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Sessão de 19 de abril de 1879

Presidencia do cx.ffi0 sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva

Secretarios — os srs.

(Antonio Maria Pereira Carrilho (Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMÃRIO

Continua a discussão do orçamento da receita e despeza geral do estado; fallaram os srs. Dias Ferreira e Hintze Ribeiro. -— E votada uma proposta para ser aggregado á commissão de legislação o sr. deputado Silveira da Moía.

. Abertura — As duas horas da tarde.

Presentes á chamada 52 srs. Reputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Alfredo de Oliveira, Alfredo Peixoto, Torres Carneiro, Lopes Mendes, Carrilho, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Pereira Leito, Saraiva do Carvalho, Barão de Ferreira dos Santos, Cazimiro Ribeiro, Diogo de Macedo, Costa Moraes, Hintze Ribeiro; Filippe de Carvalho, Pinheiro Osorio, Comes Teixeira, Francisco Costa, Paula Medeiros, Palma, Jeronymo Osorio, João de Carvalho, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Sousa Machado, J. A. Neves, J. J. Alves, Ornellas do Matos, Pires de Sousa Gomes, Dias Ferreira, Frederico da Costa, Namorado, Rodrigues de Freitas, Pereira Rodrigues, Sousa Monteiro, Sá Carneiro, Julio de Vilhena, Luiz Bivar, Luiz Garrido, Pires de Lima, Correia de Oliveira, Alves Passos, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Miranda Montenegro, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Jacome, Visconde do Balsemão, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Adriano Machado, Fonseca Pinto, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira do Miranda, Gonçalves Crespo, Avila, A. J. Teixeira, Barros e Sá, Fuschini, Neves Carneiro, Victor dos Santos, Zeferino Rodrigues, Avelino de Sousa, Sanches de Castro, Carlos de Mendonça, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Francisco de Albuquerque, Pereira Caldas, Van-Zeller, Silveira da Mota. Freitas Oliveira, Jeronymo Pimentel, Gomes de Castro, Barros e Cunha, João Ferrão, Tavares do Pontes, Frederico Laranjo, José Luciano, Borges, Lopo Vaz, Lourenço de Carvalho, Luiz do Lencastre, Almeida Macedo, Manuel d’Assumpção, Pinheiro Chagas, Nobre de Carvalho, Marçal Pacheco, Mariano do Carvalho, Visconde da Aguieira, Visconde da Arriaga, Visconde do Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Carvalho o Mello, Tavares Lobo, Alipio Leitão, Emilio Brandão, Arrobas, Mendes Duarte, Pedroso dos Santos, Pinto de Magalhães, Bernardo de Serpa, Caetano de Carvalho, Conde da Foz, Moreira Freire, Firmino Lopes, Fortunato das Neves, Mesquita e Castro, Mouta e Vasconcellos, Sousa Pavão, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Costa Pinto, Melicio, Almeida e Costa, Matos Correia, José Guilherme, Figueiredo do Faria, Ferreira Freire, Teixeira do Queiroz, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Taveira de Carvalho, Barbosa du Bocage, Freitas Branco, Faria e Mello, Rocha Peixoto, M. J. de Almeida, M..7. Gomes, Macedo Souto Maior, Pedro Carvalho, Pedro Correia, Pedro Barroso, Pedro Roberto, Ricardo Ferraz, Rodrigo do Menezes, Thomás Ribeiro, Visconde de Alemquer, Visconde do Andaluz, Visconde da Azarujinha, Visconde do Rio Sado, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Acta — Approvada.

Expediente

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Goes Pinto, seis mappas do movimento escolar dos lyceus nacionaes e dos exames finaes de instrucção secundaria nos ultimos cinco annos. Enviado á secretaria.

2.º Do mesmo ministerio, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Paula Medeiros, nota do numero do recrutas que têem deixado de dar cada um dos districtos do continente do reino e das ilhas adjacentes até ao ultimo de junho proximo passado.

Enviado á secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, acompanhando o processo original relativo á eleição de um deputado a que se procedeu no circulo n.º 149, Dilly 2.°

Enviado á commissão de verificação de poderes.

A." Do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando, em satisfação ao requerimento du sr. Mariano do Carvalho, copia das informações e propostas sobre nomeações de vice-consulc.3 de Portugal em Hespanha nos ultimos tre3 annos.

Enviado á secretaria.

5.° Do ministerio das obras publicas, acompanhando, em satisfação aos requerimentos dos srs. José Luciano o Saraiva de Carvalho, esclarecimentos ácerca das despezas íei-las com a construcçâo das linhas ferreas do Minho o Douro, e das receitas da exploração das mesmas linhas ferroas.

Enviado á secretaria.

Representações

1.ª Da camara municipal de Alfandega da Fé, pedindo auctorisaçâo para levantar do respectivo cofre de viação o saldo que n'este existe actualmente, e applical-o á construcçâo de um cemiterio e á reconstrução dos paços municipaes.

Apresentada pelo ir. deputado Costa Moraes, e enviada á commissão de administração publica, ouvida a de atiras publicas

2.ª Da camara municipal de Amarante, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado na sessão de 22 de março passado, pelo sr. deputado José Paulino de Sá Carneiro.

Apresentada pelo sr. deputado Sá. Carneiro, e enviada á commissão de obras publicas.

3.ª Dos empregados do quadro da repartição de fazenda do districto de. Bragança, pedindo augmento de vencimento.

Apresentada pelo sr. deputado Cazimiro da Silva, e enviada á. commissão de fazenda.

4.ª Da camara municipal da villa da Povoação, pedindo que não seja approvado o projecto do lei apresentado na sessão de 11 do corrente.

Apresentada pelo sr. deputado Pedro Jacome, e enviada á commissão de legislação civil, ouvida a de estatistica

5.ª Da junta do parochia o mais cidadãos dos Fenaes da Ajuda, comarca da Povoação, pedindo para serem annexados ou á Ribeira Grande ou á comarca da Povoação.

Apresentada pelo sr. deputado Paula Medeiros, e enviada á commissão de legislação, ouvida, a de estatistica.

6.ª Dos habitante;; do Porto e de Villa Nova de Gaia, pedindo a construcçâo de uma ponto de tabuleiro duplo, atravessando o Douro proximo aos Guindaes, que possa ligar a cidade alta com o ponto fronteiro.

Apresentada pelo sr. deputado Carlos de Mendonça, o enviada á commissão de. obras publicas.

7.ª Da camara municipal do concelho da villa de Lagôa, districto de Ponta Delgada, contra o decreto de 12 de novembro de 1875.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Apresentada pelo sr. deputado Paula, Medeiros, e enviada á commissão de legislação civil, ouvida a de estatistica.

segundas leituras Projecto do lei

Senhores. — Pela lei do 13 de maio de 1864 foi permittida nos Açores e Madeira a liberdade da cultura do tabaco, percebendo o estado a quantia de 70:000$000 róis que deviam provir da importancia dos direitos, pagos pelo tabaco exportado do continente do reino para as ilhas, o dos despachados nas suas alfandegas com procedencia estrangeira, achando-se providenciado pela mesma lei que quando a somma d'estes impostos fosse inferior á quantia de 70:000$000 réis, essa differença seria addicionada ás contribuições geraes do estado, pagas pelos povos insulanos.

A importancia dos direitos do tabaco, cobrados nas ilhas e do exportado com igual destino do continente, até 1869 excedeu aquella cifra; mas os addicionaes desde então até hoje têem subido em consideravel progressão o nos ultimos annos a percentagem tem sido superior a 20 por cento, sem poder calcular-se até onde subirá depois.

A cultura do tabaco nas ilhas, especialmente no districto do Ponta Delgada, tem-se desenvolvido quanto o permitte o consumo dos seus habitantes e dos das outras ilhas, especialmente entro as classes mais pobres da sociedade, tendendo sempre a diminuir a entrada dos tabacos estrangeiros e nacionalisados do continente do reino.

Do desenvolvimento da cultura e da diminuição nas entradas dos tabacos provém logicamente a diminuição dos direitos e a sua importancia; e d'esta o progressivo augmento dos addicionaes ás contribuições das ilhas.

O archipelago dos Açores e da Madeira é essencialmente agricola, e não é justo sobrecarregar a propriedade com os impostos provenientes da diminuição dos direitos do tabaco, quando é certo e não póde contestar-se que a quantia que o estado tem a receber pela concessão da livro cultura do tabaco devo saír do consumo d'este genero e jamais de outra qualquer fonte de receita publica, ou de industrias a que os povos se entreguem.

Não póde admittir-se que o preço do tabaco produzido nos Açores, seja bastante barato e que os impostos pagos pelos povos se aggravem por tal motivo. Ninguem desconhece que o estado decadente das ilhas, o seu commercio o industria, merecem a mais seria attenção dos poderes publicos.

As crises alimenticias, que têem assolado áquelles povos; as suas limitadas colheitas, nos ultimos tres annos, e o prejuizo quasi geral que tem affectado o seu principal commercio a exportação da laranja, e os baixos preços que os cereaes têem obtido nos mercados do continente pela entrada extraordinaria de cereaes de paizes estrangeiros, são rasões bastante acceitaveis para justificar uma modificação na lei que hoje regula a livre cultura do tabaco nos Açores o Madeira. Urge abolir de vez estes addicionaes, que sobrecarregam a propriedade n'aquellas ilhas.

Não basta, porém, só isso. A situação especial dos Açores o Madeira, a paralysacão das suas mais vigorosas artérias do vida economica, não reclamam só este acto legislativo. E preciso mais. Os Açores o Madeira precisam que a industria do tabaco, que ora se desenvolve promettedora e que com vantagem ha do substituir, talvez, as industrias quasi extinctas, industrias actualmente precarias, seja protegida por leis que não só lhe abram mercados favoraveis, mas que ainda lhe dêem vigor para competir com a concorrencia dos tabacos estrangeiros. E preciso que a protecção lhe franqueie os mercados portuguezes, onde o tabaco, animado pelas leis protectoras, poderá concorrer com vantagem economica, e de certo o imposto de protecção não prejudicará as receitas publicas do paiz, porque se algum prejuizo houvesse aqui, isso representaria um augmento importante nas receitas insulanas, com manifesto interesse da

industria creada; mas não se póde acceitar a idéa d'essa diminuição na receita publica do paiz, porque o tabaco insulano não póde competir em qualidade com o tabaco estrangeiro, ou nacionalisado, pelo menos emquanto a industria não for aperfeiçoada.

Rasões economicas, e rasões de conveniencia publica, aconselham o desaggravamento dos addicionaes que recaem nas contribuições das ilhas e a protecção para a industria do tabaco. Mas, como o estado não póde, nem deve ser prejudicado na sua receita pela falta de um rendimento que d'ahi' lhe provinha, tambem olhámos a esses interesses a respeitar, e propomos que, alem dos impostos que no continente recaem sobre o tabaco, um novo imposto de importação para o tabaco insulano, permutado entre as ilhas com o aggravamento de imposto de licença para a venda, possa servir do garantia da receita do estado, e, ao mesmo tempo, da liberdade da cultura.

O aggravamento do imposto de licença justifica-se como meio seguro de garantir a receita publica, que, affectando unicamente o consumidor, indirectamente concorre com uma percentagem diminuta para a receita do estado, sem q odioso dos addicionaes, especialmente na contribuição predial, que recaíam indistinctamente sobre todos, o muitas vezes isentando o consumidor, que nas classes menos favorecidas é raras vezes proprietario. Assim o imposto recáe sobre o consumidor, e é por isto um imposto justo.

Como complemento a. esta idéa de justiça, vem o direito de importação, que igualmente só affecta o consumidor, sem fiscalizações odiosas, sem grandes sacrificios para os povos, e offerecendo uma plena garantia para a receita, publica prejudicada com a extincção dos, addicionaes.

Fundados n'estas rasões, é desejando satisfazer aos instantes pedidos dos povos insulanos, ha longos annos manifestados em representações aos poderes publicos; o, considerando como uma questão de grande alcance para os habitantes das ilhas a abolição dos addicionaes e a protecção a uma industria salvadora para o futuro d'aquellas possessões, temos a honra do vos apresentar o seguinte

projecto de lei

Artigo 1.° E revogado o artigo 13.° e sou § unico da lei de 13 do maio de 18131, o mais legislação que' auctorisa o lançamento do addicionaes ás contribuições pagas nos districtos dos Açores e Madeira, como compensação pela liberdade da cultura dó tabaco.

§ unico. Estes addicionaes são os que têem do ser pagos com as contribuições de 1879 e seguintes.

Art. 2.° O estado perceberá por aquella concessão os impostos decretados na tabella que faz parte d'esta lei.

Art. 3.° O imposto de licença para venda de tabaco, decretado nas leis de 13 de maio de 1864 e 31 do março ultimo, é applicado ás ilhas dos Açores o Madeira com mais 50 por cento.

Art. 4.° E applicado tambem o imposto de licença nas fabricas, e o da contribuição industrial, decretado na lei de 14 de maio de 1872, ás fabricas dos Açores e Madeira.

Art. 5.° É estabelecido o direito de 200 réis em kilogramma, como protecção, a todo o tabaco do producção insulana, manipulado ou não, quando seja exportado para os mercados do continente do reino.

Art. (>.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 18 de abril de 1879. =; Visconde de Sieuve de Menezes, deputado pela ilha Terceira = Henrique Ferreira de Paula Medeiros = Manuel José Vieira = Filippe de Carvalho »= Caetano de Carvalho = P. Jacome Correia = 0 conego, Alfredo Cesar de Oliveira.

Tabella a que se refere o projecto de lei d'esta data

Tabaco em rolo, estrangeiro ou nacionalisado, cada

kilogramma.............................. l$440

Tabaco em folha, idem, idem................... 1$680

Tabaco em charutos, idem, idem.............. 2$600

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Tabaco tio diversas qualidades................ 2,6160

Tabaco em rôlo nacional, cada kilogramma...... $200

Tabaco em folha preparada................... $240

Tabaco em folha não preparada................ $060

Tabaco em charutos"......................... $300

Tabaco de diversas qualidades................ $280

Sala da camara dos deputados, em 18 de abril de 1879. =; Visconde de Sieuve de Menezes, deputado pela ilha Terceira = Henrique Ferreira de Paula Medeiros — Manuel José Vieira = Filippe de Carvalho Caetano de Carvalho = P. Jacome Correia = 0 conego, Alfredo Cesar de Oliveira.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. — Em 15 de abril de 1876 o cidadão Antonio Vicente Peixoto Pimentel doou por escriptura publica á santa casa da misericordia das ilhas das Flores e Corvo o edificio, que era propriedade d’elle, do antigo convento da ordem do S. Francisco, na primeira d'aquellas ilhas, com o fim do ali se estabelecer um hospital e asylo de invalidos.

Carece, porém, aquelle edificio, que pela sua Capacidade se presta ao fim para que foi doado, de que se lhe façam concertos o modificações para convenientemente se adaptar ao seu novo destino.

Mas a referida santa casa da misericordia não póde, pela sua receita ordinaria, que é apenas de 15$000 réis annuaes, occorrer ao custeio d'aquellas obras, nem estas podem ser feitas por conta dos fundes do hospital e asylo do invalidos, fundos obtidos da beneficencia particular e que, por emquanto, só produzem o rendimento annual de 1 50#000 réis.

Por estes motivos é justo que o estado auxilie esta" obra humanitária e sobejamente recommendavel.

Tenho, pois, a honra do submetter á vossa approvação o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1E o governo auctorisado a conceder á santa casa da misericordia das ilhas das Flores o Corvo, achando-se legalmente erecta;, o subsidio extraordinario de réis 2:000$000, em moeda forte, por uma só vez, pagos em prestações de 1:000$000 réis em cada anno de 3880 e 1881, com destino restricto aos concertos e modificações de que carece o edificio do antigo convénio dos franciscanos na primeira das ditas ilhas, para se adaptar ao estabelecimento de um hospital e asylo de invalidos, precedendo a respectiva planta com observancia das precisas condições hygienicas e voto approvativo dos competentes peritos.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 3 8 de abril de 1879. = Filippe de Carvalho, deputado pelo circulo do Fayal o Flores.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto do lei

Senhores. — Estatuia o decreto do 15 de abril do 1869, no artigo 3.°, que o governo ficava auctorisado para decretar a transferencia de quaesquer freguezias de um concelho para outro, pu a transferencia do qualquer povoação de uma freguezia para outra, sempre que dois terços dos individuos recenseados para eleitores n'essa freguezia ou povoação, assim o requeressem; mas aquella provisão caducou com a promulgação da nova lei administrativa, que revogou o citado decreto. E o que anteriormente aquella lei era attribuição do poder executivo, passou a ser da exclusiva competencia dos corpos collegisladores.

Com a actual divisão administrativa, a quinta dos Trigões, annexa á freguezia da Bondada, do concelho e comarca do Sabugal, passou, para os effeitos administrativos e da administração da fazenda publica, para o concelho de Belmonte, do districto de Castello Branco, resultando d'esta medida, pouco reflectida na sua applicação pratica, os gravissimos, prejuizos e. incessantes incommodos que estão soffrendo os moradores d'aquella quinta, os quaes têem de ir tratar ao Sabugal os seus negocios judiciaes, e os administrativos a Belmonte, tendo alem d'isso de atravessar distancias enormes e de difficil transito, quando o serviço publico, ou o interesse particular, os chamar á capital do seu novo districto, Castello Branco, d'onde distam 11 leguas, 55 kilometros (?) quando é apenas de 3 leguas, ou 15 kilometros, a distancia que os separa da Guarda.

Considerando que os moradores da quinta dos Trigões representaram no sentido do serem novamente annexados ao seu antigo concelho o freguezia, a que os ligam interesses sociaes e relações de familia, que durante tantos annos mantiveram e se robusteceram com o correr dos tempos;

Considerando que nenhuma 'rasão de conveniencia publica aconselha o justifica a anomalia resultante de ficarem a differentes jurisdicções os moradores da pequena quinta dos Trigões, que, alem d'isso o para maior vexame, foram tambem desmembrados da freguezia a que pertenciam;

Considerando que o concelho de Belmonte não muda de condições economicas pelo simples facto da desannexação do sete fogos apenas, que tantos são os que formam e constituem a quinta dos Trigões;

Considerando que por esta fórma se harmonisa a circumscripção judicial com a administrativa e politica, prestando-se homenagem ao salutar principio consignado na citado decreto do 15 do abril do 1S68, o interesse o a commodidade dos povos;

Por todos estes fundamentos tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação e exame, e de solicitar a vossa approvação para o seguinte

projecto de lei

Artigo 1.° É encorporada do concelho de Sabugal e na freguezia do Bondada a quinta dos Trigões.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 18 de abril de í 879. — Agostinho José da Fonseca Pinto.

Foi admittido e enviado á commissão de administração civil, ouvida a de estatistica.

Requerimento

Sendo conveniente converter-se em lei do estado o decreto de 33 de agosto de 1870, que concede um subsidio mensal aos concessionados de Evora Monte, requeiro que o referido decreto seja enviado ás commissões do guerra o fazenda, a fim de que, apreciando-o devidamente, possam apresentar o seu parecer, tornando se effectivas as suas disposições. = i7õsé Joaquim Alves.

Foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

O sr. Presidente: — As noticias que consta na mesa a respeito do estado de saúdo de Sua Magestade a Rainha são que, á proporção que o derramamento pleuritico se absorve, o estado da mesma Augusta Senhora toma uma face mais lisonjeira, e que já não tardará muito que se declare em completa convalescença.

Creio que a camara ouviu esta noticia com muita satisfaçam (Apoiados.)

O sr. Ornellas de Matos: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Grandola e chamo para ella a attenção dos srs. deputados.

