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Discurso que devia ter sido transcripto a pag. 1115, col. 1.ª, lin. 21 do Diario de Lisboa, na sessão de 28 de abril

O sr. Barjona de Freitas: — Não é minha intenção fazer Um discurso, mas simplesmente dizer algumas poucas palavras, definindo a minha situação em frente do governo. Julgo-me a isso obrigado, depois que na reunião da maioria apresentei duvidas e apprehensões ácerca da constitucionalidade do actual gabinete; porque desde então entendi que me corria o impreterivel dever de trazer essas duvidas ao seio da representação nacional, e manifestar as apprehensões diante do paiz. Incitou-me ainda o desejo, que creio não poderá ser taxado de immodesto e reprehensivel, de ligar as minhas idéas de hoje com as idéas de hontem, e mostrar a minha coherencia politica.

Ha bem pouco sustentei n'esta casa, que era livre a prerogativa da corôa na nomeação e demissão dos ministerios. Sustentei igualmente o direito das maiorias a constituir governo, sendo que as minorias podiam por meio da fusão quinhoar o poder, e opinei tambem que era preciso abandonar os debates violentos para, prestando homenagem aos principios de ordem, entrar na analyse das propostas submettidas ao nosso exame, e cuja urgencia se determina pelo seu alcance economico e administrativo. Reclamo as idéas de hontem, e pretendo mostrar a sua applicação ao presente.

Vejo no actual gabinete os defeitos que se assacavam no gabinete transacto, mas mais aggravados (muitos apoiados). Por exemplo, em relação ao principio da solidariedade, que foi um d'aquelles com que mais se aggrediu esse ministerio, ahi está o sr. marquez de Sá que traz a responsabilidade da situação passada, aggravada de mais a mais com os decretos da dictadura.

Não é isto de certo motivo de incompatibilidade para a maioria d'esta camara; mas, em verdade admira que cavalheiros, que combateram o ministerio anterior invocando o principio da solidariedade que reputavam altamente desconsiderado, não procedam hoje da mesma maneira quando, segundo as suas opiniões, esse principio está mais gravemente offendido (apoiados): e note-se que não pretendo de modo algum censurar a opposição, porque essa podia ter errado, mas caminha em nome das mesmas idéas, forrando-se ás accusações de instabilidade e incoherencia politica (apoiados).

Combateu-se tambem o ministerio transacto, não por ser estranho á maioria, mas porque se suppunha que os ministros não eram dos mais competentes, nem d'aquelles que haviam conquistado a posição nos torneios da palavra, nas pugnas da discussão. Era um exame de qualidades individuaes, era verdadeiramente uma questão de pessoas. Hoje ha mais alguma cousa, ha uma questão de principios, porque se póde dizer afoutamente que no gabinete não está representada a maioria parlamentar (muitos apoiados).

Uma outra rasão me leva a negar o meu apoio politico a este gabinete — é a falta de accordo e harmonia entre os seus membros.

O sr. presidente do conselho declarou que o seu pensamento era que o governo devia saír do seio da maioria, e que nunca tinha pensado na fusão. O sr. ministro da fazenda pelo contrario disse por mais de uma vez que havia trabalhado por ella, e que fôra sempre este o seu pensamento! A contradicção e a divergencia entre estes dois cavalheiros é manifesta, e não sei mesmo como possa haver reconciliação (apoiados).

Eis aqui graves capitulos de accusação, mas claros e definidos. E todavia alem do que se vê ha ainda a inquirir a rasão do que se não vê.

Como é que tendo a opposição d'esta casa recusado partilhar o poder com o sr. marquez de Sá da Bandeira, se convocou depois d'isso a maioria para lhe propor a fusão? E certamente este um incidente da crise, para cuja explicação não é facil atinar com um motivo satisfactorio.

Porque é tambem que o ministerio se apresenta incompleto?

O meu amigo e collega, o sr. Santos Silva, disse no seu eloquente discurso que = a este respeito se lamentava apenas a omissão, e havia uma impressão de desfavor lançada á conta do futuro =. Mas note o illustre deputado que se não combate o governo pelo receio do que ha de vir, mas pelo presente, pelo modo porque se apresentou. E exactamente por que o ministerio como está não tem significação constitucional; porque o ministerio está n'uma posição de reserva; porque o ministerio se não quer definir, quando aliás nos diz arrojadamente que não quer apoios de favor, e nos exige uma posição franca e definida! (Apoiados.)

E sinto que o sr. ministro da fazenda, respondendo hoje a uma observação n'este sentido, dissesse = mas por que se queixam? Emquanto o serviço se faz não ha motivo para isso =. Ha mais alguma cousa do que fazer o serviço, ha o systema representativo que exige os ministerios completos. Não basta que appareça quem pela sua organisação robusta e pela sua pratica dos negocios, possa preencher duas ou tres pastas, é mister que a lei seja cumprida. Tem havido por mais de uma vez ministerios incompletos, mas o facto foi sempre considerado como anormal na vida parlamentar (apoiados).

