando-se a fazer justiça á companhia vinicola do norte, elle, orador, não tem duvida em aconselhal-a a sair á rua, e a sustentar os seus direitos por todos os meios e por todos os modos.

A proposta foi admittida.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo):- Responde ao orador precedente, defendendo a cidade do Porto de algumas accusações que s. exa. lhe havia feito.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Baptista de Sousa: - Se o nobre ministro da instrucção publica e bellas artes, tendo-se seguido no uso da palavra ao sr. Eduardo Abreu, quiz simplesmente fazer o justo elogio das superiores qualidades da maioria dos habitantes da cidade do Porto, s. exa. não pertence, n'este caso, ao governo, nem á maioria, nem á minoria; s. exa. pertence á camara, porque todos nós nos associâmos a esse elogio, incluindo o sr. Eduardo Abreu, que nos seus discursos tem sempre extremado a parte do Porto digna do nosso maior favor e respeito pelo seu civismo, indefesso trabalho, e nobre altivez, da parte ciumenta, egoista e arrogante, só merecedora de severa justiça. (Apoiados da esquerda.)

O sr. Eduardo Abreu: - Peço a palavra para explicações.

O Orador: - Mas v. exa., sr. presidente, e a camara, vêem bem que, tendo sido só isto o discurso apaixonado, a que me cabe responder, por muito que eu queira observar o bom uso parlamentar, por muito que eu considere o illustre ministro da instrucção publica e bellas artes, não posso seguil-o agora nas suas expansões affectuosas e sobretudo na retribuição de obsequios aos seus eleitores do Porto, (Apoiados.) porque não foi para esse fim que eu pedi a palavra, mas sim para discutir o assumpto que foi dado para objecto do debate na sessão d'esta noite. (Apoiados.)

E agora que a hora está muito adiantada, excedido já o praso da duração ordinaria das sessões, visto estar prorogada a sessão e que a discussão foi desviada do estado em que fôra posta, pelo discurso de gratidão para com o Porto, do sr. ministro da instrucção publica, preciso chamar outra vez a discussão á ordem, mostrar â camara aquillo de que ella se estava occupando, e apreciar as palavras do nobre ministro das obras publicas, tomando conta d'ellas e offerecendo a s. exa. um meio de acabar com a suspeição que está innegavelmente lançada sobre o governo

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ácerca da moralidade com que porventura venha a cumprir-se a sentença do tribunal arbitral no pleito entre o mesmo governo e a companhia vinicola do norte.

A suspeição estava lançada no paiz antes de vir aqui ao parlamento.

O sr. Medeiros disse as cousas conforme ellas são, ou conforme se presumem, e é preciso que o governo, por decoro do poder, e em especial o sr. ministro das obras publicas, brioso como é, dando uma prova da sua dignidade politica, afastem essa suspeição, acceitando o meio que eu lhes vou offerecer e que me parece será do agrado de s. exa. e bem acceito pela camara.

S. exa. tem duvidas que o determinaram a não dizer ao parlamento qual o procedimento que o governo deve adoptar em presença da decisão do tribunal arbitrai. Ora as duvidas de s. exa. não podem ser banaes; hão de ser dignas de um jurisconsulto como s. exa. é, e tão dignas que s. exa. deliberou ouvir sobre ellas o procurador geral da corôa.

N'estas condições, s. exa. não deve ter nem pejo, nem repugnancia em as expor ao parlamento. (Apoiados.)

S. exa. diz á camara quaes são as suas duvidas, e ella certamente as acceitará como plausiveis sem comtudo deliberar sobre ellas. A camara respeitara o direito do illustre ministro consultar a procuradoria geral da corôa, mas ficará sabendo o paiz, e nomeadamente o Douro e o Porto e Villa Nova de Gaia, que são logitimos os escrupulos do governo no seu proposito de cumprir os seus deveres em frente do antagonismo entre os ricos commerciantes de vinhos e os pobres lavradores do Douro. (Apoiados.)

S. exa. quer consultar o procurador geral da corôa para lhe dar parecer sobre a procedencia dessas duvidas, mas o procurador geral da corôa não tem praso marcado para dar a sua consulta. Ora eu lembro ao sr. ministro das obras publicas, que no tempo em que era ministro da fazenda o sr. Marianno de Carvalho, a procuradoria geral da corôa foi por elle solicitada para dar parecer sobre um assumpto crave dentro do praso de oito dias.

O procurador geral da corôa accedeu a este pedido e dentro de oito dias o governo tinha a consulta desejada.

S. exa. o sr. ministro das obras publicas, seguindo este exemplo, que naturalmente conhece, porque ao tempo estava exercendo o logar de ajudante do procurador geral da corôa, solicitava resposta á consulta dentro de oito dias, e o governo depois tinha tempo bastante para formar opinião e vir expol-a ao parlamento, não se furtando assim á justa critica dos seus actos e tomando inteira responsabilidade do seu procedimento. (Apoiados.)

Sendo assim, parece-me que não poderá haver duvidas da parte do governo em acceitar a proposta que eu vou mandar para a mesa, a fim de que, em curto praso, o governo, depois de ter ouvido a procuradoria geral da corôa, tome a sua posição constitucional e assuma a responsabilidade dos seus actos, o mais depressa que possa ser, adiando para depois das côrtes fechadas a decisão que haja de tornar. (Apoiados.)

Antes de terminar, e pouco mais tempo occuparei a attenção da camara, visto a hora estar muito adiantada, vou referir-me, porque lenho necessidade de o fazer, a umas palavras do sr. ministro das obras publicas, quando hoje na sessão diurna disse, que na opposição tanto pugnára pelos interesses da região do Douro, que por mais de uma vez aconselhara o governo progressista a que desenvolvesse n'aquella região a viação accelerada como meio de dar vida economica a infelizes povos, emquanto se não podia fazer a reconstrucção dos vinhedos.