Peço a v. ex.ª que consulte a camara se consente que esta representação seja publicada no Diario das nossas sessões.

Creio que a camara não terá duvida em annuir ao meu pedido, porque a representação é de si importante e muito pequena.

Consultada, a camara, resolveu afirmativamente. O sr. Julio de Vilhena: — Mando para a mesa a seguinte proposta. (Leu.)

Mando mais para a mesa uma representação ou requeri-

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DIARÍO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mento da sr.ª viscondessa do Sergio de Sousa, viuva do sr. visconde de Sergio de Sousa, governador que foi do estado da India, fallecido em maio do anno passado.

Esta senhora pede que o parlamento lhe vote uma pensão, em harmonia com os serviços prestados a este paiz pelo seu fallecido marido.

Tenciono apresentar uma proposta n’este sentido, o n'essa occasião alargarei as minhas considerações a este respeito.

Mando tambem para a mesa uma representação do sr. D. João de Menezes, como representante da empreza do theatro de D. Maria 11; era que pede ao parlamento que lhe voto um subsidio para o theatro normal.

Tambem tenciono apresentar uma proposta n’este sentido, quando se discutir o orçamento do ministerio do reino; por isso não faço agora mais largas considerações.

Por ultimo, mando para a mesa uma representação dos empregados da repartição do fazenda do districto de Beja.

Peço a v. ex.ª que tanto a esta representação, como á outra, mande dar o competente destino.

Requeiro a urgencia da proposta.

Leu-se logo na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que se consigno na acta da sessão que a camara dos deputados ouviu cem viva satisfação a leitura do ultimo boletim ácerca do estado do Sua Magestade a Rainha. — Julio da Vilhena.

Consultada a camara, foi declarada urgente, admittida e approvada unanimemente.

O sr. Ferreira de Mesquita,: — Pedi a v. ex ª palavra para mandar para 'a mesa uma representação dos empregados da repartição de fazenda do districto do Lisboa, na qual requerem melhoria de situação.

Allegam os signatarios varias considerações tendentes a provar quanto ella é precaria e quanto é de jus liça dar solução favoravel á supplica que dirigem ao parlamento. Entendo serem merecedoras de attenção as rasões allegadas.

Este foi o fim principal para que pedi a palavra; mas, se v. ex.ª me permitte, direi tambem alguma cousa, ainda que mui rapidamente, «cerca de uma outra representação, a que ha pouco se referiu o meu illustre amigo o sr. Julio de Vilhena e que é firmada por um dos representante:? da empreza do theatro de D. Maria II, o sr. D. João de Menezes. Pede a empreza a esta camara que voto um subsidio' para que se possa manter o theatro na esphera em que devo estar, o para que elle possa corresponder ao fim a que devo ser destinado.

O assumpto pedia do certo largas considerações. Não as farei, porque julgo inopportuno fazel-as agora, e porque não quero tomar tempo á assembleia

Direi simplesmente a v. ex.ª que estas questões de theatro que podem, á primeira vista, parecer futeis, não o são, porque prendem immediata o intimamente com a arte, que é uma das mais esplendidas affirmações da nacionalidade do um paiz. Julgo, portanto, muito digna de ser considerada pela camara a representação que foi mandada para a mesa e que não será fóra de proposito pensar sobre esta questão.

Homens, eximo o visconde do Almeida Garrett, que foi de certo um dos grandes reforma dure da nossa litteratura e um dos mais prestantes evangelisadores da arte dramatica, dedicaram a sua actividade e a sua intelligencia em beneficiar e fazer progredir o theatro nacional, Sigamos-lhe o exemplo, que é bem auctorisado.

Nada mais direi por agora, repito, e reservo me para em occasião opportuna fazer as largas considerações que o assumpto naturalmente suggere.

O sr. Visconde do Moreira de Rey: — Mando para

a mesa uma representação da camara municipal de Fafe.. Esta municipalidade, tendo já representado ao governo

para que a via ferrea do Porto á Povoa de Varzim passasse por__ Villa Nova de Famalicão, Guimarães, Fafe, Basto e mais concelhos importantes até Vidago e Chave, alem das' rasões que estão consignadas na representação para se preferir uma similhante directriz, vem hoje allegar que, attenta a productividade dos solos por onde ella tem de passar, e as differentes industrias que em grande escala existem em algumas d'essas terras, é indubitavel que uma similhante via, seguindo esta directriz, vá animar e dar vida á sua industria e agricultura.

Peço a v. ex.ª que lhe mande dar o competente destino.' O sr. Alves Passos:- Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Verde, pedindo A camara do3 senhores deputados que não seja feita nenhuma concessão de caminhos de ferro, em seguimento das linhas do Minho a Chaves, sem que primeiro sejam estudadas todas as variantes pelos valles do Tamega e do Cavado, para depois da comparação se escolher qual é a mais curta, mais conveniente e economica.

Peço a v. ex.ª que, uma vez que as representações não possam ser publicadas no Diario da camara, pela muita despeza que se tem feito com publicações d'esta especie, consinta que ao menos seja publicado um extracto d'esta representação, no qual se declare que eu apresentei a representação da camara municipal de Villa Verde, reclamando contra a concessão do qualquer caminho do ferro em seguimento da linha do Minho a Chaves, antes de estarem estudadas todas as variantes a que me refiro.

O sr. Rodrigues do Freitas: — Desejo saber seja chegaram a esta casa os documentos que pedi pelo ministerio da fazenda, ácerca das gratificações abonadas na alfandega de Lisboa, tanto para serviço interno, como por externo.

O sr. Presidente: — Vou mandar saber á secretaria. O Orador: — Emquanto v. ex.ª manda saber se chegaram, "ou não, os documentos, declaro que desejava interrogar o sr. ministro da justiça, ou o sr. ministro do reino, ácerca de factos que recentemente se deram na cidade do

Porto.

Descobriu se ali um hospital secreto, em que se empregava, não sei se simultaneamente, ou separadamente, a pomada camphorada e a agua de Lourdes. A camara comprehende que eu não acredito nos milagres da agua do Lourdes. (Apoiados. Riso.) Estimo muito que mais de um membro á esta camara se pronuncie contra a especulação que se faz com essa agua, ou que julgue infundada a crença que n'ella tenham muitas pessoas; os proprios factos praticados n'aquelle hospital, mostram que as irmãs que applicaram a agua de Lourdes não acreditavam completamento n'ella, por isso que julgaram conveniente fazer lambe];] uso da pomada camphorada.

A pergunta que desejava fazer ao sr. ministro da justiça era, se as irmãs de caridade e as hospitaleiras, que existem na cidade do Porto, estão ou não sujeitas ás leis do reino.

Desejava tambem saber o que a este respeito se tom investigado, principalmente depois que a policia descobriu o referido hospital.

Não desejo trazer para a camara n'esse momento a questão religiosa, que é muito grave, muito séria; mas pretendo que o governo, embora muito tolerante para com todas as manifestações de pensamento, investigue se haverá ou não trama reaccionario na introducção do irmãs de caridade em Portugal.

Digo á camara que não me associo a todas as phrases que mais de uma vez se têem preferido contra as irmãs de caridade, cujos serviços a favor da humanidade eu reconheço o creio que a camara igualmente reconhece; mas por causa da historia, mais do uma vez gloriosa, (Vossa instituição, não deixemos que se introduza em Portugal o fanatismo. (Apoiados.)

Não estando presente nem o sr. ministro da justiça nem

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o sr. ministro do reino. não faço mais considerações a este • respeito; e, quando estiver presente o sr. ministro da justiça, não só me occuparei d'este assumpto, mas tambem perguntarei a s. ex.ª se tenciona apresentar á camara ainda, este anno as providencias necessarias para se organisar completamente em Portugal o registo civil.

Chamarei tambem a attenção do governo para um fado que se passou no Porto por causa de conferencias evangélicas ali celebradas.

Foi maltratado e apedrejado um membro da igreja evangélica. A policia tomou algumas providencias. E possivel que até tomasse todas quantas devia tomar, mas poço ao governo que mande a esta camara toda a correspondencia que do certo existe no governo civil n’aquella cidade acerca d'este facto.

Como disse já á. camara, não trago para aqui agora a questão religiosa, digo só que sendo eu favoravel á liberdade de cultos, faço votos por que marchemos para ella tão rapidamente quanto for possivel.

E agora desejo saber se da secretaria chegou a resposta á pergunta que fiz ha pouco.

O sr. Secretario (Carrilho):-— Os esclarecimentos a que o sr. deputado se referiu ainda não vieram.

O Orador: — O sr. ministro <]a fazenda disso ha dias nesta camara que de certo, se aqui fossem pedidos documentos analogos aos solicitados na camara dos dignos pares, s. ex,1 os teria rapidamente mandado.

Vejo, porém, que embora o meu requerimento fosse feito ha muito, ainda na secretaria da fazenda não houve tempo para se remetterem os documentos.

Quando os requeri, declarei os motivos por que os solicitava. Era para confrontar as gratificações abonadas anteriormente ás datas dos documentos mandados para a camara dos dignos pares, com a nota que para esta casa fosse remettida.

O sr. ministro da fazenda disse-nos uma vez que não tinha receio algum de inqueritos; e que, se porventura algum deputado desejasse esclarecer-se sobre qualquer assumpto concernente ao seu ministerio, todos os documentos existentes na sua secretaria podiam ser examinados por quaesquer membros d'esta camara.

Por isso declaro que, se os documentos não vierem aqui dentro de poucos dias, eu me dirigirei á secretaria da fazenda; e, auctorisado com esta declaração de s. ex.ª, pedirei a nota das gratificações a que se refere o meu requerimento; depois direi á camara se sim ou não a nota me foi dada.

O sr. Millistl'0 da Fazenda (Serpa Pimentel): — Não tenho duvida em declarar ao illustre deputado, que não tenho a menor difficuldade em mandar para a camara os esclarecimentos que me são pedidos.

Quando s. ex.ª fez ainda agora a pergunta, se já estavam na mesa os esclarecimentos que pedíra, eu não me levantei logo, porque, a dizer a verdade, não sabia se elles já tinham sido mandados ou não.

Eu tenho assignado já muitos officios remettendo esclarecimentos, e não me lembrava se áquelles já tinham sido remettidos.

Afianço ao illustre deputado que tomo nota, e farei com que esses documentos sejam mandados para a camara.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu não estranhei nada;'v. ex.ª tem de certo muito que fazer, e nada mais natural do que não se lembrar.

O Orador: — O illustre deputado póde estar certo de que mandarei á camara não só esses documentos, mas todos os que me sejam pedidos o que existam na repartição que dirijo.

O sr. Aralla e Costa: — Mando para a mesa uma representação que fazem á camara dos senhores deputados o official, aspirantes de 1.ª e 2.ª classe, e continuo da 1.ª repartição de fazenda do districto do Aveiro, adherindo á que

fizeram os do districto de Vianna do Castello, sobre a exiguidade dos seus vencimentos.

Peço a v. ex.ª que esta representação seja remettida á illustre commissão de fazenda, e confio que a mesma a tornará na consideração que mereço.

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do governo e do sr. ministro da fazenda para o estado em que se encontram as finanças do municipio de Lisboa, estado que reputo grave, e que não é do certo com os fraquissimos recursos que actualmente possue, e com os grandes encargos que, sobre elle pesam, que poderá realisar os melhoramentos que a cidade reclama e a que tem incontestavel direito.

A camara, n'estes ultimos annos, tem adoptado, para satisfazer as suas mais urgentes necessidades, um meio que eu reputo muito prejudicial, ¦ os continuados emprestimos, que. lho trazem encargos, a que dificilmente poderá satisfazer com os limitados recursos que ora tem; nem me parece que seja remedio para o mal que está soffrendo, o recorrer constantemente ao governo, pedindo-lhe sommas, que eu mesmo não sei se estará nas suas attribuições poder ministrar-lhe.

No anno passado votou-se n'esta casa uma medida permittindo á camara municipal do Lisboa vender ao governo a.3 propriedades que possua na margem do Tejo entro a rua da Alfandegar o o caes de Santarem. É verdade que eu n'essa occasião pronunciei-mo não só contra a venda, mas contra a applicação que a camara pretendia dar e está dando a esse dinheiro, na importancia de 20O:000$000 réis.

O governo este anno deu já á camara por conta réis 100:000$000, que têem sido empregados em despezas ordinarias, contra o que eu votei, por entender dever esse capital produzir um rendimento para a camara, o que ella precisa do augmentar.

Consumidos os 100:000000 réis que lho restam receber, ignoro onde a camara irá buscar novos recursos. E verdade que. a camara póde e deve fazer grandes reformas economicas nos serviços a seu cargo; mas isso não é bastante, porque ainda assim ha de luctar com grandes difficuldades para satisfazer ás mais urgentes necessidades.

O lançamento de impostos é expediente a que a camara poderá recorrer, mas a que ou, emquanto fizer parte d'ella me hei de oppor, porque entendo que ao governo cumpre ceder á camara uma parto do3 impostos cobrados actualmente pela alfandega municipal, e que incontestavelmente pertence ao municipio do Lisboa, unico exceptuado n'este ponto de todo o paiz.

O meu fim pois, chamando a attenção do governo e do sr. ministro da fazenda para este assumpto, é para que do uma vez para sempre se ajustem estas contas entre a camara municipal e o governo, que se teme emfim um resolução prompta, prompta, para curar este mal, evitando-se que o municipio esteja todos os dias recorrendo ao governo, pedindo como que uma esmola.

Com respeito á compra feita pelo governo da propriedade a que me referi, folgo com a resposta que o sr. ministro da fazenda deu ha dias ao sr. deputado Pereira de Miranda, do que o governo não necessita comprar todas essas propriedades.

Effectivamente o governo nada lucra em pôr fóra áquelles moradores de tantos annos, sobretudo quando póde fazer para o lado do Tejo os barracões do que carecer para o serviço da alfandega. Eu mesmo não sei, mas tenho ouvido dizer que todos áquelles predios não valem 200:000000 réis.

Fazendo este pedido ao governo, espero o tome a peito, não demorando por mais tempo a resolução de tão importante assumpto, a fim do evitar que a camara continue a luctar com embaraços, e possa satisfazer as suas mais urgentes necessidades.

O sr. Pires d3 Lima: — Ha tempo annunciei uma interpellação ao governo sobre a execução do, lei de 6 de

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maio de 1878, especialmente no que respeita á junta geral e conselho de districto do Aveiro, e desejava que s. ex.ª me informasse sé o governo já se declarou habilitado para responder a essa interpellação.

O sr. Presidente: — Na mesa ainda não consta cousa alguma a esse respeito.

O Orador: — Agradeço a resposta de v. ex.ª que não me comprehende.

O governo é prompto em praticar arbitrariedades, mas não se mostra muito solícito em vir responder por ellas. (Apoiados.)

Os membros do gabinete fallam muito na sua responsabilidade, em responsabilidade' ministerial, mas ou declaro que olhando para o que se passa entre nós, não comprehendo similhante responsabilidade.

A responsabilidade ministerial está reduzida a uma phrase simplesmente, phrase boa para arredondar periodos o ornar discursos, e nada mais.

O governo procede ao sabor dos seus caprichos, faz o que o seu arbitrio lho suggere, o não cura nem pensa em vir ao parlamento dar conta dos actos que pratica.

Eu desejava verificar esta interpellação quanto antes, a fim de que me respondesse o sr. Fontes, que actualmente está gerindo a pasta do reino, porque a camara sabe bem que os principaes actos arbitrarios praticados em Aveiro a pretexto da execução da lei de 6 de maio de 1878, são da responsabilidade immediata e directa do sr. Fontes, (Apoiados.) e por isso desejava que s. ex.ª e não o sr. Sampaio respondesse por esses actos.

Insto, de novo pela realisação da interpellação, apesar do governo não ter mandado os documentos que por tantas vezes tenho pedido n'esta sessão.

. V. ex.ª deve estar lembrado que minutos depois de tomar conta da presidencia, e mandei para a mesa um requerimento pedindo esses documentos, que até hoje ainda não chegaram.

Apesar d'esta falta, falta tão digna de censura, desejo realisar a minha interpellação eu desejo realisal-a em quanto o sr. Fontes estiver gerindo a pasta dos negocios do reino.

Aproveito esta occasião para perguntar se a commissão de administração publica já deu parecer sobre um projecto que apresentei em uma das sessões passadas o qual tem por fim fixar a interpretação do artigo 123.° da lei de 6 de maio de 1878, a que ha pouco me referi.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Peço a palavra por parte da commissão de administração publica.

O Orador: — Sem que as minhas palavras envolvam o menor espirito de censura, aventuro-me a lembrar ás illustres commissões d'esta camara, que me parece que não seria fóra de proposito que ellas mostrassem mais diligencia em dar parecer sobre os differentes projectos apresentados pelos deputados, respeitando ainda a iniciativa e as regalias parlamentares.

N'estes ultimos tempos ha uma inversão completa das missões que têem os poderes constitucionaes.

As camaras é que, pelo codigo fundamental, compete fazer leis, ao governo fazer despachos.

Agora quem legisla no paiz é o governo, e quem faz os despachos são os deputados da maioria. (Apoiados.)

Uma VOZ: — São os da minoria.

O Orador: — Os da minoria não fazem despachos. Ninguem o"crê, ninguem o prova.

Na epocha actual ha uma inversão completa nas prescripções do codigo fundamental do estado.

Parecia-me conveniente collocar as cousas nos seus verdadeiros termos, e que as commissões não se recusassem a dar parecer favoravel ou desfavoravel sobre os projectos apresentados pelos1 membros d'esta assembléa. ' Eu digo isto sem o menor espirito de censura, e unicamente com o fim de que mudemos de vida, porque me parece que o expediente até agora Usado não é dos mais regulares.

.0 sr. Telles de Vasconcellos: — Pedi a palavra, por parte da commissão de administração publica, para declarar ao meu amigo, o sr. Pires de Lima, que o projecto que s. ex.ª apresentou, já foi distribuido na commissão, porém alguns membros d'ella ausentaram-se, e por isso não tem sido possivel reunir a commissão, mas espero se reunirá na proxima segunda feira para tratar não só do projecto do illustre deputado, mas de muitos outros que estão submettido3 ao sou exame.

E já que estou com a palavra, permitta-me v. ex.ª que eu levante uma censura, que assim se póde chamar, que o illustre deputado quiz lançar sobre todas as commissões d'esta camara. Por parte da commissão de administração publica, cumpre-me dizer que esta commissão se tem occupado de assumptos do muita gravidade e importancia, a respeito dos quaes já hoje se assignaram alguns pareceres, e estes pareceres que versam sobre negocios de interesse geral, estão em primeiro logar do que os de interesse particular.

Não quero dizer com isto que o projecto do illustre deputado seja de interesse particular, mas entre os assumptos de interesse geral, ha alguns do maior urgencia, o sobre os quaes convem que o parlamento se pronuncie quanto antes.

Creio que havemos do ter tempo para discutir o seu projecto e muitos outros, e se digo isto é unicamente pelo sentimento que me domina, de que no systema representativo é sempre conveniente que as camaras legislativas funccionem e se discuta.

(Interrupção.)

É porque não havia tanta necessidade de estar o parlamento aberto, porque se houvesse, de certo entrando n'este caminho, havia de ter entrado então tambem.

Por ultimo direi ao sr. Pires de Lima, que é homem cordato, e que tem dado constantemente testemunho da sua seriedade, e com cuja amisade me honro, que s. ex.ª foi um pouco áspero na censura que quiz fazer ás commissões.