E a prolongação deste estado não póde suscitar duvidas e levantar suspeitas, levando a crer que não ha quem queira associar-se ao gabinete, e partilhar a sua responsabilidade? (Apoiados.)

Os illustres deputados, que agora sustentam o governo, têem declarado constantemente que acima das pessoas collocam os principios e os interesses do paiz! Mas quando nós dizemos que o actual ministerio não representa a maioria da camara, respondem-nos com o vulto venerando do marquez de Sá da Bandeira! Pois o que é isto senão antepor a pessoa ao principio? (Apoiados.) E se se póde responder hoje com o sr. marquez de Sá, porque não apoiaram hontem o sr. duque de Loulé, até então cercado de respeito e veneração, e elevado quasi á categoria de um dogma (apoiados). Não se quer fazer questão de pessoas, e argumenta-se em favor da constitucionalidade do gabinete, invocando-se a respeitabilidade dos ministros?! (Apoiados.) Eu sou o primeiro a tributar respeito e sympathia a todos os que se acham sentados nos bancos do poder, mas curemos primeiro das idéas que dos seus orgãos ou instrumentos, não invertamos a successão logica dos acontecimentos constitucionaes (apoiados).

«Conciliação e progresso», foi o programma que se apresentou aqui. Não conheço a vantagem dos programmas ou das palavras de ordem quando não representam as tradições de um partido; quando não são o transumpto das idéas, constantemente manifestadas nas discussões; quando não constituem, por assim dizer, a synthese das suas doutrinas (apoiados). De certo todas as phrases podem ser tomadas de um ou outro modo e arbitrariamente interpretadas. Ainda ha pouco n'esta camara se dizia: «Governar é resistir», o sr. Fontes respondia: «Governar é tutelar»; e no parlamento francez, talvez á mesma hora, sustentava Emile Olivier: «Que governar era ceder». Não intitulou Eugène Pelletan um livro que se póde considerar a epopeia do progresso Le monde marche, e não replicou Eugène Husard: «Sim, mas para o abysmo?» (Apoiados.)

O que importa é definir as phrases e entender a significação do programma que constitue o mote da bandeira do governo (apoiados). O progresso! Mas o sr. ministro da fazenda disse que = todo o partido da escola liberal era progressista =; e disse pouco depois que = havia um escriptor, a cuja doutrina se inclina, que sustentava que só o partido conservador podia realisar o progresso; que existe uma differença entre o partido conservador e o progressista, e é que este quer caminhar mais depressa, e o outro quer ir mais devagar =. Se isto é assim, como se podem conciliar as idéas dos illustres deputados que apoiam o governo, e que se declaram aqui progressistas democraticos com o sr. ministro da fazenda, que se declarou conservador? (Apoiado.) Como é que aquelles, que querem caminhar mais depressa, se harmonisam com aquelles que querem caminhar mais devagar? (Apoiados.)

É notavel, sr. presidente, que ao mesmo tempo que os illustres deputados se esforçam por mostrar que ha dois partidos indispensaveis na vida constitucional — o conservador e o progressista, o sr. conde d'Avila, confessando-se conservador para progredir, consubstancia em si por uma mysteriosa evolução estas duas parcialidades distinctas, estes dois grupos de uma natureza differente, estes dois elementos verdadeiramente irreductiveis!!

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu não disse o que o illustre deputado me está attribuindo.

O Orador: — Peço perdão, mas v. ex.ª disse que era conservador.

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu disse que quando fiz parte do gabinete conservador era progressista, porque não entendia que um gabinete conservador podesse deixar de ser progressista.

O Orador: — Mas creio que v. ex.ª era conservador tambem.

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu responderei. Peço a v. ex.ª, sr. presidente, que tenha a bondade de me inscrever.

O Orador: — Se o illustre ministro não disse o que eu acabei de dizer, não poderei tirar todas as conclusões que me propunha deduzir. Mas creio que o illustre ministro mais de uma vez se tem dado como conservador.

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu disse que tinha sido progressista toda a minha vida, que mesmo quando formei parte do ministerio conservador era progressista, porque entendia que nenhum partido liberal podia deixar de ser progressista, e isto não é o mesmo que dizer que eu me declarei conservador.

O Orador: — É que me enganei n'esse caso. Pareceu-me que s. ex.ª tinha declarado que pertencia ao partido conservador, mas aceito a rectificação do facto. Entretanto o que importa saber é se o sr. ministro da fazenda é progressista por ser da escola liberal, ou progressista do partido progressista, porque s. ex.ª caminha pausadamente com um ministerio conservador, e está naturalmente disposto a acompanhar o movimento accelerado de um ministerio progressista (apoiados).

Eu tambem quero a conciliação, mas a idéa póde apresentar-se sob duas faces differentes. A conciliação como passividade, facilidade em nos amoldarmos a todas as situações, o que é algumas vezes uma virtude nos homens publicos; ou a conciliação como iniciativa, pensamento de administração, impulso, acção do governo (apoiados). Eu prefiro a segunda á primeira, e era assim que eu desejaria a realisação d'esta parte do programma ministerial.