Eu logo num dos primeiros dias, depois que se constituiu a camara, tive a honra de renovar a iniciativa de um projecto de lei para a construcção do complemento da rede ferro-viaria ao norte do Mondego.

Se os desejos do sr. ministro das obras publicas fossem hoje os mesmos que manifestara na opposição, s. exa. tinha, pelo menos, aconselhado a respectiva cominissão a que desse o seu parecer com urgencia sobre este projecto. E s. exa. não podia invocar as necessidades do thesouro, para o não fazer, por isso que faz parte de um governo que tem augmentado a despeza publica, e em cousas bem menos urgentes, muitissimo mais em poucos mezes, do que qualquer outro governo o tem feito em muitos annos. (Apoiados.)

Espero ainda, e exoro até ao illustre ministro das obras publicas, que não retarde a execução ou se aprompte a realisar aquelle pensamento, que tão louvavelmente mostrou quando era deputado da opposição.

Para se acudir de remedio á miseria, que a devastação phylloxcrica tem creado, reduzindo a montes escalvados os mais ricos vinhedos do mundo, metto de empenho para o sr. ministro das obras publicas, o deputado, que tinha o mesmo nome que s. exa. e meu particular amigo, o sr. Frederico A rouca. (Riso.)

Conclúo mandando para a mesa a minha proposta.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Leu-se na mesa e foi admittida a seguinte

Proposta

A camara convida o governo: 1.°, a declarar quaes as duvidas que tem ácerca do
cumprimento da decisão do tribunal arbitrai, relativa ao pleito entre o mesmo governo e a real companhia vinicola do norte de Portugal; 2.°, a solicitar da procuradoria geral da corôa resposta, dentro de oito dias, á consulta que lhe haja feito sobre aquellas duvidas; e delibera não entrar na apreciação de taes duvidas antes de findar o praso de dez dias, a contar de hoje. = Antonio Baptista de Sousa.

O sr. Lopes Navarro: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobro se julga a materia sufficientemente discutida.

Resolveu-se affirmativamente.

O sr. José Maria de Alpoim: - Peço a v. exa. que mande ler na mesa os nomes dos srs. deputados que estavam inscriptos.

O sr. Presidente: - Estavam inscriptos os srs. Almeida e Brito, Casal Ribeiro, José de Azevedo Castello Branco, António de Azevedo Castello Branco, Fialho Machado e Baptista de Sousa.

Vae proceder-se á votação das moções que estão sobre a mesa. A primeira que foi apresentada é a do sr. Eduardo Coelho.

Vae ler-se.

É a seguinte:

Moção de ordem

A camara, convidando o governo a cumprir integralmente o contrato de 15 de março de 1889, feito entre o governo e a companhia vinicola do norte, passa á ordem do dia. = Eduardo Coelho.

O sr. Presidente: - Os srs. deputados que approvam esta moção, têem a bondade de se levantar.

Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Segue-se a moção mandada para a mesa pelo sr. Alfredo
Brandão.

Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

A camara, considerando que ao governo cumpre submetter-se á sentença do tribunal arbitral que resolveu u pendencia ou litigio entre o mesmo governo e a real companhia vinicola do norte, passa á ordem do dia. = Alfredo Brandão.

Foi rejeitada.

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SESSÃO NOCTURNA DE 14 DE JULHO DE 1890 1249

Leu-se mais a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que a entidade governo não soffre solução de continuidade, e que as decisões definitivas do poder judicial devem ser acatadas por todos e cumpridas pelas partes que n'ellas são condemnadas, passa á ordem da noite. = Francisco de Medeiros.

O sr. Almeida e Brito: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que sobre esta moção recaia votação nominal.

Foi consultada a camara e fez-se a contagem dos votos.

O sr. Presidente: - Não ha vencimento para haver votação nominal.

Os srs. deputados que approvam a moção mandada para a mesa pelo sr. Francisco Medeiros, têem a bondade de se levantar.

Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Segue-se agora a moção mandada para a mesa, pelo sr. Elmano da Cunha.

Leu-se. É a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que o governo tem em toda a consideração os legitimos interesses da industria vinicola e os do commercio, e que ha de saber resolver conformemente á justiça e ás conveniencias publicas, passa á ordem da noite.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 14 de julho de 1890. = Augusto Cesar Elmano da Cunha.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Com a votação d'esta moção ficam prejudicadas as restantes que foram mandadas para a mesa.

O sr. Baptista de Sousa: - Parece-me que a minha proposta não póde ficar prejudicada pela votação que acaba de ter logar.

O sr. Presidente: - Desde que a camara votou uma moção que termina por que se passe á ordem da noite, todas as outras ficam prejudicadas. (Apoiados.)

O sr. Eduardo de Abreu pediu a palavra para explicações; mas como a sessão só estava prorogada até se votar o incidente, eu já não posso conceder a palavra a s. exa. sem consultar a camara.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem o sr. Eduardo Abreu a palavra.

O sr. Eduardo Abreu: - Referindo-se ao que dissera o sr. ministro da instrucção publica, em relação ao Porto, declara que, se pediu a palavra, não foi para dar explicações a s. exa., porque não havia motivos para isso, nem á camara, porque a não tinha offendido. Quer apenas dizer que não offendeu com as palavras, que ha pouco pronunciou, os factores illustrados e dignos do Porto. Aos arruaceiros da associação commercial é que se referiu, continuando a dizer que se lhes applique a massagem e sangria.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Era quasi uma hora da noite.

O redactor = S. Rego.

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