Faço justiça ao illustre deputado, do que em sua consciencia não está convencido de que as commissões tenham de proposito descurado os assumptos que lhes estão incumbidos, e estou certo de que todos os membros d'esta casa zelam as prerogativas parlamentares o têem o maior desejo de que a assembléa se mantenha sempre firme no seu proposito. Creio ser este o dever de nós todos, o pela minha parte posso dizer que, desde que tenho assento n'esta casa, sempre pugnei, por esta idéa.

Não prescindo nem um apice das prerogativas parlamentares, nem dos direitos que tenho como deputado, e creio que todos os meus collegas me acompanham n'esta idéa.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pela illustre mesa d'esta camara, se ordene á secretaria, que no menos tempo possivel organise uma conta de toda a despeza feita com varias publicações no Diario das nossas sessões, no presente anno. = Visconde de Sieuve de Menezes.

Posto á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada e por isso vae passar-se á ordem do dia; mas se alguns srs. deputados têem representações ou requerimentos a mandar para a mesa podem fazel-o.

O sr. J. A. Neves: — Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que faltei a todas as sessões desde 29 de março até 1G de abril corrente por incommodo de saude. = Joaquim Antonio Neves, deputado pelo circulo n.º 120.

Inteirada.

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O sr. Correia de Oliveira: — Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Participo a v. ex.ª e á camara que, por motivos justificados, faltei ás sessões de 7, 8, 14, 15 e 16 do corrente mez. — O deputado, Manuel Correia de Oliveira.

Inteirada.

O sr. Pinheiro Chagas: — Eu mando para a mesa um requerimento e pedia que fosse impresso no Diario do governo.

E do sr. Peixoto Pimentel, a respeito do cabo submarino na ilha das Flores.

O sr. Presidente: — Na sessão seguinte consultarei a camara sobre a publicação no Diario do governo.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão na generalidade do projecto de lei n.º 81 (orçamento geral do estado)

- O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Dias Ferreira.

O sr. Dias Ferreira: — Sr. presidente. Na discussão do parecer, sujeito ao debate, vou occupar-me unica e restrictamente do exame da generalidade do orçamento do estado.

As minhas observações hão do recaír exclusivamente sobre a apreciação dos recursos o das despezas do thesouro; e hei de procurar saber do governo e da illustre commissão de fazenda, quaes os meios com que tencionam occorrer aos encargos que ficam a descoberto no proximo futuro anno economico. Não prescindirei no entretanto das considerações politicas que prendem naturalmente com o assumpto, considerações politicas que teriam de vir ao debate n'esta ou em outra occasião, desde que a opposição parlamentar resolveu considerar a resposta á falla do throno como mero comprimento ao augusto chefe do estado.

E discuto restrictamente a generalidade do orçamento sem me envolver n'outros assumptos, que aliás têem já vindo ao debate, e que têem sido admiravelmente tratados pelos nossos illustres collegas que me precederam na tribuna, porque não quero desviar-me um apice do meu ponto de vista.

Logo no principio da sessão legislativa eu declarei que havia tomado commigo mesmo o compromisso, que me obrigava perante a camara o perante o paiz, de fazer quaesquer observações que eu reputasse opportunas a respeito de todos os assumptos financeiros que fossem submetlido3 á apreciação da assembléa.

Reputo a situação da fazenda publica não assustadora, mas muito gravo. (Apoiados.)

Os homens publicos têem obrigação de ser extremamente prudentes e discretos, sobretudo em negocios financeiros. Na apreciação dos recursos e dos encargos do estado nunca a discrição e a prudencia são de mais, porque as exagerações parlamentares, especialmente no sentido do terrorismo, podem ter consequencias ulteriores, que sem fazerem bem a ninguem, vão prejudicar o paiz. (Apoiados.)

Mas eu, sem perder o costume, qualquer que seja a situação em que falle, de calcular rigorosa e precisamente a responsabilidade das minhas palavras no presente ou no futuro, quero desempenhar-me da impreterivel obrigação do dizer inteira verdade ao paiz.

Agora que não ha perigo imminente de soffrermos um desastre financeiro, se entrarmos desde já n'um caminho franco e regular de boa administração, é preciso dizer toda a verdade á nação, (Apoiados.) e preparar assim o espirito publico para receber sem sobresalto as medidas que eu reputo absolutamente indispensaveis para entrarmos n'um estado financeiro regular, e collocarmos a situação da fazenda em condições solidas, e ao abrigo do contratempos, a que estamos todos os dias sujeitos.

Sr. presidente. Eu não considero um paiz á beira do

abysmo unicamente por ter deficit; nem a situação do thesouro póde dizer-se em absoluto desgraçada unicamente porque n'um ou n'outro anno houve deficit.

Para apreciar devidamente a situação financeira de uma nação é preciso attender a muitas outras cireumstancias, como á natureza e importancia das receitas, á natureza o extensão das despezas, e sobretudo no desenvolvimento da riqueza publica, e á situação economica e politica do paiz.

Mas em Portugal quasi todas as cireumstancias, que acompanham o deficit, o que caracterisam a situação em que nos achamos, em logar de serem motivos de consolação, são antes verdadeiras cireumstancias aggravantes que nos obrigam a maiores cuidados, e affirmam com mais força a nossa responsabilidade.

Por isso a resposta que hontem deu o illustre ministro da fazenda ao sr. Mariano de Carvalho, e que eu ouvi com a maior attenção, me penalisou.

Senti, como não podia deixar do ser, que s. ex.ª fosso tão reservado e laconico nas suas declarações, e deixasse no silencio algumas considerações e arguições que precisavam de explicação categorica por parte do governo.

Inquieta-mo este procedimento do sr. ministro da fazenda, e por isso já s. ex.ª ha dias notou que eu estava irritado.

A irritação, do meu espirito, porém, só ha do ser manifestada na intonação da voz, como é meu dever de homem publico, e porque ha muitos annos que eu dedico grande amisade pessoal á pessoa do sr. ministro da fazenda, por quem tenho a mais profunda consideração.

Mas á parte a pessoa, que tanto respeito, com o ministro não estou só irritado, estou irritadíssimo.

Magoa-me profundamente ver um homem com os recursos vastíssimos de s. ex.ª, para poder arcar do frente com as difficuldades que assoberbam o thesouro, resignar-se a viver n'um estado de inactividade, que se não póde traduzir, se não por medo, ao menos por uma certa hesitação indesculpavel diante da gravissima situação da fazenda publica.

O sr. ministro da fazenda, membro de um gabinete, que está ha oito annos no poder, em logar de Franca e rasgadamente entrar no caminho que a gravidade da situação está reclamando e indicando, pareço entregar-se ás eventualidades do futuro, e aos acasos da ventura, vivendo de, expedientes, o deixando cada dia aggravar a doença do thesouro, que já vem de tão longe!

Como ha de s. ex.ª pedir responsabilidades ao seu successor, se ámanhã, ou quando for, se apresentar n'essas cadeiras um homem novo, sem longa pratica dos negocios, sem ter apalpado pessoalmente as difficuldades financeiras, sem ler tido tempo de estudar os remedios com que ha de acudir de prompto aos males do thesouro, se esse ministro se limitar a seguir o caminho de s. ex.ª que é não se inquietar com o futuro e confiar na Providencia?!

O paiz deve olhar com uma grande desconsolação para o estado do thesouro, e sobretudo vendo que desde 1876, apesar das promessas feitas, e das medidas apresentadas para a organisação da fazenda publica, estamos luctando cora um deficit de 7.000:000$000 réis, somma excedente á quarta parte da receita do estado.

E nota-se que ha largos annos nenhum incidente politico nacional ou estrangeiro tem perturbado nem a marcha politica, nem a marcha administrativa, nem a marcha financeira dos nossos governos.

Sr. presidente, nós vivemos em paz com todo o mundo, e vivemos em paz comnosco mesmo ha vinte e seis ou vinte e sete annos.

Nós trocámos em 1851 a lucta fratricida dos partidos que durante muitos annos disputaram a posse do poder com as armas na mão nos campos de batalha pelo systema da tolerancia politica. Trocámos n'aquella epocha essa situação anomala o violenta por um estado de conciliação e de paz, e tanto de paz que muitos homens respeitaveis q

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respeitados têem julgado que esse pensamento de conciliação foi mais longe do que devia ir, emquanto deu em resultado a desorganisação dos partidos; e é certo que sem dois partidos perfeitamente organisados, que se combatam no terreno constitucional, não é facil resolver as difficuldades que assoberbam o thesouro publico. (Apoiados.)

Eu tomo por ponto de partida a data de 1851 ou de 1852; mas não vou fazer a nossa historia financeira desde essa data, porque quero collocar-me no ponto de vista restricto que annunciei á camara, e todas as circumstancias me aconselham a não saír por agora d'esse campo.

Marco o anno de 1852, porque data de ahi a nossa verdadeira epocha de paz publica; e a paz é um dos primeiros elementos não só de bom governo, mas tambem de boas finanças: e desde então temos vivido em paz permanente com todo o mundo e comnosco.

Outra circumstancia ainda, e muito importante, me obriga a tomar como ponto de partida a epocha de 1852. É que esta data assignala um dos nossos desastres financeiros que, na linguagem de todos os economistas, tem um nome classico que eu não me atrevo a pronunciar.

As circumstancias extraordinariamente violentas em que tinhamos vivido por largos annos, obrigaram o governo a promulgar o decreto de 18 de dezembro de 1852; e o ministro da fazenda que o referendava não era decerto culpado de que uma situação anormal e duradoura o impellisse a tomar uma medida de caracter tão excepcional.

As providencias adoptadas n'aquelle decreto não tiveram os effeitos perniciosos e desastrosos que poderiam produzir n'outra epocha; mas ainda assim não seriam executadas de certo se não estivesse á frente do governo uma espada victoriosa e brilhante que n'aquelle tempo se impunha ao paiz.

A capitalisação da divida e a reducção dos juros, decretadas n'aquella epocha, medidas violentas o excepcionaes, em que ninguem póde hoje pensar senão como uma lição para o futuro, a fim de se evitar um caminho imprudente e infeliz, que nos leve a novos desastres, mais ou menos graves, marcaram uma epocha desassombrada, quanto ao futuro, liquidando a situação financeira com respeito ao passado.

No orçamento apresentado ás côrtes, para o anno economico do 1852-1853, calculava o governo a receita do estado em 11.000:000$000 réis, proximamente, e a despeza em 12:000' e tantos contos do réis, havendo um deficit de 1.000:000$000 réis,.tudo numeros redondos; mas, pelas considerações expostas no relatorio que precedia o orçamento, esse deficit ficaria reluzido a 24:000$000 réis, e suppunha até que, em vez de deficit, poderia ainda haver excesso de receita n'aquelle anno.

Os encargos da divida publica consolidada andavam por 2.800:000$000 réis, pelo menos assim eram calculados no respectivo relatorio que precedia o orçamento do estado.

Passam-se vinte e seis annos de uma paz octaviana; nenhum incidente extraordinario vem perturbar a marcha politica e financeira do paiz; e, ao cabo de tudo, achamo-nos com um deficit do 7.000:000$000 réis!

Esta situação é grave, é gravissima. (Apoiados.)

Não accuso ninguem, não quero agora responsabilizar ninguem, absolutamente ninguem, porque trato hoje unicamente de chamar a attenção dos poderes publicos para a nossa situação, que é gravissima, a fim de acautelarmos o futuro.

Mas, no meio de tudo, não posso deixar de fazer sentir a responsabilidade que pésa sobre o actual governo, por não haver apresentado ás côrtes, n'esta sessão legislativa, as medidas que são absolutamente indispensaveis para sairmos d'esta situação, e porque, de mais a mais, teve o infortunio, e d'esse infortunio é elle exclusivamente o culpado, de não administrar com o zêlo e com a economia que a situação especial da fazenda publica lhe impunha urgentemente. (Apoiados.)

Na situação difficil da fazenda publica, e n'um paiz regido por instituições liberaes, ninguem póde olhar a sangue frio para o procedimento do governo, que, segundo o orçamento rectificado, só no ministerio das obras publicas excedeu 1.154:000$000 réis a despeza ordinaria votada pelas côrtes!

Não ha paiz nenhum que possa assistir sereno e impassivel a estes excessos de despeza, que demais representara verdadeiros desacatos parlamentares. (Apoiados.)

Hei de voltar ainda a este assumpto; porque, mais irritado do que com o sr. ministro da fazenda, só o estou com o sr. ministro das obras publicas.

Sempre entendi que não podem emprehender-se melhoramentos, qualquer que seja a natureza e utilidade d’elles, a não prenderem com a dignidade da nação ou com a honra do paiz, sem saber primeiramente d'onde hão de vir os meios para se pagarem. (Apoiados.)

Nós carecemos de muitas obras, que são utilíssimas: precisâmos do dokas no porto de Lisboa; precisâmos de illuminação nas costas maritimas; precisâmos de completar a nossa viação ordinaria e accelerada; emfim, precisâmos de tantos melhoramentos, que nem eu os posso enumerar. (Apoiados.)

Mas, se a pretexto da necessidade de melhoramentos publicos, fizessemos no paiz inteiro o que fizemos com respeito ao Algarve, tinhamos liquidado n'este anno. (Apoiados.) Não era possivel sustentar-se por mais tempo o thesouro, se para todos os districtos do reino enviassemos as sommas exorbitantes que foram para aquella provincia. (Apoiados.)

E qual é a situação financeira em que nos achamos? Qual é o nosso deficit? Que meios propõe o governo para occorrer aos encargos do deficit no proximo futuro anuo economico? Quo remedios indica o gabinete para conjurar os perigos da divida fluctuante? A divida fluctuante, que durante muito tempo e para quasi todos os ministros da fazenda era o primeiro tormento, o primeiro motivo de inquietação, agora quasi que não dá cuidado ao sr. ministro da fazenda!

Li com todo o cuidado o relatorio que precedia o orçamento do estado, e esperava encontrar n'aquelle documento alguma palavra ou alguma indicação a respeito dos meios com que o governo contava occorrer ás difficuldades da divida fluctuante. Nada encontrei. Mas como o sr. ministro da fazenda promettia n'aquelle documento um relatorio especial sobre a situação da fazenda publica, calculei que n'esse relatorio especial se encontrariam algumas indicações a respeito d'aquella divida. Percorri esse relatorio especial quando foi publicado e nada encontrei. Examino o parecer em discussão da illustre commissão de fazenda, e fico do mesmo modo ás escuras.

Que significa esta indifferença do governo em assumpto tão grave?

Pois a divida fluctuante que pelas notas publicadas na folha official, e pelos documentos apresentados ás côrtes, ha de orçar entre 9.000:000$000 e 10.000:000$000 réis, e que no fim do actual anno civil estará elevada a réis 12.000:000$000 ou 14.000:000$000, divida que pela sua natureza está sujeita a prasos curtos e a condições onerosissimas, segundo as circumstancias do mercado, ha de ficar inteiramente á mercê das circumstancias?

Podemos nós viver descansados e tranquillos n'estas condições gravissimas, sem que o governo se digne declarar á camara qual o seu pensamento n'este delicado assumpto, e proponha ao mesmo tempo ás côrtes os meios indispensaveis para ficar armado contra quaesquer eventualidades futuras? (Apoiados.)

Mas qual é a importancia do desequilibrio do nosso orçamento?

É indispensavel apurar este ponto, porque antes de estudarmos os meios de occorrer ao deficit, examinando os recursos de que podemos lançar mão para esse fim, preci-

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sâmos necessariamente de fixar a differença entre as receitas e as despezas.

Mais tardo responderei ás observações do illustre ministro da fazenda na sessão de hontem, que tão dolorosa impressão me deixaram.

Não pude ouvir sem pena as demonstrações que s. ex.ª fazia, de não haver perigo em adiar indefinidamente a extincção do deficit, o de haver até vantagem em o conservar em certas occasiões: s. ex.ª mostrava-se de todo familiarisado com o deficit.

Mas qual é o deficit do orçamento em discussão? Qual é o desequilibrio entre a receita e a despeza do estado a que no futuro anno economico é preciso occorrer?

N'esta parte estão em inteira desconfiança, permitta-se-me a phrase, que a emprego no sentido mais genuino, racional, e inoffensivo da palavra, a illustre commissão de fazenda e o sr. ministro da fazenda.

O parecer da illustre commissão de fazenda, apesar de todos os cuidados e precauções com que o seu digno relator, extremamente versado n'estes assumptos, costuma redigir similhantes documentos, contém observações, que eu offereço á consideração da camara, e que significam a desconfiança aberta que lavra entre a illustre commissão e o sr. ministro da fazenda.

A illustre commissão, depois de varios Cálculos o varias combinações, com que não quero fatigar a attenção da assembléa, que conhece o parecer, e o tem nas suas mãos, danos a noticia agradavel, assim ella fosse verdadeira, de que estamos a braços com deficit apenas de 3.016:000000 réis, numeros redondos.

Diz a illustre commissão:

«No emtanto comparada, para o exercicio

futuro, a somma dos recursos....... 26.424:842$000

«Com a totalidade dos encargos.....29.441:769$152

«Resulta um deficit de............... 3.016:927$152

bastante avultado para que se possa suppor que o crescimento natural das receitas o deva supprimir até ao fim do anno economico futuro.»

Vejamos, porém, como a illustre commissão explica a possibilidade do serem reduzidos esses 3.000:000$000 réis de deficit...

Diz o parecer:.

«A commissão suppõe com algum fundamente que as vacaturas nos diversos serviços calculados, e o excesso da arrecadação sobre a cobrança dos impostas existentes, podem reduzir um terço no desequilibrio orçamental.»

A commissão pois suppõe, com algum fundamento, e não com todo o fundamento, no que andou avisadamente. '

Pois quem é que espera que as vacaturas nos serviços, e o excesso da arrecadação sobre a cobrança, hão de reduzir um terço no desequilibrio orçamental, isto é, mil e tantos contos de réis, suppondo mesmo que fosse do 3.000:000$000 réis o deficit do orçamento?

As economias resultantes das vacaturas, alem da pequenez da verba, hão de ter a sua applicação, e os rendimentos do estado estão exageradamente calculados.

A verba que mais avulta no orçamento é o tabaco, que no anno economico futuro ha de produzir rendimento muito inferior ao que está calculado, em rasão dos despachos que antecipadamente se effectuaram para escapar aos novos direitos decretados na ultima lei.

Não é, pois, de presumir, que a arrecadação exceda as previsões do orçamento, onde os impostos foram já calculados exageradamente. Nas mesmas cireumstancias, para não fallar agora de outras verbas, está o rendimento dos caminhos de ferro do Minho e Douro, que precisam constantemente de profundos e dispendiosíssimos reparos, e que ameaçam não chegar em nossa vida á sua conclusão?! (Apoiados.)

Em todo o caso a illustre commissão teve o cuidado de resolver a sua opinião, presumindo com algum fundamento e não com todo o fundamento. (Riso.)

Foi prudente. ¦" Diz mais o parecer em discussão:. «Restará ainda um deficit de 2.000:000$000 réis, a que é forçoso attender. Considerando, porém, que ainda ha pouco começaram a ser executadas algumas das leis promulgadas no anno findo, modificando os tributos existentes, e outros vão sei-o em breve...»

Quaes são essas leis que ainda ha pouco começaram do ser executadas? Não conheço senão a lei do sêllo. A mais importante das leis do fazenda, votadas na sessão passada, está ainda á espera de um bom regulamento, segundo as declarações do sr. ministro da fazenda.

O sr. ministro da fazenda não sabe fazer regulamentos sobre o joelho. Só não hesita, nem se demora, quando trata do gastar. Não se comprometteu, pois, ainda o sr. ministro da fazenda a executar em breve ou tarde a lei do real dé agua, e portanto o calculo sobre a base do rendimento das leis, que hão de ser executadas em breve, é pura poesia.

Continua o parecer «e que alem d'isso o governo já apresentou ao exame do parlamento propostas financeiras, que elle calcula poderão produzir approximadamente réis 1.000:000(5000 sobre os rendimentos actuae3, a vossa com: missão entende que com estes recursos, uma vez que sejam effectuados, o desequilibrio do orçamento ficará reduzido a proporções modestíssimas, facílimas de vencer...»

A commissão de fazenda teve o bom juizo de não querer tomar sobre si a responsabilidade dos calculos do sr. ministro da fazenda. A commissão narra apenas que elle calcula que as propostas apresentadas ás' côrtes poderão produzir 1.000:000000 réis..

Bem fez a illustre commissão em não querer a responsabilidade de calculos inteiramente inexactos. Em réis 600:000/5000 computa o sr. ministro da fazenda a' medida relativa á creação dos visitadores fiscaes permanentes j e' eu calculo que esta providencia ha da custar ao thesouro immediatamente mais de 40:000000 réis.

A illustre commissão nem sequer acredita que essas medidas sejam convertidas em lei: uma vez que sejam efectuadas, diz a commissão..;

Fecha a illustre commissão o periodo que estou analysando, com chave de oiro; dizendo o seguinte: «podendo, sem inconveniente, no principio da proxima futura sessão parlamentar em que estará apenas decorrido um semestre da gerencia de 1879-1880, serem propostas as providencias que a experiencia definitivamente aconselhar como indispensaveis para que as despezas ordinarias e os juros e amortisação das' sommas que levantarmos para despezas extraordinarias, sejam pagos exclusivamente pela receita propria do thesouro.»

Por esta fórma, durante oito annos, - estivemos n'uma experiencia provisoria com respeito ás providencias indispensaveis para occorrer ás difficuldades financeiras, e nos ultimos seis mezes d'este anno é que vamos fazer a experiencia definitiva das medidas necessarias para chegarmos ao equilibrio orçamental!

Similhante argumentação é de todo insustentavel, cáe por si.

Pois durante oito annos, em que se podia fazer estudo largo e demorado dos negocios publicos, em que não appareceram as menores difficuldades que interrompessem á marcha financeira, administrativa, ou politica do gabinete, não póde o governo estudar definitivamente essas medidas importantes que haviam de equilibrar o orçamento e extinguir o deficit, e agora em seis mezes é que ha de fazer a experiencia definitiva d'essas providencias? (Apoiados.)

Pois o governo compromette-se agora a fazer em seis mezes o que deixou de fazer em oito annos?

Pelo parecer da illustre commissão não é facil percebei qual é o deficit por ella calculado. A illustre commissão

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começou por desconfiar dos proprios calculos do governo, e não quer tomar a responsabilidade d'elles.

Tenho pois de abandonar o parecer da illustre commissão do fazenda para chegar á fixação do deficit; e vou entender-me directamente com o sr. ministro da fazenda.

Desde já annuncio a v. ex.ª e á camara que vou calcular p deficit, não segundo os preceitos da arte, aconselhados por todos os economistas, usados em todas as nações, e recommendados pelas leis vigentes no nosso paiz."

Não vou calcular o deficit por essa fórma, porque seria um trabalho inutil, que se havia de reduzir em definitivo a uma prelecção sobre economia politica e sobre finanças.

Desde que o governo excede nas despezas todas as auctorisações parlamentares, não vale a pena calcular o deficit nos termos das leis.

Vou pois considerar a questão praticamente, e ver se apuro o estado verdadeiro do deficit, adoptando o systema genuinamente portuguez a todos os respeitos.

Pretendo assim calcular o deficit segundo o costume da terra.

¦ Averiguo qual tem sido o deficit segundo o costume da nossa terra nos ultimos annos; e é esse o deficit que eu computo para o anno economico de 1879-1880.

O costume da terra é respeitado em todos os paizes do mundo, e em todos os negocios individuaes e sociaes, porque a experiencia é o primeiro elemento para a apreciação dos homens e das cousas.

Hei de enganar-me menos na apreciação do deficit, seguindo o costume da terra. E o costumo da terra é tão auxiliado, guiado e esclarecido pelo relatorio do sr. ministro da. fazenda, que eu chego infelizmente a apurar um deficit que devo contristar todos os homens que entendem de negocios publicos.

Segundo as declarações formaes e expressas do relatorio apresentado pelo sr. ministro da fazenda ás côrtes, que precede as propostas financeiras, o deficit do anuo' economico de 1876-1877, isto é, a differença total entre as receitas e as despezas do estado n'aquelle anno, foi de réis 7.100:000000, numeros redondos.

Não póde, pois, haver duvida de que n'aquelle anno o desequilibrio entra as receitas e as despezas foi de réis 7.100:000$00.

O sr. ministro da fazenda comprehende bem que, abrindo o relatorio com esta declaração gravissima, sem procurar desde logo attenual-a, creava a si mesmo situação difficil. (Apoiados.)

Por isso procurou explicar este deficit de 1876-1877 pela crise bancaria, pelo jogo immoderado nos fundos hespanhoes, e por muitas outras cireumstancias, que os meus collegas têem de certo presentes, porque leram o relatorio do sr. ministro da fazenda.

Assim, no anno de 1876-1877, está declarado de uma maneira precisa, definida e determinada que o deficit foi de 7.100:000$000 réis, por ter sido um anno mau. Mas -chegamos ao anno de 1877-1878, que o governo é o primeiro a declarar que foi um anno melhor, e qual foi o deficit1} A receita foi de 25.364:000;$000 réis, numeros redondos, e a despeza de 33.852:000$000 réis; isto é, o deficit subiu a mais de 8.000:000$000 réis!

Eu bem sei que o sr. ministro da fazenda, para reduzir este deficit a 5.000:000$000 réis, mette em linha de couta ás receitas extraordinarias provenientes de emprestimos, na importancia de 3.487:000$000 réis. Mas os emprestimos levantados para occorrer á differença entre os encargos e os recursos do estado não representam propriamente receita. Não nos illudamos n’este ponto. Pois o individuo que para fazer face a uma despeza de 5:000$000 réis, tem de rendimento 3:000$000 réis, e levanta de emprestimo 2:000$000 réis, tem porventura receita igual á despeza? Não, de corto. Bera sei que para os effeitos do jogo de contas do orçamento devem computar se essas receitas extraordinarias, filhas dos emprestimos. Mas na apreciação da situação financeira do um paiz não podem considerar-se uma verdadeira receita, e antes são indicio em regra de uma situação pouco feliz.

Vejamos agora qual é o deficit com relação ao anno do 1878-1879, para calcularmos, segundo o costuma da terra, pelos tres ultimos annos, qual será o deficit do futuro anno economico de 1878-1880.

Para apreciar o deficit do anno economico, em que estamos, basta lançar os olhos para o orçamento rectificado. Por este orçamento, a despeza ordinaria e extraordinaria do estado no anno economico do 1878-1879 é do" réis 32.365:000$000, numeros redondos, o a recoita, comprehendendo ainda uma verba importante de compensação de despeza, é de 25.506:000$000 réis. E nos 32.365:000$000 réis de encargos para este anno economico de 1878-1879 não se comprehendem as despezas com os caminhos de ferro do Minho e Douro, despezas que ameaçam; viver tanto como nós. (Apoiados.)

Portanto, se eu fixar para o futuro anno economico o deficit de 7.000:000$000 réis, ninguem ficará surprehendido nem escandalisado com os meus calculos e previsões. O relatorio mesmo do sr. ministro da fazenda me dá margem para esta apreciação, dizendo que o deficit do futuro anno economico não ha de ser inferior ao do anno corrente.

O deficit do anno corrente calculou-o o sr. ministro da fazenda em tres mil e tantos contos, porque não computa as despezas extraordinarias orçamentaes, e as despezas feitas por leis especiaes, que aliás contribuem do mesmo modo para avolumar o deficit. As despezas, ou sejam ordinarias ou extraordinarias, orçamentaes ou extra-orçamentaes, pagam-se do mesmo modo, o do mesmo modo oneram ò orçamento e o paiz.

É por isso erro grave computarmos o deficit unicamente com respeito ás despezas ordinarias orçamentaes.

Que resultado tirámos nós do não computarmos no orçamento da despeza, por exemplo, os encargos com as dokas da Horta e de Ponta Delgada, com a penitenciaria central e com os caminhos de ferro do sul?

Essas despezas, ou sejam descriptas no orçamento, ou continuem como até agora sujeitas a legislação especial, avolumam do mesmo modo a somma total dos nossos gastos, e havemos necessariamente de tomai as em conta para o computo do deficit. (Apoiados.)

E, a proposito d'este assumpto, devo declarar á camara que, como homem publico, nada me incommoda o deficit da Suecia, ou de qualquer outro paiz, que não exerça influencia directa ou indirecta na nossa situação.

Mesmo o nosso deficit, se se parecesse com aquelle com que a Inglaterra encerrou ha pouco o seu orçamento, em virtude de cireumstancias extraordinarias ocasionadas pela guerra com os Zulus, não me daria grande cuidado, nem inquietação. O deficit do nosso thesouro, que tom já o privilegio de instituição, que vive entro nós ha largos annos, que tora assistido impassivel e indifferente aos debates da tribuna, o que tom triumphado dos mais ousados reformadores, ganhou já tal ascendência, que é preciso lançar mão de meios energicos para acabar com essa perigosa instituição. (Apoiados.)

E como havemos de aniquilar esse cancro das nossas finanças?

O nobre ministro da fazenda proporcionou hontem á camara momentos do doce consolação, dizendo que era melhor não cuidar por agora de o extinguir; que este anno era muito pouco productivo; que as cireumstancias oram excepcionaes, e que fessemos andando pouco a pouco em convivencia com elle.

Eu desadoro completamento este systema. (Apoiados.)

Já escrevi, e tenho sustentado constantemente, no poder e fóra do poder, que o deficit deve ser aniquilado por uma vez apresentando-se um conjuncto de medidas que extin-

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gam o desequilibrio entre as receitas e as despezas do estado.

Podem as circumstancias, que são superiores á vontade dos homens, obstar a que se adoptem providencias que o façam desapparecer n'um anno, mas póde adoptar-se o exemplo da Italia, que depois da sua reconstituição politica tratou da reconstituição financeira, votando e executando uma serie de medidas, que n'um periodo limitado e definido levavam ao equilibrio das receitas e das despezas do estado.

O ministerio que então geria os "negócios d'aquelle paiz, conhecendo que uma boa organisaçao financeira era o primeiro elemento de vida politica de um povo, apresentou ás côrtes um plano financeiro de cuja approvação resultava a extincção do deficit n'um periodo de quatro ou cinco annos.

Proceda-se do mesmo modo ou de modo analogo.

O que não podemos é viver de expedientes sobre expedientes. (Apoiados.)

O sr. ministro da fazenda já nos propoz um imposto nas successões de paes para filhos, imposto extremamente violento; (Apoiados.) e eu devo dizer á camara e ao paiz que se o governo actual continuar no mesmo caminho, e se o parlamento não tomar o seu logar, a nação terá que soffrer mais tarde este ou outros impostos igualmente violentos. (Apoiados.)

Já outro dia eu disse, e repito agora, que a situação financeira de um paiz não póde, nem deve perder-se, quando esse paiz tem homens publicos que sabem, querem e podem applicar os recursos do seu talento á resolução das difficuldades que assoberbam o thesouro. (Apoiados.)

Só deixam chegar á ultima extremidade a situação do thesouro homens de valor, que estão á frente dos negocios, quando hesitam e duvidam sacrificar a sua posição politica aos interesses da patria. (Apoiados.)

A situação financeira poderá salvar-se a todo o tempo.

A questão é dos remedios a applicar: quanto mais se aggravar a situação, mais violentos hão de ser esses remedios. (Apoiados.)

O sr. ministro da fazenda contenta-se agora em propor medidas de expedientes, mas já violentos, para ir melhorando-o estado da fazenda, no anno seguinte proporá outros de igual natureza, e assim successivamente.

Mas quaes serão as consequencias d'este systema quando esses expedientes não produzirem já effeito?

Não quero dizei o: são faceis de prever.

Continuarei, porém, a sustentar que é indispensavel apresentar, sem perda de tempo, ao parlamento um conjuncto de medidas, conducentes a extinguir o deficit de uma vez, se não n'um anno, ao menos n'um periodo limitado, e calculado segundo a natureza d'essas medidas e as circumstancias do paiz. (Apoiados.)

Hontem -o sr. ministro da fazenda sustentava n'esta casa opinião contraria, e eu declaro que não estava prevenido para ouvir tal doutrina dos bancos dos srs. ministros, que deviam ser os primeiros a condemnar similhante systema.

Leiam todos os economistas, qualquer que seja o paiz a que elles pertençam, e reconhecerão que nenhum defende a existencia do deficit permanente no orçamento de uma nação.

Depois das declarações que hontem fez o sr. ministro da fazenda, vejo-me forçado a fallar ao governo e aos meus collegas sobre a necessidade de extinguir o deficit, sem que nunca me passasse pela lembrança que. teria de entrar em similhantes discussões.

Vejo-me, todavia, na necessidade do entrar n'esse caminho para combater as declarações do sr. ministro da fazenda. Mas hei do argumentar-lhe com rasões do casa, e de tal ordem são essas rasões, que não será facil a resposta, o oxalá que isso sirva para o sr. ministro da fazenda entrar em outro caminho.

Tenho muita pena de que as discussões na_ outra casa do parlamento ali detenham, no uso do exercicio das suas funcções officiaes, o sr. Fontes, comquanto sejam muito honrosas para s. ex.ª as referencias que hei de fazer aos seus actos politicos, nem eu era capaz de alludir desfavoravelmente a quem que quer fosso na sua ausencia.

A citação das opiniões do sr. presidente do conselho, que vou fazer, é muito honrosa para elle e para o seu systema financeiro. Só tenho pena que o sr. Fontes não esteja presente, porque era a elle que eu queria dizer o que vou dizer ao sr. ministro da fazenda, e porque para mim é elle o primeiro responsavel pela marcha da situação. (Apoiados.)

O primeiro homem influente de um partido, que demais está á testa do gabinete, que lhe imprime o caracter e a feição politica, é o responsavel, mais immediato,; por todos os actos d'esse gabinete, o sobretudo pela situação financeira que eu julgo o primeiro elemento do vida de uma nação. (Apoiados.) ¦• ¦

Referendava o sr. Fontes, como ministro da fazenda, o decreto de 18 de dezembro de 1852, de certo com a mesma magua e com a mesma amargura com que qualquer de nós teria de o referendar, se estivesse gerindo a pasta da fazenda, nas circumstancias difficeis, calamitosas o graves em que se encontrou aquelle cavalheiro. O decreto, apesar das condições de força em que se achava o governo, que acabava de saír de uma revolução militar e popular, e apesar das circumstancias extraordinariamente violentas da situação, era precedido de um relatorio em que se explicavam larga e desenvolvidamente as circumstancias que determinavam os ministros a fazer uso de poderes dictatoriaes para adoptarem uma providencia de tão transcendentes' consequencias para a situação financeira e para os credores do estado.

Vou ler algumas phrases do relatorio d'esse decreto, que, como já disse, foi referendado pelo sr. Fontes, e por outros homens notaveis que já não existem, e peço á camara toda a sua attenção para este assumpto, porque tem ainda de certo nos ouvidos as palavras com que o sr. ministro da fazenda terminou hontem o seu discurso em resposta ao sr. Mariano de Carvalho. Peço toda a attenção da assembléa para as palavras fulminantes com; que o sr. Fontes tão antecipadamente condemnava as doutrinas e as opiniões do seu collega de hoje.

Dizia o sr. Fontes no relatorio que precede o decreto de 18 de dezembro de 1852, o seguinte:

«Senhora 1 A organisaçao definitiva da fazenda publica prende essencialmente com o necessario equilibrio que devo existir entre a receita e, a despeza do estado. Emquanto houver um deficit, pequeno ou grande, que actue constantemente sobre o thesouro, o paiz caminhará para um abysmo inevitavel, d'onde apenas póde salvar-se, por meios ¦ energicos e adequados, tanto mais difficeis o inefficazes, comtudo, quanto mais aggravado estiver o mal, e mais tardo se prover de remedio.

«A situação financeira do paiz nada tem de aterradora; bem pelo contrario, é ella hoje sensivelmente mais favoravel do que ha muitos annos tem sido. Com uma divida fluctuante pouco consideravel, com as rendas publicas todas desembaraçadas, e com o augmento de receita, e diminuição de despeza, que se devem ás disposições dos decretos de 3 de dezembro de 1851 e 26 de julho do corrente anno, existe comtudo um deficit, que é indispensavel extinguir a todo o custo, porque póde, ainda que pequeno como é, uma vez que se vá necessariamente accumulando de anno para anno, conduzir a resultados fataes e faceis de prever. »

E exactamente a minha doutrina, é o que eu tenho estado a affirmar, e o que tenho sempre sustentado.

So deixarmos aggravar o deficit de anno para anno, o complicar todos os dias a situação, os resultados serão fataes e faceis de prever. (Apoiados.)

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O sr. Pontes poderia ter-se esquecido d'estas doutrinas, podiam os annos e a experiencia, não só dos negocios publicos, mas dos homens o das cousas, ter modificado mais tarde as suas opiniões em sentido contrario, e de novo peço desculpa á camara de lhe estar a tomar tempo demonstrando a necessidade de acabar com o deficit de prompto, mas fui obrigado a isso, mau grado meu, pela linguagem franca e sincera com que o nobre ministro da fazenda hontem concluiu o seu discurso, quasi elogiando, o deficit) Não se esqueceu, porém, o sr. Fontes das suas antigas doutrinas, como se vê. do relatorio que precedia, as propostas financeiras, que apresentou como ministro da fazenda ás côrtes, em 1867, isto é, quinze annos depois, periodo este em que tivera tempo para, pelo estudo, renunciar ás doutrinas que primeiramente proclamara, ou para, se confirmar mais na sua verdade e justiça.

Pois n'este relatorio, escrevia o sr. Fontes o seguinte: ' «A mais séria de todas as difficuldades com que lucta este paiz, é o grande deficit que o afflige. Está ha muito dito, porém nunca é de mais que o deficit é o mais inexoravel de todos os impostos, e comtudo muitas vezes se tem hesitado em lhe pôr cobro pelos embaraços que provêem sempre da tentativa de crear receita nova. Em vão se appella para o augmento progressivo dos rendimentos publicos; a despeza "augmenta mais do que elles,. o a situação do thesouro é cada vez mais precaria. Se o convencimento dos grandes recursos nacionaes que está no espirito de todos, e a religiosa exactidão com que ha muitos annos se pagam todas as despezas internas e externas, mantêem o credito publico n'uma altura, que, se não é prospera, absolutamente fallando, é comtudo relativamente bastante vantajosa....................................r.......

«Parece que a idéa dominante, sem que ninguem publicamente a manifeste, consiste em deixar ás gerações futuras, com os beneficios da civilisação que lhes legámos, os encargos de que foi causa.

«Este raciocinio, que póde ter alguma plausibilidade dentro de certos limites, é, alem d'elles, evidentemente absurdo.

«Nem é possivel esmagar o paiz com o imposto, para preencher o deficit nem deixar que a imprevidencia vá preparando uma situação impossivel. A organisaçao das finanças é uma questão do presente, o do futuro, e debaixo d'este ponto de vista sobe de gravidade.»

Parece que já estava Condemnando antecipadamente a gerencia do anno de 1878-1879. (Apoiados.)

(Continua a ler.)

«So formos continuando no systema de pedir ao credito para pagar o credito, iremos, no plano inclinado que leva ao cataclismo, e nenhum homem que ame a sua patria póde querer tomar a minima parte que seja na responsabilidade de tão desastrosa politica.»

Esta é effectivamente a verdade, e triste, verdade. Se formos continuando no systema de pedir ao, credito para pagar ao credito, iremos por um plano inclinado, caminharemos para um cataclismo, e nenhum homem que ame verdadeiramente a sua patria, quererá tomar a minima parte na responsabilidade de tão desastrosa politica.; (Apoiados.)

Eis ahi, portanto, a condemnação lavrada pelo sr. presidente do conselho contra, si proprio.

A politica financeira que o sr. Fontes condemnava, é a que está agora seguindo no meio de hesitações que não se comprehendem. (Apoiados.)

Na verdade não sei que prazer possa ter o governo em alardear a cada passo, sobretudo o sr. presidente do conselho (porque o sr. ministro da fazenda n'este ponto usa de mais parcimonia) que tem a confiança da corôa e a das maiorias das duas casas dó parlamento. A confiança da corôa é melhor pol-a de parte, porque d'essa devem gosar todos os gabinetes favorecidos pelas indicações constitucionaes,

Mas para que serve ao governo, repito, ter a confiança das maiorias das duas casas do parlamento?

Não era melhor, em vez d'estas ostentações de força, aproveitar essas maiorias em vantagem do paiz?

Não era melhor que o governo concorresse para que essas maiorias se nobilitassem, associando o seu nome e a sua responsabilidade a medidas que servissem para resolver desassombradamente a situação da fazenda publica? (Apoiados.)

A declaração da. sua grande força parlamentar não serve portanto senão para aggravar a responsabilidade do governo. (Apoiados)

Comprehendo que um governo, que receie da sua maioria, viva de hesitações, e que vacille perante a apresentação de quaesquer medidas ou providencias que possam levantar uma crise politica, cuja solução por qualquer circumstancia possa ser fatal aos interesses do paiz. Mas quando o governo não duvida da dedicação das suas maiorias, e que pelo contrario responde a todas as arguições com o apoio decidido de ambas as casas do parlamento, não tem desculpa das suas tibiezas. Já outro dia disse, e repito agora, que o apoio das maiorias não é fim, mas simplesmente meio para a resolução desassombrada das difficuldades da situação.

As maiorias parlamentares não' são o cortejo dos governos; são os representantes do povo, collaborando com os gabinetes para a formação de leis sabias e justas que sirvam á felicidade da nação (Apoiados.) Mas não ficámos aqui.

Eu quero ler ainda dois periodos de outro documento que prendem mais directamente com a responsabilidade do gabinete, porque são de epocha roais recente em que o sr. Fontes, invocando já as lições da experiencia, entrava n'esta casa como ministro da fazenda, e como presidente do conselho pela primeira vez, e dizia francamente á camara e ao paiz o que era absolutamente indispensavel para entrarmos n'um bom regimen financeiro.

Refiro-me ao relatorio que precedia as propostas de lei que s. ex.ª apresentou ás côrtes em 1872.

Cabe aqui dizer que eu tive a idéa, que de certo cheguei a communicar a alguem, de que ao sr. Fontes devia entregar-se a pasta da fazenda e ao sr. Serpa a pasta da guerra,

O sr. Serpa foi ministro da guerra muito antes do sr. Fontes; e alem d'isso é ou foi militar. Não havia pois inconveniente em que s. ex.ª gerisse a pasta da guerra.

Era todo o caso os enthusiasmos patrioticos do sr. ministro da fazenda não se haviam de traduzir tão facilmente em fortificações e armamentos, (Apoiados) e a Índole menos accessivel do sr. presidente do conselho havia de obstar a que se attendesse em tão larga escala á remuneração de certos serviços publicos. (Apoiados.)

Mas, pondo de parte este incidente, o certo é que o sr. Fontes, inaugurando esta situação que eu faço datar desde 1871, apenas interrompida pelo curto periodo de nove ou dez mezes de governo do outros cavalheiros, e apresentando o seu primeiro relatorio ás côrtes em 1872, dizia o seguinte:

«Cabendo-me novamente a pesada honra do dirigir os negocios da fazenda, cumpro o dever impreterivel de expor aos representantes da nação os resultados do meu estudo sobre a situação economica o financeira do paiz, e do apresentar as propostas que reputo indispensaveis para habilitar o thesouro a satisfazer todos os seus encargos, e levantar o credito publico á altura dos sacrificios que fazemos para o manter.

«Conheço que a tarefa é ardua, o o meu empenho difficil de realisar, porém sei tambem que no meio da paz publica, e sem a pressão de acontecimentos imprevistos e graves, a nobre altivez do sentimento nacional não póde resignar-se a que vivamos perpetuamente do emprestimo a

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descoberto, sem buscar nas proprias forças os meios de pagar todas as nossas despezas.

«E todavia é justo confessar que não ha fundamento plausivel que justifique o preço, relativamente baixo, dos nossos fundos, dos quaes ha tantos annos pagamos escrupulosamente, dentro e fóra do reino, os juros vencidos nas epochas regulares.

«Nem o preço do dinheiro nas praças estrangeiras, nem as perturbações internas que se reflectem no credito, nem a falta de confiança na riqueza do paiz, que todos reconhecem mais do que sufficiente para honrar a divida publica, podem explicar a depreciação de taes valores.

«O deficit, porém, resistindo a todas as combinações, e sobrevivendo a todos os ataques, comprime irresistivelmente qualquer tendencia, que os fundos portuguezes tenham para levantar o nivel do seu valor no mercado, e alimenta a esperança dos especuladores, que vêem sempre um emprestimo em perspectiva.

«E necessario, pois, que o deficit desappareça, e saldemos annualmente os nossos encargos com as receitas do thesouro.»

Pois, sr. presidente, a nobre altivez do sentimento nacional teve necessidade de se resignar a viver perpetuamente do emprestimo a descoberto, e de abater o collo, indo descansar suavemente nos braços do sr. Serpa.

Acrescentou ainda o sr. Fontes n'aquelle relatorio, apresentado ás côrtes em 1872.

«E pois, que tenho o dever de dizer tudo, senhores, para justificar amplamente as propostas que terei a honra de vos apresentar, acrescentarei ainda que o deficit não representa sómente o preço dos elementos da nossa prosperidade, mas tambem o resultado da hesitação dos nossos homens publicos. É não offendo pessoa alguma, considerando-me entre os mais culpados n'esta falta, que aliás tem explicações, que não deshonram ninguem. Já publicamente o declarei no parlamento, o agora repito aqui: o deficit ou acaba por uma vez, ou ameaça de não acabar nunca. Se ha annos tivessemos posto o devido empenho em conseguir este fim, é indubitavel que as economias realisadas, e os impostos successivamente votados, seriam mais do que sufficientes para regularisar as nossas finanças equilibrando a receita com a despeza.

«Felizmente a occasião é hoje mais propicia do que tem sido ha annos a esta parte, e faço justiça a todos, reconhecendo e declarando, que aos esforços continuados e incessantes das diversas administrações, sem distincção de procedencia politica, se devo o notavel melhoramento das nossas finanças. Emquanto, por um lado, tem sido reduzida sensivelmente a despeza, tem sido elevada por outro lado a receita do thesouro. O credito, que sómente espora por uma situação normal para attingir a altura a que nos dão direito os recursos do paiz, e a pontualidade com que pagámos os nossos encargos, tem ultimamente feito sensiveis progressos. Se podermos mostrar a todos que a nação quer habilitar o seu governo a pagar honradamente o que deve, sem dependencia de ninguem, teremos resolvido o problema da nossa regeneração financeira.»

Estou sustentando aquella doutrina do sr. Fontes, que foi sempre á minha. Estou condemnando a hesitação do governo, que parece regosijar-se só com o facto de ter maioria no corpo legislativo, sem aproveitar esse apoio em beneficio do paiz, e estou pedindo que se acabe de uma vez com o deficit, que ameaça do não acabar nunca.

Quer a camaro ouvir o que dizia o sr. Fontes a respeito do deficit que então era de 3.000:000$000 réis, segundo os calculos por elle feitos?

Dizia o sr. Fontes:

«N'estes termos, e tendo em consideração a importancia do varias despezas que se descrevem e se não pagara, porque representam duplicações o accumulações prohibidas por lei, julgo-me auctorisado a fixar em 3.000:000,5000 réis o deficit approximado para o anno economico de 1872-1873.

«É sensivel, á vista das considerações que deixo escriptas, o melhoramento que têem tido as finanças do paiz; porém, uma somma tão importante ainda para o orçamento do nosso thesouro, e sufficiente para causar embaraços serios, é sobretudo perigosa, porque tende a crescer pelos juros accumulados, se não for combatida por meios suficientes e efficazes. As reducções effectuadas em 1867, os impostos decretados n'essa epocha, e que não foram derogados depois, o os impostos e reducções que, do então para cá, vieram attenuar o deficit, tel-o-íam coberto quasi completamente, se podessem ter actuado desde o principio, e por uma vez, sem dar logar a operações financeiras, que, sob o imperio de circumstancias difficeis, aggravaram consideravelmente a situação.

«Os impostos lançados depois do 1868, cuja importancia vae descripta no orçamento que tive a honra de apresentar, ascendem a cerca de 2.O00:000$000 réis (documento n.º 12). Se luctâmos ainda com difficuldades graves, por se ter adiado successivamente a resolução da questão de fazenda, sem vantagem, o antes com prejuizo notavel do contribuinte, empenhemos agora todas as nossas faculdades para entrar no estado normal, e façamos um sacrificio com resultado immediato e satisfactorio para a administração e para o decoro nacional.»

N'aquella epocha arreceiava-se s. ex.ª de um deficit de 3.000:000$5000 réis. Julgava aquella somma sufficiente para causar embaraços serios, e sobretudo perigosa.

Agora um deficit de 7.000:000$000 réis não lhe dá cuidado!

As penultimas palavras d'este relatorio apresentado em 1872, e que eu vou ler á camara são realmente a chavo de oiro para cerrar a porta ás asserções anti-economicas e anti-financeiras que hontem ouvimos pronunciar ao sr. ministro da fazenda.

Diz o relatorio:

«Não preciso carregar o quadro da nossa situação financeira, aliás menos difficil hoje, do que já o tem sido, nem referir os episodios pouco edificantes a que ella dá logar, para excitar em todos o desejo de collocar o paiz na posição que lhe compete. Dirijo-me aos meus illustres antecessores, amigos ou adversarios, e fio do seu caracter honrado que não me desmentirão. Ha occasiões em que o ministro da fazenda, em nome do governo, é obrigado a acceitar condições que na sua qualidade particular repelliria indignado. Aos que occupam os primeiros postos na nação não se póde impor a obrigação de dobrar a cabeça diante do todas as exigencias, quando se contrata em nome d'ella. Seria duríssimo, quando fosse inevitavel; porém se considerámos que um paiz de quasi quatro milhões o meio do habitantes póde resgatar-se de taes dependencias, e regular os seus negocios, a troco de 480 réis por cabeça e por anno, nenhuma hesitação será justificavel, o, salvo a questão de fórma, o deficit ficará irremediavelmente condemnado.

«Um orçamento com deficit não é orçamento, é um rol de receita e de despeza, e nada mais. Não censuro ninguem, porque seria eu um dos mais culpados, porém digo francamente o que penso, depois de amestrado largamente pela experiencia, e de estudar n'algumas outras nações exemplos que me parecem dignos de imitar-se. Um dos maiores erros que commetti em 1867 foi o de não levaras medidas de fazenda até onde fosse necessario para equilibrar a receita com a despeza. Qualquer que tivesse sido a sorte d'essas medidas, eu ficaria com a consciencia de ter cumprido o meu dever, unica consideração que dá força para supportar as injustiças dos homens.»

E depois de fazer uns calculos a respeito do deficit, diz: «... isto é, 1.292:000$000 réis que o paiz tem de pagar a mais, pela demora que tem havido na regularisação da fazenda, sem contar as reducções o economias que se têem realisado, o que augmentam consideravelmente aquella somma».

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Hoje já não faz penitencia publica o sr. presidente do conselho de não ter apresentado em 1867 as medidas indispensaveis para equilibrar o orçamento, nem já sente inquietações por não matar o deficit de uma vez.

Vê, pois, a camara que as minhas opiniões sobre a necessidade do extinguir o deficit e de prompto, estão de accordo com as do sr. presidente do conselho, o primeiro responsavel pela marcha politica e financeira da situação, que escreveu e sustentou que era absolutamente indispensavel, acabar com o deficit, mas acabar com o deficit por uma vez.

Peço desculpa a v. ex.ª e á camara de lhes ter tomado tanto tempo para mostrar a necessidade de condemnar o deficit como instituição, e de extinguil-o por uma vez. Mas quem tivesse hontem assistido aos debates n'esta casa havia de reconhecer a necessidade que eu tinha de seguir n'este caminho para responder ás observações do sr. ministro da fazenda.

Voltando agora a outra ordem de idéas, pergunto quaes são os meios com que o governo conta acudir ás necessidades do momento?

Emquanto a reducções de despeza temos conversado. O sr. ministro da fazenda declara que nenhumas reducções de despeza são possiveis.

Dois meios se lhe offerecem para occorrer ao desequilibrio financeiro, a diminuição das despezas e o augmento da receita.

Mas a respeito de economias diz no relatorio o seguinte:

«Comquanto a economia nas despezas publicas seja um principio essencial e incontestavel de boa administração, é certo que as necessidades impreteriveis do serviço e as exigencias crescentes da civilisação moral e material dos povos, não permittem uma diminuição sensivel nas despezas orçamentaes nem nas extraordinarias para melhoramentos publicos. N'este ponto os cuidados da administração devem principalmente ser dirigidos no sentido de tirar das despezas actuaes o maximo trabalho util e proveito publico.

«Sem descer n'este momento á analyse minuciosa dos diversos serviços em confrontação com as sommas que custam ao estado, basta comparar de um modo generico as actuaes despezas com as de alguns periodos anteriores, e com o desenvolvimento d'aquelles serviços, para nos convencermos de quanto errada seria a convicção de diminuir sensivelmente o deficit pela reducção da despeza publica.»

Depois declara no relatorio que foi menor a despeza no anno do 1877-1878 do que no anno de 1867-1868 nos ministerios do reino, da justiça, da fazenda e dos negocios estrangeiros, tendo subido apenas 40:000$000 réis no ministerio da marinha.

N'esta descripção das despezas a menos feitas no anno de 1877-1878 comparadas com as do anno de 1867-1868, chegou o sr. ministro da fazenda ao ministerio da guerra. Ahi estremeceu. Com respeito a este ministerio já se não atreveu a dizer que fôra menor a despeza. Era ardua a empreza.

E para ser em tudo singular esta exposição, intercalou entre o ministerio da guerra e o das obras publicas, que são os meus ministerios, os exemplos da soberba Albion.

Effectivamente havia certa necessidade de descansar quando na descripção das despezas, a começar pelos ministerios do reino, dos negocios ecclesiasticos e da justiça, da fazenda e de marinha, se chegava ao ministerio da guerra.

Por isso o sr. ministro da fazenda, depois de annunciar o augmento de despezas que houvera no ministerio da guerra, não se atreveu a passar ao das obras publicas sem collocar de permeio a Inglaterra, que ficava como ponto de descanso entre os dois ministerios.

Mas eu hei de arrancal-a d'ali. É preciso ser justo com a nação que se reputa o modelo de boa administração economica e financeira.

Pois a que proposito foi aqui collocada a Inglaterra entre os ministerios da guerra e das obras publicas? Por parte do governo não se citam senão os exemplos do nações, que ou fazem despezas extraordinarias, ou têem deficit. Nações que se governem bem não se citam. Desde 1815 até 1833 a Inglaterra reduziu a despeza. Este periodo por isso não o citou o governo. Não quiz saber da Inglaterra n'esta epocha, em que ella diminuiu consideravelmente os seus encargos.

A respeito da Inglaterra diz o relatorio:

«Na Inglaterra, por exemplo, que é o paiz menos centralisador da Europa e menos propenso a alargar as attribuições do estado, as despezas ordinarias do thesouro subiram 50 por cento no espaço de quarenta annos, de 1833 a 1873, duplicando as despezas militares e quadruplicando as da administração civil, justiça e outras.»

Não imagina a assembléa o trabalho que tive para investigar a que proposito vinham estes quarenta annos da administração ingleza, desde 1833 a 1873. N'este periodo do quarenta annos não encontrava analogia alguma com periodo igual da nossa politica, e muito menos com os nossos ministerios da guerra e das obras publicas.

Chegou a lembrar-me que o pensamento do sr. ministro da fazenda, collocando a Inglaterra entre os nossos ministerios da guerra e das obras publicas, seria apontar aos seus dois collegas os exemplos de um paiz severamente economico, exemplos de que ambos elles precisam muito.

Mas, continuava eu a pensar, commigo mesmo, a que proposito se foi buscar este periodo de quarenta annos á Inglaterra desde 1833 a 1873!

A final dei com o enygma.

Fui procurar o livro, aquelle livro que é agora o Pardonnet das nossas finanças, que vem tambem já citado no relatorio que precede as propostas do sr. ministro da fazenda. Calculei que aquella citação só no livro se encontrava, e achei-a lá. (Riso.) O livro compõe-se de dois volumes grandes. Mas logo a paginas 7 do primeiro volume se encontra o famoso periodo, traduzido pelo sr. ministro da fazenda.

Ai! Mas que desgraça para o sr. ministro da fazenda! S. ex.ª esqueceu-se de escrever no seu relatorio umas palavras que estão no meio do periodo que traduziu para o relatorio.

Em primeiro logar diz o livro que a Inglaterra desde 1815 até 1833 caminhou no sentido da diminuição de despeza, que de 1833 até 1873 duplicou as despezas militares.

Mas no livro, segundo volume, se explica a rasão d'esse augmento de despeza. Dizem-se as rasões por que a Inglaterra depois de 1833 teve de desenvolver as suas forças do mar e de terra, attribuindo-se a maior parte das despezas augmentadas á guerra da Criméa em 1855, á da Nova Zelândia em 1865, á da Abyssinia em 1867 e á indemnisação do Alabama em 1873. Aqui diz o livro que as despezas que quasi quadruplicaram em Inglaterra desde 1833 a 1873 foram as de administração civil, justiça, obras publicas, educação nacional, serviços consulares, colonias, etc.

Eu menciono os serviços com que a Inglaterra quasi quadruplicou em quarenta annos a sua despeza, porque podia muito bem acontecer que o desenvolvimento d'estes serviços servissem para augmentar a receita do estado. Mas o sr. ministro da fazenda, que leu que a Inglaterra tinha augmentado 50 por cento as suas despezas de 1833 a 1873, devia ter examinado, visto saber, como sabe, que a Inglaterra é um dos paizes mais bem administrados do mundo, se a elevação da despeza do 50 por cento em quarenta annos teria sido acompanhada de igual ou superior augmento de receita.

Ora, o mesmo livro, na mesma pagina, e no meio do periodo, que s. ex.ª transcreveu truncado, lhe dizia que a Inglaterra n'aquelle periodo de quarenta annos, desde 1833 a 1873, tinha diminuido a sua divida em mais de francos 50.000:000!

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Vejam a infelicidade do sr. ministro da fazenda na citação d'aquelle periodo de administração ingleza!

Vi assim desprestigiada a Inglaterra, trazida para modelo do administração, e collocada entre os nossos ministerios da guerra o das obras publicas, o pareceu-me que devia reivindicar o seu credito, Se a Inglaterra augmentava em quarenta annos as suas despezas, é certo que a sua receita subia tanto que póde diminuir 50.000:000 francos na sua divida.

Mas, sr. presidente, uma vez que falíamos no livro, não havemos de ficar por aqui. Diz-nos o livro:

«Mesmo sob o ponto de vista politico não convem augmentar o numero dos funccionarios, aliás a nação começa a tomar gosto pelos empregos publicos, e anima-se assim o espirito servil e revolucionario.»

Diz mais o livro, e note a camara que eu leio só periodos muito curtos:

«A experiencia mo3tra que certos paizes abusam das obras e melhoramentos publicos, ainda os mais uteis, em prehendendo os com muita precipitação.»

Emfim, deixo agora em paz o livro, e talvez por muito tempo.

Mas em economias escusámos de pensar. Diz o sr. ministro da fazenda que não é possivel occorrer ás difficuldades da situação por meio de economias. Mas qual é o outro caminho a seguir? Qual e o caminho que o sr. ministro da fazenda quer seguir para occorrer ás urgências do thesouro?

As economias estão postas de parte, não ha reducção a fazer, e eu não discuto agora esse ponto. Vamos aos impostos.

Primeira medida de receita: os visitadores.

Não discuto agora esta providencia. Reservo-me para quando o respectivo projecto vier á discussão.

No emtanto sempre direi rapidamente á assembléa o que significa esta providencia.

O projecto cria 17 visitadores para o continente o 4 para as ilhas, somma 21, com 5 escrivães do fazenda para Lisboa e Porto, somma 26. E é provavel, se não certo, que se criem tambem novos escrivães de fazenda em Braga, Chaves, Ponta Delgada, Barcellos, Villa Nova de Caia, Coimbra, Belem, Olivaes, etc.

Emfim poderá calcular-se o numero dos funccionarios creados de novo em 40 ou 50.

E como estes empregados hão de saír dos escrivães de fazenda de primeira e segunda ordem, havendo por isso logar a novas nomeações para escrivães de fazenda de primeira e segunda ordem, e assim successivamente, póde aquella medida rendera despacho de 100 ou 150 empregados. (Apoiados.)

Isto não liquida em cousa alguma a divida fluctuante, nem a divida fundada, mas póde liquidar dividas importantes que o governo repute igualmente sagradas.

Foi um visitador especial a Evora, achou falta do sellos nos processos e deu parte ao governo. E o governo, em vez de demittir o escrivão de direito, e em Vez de proceder contra as auctoridades que têem a seu cargo a vigilancia da execução da lei do sêllo, cria para ali um visitador permanente!

Procede o governo, como procederia o pae de familia que, tendo em sua casa um creado infiel, em vez do o despedir, chamasse outro permanente para o vigiar. (Riso.)

Eu não quero a inspecção ordinaria; quero antes as inspecções extraordinarias. As rasõe3 que dá o sr. ministro da fazenda servem unicamente para condemnar a sua. proposta de lei.

O sr. ministro da fazenda encarrega visitadores extraordinarios de examinarem os serviços publicos n'algumas repartições. Os visitadores extraordinarios fazem bom serviço; e o sr. ministro da fazenda, uma vez que os visitadores extraordinarios fazem bom serviço, não quer agora senão visitadores ordinarios.

Creio, pois, que ninguem acreditará que esta medida ha de produzir os 600:000,5000 réis que á "ella espera o sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)

Vejamos que mais expedientes occorreram ao sr. ministro da fazenda para acudir ás necessidades do thesouro.

Diz o relatorio:

«Não vos proponho este novo augmento no imposto directo. Este, n'um paiz essencialmente agricola, como o nosso, affecta principalmente a producção dr. (erra, e é esta valiosissima riqueza natural que devemos sobretudo evitar ferir alem de certos e bem determinados limites.

«Sei que é opinião muito vulgar, que a. propriedade agricola póde pagar, entro nós, muito mais i.'o que hoje paga. Não concordo sem uma distincção que -o traduz em completa discordancia, emquanto á opportunidade.

«Se me dizem que o nosso paiz, bem agricultado, applicando-se lhe o capital, o trabalho util o a sciencia indispensaveis, é susceptivel de produzir uma immensa riqueza, estou de accordo. Mas esse capital, esse trabalho util e essa sciencia só pouco a pouco, e em limitada extensão, se vão hoje applicando.

«Ha cultivadores que poderiam tirar das suas terras O dobro, o triplo e talvez o decuplo dos lucres que hoje tiram, se podessem applicar-lhes o capitai, a economia e os conhecimentos que lhes faltam. Pedir lhes o imposto proporcionado a um lucro que não tiram, síria evitar que elles podessem aperfeiçoar as suas culturas, porque seria arruinal-os.»

Sem discutir agora a legitimidade e verdade d'esta doutrina, observo apenas á camara que na opinião do sr. ministro da fazenda nem hoje nem durante muito tempo ainda será possivel recorrer ao imposto agricola, nem ao imposto directo.

Vejamos finalmente a opinião do sr." ministro da fazenda a respeito do augmento do imposto indirecto. Diz o seguinte:

« O imposto indirecto sobre os generos de primeira necessidade tambem já é entro nós sufficientemente elevado para que possamos sobrecarregai-o sem graves inconvenientes economicos e vexame para os consumidores de todas as classes.»

Ao imposto indirecto tambem se não póde recorrer, porque está muito sobrecarregado o contribuinte.

Aonde recorreremos pois? (Apoiados.)

O recurso ás economias é impossivel. Reducções de despezas não podem effectuar-se. Ao imposto directo não póde recorrer-se, porque a propriedade agricola não póde pagar mais sem que o emprego de novos processos desenvolva o rendimento collectavel. O imposto indirecto não póde augmentar-se, porque seria isso aggravar com novos vexames os consumidores de todas as classes.

Portanto pergunto eu: como sairmos d'esta situação? (Apoiados.) Esta é que é a questão. (Apoiados.)

Eu não tenho litteralmente empenho algum em aggravar os srs. ministros. Mas desde que o governo colloca a situação financeira n'este terreno, tenho o direito e a obrigação de lhe perguntar como é que tenciona saír de uma situação que declara quasi insolúvel. (Apoiados.)

E o sr. ministro da fazenda quasi que nem está de accordo comsigo mesmo.

Apresentando o orçamento ás côrtes, declara no relatorio datado de 9 de janeiro d'este anno, que precede o mesmo orçamento, que em relatorio especial indica! as medidas que julga necessarias para realisar o equilibrio orçamental.

Vem este relatorio quinze dias depois, e já n’elle se não falla em realisar o equilibrio orçamental.'(Apoiados.) Todo o pensamento d'este relatorio é: vamos vivendo. (Apoiados.)

Como se explica isto? "Seria porque em 9 de janeiro, quando se escreveu o relatorio que precedo o orçamento, ainda não estivesse bem claro e definido o horisonte poli-

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tico, e o governo tivesse necessidade, para conciliar a benevolencia parlamentar que lhe era indispensavel para viver, de prometter a apresentação das medidas necessarias para realisar o equilibrio orçamental, e que quinze dias depois podesse, por qualquer circumstancia, prescindir d'esse recurso ou d'esse expediente, para contar com o apoio do corpo legislativo?

Não me metto n'essa questão. O que desejo é que o governo diga, franca e positivamente, como tenciona occorrer ás necessidades da situação. (Apoiados.)

Desde que nos assoberba um deficit importante, e que o proprio governo reconhece e escreve que não póde recorrer ás reducções de despeza, nem ao imposto directo, nem ao imposto indirecto, todas as explicações sobre o assumpto são necessarias para socegar o paiz.

Esta é a questão fundamental do orçamento. É para ella que eu chamo a attenção do governo e da camara.

E gravissima a nossa responsabilidade, não usando convenientemente do mandato que recebemos para tratar dos interesses graves da nação, e gastando o tempo em debates estereis sem chegarmos a alguma resolução definitiva.

O que hoje é grave póde ser ámanhã gravissimo. (Apoiados.) Estas difficuldades financeiras aggravam-se todos os dias, quando não são remediadas a tempo. (Apoiados.)

Nós estamos vivendo de juros de juros, de deficits accumulados, sendo enorme o deficit para o futuro anno economico, o eu lembro á camara que nós já experimentámos, em cireumstancias bem dolorosas, o que são os descuidos na administração da fazenda publica. (Apoiados.)

E que diz o sr. ministro da fazenda a respeito da divida fluctuante? O governo quer ficar completamente á mercê dos prestamistas durante o longo interregno parlamentar, á mercê das cireumstancias dos mercados, que se hoje são "boas, podem ámanhã ser difficeis? Não quer o governo armar-se de algumas providencias indispensaveis para occorrer aos embaraços que lhe póde trazer uma divida fluctuante, em tão larga escala, como a que hoje assoberba a situação do thesouro? Tome o governo ainda em conta as despezas enormes que se fazem, alem das despezas ordinarias descriptas no orçamento, para as quaes temos de recorrer á divida fluctuante.

Alem das despezas, a que estamos acostumados, é preciso contar com os encargos do caminho de ferro da Beira Alta, e segundo ouço ha obras talhados em larga escala.

Parece que vamos ter porto de Leixões, ponto sobre o Douro, caminho de ferro do Pinhão á fronteira, caminho de ferro do Algarve, o não sei que mais.

Todos estes melhoramentos são muito justos, muito bons, e muito importantes, apenas resta sabor como se hão de pagar e nada mais. (Apoiados.)

Por isso eu dizia, ha dias, que o governo tom a opinião contra si por estes descuidos na resolução da questão de fazenda, e não se illuda o governo a este respeito. Respondia-me o illustre ministro da fazenda, que a opinião que se dizia formada contra o gabinete, era a opinião da Moita, (que muita gente considera o solar do meu partido), e a opinião da Lourinhã. Replico que essas provocações da parte do um ministro a povoações respeitaveis já custaram muitas amarguras a um gabinete. Dirigiam-se, é verdade, a uma terra muito mais importante e populosa. Mas a Moita não lhe cede um passo no amor aos principios ena independencia com que sabe honrar os direitos dos povos. E á sombra dá Lourinhã, que o sr. ministro da fazenda procurava cobrir de ridiculo quando se referia tambem á Moita, conta a maioria no seu gremio um dos talentos mais robustos da geração moderna que veiu aqui á sombra das influencias, independentes do governo, que actuam n'aquelle concelho.

Creiam os srs. ministros, e creia a assembléa, que se o paiz inteiro se tivesse resolvido a exercer o direito de votar, como o exerceu a Moita, e como o exerceu a Lourinhã, o governo havia de entrar n'outro caminho. (Apoiados.) Se todos os representantes do paiz estivessem resolvidos a tomar o seu logar, ou o ministerio havia do mostrar-se á altura dos seus deveres, ou a sua sorte estava decidida.

Os bons ministros são feitos pelos bons deputados. Dae-me bons deputados, o eu vos darei bons ministerios.

E bons deputados reputo eu todos os meus collegas, quando collocam. acima de todas as considerações politicas o desempenho fiel do mandato popular.

Temos atravessado uma epocha do decadencia o abatimento, a que é necessario pôr termo. O caminho em que vamos é insustentavel. (Apoiados.)

N'uma situação difficil como aquella que atravessámos, a maneira do resolver as difficuldades não é esquecei as, não é illudil-as, não é fugir a ellas. (Apoiados.)

Com que direito, com que auctoridade vem o governo pedir novos impostos, quando ainda tem fechada nos archivos ministeriaes uma lei de receita votada no anno passado? Essa lei é dura? E difficil? Pois se é difficil e dura, substituam-na por outra. (Apoiados.)

Lembre-se, pois, o governo, que está condemnando com o seu procedimento a auctoridade das maiorias parlamentares. (Apoiados.)

A hesitação do governo em executar essa lei, significa que não basta ter maiorias no corpo legislativo e apoios dedicados, se • os governos não têem por si o apoio aberto, sincero e convicto, da nação. (Apoiados.)

Não tenho empenho algum em que os srs. ministros larguem essas cadeiras; nenhum. O que desejo é que o governo do meu paiz esteja á altura das difficuldades da situação.

Acompanhei durante largos annos os srs. ministros. Durante muito tempo estiveram s. ex.'13 quasi sem opposição. Quando se lembraram de saír do caminho direito que tinham traçado a si mesmos, começaram a receber advertências, que iam ainda muito longe da hostilidade.

E para fazer justiça a todos devo declarar que a outra casa do parlamento foi a primeira a indicar ao governo a necessidade de tratar seriamente da fazenda publica.

Todos hão de lembrar-se d'aquelle parecer da commissão de. fazenda de 1876 da camara dos dignos pares, que eu tomaria como uma censura acerba ao governo, se elle não o tivesse acceitado.

Foi a outra casa do parlamento, repito, a primeira a indicar ao governo o caminho que lhe cumpria seguir, ou de que não devia desviar-se.

Em 1877 apresentava o sr. ministro da fazenda ás côrtes um relatorio que me fez uma impressão triste, porque o pensamento fundamental d'esse relatorio traduzia-se tambem na phrase que ha pouco proferi «vamos vivendo».

Mas a final na commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, por indicação minha, resolveu-se por unanimidade, resolução acceite pelo governo, inscrever no parecer sobre o orçamento do estado a seguinte declaração:

«Como se vê, a commissão confia no augmento successivo das receitas publicas, mas receia que esse augmento não possa comtudo corresponder completamente ao crescimento natural das despezas, apesar de, n’este orçamento, estarem em regra os serviços publicos mais convenientemente dotados; e se esses receios se mostrarem justificados no decorrer do tempo que vae até ao fim do futuro semestre, espera que o governo na proxima sessão legislativa apresente ás côrtes providencias indispensaveis para estabelecer o equilibrio orçamental, continuando-se assim a dar satisfação aos desejos do paiz e á urgente necessidade da mais regular administração financeira.

«Por todas estas rasões é a vossa commissão de fazenda de parecer, de accordo com o governo, que deveis approvar o seguinte projecto de lei.»

O- digno relator que redigiu este parecer, é o mesmo que redigiu o actual que está sujeito ao debate. E é o mesmo o governo que acceitando aquella indicação em 1877,

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julgava que não podia dar satisfação aos desejos do paiz e ás urgentes necessidades da mais regular administração financeira, senão apresentando em 1878 ás côrtes as medidas indispensaveis para restabelecer o equilibrio orçamental.

O nobre ministro da fazenda não póde desempenhar-se d'este compromisso, porque dias depois largava os conselhos da corôa, e largava-os, não batido pela opposição parlamentar, mas por falta de forças, porque não podia conservar-se no poder.

Com um pequeno interregno, talvez quando os srs. ministros não tinham ainda tomado os ares suficientes para se restabelecerem devidamente, (Biso.) o mesmo governo voltou novamente á gerencia dos negocios publicos.

Julguei eu que o actual governo, entrando de novo no poder, comprehenderia as circumstancias e se manteria á altura da sua missão.

Um governo propriamente do restauração havia de encontrar embaraços pelas difficuldades de origem.

Para essa restauração concorreram os erros de muitos, e eu ainda hoje estou convencido que depois dos incidentes que tinham occorrido, este gabinete entrou nos conselhos da corôa em condições perfeitamente constitucionaes. Mas presumi, como presumiria toda a gente, que os srs. ministros, mesmo para desfazerem qualquer vicio de restauração, entrariam com o pé tão direito n'esta casa como tinham entrado em 1871 quando foram chamados tambem a substituir o sr. duque d'Avila.

Em 1871 ainda os srs. ministros tinham nos ouvidos os echos dá janeirinha, e por isso não duvidaram declarar que haviam aprendido com as lições da experiencia, e entraram em caminho regular e direito.

Era de presumir que os srs. ministros, tendo entrado agora no poder pelo caminho da restauração, empenhariam tambem todos os seus meios do acção, que eram muitos, para governarem bem, para fazerem esquecer completamente esse defeito do origem, que muitos lhes arguiam. Eu disse então n'esta casa, quando alguns dos meus collegas se pronunciaram contra a restauração, que não era natural que os srs. ministros tivessem perdido o talento e o patriotismo, que Deus lhes tinha dado, durante o seu tempo de folga; e que não era natural que o sr. Thomás Ribeiro, que entrava do novo no gabinete, e que era homem de talento e de valor, desse maus exemplos aos seus collegas; que eu esperava que o novo governo saberia collocar-se á altura das necessidades publicas e satisfazer os desejos do paiz; e, que se não o fizesse, eu me conservaria no meu posto, como sentinella vigilante.

Pois logo na sessão de 1878 se desenvolveu tal prurido de despezas, que não houve parecer antigo do augmento de despezas, alguns feitos em 1874 e 1875, quando eram outras as circumstancias, que não fosse votado.

Precisei logo do votar contra os augmentos de despeza, porque estou convencido, como sempre o estive, e ainda hoje estou, de que nós, sem a mais stricla economia nas despezas publicas, não podemos occorrer ás necessidades do orçamento, nem ganhar a opinião do paiz para elle acceitar os necessarios sacrificios.

Nos governos liberaes é preciso governar com a opinião do paiz; e quando esta se desencadeia contra um gabinete, todas as suas medidas, por maiores que sejam as votações do corpo legislativo, baqueiam diante do sentimento publico. (Apoiados.)

Inquieta cora o estado da fazenda publica, a nação está persuadida de que os srs. ministros não administrara com economia. (Apoiados.) o não se preoccupam seriamente com os encargos da fazenda. (Apoiados.)

Eu comprehendo o prazer do administrar os negocios

publicos em posição tão elevada, quando o poder é exercido no interesse da nação. Homens de uma esphera tão elevada? como são os srs. ministros, devem empregar os meios constitucionaes para se manterem nos conselhos da corôa, quando tenham a convicção profunda de que a sua conservação no poder é de utilidade para o paiz.

Mas na situação em que nos achamos é impossivel que os srs. ministros não reconheçam, como provam os factos, que todas as indicações populares os estão aconselhando a irem de novo tomar ares para voltarem depois mais fortalecidos. (Apoiados.)

Eu por mim não desejo derribal-os do poder; pelo contrario, desejo que governem bem. Se os srs. ministros entendem que podem governar com proveito para a causa publica, conservem-se, mas governem.

Antigamente o sr. presidente do conselho, sempre que era atacado, respondia sustentando a sua posição, o mos Irando que o seu procedimento estava á altura da sua missão, e da sua responsabilidade.

Agora, á mais pequena difficuldade parlamentar, invoca logo a confiança da corôa e o apoio das camaras legislativas, para mostrar que está dando satisfação ás necessidades do paiz.

Mas se porventura o gabinete tem esse dedicado apoio nas côrtes, aproveite-o em vantagem do paiz.

Consta-me que sendo membro d'esta assembléa o notavel estadista, hoje fallecido, Rodrigo da Fonseca Magalhães, e achando-se na opposição com mais quatro ou cinco collegas luctando contra uma maioria dedicada o partidaria, que votava todas as providencias e todas as medidas que vinham do governo, só porque vinham do governo, se voltara com as lagrimas nos olhos, (pois que elle tinha tanta facilidade em rir como em chorar), para o seu vizinho, e lhe dissera: d'isto nunca eu tive!

Ora, pois, se os srs. ministros têem agora uma maioria assim dedicada para poderem governar com força, aproveitem-se d'essa circumstancia para fazer votar as medidas indispensaveis para acudir ao estado grave da fazenda, e assim governarão a contento do paiz. Eu não lhes poço outra cousa. Eu não peço ao governo o regido civil, porque não espero uma providencia francamente"'liberal do s. ex.ª Não lhes peço tambem a reforma da cai ta, nem o projecto que em tempo apresentaram sobre o assumpto, deixa grandes saudades. Peço-lhes que tratem da fazenda publica.

O sr. presidente do conselho no relatorio que foz da sua gerencia do ministerio da guerra no anno de 1874 disso que a missão principal d’esse governo era manter a paz publica e cuidar da fazenda. E a proposito devo dizer em resposta a alguns dos meus collega, opus sendo a missão d'este governo um dever commum a todos os governos, o do manter a paz e tratar da fazenda publica, tomo dever impreterivel é do todos os ministerios governar 'com moralidade e economia, não vale a, pena estar a discutir, ornando algum marechal ou soldado se afastar da situação, se elle levou comsigo a bandeira, ou se a deixou lá.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Hintze Ribeiro: — Mal pensava eu ao pedir a palavra, que ella me caberia nesta aliar;.1o debate.

Mal pensava eu que, inscrevendo-mo logo após o sr. Mariano de Carvalho teria de responder ao illustrado chefe do partido constituinte, o sr. Dias Feriei:.i.

E não é sem magna que eu vejo s. ex.ª, que por tanto tempo honrou o partido regenerador com o seu dedicado apoio, e que sobretudo na commissão de fazenda a que dignamente presidia, tantas vezes a elucidou com as auctorisadas ponderações da sua esclarecida intelligencia, não é sem magua, digo, que vejo s. ex.ª romper em manifesta hostilidade com o governo, com a maioria, com os seus antigos amigos politicos, emfim que todos sentem perder em s. ex.ª a actividade e energia do seu robustíssimo talento.

S. ex.ª acha grave a situação da fazenda publica. Pois

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acaso é ella hoje mais gravo do que o era em 1871 ou 1872?

De certo não o poderá s. ex.ª demonstrar.

E, todavia, então apoiava s. ex.ª este governo, (Apoiados.) então achava proficua a sua gerencia, e salutares os seus principios. (Apoiados.)

S. ex.ª assevera que os pesados encargos do thesouro nos arrastam inevitavelmente para uma crise que será fatal ao nosso credito.

Mas se assim fosse, o que eu contesto, de que seria isso proveniente? Se de cireumstancias alheias e superiores á vontade e iniciativa d'este governo, não póde s. ex.ª imputar-lhe a culpa, não póde s. ex.ª lançar-lh'a em rosto. (Apoiados.)

Se das medidas legislativas que o governo tem apresentado no parlamento, não póde s. ex.ª revoltar-se contra ellas, porque se revoltaria contra os seus proprios actos, visto que muitas d'essas medidas foram votadas e defendidas por s. ex.ª (Apoiados)

Se da má gerencia d'este ministerio, então primeiro terá s. ex.ª que penitenciar-se dos seus proprios erros, porque d'essa administração se tornou cumplice apoiando-a. (Apoiados.)

Quererá s. ex.ª renegar uma parte do sou passado politico? Quererá s. ex.ª passar um traço sobre os ultimos annos da sua vida parlamentar? Não o creio. ' Debalde intenta, pois, s. ex.ª tornar exclusivas do partido regenerador, responsabilidade que tambem compartilhou. (Apoiados)

Mal póde s. ex.ª estranhar, que ao passo que em 1852 a receita era de 11.000:000$000 réis e a despeza de réis 12.500:000$000, sendo o deficit de 1.500:000$000 réis, que com as medidas que então se propunham deveria ficar reduzido a 24:000$000 réis, pelo contrario, no anno economico de 1878-1879 o orçamento rectificado do ministerio das obras publicas accuse mais 1.151:000$000 réis do que a verba proposta no primitivo orçamento.

Pois não sabe s. ex.ª que essa differença provém do grande desenvolvimento que o partido regenerador tem dado aos trabalhos publicos? (Apoiados.)

Acaso se esqueceu s. ex.ª de que esses melhoramentos materiaes têem sido a base fundamental do nosso programma, programma a que s. ex.ª adheriu? (Apoiados.) Acaso se esqueceu do que é essa a nossa bandeira, bandeira pela qual s. ex.ª militou? (Apoiados.)

Nem mais justo foi s. ex.ª allegando que profundo desaccordo havia entre a commissão de fazenda e o sr. ministro; esse desaccordo existe apenas na formosa imaginação de s. ex.ª

A commissão appellou primeiro para o excesso da arrecadação na cobrança dos impostos.

Ignora porventura s. ex.ª que esse excesso se tem dado sempre, até mesmo em 1876, o anno mais difficil da gerencia do ministerio regenerador? (Apoiados.)

A commissão invocou depois o auxilio das medidas que têem já a sancção legislativa, e que foram promulgadas no anno passado.

S. ex.ª pergunta quaes são essas medidas, e eu direi a s. ex.ª que são a lei "do sêllo, a lei que acabou com o desmancho dos tabacos nas alfandegas o, emfim, a lei do real de agua, cuja execução depende Ião só de um regulamento apropriado.

E, já que fallei em real de agua, sempre direi que muito arrependido deve s. ex.ª estar de ter votado essa lei, porquanto, ha poucos dias, declarava o seu amigo, o sr. Pinheiros Chagas, que os que a tinham votado não representavam a vontade do paiz. Mas, então, como foi o sr. Pinheiro Chagas agremiar-se com quem tão alheio se mostrava á soberana vontade da nação?

Voltemos, porém, ao nosso assumpto.

A commissão do fazenda funda-se tambem, para a attenuação do deficit nas medidas apresentadas pelo nobre ministro da fazenda. D'estas as principaes são, inquestionavelmente, as que se referem ao augmento do imposto do tabaco, e á organisação definitiva do3 serviços dos visitadores.

O sr. Dias Ferreira nega todo o alcance d'essas medidas.

S. ex.ª assevera que, pela primeira, o governo só conseguiu obter uma antecipação dos rendimentos do tabaco. Ora em primeiro logar a nova lei do imposto do tabaco, sendo de execução permanentes não tem effeitos meramente transitorios. E depois, se a antecipação se deu, de quem é a culpa?

Pois não foi a opposição, que em ambas as casas do parlamento protelou quanto póde a promulgação d'essa lei? (Apoiados.)

Pois não foram os longos debates que ella alevantou, que deram margem a essa antecipação?

Mas se á opposição, e só á opposição, cabe a responsabilidade da antecipação d'esses rendimentos, como ousa lançal-a em rosto á maioria? (Apoiados.)

E pelo que toca ao serviço dos visitadores fiscaes, não viu o illustre deputado, que ainda ha pouco, dando-se um varejo aos bancos de Braga, ali se encontraram muitos livros por sellar?

Pois não sabe o illustre deputado que de então para cá muitas letras se têem sellado que até então se não sellavam? (Apoiados.)

E embora de passagem, não posso, comtudo, deixar de estranhar que s. ex.ª, arguindo o que o sr. ministro da fazenda dissera a respeito da Inglaterra, viesse commemorar, como feito extraordinario, que essa nação, desde 1833 até 1873, houvesse conseguido diminuir 50.000:000 francos ou 2.000:000 libras nas suas despezas. Pois acaso ignora s. ex.ª que a Inglaterra deve mais de 800.000:000 libras?

Mas, sr. presidente, se o procedimento do sr. Dias Ferreira para com o governo e para com a maioria, lhes deixa profundo sentimento, pelas immerecidas accusações que lhes faz, não era esse procedimento de todo inesperado, por que s. ex.ª o annunciára já.

A questão de fazenda é uma questão essencialmente politica! Não fomos nós que o dissemos, foram os proprios chefes da opposição n'esta casa.

Ainda não ha muito que o sr. Dias Ferreira declarava que elle e os seus amigos politicos estariam firmes no seu posto de combate, sempre que uma questão de fazenda viesse á tela da discussão, e hoje s. ex.ª provou exuberantemente.

Ainda ha pouco o sr. Braamcamp, o respeitavel chefe do partido que se intitula progressista, asseverava a profunda separação que havia entre a escola das economias, representada, ao que s. ex.ª diz, por todos os grupos da opposição, e a escola dos melhoramentos materiaes, representada pelo governo e pela maioria regeneradora. E a proposito da fixação da força publica, annunciaram todos os adversarios d'este governo que temerosa lucta lhe moveriam na discussão do orçamento.

É, pois, chegada a occasião, e não será de certo o partido regenerador quem se arreceie das hostilidades da opposição, (Apoiados.) quem recue perante as suas ameaças, ou perante as suas invectivas. (Apoiados.)

E agora direi ou desassombradamente, e mais ao partido progressista, do que ao partido constituinte:

j tempo e mais que tempo de liquidarmos as nossas responsabilidades politicas;

E tempo e mais que tempo de que se faca inteira luz na questão de fazenda, para que fique bem patente quaes têem sido os fautores do nosso progresso o quaes os que se têem empenhado era negar ao nosso paiz os melhoramentos que elle reclama, volvendo os olhos com saudade para 1852, e como que lamentando que as conquistas da moderna civilisação se tivessem implantado entre nós. (Apoiados)

Sr. presidente! O deficit, os repelidos emprestimos, os

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encargos da divida publica, o successivo augmento das despezas, a indevida absorção dos rendimentos do estado, as delapidações na administração da fazenda, as pressões e violencias, o patronato e o favoritismo — de tudo se tem lançado mão, tudo tem sido largamente explorado para desconceituar, perante a opinião publica, o partido regenerador.

No parlamento e na imprensa, nos comicios e nas praças publicas, lá fóra e aqui mesmo, têem os adversarios d'este governo procurado menoscabar as suas intenções, desvirtuar os actos da sua gerencia, e desmerecer os constantes e incansáveis esforços com que elle tem buscado fomentar a riqueza e a prosperidade d'este paiz.

E comtudo, e através de todos os attrictos que se têem levantado, de todas as difficuldades que se têem feito surgir, a opinião publica não se commove com as exclamações que do continuo ouve proferir contra este governo, e o firme apoio das maiorias parlamentares, e a honrosa confiança do poder moderador, respondem mais que do sobejo ás infundadas invectivas da opposição. (Apoiados.)

E que o paiz sabe, que é á franca e desassombrada iniciativa do partido regenerador que deve, a par de muitos o valiosos melhoramentos que possuo, o desenvolvimento do seu commercio o das suas industrias, traduzido no successivo incremento das importações e exportações; (Apoiados.) a estabilidade do seu credito, proveniente da inteira observancia dos compromissos contrahidos; (Apoiados) e o respeito o a benevolencia das nações estrangeiras, pela manutenção dos nossos tratados, (Apoiados) e pelo empenho, que' temos manifestado sempre, de assegurar a Portugal o logar que lhe compete no concerto dos povos civilisados. (Apoiados)

Não nos assoberba o deficit, não nos assustam as exigencias da divida publica. Temos, para lhes fazer face, o vigoroso impulso dado a todas as forças productivas do nosso paiz, e que, manifestando-se na importancia sempre crescente das nossas receitas ordinarias, é para nós o mais seguro elemento para a verdadeira solução do problema financeiro.

Aproveitemos as lições da experiencia, aperfeiçoando o nosso systema tributario; prosigamos, com prudencia, mas sem fraqueza, no caminho que encetamos dos melhoramentos materiaes, e em breve os proficuos resultados da nossa politica financeira, se é que em finanças tambem póde haver politica, nos trarão emfim o desejado equilibrio orçamenta].

Sr. presidente, os principios do partido regenerador, pelo que toca á administração da fazenda publica, de ha muito que estão em execução. Esses principios traçou-os o sr. presidente do conselho no memoravel relatorio com que precedeu o orçamento de 1866-1867.

Já então dizia s. ex.ª:

«As finanças de um estado não são o imposto para cobrir as despezas, nem a economia cega e mesquinha, que reduz os encargos para poupai' o contribuinte. As finanças são tudo isso, e são muito mais do que isso: são a administração nos variadissimos ramos em que ella se divide. As nossas finanças hão de organisar-se completando a rede dos nossos caminhos do ferro, e servindo as provincias até agora desherdadas d'este poderoso instrumento de civilisação moderna; construindo as estradas, que alimentam as artérias" principaes, o que levam a vida ás pequenas povoações do interior do reino; reformando as nossas pautas sem matar a industria, sem exagerar' a protecção, e tendo em vista o interesse fiscal; descentralisando a administração, e creando a vida local para que a iniciativa particular possa substituir, em muitos casos, com grande vantagem publica, a acção dos poderes centraes; promovendo os interesses da agricultura com instituições de credito; desamortisando os bens de mão morta e lançando-os no mercado; libertando o commercio de todos os vexames que não são indispensaveis para a fiscalisação, e adoptando muitas outras providencias, que mais ou menos directamente influem na situação financeira do paiz.»

Este programma, temol-o cumprido sempre (Apoiados.)

As incalculaveis vantagens, que nascem da exploração dos caminhos de ferro, a quem, se não á iniciativa do partido regenerador se devem? (Apoiados.)

O largo desenvolvimento dado aos trabalhos da viação publica, não tem acaso sido um dos comprehendimentos mais calorosamente defendidos por este governo? (Apoiados.)

A progressiva descentralisação dos serviços administrativos, de que nos dá sobejo testemunha nova lei administrativa, leve por principal fautor o sr. Sampaio. (Apoiados.)

A reforma das pautas tem sido o alvo da mais disvelada attenção por parto do sr. Serpa.

A lei das sociedades anonymas, a lei das sociedades cooperativas, a lei dos bancos agricolas e industriaes, referendou-as o sr. Corvo, a fim de assegurar ao commercio e á industria os incontestaveis beneficio, ih:.; instituições do credito. (Apoiados.)

E, ao passo que, em homenagem ao direito e á liberdade dos povos, se decretava o alargamento do suffragio, procurava-se garantir o justo exercicio d'esse direito e d’essa liberdade remodelando se as bases em que alentava a instrucção popular e levando-se a toda u partis a escola e o ensino. (Apoiados.)

Quando o ministerio regenerador subiu ao poder em 13 do setembro de 1871, havia, ao todo, no nosso paiz 2:387 escolas de ensino primario. Desde então ate 5 de março de 1877, em que se organisou o ministerio presidido pelo sr. duque de Avila, crearam-se 521 escolas. A regeneração voltou novamente ao poder em 20 de janeiro de 1878, e até 29 do mez passado tinham-se creado mais 101 escolas!

Ao todo G2-1 escolas, e pois mais do que a quarta parta do numero total das que existiam quando o governo remunerador se constituiu em 1871.

E bem eloquente esta estatistica.!

Mas eu não quero já fallar dos melhoramentos moraes; eu quero cingir-me á questão de fazenda, eu quero que se saiba o que se tem despendido, em que se tem despendido, e como se tem dispendido.

Para isso terei do examinar as largas despezas feitas pelo ministerio das obras publicas, pelo ministerio da guerra, e pelo ministerio da marinha e das colonias, para depois apreciar devidamente os actos da gerencia do ministerio da fazenda, as operações da thesouraria, a questão do deficit, da divida publica, da receita e das despezas, do credito, emfim.

Comecemos pelo ministerio das obras publicas.

Abramos o relatorio apresentado, no anuo passado, pelo sr. Barros e Cunha, quando a s. ex.ª cabia a b jura de tomar assento nos conselhos da corôa.

E seja-me permittido desde já prestar inteiro testemunho do elevado apreço em que tenho este documento, pelos valiosissimos documentos que encerra.

Ahi, s. ex.ª, referindo-se aos mappas estatisticos que instruem o seu relatorio, diz:

«Do seu confronto resulta que, das sommas liquidas, que os cofres do thesouro receberam de 1852 até 1874, por emprestimos consolidados no lotai de 72.000:000$000 réis; da divida fluctuante em 30 de junho de 1877, 15.511:000$000 réis; das obrigações para os caminhes de ferro do Minho e Douro, 8.451:000$000 réis ou 95.962:000$000 réis, tudo tem sido empregado nos melhoramentos do paiz; tudo está convertido nas commodidades da que elle usufrue a utilidade; tudo foi entregue ás classes laboriosas, á agricultura, á industria, á navegação, ao progresso, ao bem estar, emfim, do povo portuguez.»

Estas palavras estão escriptas, o não mais as poderá v. ex.ª retractar.

Debalde intentou pois, v. ex..a, n'uma das ultimas ses-

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soes, allegar que amnistiara assim todo o passado. Que amnistiara todo o passado! Pois ha porventura amnistia onde não ha culpa? (Apoiados.) Pois se s. ex.ª reconhece que todas as verbas que se votaram para as obras publicas foram escrupulosamente applicadas a essas obras, como vem s. ex.ª fallar em amnistia?

Amnistiar o que? Amnistiar onde não ha delicto! E se delicto houvesse, podia s. ex.ª amnistial-o?

Emfim, que s. ex.ª invadira a esphera da acção do poder legislativo, rescindindo, com portarias genuinamente suas, contratos que estavam ao abrigo e sob protecção da lei, demais o sabia eu. Mas que s. ex.ª invadira tambem a esphera da acção do poder moderador, usando a seu arbitrio do direito de graça, francamente, ainda o não sabia; foi necessario que s. ex.ª o dissesse, e ainda assim, devolvendo a s. ex.ª um dos seus ditos mais espirituosos, ouve se e não se acredita.

Mas, ou estas palavras significam uma verdade, ou apenas traduzem uma illusão.

Se é uma illusão, eu intimo s. ex.ª para que nos diga a quem foi que illudiu, se a si proprio, se a nós.

Se é uma verdade, então, e aos que nos argumentam com as delapidações na administração das obras publicas, respondo eu com estas palavras do sr. Barros o Cunha. S. ex.ª não é uma auctoridade suspeita para a opposição, que lhe prestou o seu inteiro apoio, não é urna auctoridade parcial para nós, porque todos sabem que leram principalmente os actos da gerencia do sr. Barros e Cunha, que provocaram aqui o alentado debate, em virtude do qual caiu o ministerio presidido pelo sr. duque d'Avila.

Pois quando mais acceso se travava o combate, vinha o sr. Barros o Cunha ao parlamento declarar publicamente, e sem rebuços, que todas as verbas votadas para obras publicas tinham sido rigorosamente applicadas a essas obras.

Depois acrescentava s. ex.ª:

a Lançando rapido olhar sobre estes factos, vemos como sua consequencia, que a exportação nacional, que em 1867 era de 17.000:000$000 réis, se elevou em 1875 a réis 24.000:000$000.

«Não é menos eloquente o resultado das importações. O seu valor, que em 1867 era de 26.000:0006000 réis, subiu a 38.000:000$000 réis em 1875. Isto comprehende-se analysando os artigos de per si.

«Facilitar os transportes é dotar os cidadãos com o instrumento mais proprio para augmentar a producção por preço barato. A economia no tempo, força' motora, fiscalisação e risco, converte-se em liquido gratuito do producto.»

Admiráveis palavras, sr. presidente! Mas se a facilidade dos transportes tem por fim augmentar a producção por preço barato; se a facilidade dos transportes proveiu do desenvolvimento dado ás estradas, aos caminhes do ferro, á viação publica, n'uma palavra, — é evidente que se eu demonstrar que é o ministerio regenerador o que mais largamente tem contribuido para esse desenvolvimento, eu terei demonstrado não já com premissas minhas, mas com os proprios dados fornecidos pelo sr. Barros e Cunha, que de todos os partidos, é ao da regeneração que principalmente se deve a commodidade, o bem estar e o progresso do nosso paiz.

Sr. presidente, do mappa geral das despezas effetuadas pelo ministerio das obras publicas, desde 3 de novembro de 1852, epocha da sua creação, até 30 do junho de 1877, se vê que importando a totalidade d'essas despezas em 98.013:206$111 réis, d'ahi se applicaram: — para estradas no continente 25.073:031$038 réis; para estradas nas ilhas adjacentes 1.287:107$136 réis; para caminhos de ferro 32.656:985$788 réis.

São, por consequencia, estas as principaes verbas de despeza, effectuadas pelo ministerio das obras publicas.

Quem as applicou, sr. presidente! O ministerio regenerador caiu em janeiro do 1868; succedeu-lhe um gabinete presidido pelo sr. duque d'Avila, e de que tez parte o sr. Dias Ferreira; veiu depois um ministerio reformista; depois um ministerio historico; este foi derrubado pela c3-pada do marechal Saldanha, constituindo-se uma situação politica do que foi protagonista o sr. Dias Ferreira; voltou em seguida o ministerio reformista; coube depois o poder ao sr. duque d'Avila; e só em setembro de 1871 se firmou o governo da regeneração.

Pois bem! No anno economico de 1867-1868, ultimo da gerencia regeneradora, despenderam se com as estradas do continente 1.462:131$367 réis; no anno immediato bailaram estas despezas a 1.040:034$030 réis, sendo pois a differença de mais do 442:000$000 réis.

Ao revez d'isto, no anno economico de 1871-1872, em que novamente se organisou o ministerio regenerador, despenderam-se com essas estradas 860:9876333 réis, no anno seguinte 1.185:866$032 réis, depois 1.187:2616093 réis, em seguida 1.253:962$824 réis e em 1875-1876 elevaram se as despezas a 1.575:099$924 réis.

A consequencia é pois que de todos os ministerios organisados de 1868 para cá, o que mais largamente contribuiu para as despezas das estradas do continente, foi sem duvida o ministerio regenerador.

So examinámos o capitulo das despezas applicadas ás estradas das ilhas adjacentes, vemos que no anno economico de 1871-1872 foram de 50:587$048 réis, no anno immediato elevaram-se a 53:945/5652 réis, depois a 91:59L5862 réis, ainda depois a 117:094$431 réis, mais tardo a réis 128:3886585 e, finalmente, em 1870-1877 a 133:656$890 réis.

Por consequencia, estas despezas foram successivamente augmentando durante a gerencia do ministerio regenerador, e excederam em muito as despezas effectuadas pelos outros ministerios.

Se das estradas passámos aos caminhos de forro, desde já podemos affirmar sem receio do que nol-o contestem, que é ao partido regenerador que se deve a iniciativa de todo o emprehendimento da viação accelerada.

Foi o decreto de 18 de julho de 1851, referendado pelo sempre memoravel estadista Rodrigo da Fonseca Magalhães, que nomeou uma commissão encarregada de rever a proposta Hardy Hislop para a construcçâo de um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, e foi depois a lei de 16 de junho de 1853, referendada pelo sr. Fontes, que ordenou a construcçâo d’essa linha ferroa, denominada do norte e leste.

Quanto ao caminho de ferro do sul e sueste, foram o decreto de 24 de julho e a lei do 7 de agosto do 1854, tambem referendados pelo sr. Fontes, que auctorisaram o governo a contratar com a companhia, representada pelos dignos pares os srs. José Maria Eugenio do Almeida e marquez de Ficalho, a construcçâo de um caminho do ferro de Aldeia Gallega a Vendas Novas, e d'ahi até Setubal ou até Evora.

E foi depois o decreto do 26 do agosto do 1854 que estabeleceu as bases do concurso em harmonia com o decreto e com a lei anteriores.

Pelo que respeita aos caminhos de ferro do Minho o Douro, foi a lei do 2 de julho de 1867, referendada pelo sr. Corvo, que auctorisou o governo a construir por sua conta dois caminhos de ferro, um do Porto por Valle de Sousa e proximidades de Penafiel até ao Pinhão, e outro por Braga e Vianna do Castello até á fronteira da Galliza.

São estes os caminhos do ferro que se acham em exploração, mas muitos outros emprehendimentos tem esta governo procurado realisar.

Assim, o decreto de 9 de dezembro de 1874, baseando-se no artigo 15.° § 1.° do acto addicional, auctorisou o governo a contratar a construcçâo do um caminho de * ferro do Loanda a Ambaca; depois a lei de 12 de abril de 1870 facultou a construcçâo, por conta propria, do caminho do

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ferro do Lourenço Marques á Africa meridional; o ainda alem d'estes podia eu citar o caminho de ferro da Beira Alta, o caminho de ferro do Algarve e emfim as propostas ultimamente apresentadas judo sr. ministro das obras publicas para o complemento da rede dos nossos caminhos de ferro.

Estes são os factos; agora as consequencias.

O caminho de ferro do norte e leste, que em 18G5 rendera apenas 107:000$000 róis, em 1877 produziu réis 1.033:000$000; o caminho de forro do sul o sueste, que em 1873-1874 rendia 300:000$000 réis, em 187(5-1877 rendeu 411:000$000 réis, o em 1877-1878 cerca de réis 420:000$000 segundo as informações que pude colher; o caminho de ferro do Minho, que no anno economico de 1874-1875 produzia apenas 28:000,6000 réis, em 1876-3 877 rendeu 145:000$000 réis; o caminho de ferro do Douro, que no anno economico de 1875-1876 rendera 80:000$000 réis, no anno seguinte produziu cerca de 100:000$000 réis; e segundo as proprias declarações do sr. Braamcamp, o rendimento d'estes dois ultimos caminhos de ferro augmentou sobremaneira no anno de 1877-1878.

Portanto, se de todos os ministerios que se têem organisado entre nós, é o ministerio regenerador o que mais largamente tem contribuido para as despezas da viação publica, se a elle, é só a elle, se deve a iniciativa de todos os caminhos de forro, eu concluo, não com dados meus, mas com os proprios dados fornecidos pelo sr. Barros e Cunha, que ao ministerio regenerador se deve principalmente a commodidade, o bem estar e o progresso do nosso paiz, por isso que, facilitando os transportes, veiu, na phrase do s. ex.ª, augmentar a producção por preço barato. (Apoiados.)

Se do ministerio das obras publicas passámos ao ministerio da guerra, que rasgada iniciativa encontrámos ahi por parte do sr. Fontes, para a organisaçao do nosso exercito, para a fortificação do nosso porto, para a consolidação dos nossos meios de defeza!

Têem-se despendido para isso avultadas verbas? Ninguem o contesta. Mas a questão não está em saber, que se tem despendido muito, está em saber que se tem despendido bem. (Apoiados.)

E a prova mais evidente, a prova mais irrefragavel de que essas despezas eram do urgente necessidade, para alevantar o exercito do estado de abatimento em que jazia, está nos proprios actos da administração do sr. general Sousa Pinto.

S. ex.ª veiu ao parlamento pedir não só a legalisação das despezas já feitas nos differentes capitulo» da administração da guerra, mas a auctorisaçâo necessaria para continuar a fazer essas despezas, significando assim, que adoptava e applaudia o systema iniciado pelo sr. Fontes, como sendo o unico que nos podia assegurar o respeito que nos é devido, como nação livre e independente. E senão vejamos.

O decreto de 30 de abril de 1874, applicando os fundos provenientes das remissões de recrutas e das execuções nos bens dos refractarios, á acquisição e fabrico do material de guerra, veiu legalisar a verba do 575:2986545 réis, despendidos a mais com a compra o manufactura de armamento e equipamento para o exercito, e veiu a auctorisar o governo a applicar mais 342:0006000 réis para as despezas do material de guerra.

Em 1877 saíu do ministerio da guerra o sr. Fontes e entrou o sr. general Sousa Pinto.

Pois o primeiro cuidado de s. ex.ª foi vir logo ao parlamento pedir não só que sanccionassem a verba de réis 68:519$680, que excedera a auctorisaçâo legal, mas ainda que o auctorisassem a gastar mais 125:000$000 réis com aquellas despezas de material de guerra. - E o parlamento votou-lhe a lei de 6 de abril de 1877.

E ainda depois a lei de 3 de maio de 1878 auctorisou o governo a despender mais 680:000$000 réis.

Mais ainda. O sr. Fontes adiantara os trabalhos das fortificações de Lisboa e seu porto. O sr. general Sousa Pinto veiu ao parlamento pedir auctorisaçâo para gastar mais 80:000$000 réis n'esses trabalhos de defeza. E o parlamento accedeu, veiando lhe a lei de 6 do abril de 1877.

E ainda depois a lei do 3 de maio de 1878 auctorisava o governo a despender mais 180:000$000 réis com áquelles trabalhos.

O sr. Fontes, por virtude da lei de 5 de maio de 1873, chamara ás armas as reservas. O sr. general Sousa Pinto, assumindo a pasta da guerra, referendou logo a lei de 10 de abril de 1877 a fim de legalisar as verbas: de réis 90:200$000 com que se havia pago ás praças de pret que existiam nas fileiras, a mais das 18:000 descriptas no orçamento; de 499:2006000 réis applicados ás reservas chamadas em consequencia da lei do 5 de maio de 1873; e do 339:700$000 réis consumidos em rações, forragens e outras despezas.

O sr. Fontes transformara o regimento de artilheria n.º 3, que era de guarnição, em regimento montado ou de campanha, o creára a 5.ª e 6.3 companhia do batalhão do engenheria. O sr. general Sousa Pinto, acceitando aquellas providencias, pediu ao parlamento que as sanccionasse, o este outorgou-lho a lei de 7 do abril de 1877.

E mais tarde a lei de 3 de maio de 1878 reorganisou os regimentos de artilheria de guarnição e do campanha.

E ainda depois a lei de 10 de maio de 1878 auctorisou o governo a crear uma escola de cavallaria, dotando a com os meios necessarios para poder subsistir.

E já a lei do 3 de maio do 1878 o auctorisára a crear tambem uma escola de serviço de torpedos.

Provieram d'ahi avultadas despezas? ninguem o contesta. Trouxeram essas verbas novos o pesados encargos para o thesouro? sem duvida. Mas foram productiva?, leram necessarias mesmo? eis o que o parlamento tem reconhecido sempre.

Quem poderá aqui extrair-se á responsabilidade d'essas despezas?

Será a maioria? Nem o póde, nem o deseja. Será o partido constituinte, que apoiava o ministerio regenerador que as fazia? Não.

Será o partido avilista, que veiu pedir não só que confirmassem as despezas já feitas, mas ainda que o auctorisassem a continuar a fazel-as? Tambem não.

Será emfim o partido progressista, que votou ao sr. general Sousa Pinto a confirmação e a auctorisaçâo que elle pedia? Ainda uma vez, não.

N'esta parte as nossas responsabilidades são communs e solidarias (Apoiados.), ninguem poderá eximir-se a ellas.

Se do ministerio da guerra volvermos a attenção e a memoria para as providencias tomadas pelo ministerio da marinha e do ultramar, só teremos a admirar o energico impulso que o sr. Corvo soube imprimir ao progressivo desenvolvimento da nossa marinha e das nossas colonias. (Apoiados.)

São apoucados os nossos recursos, mas até onde temos podido chegar no caminho da civilisação, não nos tem faltado nem a perseverança, nem a força de vontade. (Apoiados.)

E honra seja ao parlamento portuguez, que jamais se tem recusado a dotar as suas colonias com os meios necessarios para o seu justo desenvolvimento.

Que o diga o sr. Mello Gouveia, se, quando entrou era 1877 para a pasta da marinha, não encontrou ahi as maÍ3 significativas provas dos avantajados esforços que o sr. Corvo empregou para lançar nas nossas colonias os germens do uma futura prosperidade.

| Mas nem é necessario que s. ex.ª o diga, visto que por s. ex.ª fallam bem alto as propostas que trouxe á sancção legislativa, o que depois se converteram nas leis do 8 do abril de 1877.

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Rememoremos, porém, á essas providencias, as principaes, as mais dispendiosas.

A lei de 3 5 de abril de 1874 auctorisou o governo a contrahir um emprestimo do 1.750:000$000 réis para a compra de navios de guerra, e para reembolsar os cofres do Moçambique das sommas despendidas com a peleja que ali se travara. O encargo annual do juro e, amortisação não devia excedei-a 8 por cento; o esse juro e essa amortisação deviam ser pagos pela verba do 170:000$000 réis, descripta no orçamento do ultramar, como compensação de despezas navaes, sendo o excedente d’essa compensação applicado a subsidiar o estabelecimento de carreiras regulares do navegação a vapor entro Lisboa e as provincias de Africa oriental o da Asia.

Em virtude d'esta lei o sr. Corvo publicou dois decretos, com data de 30 de dezembro de 1874 em que cinco, dou á companhia ingleza, British índia Bicam Navigation Company dois subsidios, dos quaes um de 27:000$000 réis para o estabelecimento de carreiras a vapor entro Lisboa e Goa e entre Lisboa e Moçambique, o outro de 13:500,?000 réis para o estabelecimento de uma carreira a vapor entre Moçambique e Lourenço Marques, locando em Quilimane o Inhambane.

Depois a lei de 12 de abri! de 1876 auctorisou o governo a contrahir um emprestimo de 1.000:000$000 réis para /ser exclusivamente empregado na execução o conservação de obras e melhoramentos publicos nas provincias de. Cabo Verde e S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique.

Mais tarde a lei de 9 de maio de 1878 facultou ao governo o alevantar novo emprestimo do 800:000.000 réis para a continuarão d'aquellas obras e melhoramentos.

E finalmente a lei de 6 de maio de 3878 concedeu ao governo o despender até á quantia de 200:000$000 réis para a construcçâo e armamento de novas canhoneiras a vapor.

Estas providencias, como é de. ver, aggravaram a fazenda publica, com avultados dispendios, o adiante o mais de espaço terei occasião do me referir ás condições em que esses emprestimos se emittiram; mas o que não é menos evidente é que ellas se destinaram a satisfazer necessidades, tão absolutamente impreteriveis, como são, para todas as colonias, a facilidade dos transportes e das communicações, o as garantias da segurança e do bem estar dos colonos.

Que o digam Hong-Kong e Macau,. — Macau a possessão portugueza, — Hong-Kong a possessão ingleza,- possessões tão proximas na sua posição geographica, e todavia tão differentes nas suas condições do existencia.

Macau luctando com todas as difficuldades que da escassez dos seus recursos advém A sua administração; — Hong-Kong largamente dotada pela Inglaterra com todos «os meios de progresso, com todos os elementos de civilisação.

Em Macau o silencio e o desanimo do uma possessão, que. a custo se mantem; em Hong-Kong o bulício o a animação do uma colonia que se desenvolve.

E por isso, ao passo que Macau representa para nós mais rima tradição e uma esperança, do que um interesse de momento, Hong-Kong é para a Inglaterra a chave do commercio da China.

Accusem-nos, pois, muito embora, de gastarmos muito; a nossa consciencia ficará tranquilla, emquanto podermos mostrar que, se gastámos, foi com os grandes trabalhos da viação publica, foi com a organisação do nosso exercito e dos nossos meios' de defeza, foi com a realisação dos sinceros desejos, que nos animam, de desenvolver a nossa marinha, e do levar a vida ás nossas colonias. (Apoiados.)

Mas o deficit? Mas os encargos da divida publica?. Mas a manutenção do nosso credito? Em todos estes campos acceitâmos a discussão.

Comecemos pelo deficit, por esse deficit que tamanho horror infando ao sr. Dias Ferreira e para tomo apreciarmos convem que primeiro confrontemos as nossas receitas ordinarias com as nossas despezas ordinarias.

No anno economico de 1808 1869, a nossa receita ordinaria, foi do 10.513:420$330 réis, no anno economico do 1877-1878, esta receita elevou se a 25.304:662/5125 réis; houve portanto, n'estes ultimos dez annos, um augmento de receita de 8.851:211/5795 réis.

Pelo que toca á despeza, no anno economico de 1868-1860, foi do 19.713:331$5582 réis; no anno economico de 1877-1878, foi do 28.675:329$ 189 réis; o pois, n'estes ultimos dez annos houve tambem um augmento de despeza no valor de 8.932:007$607 réis.

Mas se comparamos estas receitas com estas despezas, apurámos o seguinte: que ao passo na receita ordinaria de 1878-1879 o augmento do rendimento figura por mais de um terço, e ao passo que na receita de 1868-1.1869 esse augmento representa mais de metade; pelo contrario, e ao revez d'isto, na. despeza de 1877-1878 o augmento do dispêndio entra por menos de um terço, e na despeza de 3 868-1869 esse augmento representa menos de metade.

Por consequencia, o guardadas as devidas proporções, o que tem predominado, n'estes ultimos dez annos, não é o augmento das despezas, mas sim o augmento das receitas. (Apoiados.)

E a este respeito não posso eu deixar de notar a grande elevação que se deu nas receitas ordinarias do anno economico de 1872-1873, para o de 1873-1874, devida principal mento ás propostas de fazenda, aqui apresentadas pelo sr. Fontes Pereira de Mello, o, entro ellas, á reforma da contribuição industrial, aos contratos para pagamento ás classes inactivas, contra as quaes tanto se revoltou o sr. Mariano de Carvalho, e á modificação do imposto do real de agua.

Essa elevação foi de 2.966:853$525 réis, por isso que em 1872-3873 a receita foi do 21.0-19:243$923 réis, e em 1873-1874 foi do 24.616:095$448.

Vejamos agora qual o deficit que resulta da comparação da receita ordinaria com a despeza ordinaria.

No anno de 1871-1872, primeiro da gerencia d'este ministerio, esse deficit foi de 4.410:792$332 réis; no anno seguinte baixou a 1.270:548/5905 réis; o depois ainda baixou a 147:871$5851 réis.

No anno economico de 1874-1875 não tivemos deficit entre as receitas e as despezas ordinaria; tivemos um saldo positivo de 21:039$593 réis, que em 1875-1876 se elevou a 823:905$672 réis.

E foi necessario que em 1876 viesse a crise económica" e se effectuassem largas despezas nos trabalhos publicos do Algarve, e se dessem muitas outras circumstancias, emfim, para de novo voltar o deficit. Esta é a verdade. (Apoiados.)

E note-se que se de novo surgiu o deficit, não foi isso devido á diminuição das nossas receitas ordinarias, mas sim ao inevitavel augmento das nossas despezas.

No anno economico de 1875-1876 a nossa receita ordinaria foi. de 25.753:229$036 réis; no anno do 1870-1877 foi de 25.854:035$254 réis, havendo assim uma differença para mais n'este anno de 100:805$618 réis.

E, todavia, em 1875-1876 tivemos, como disse, um saldo positivo do 821:905;?072 réis, ao passo que em 1810-1877 as contas do thesouro accusam um deficit de réis 3.849:243$221.

Se em comparação da receita e desposa ordinaria, passa ______________ da receita o despeza total, ordinaria e, certo é que em todos os annos encontra-me

Mas, sr. presidente, o maior deficit da gerencia do ministerio regenerador foi o de 1876-1877, pelas cireumstancias que já expuz. Esse deficit foi de 7.109:722$789 réis.

Mas, se da gerencia do ministerio regenerador passar-

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mos A fios outros ministerios, enfio encontrámos no anno de 1869-1870 um deficit do 15.064:567$294 réis!

Aos que nos augmentaram com os nossos deficits, seja-mo licito lembrar o que se pairava no tempo em que s. ex.ªs tinham assento nos conselhos da corôa.

Panemos aos encargos da divida publica. Pesados são, sem duvida. N'estes ultimo" sete annos da gerencia do ministerio regenerador, a sua media é 'de 10.704:344$884 réis.

Mas, se confrontarmos os encargos da divida publica com as receitas ordinarias, apurámos que a percentagem representativa da differença entre esses encargos e essas receitas, foi em 1871-1872 de 54 por cento; em 1872-2878, da 40 por cento; em 1873-1874, do 43 por cento; em 1874-1875, de 41 por cento; em 1875-1870, de 41 por cento;, em 1876-1877, de 40 por cento; e em, 1877-1878, da 41 por cento.

Por consequencia, os encargos da divida publica, quando comparados com a receita ordinaria effectivamente cobrada, representam em 1877-1878 monos 13 por cento do que em 1871-1872.

Ma», já que tanto pretendem' assustar o paiz com os encargos da divida publica, permittam-me que eu lembro o que se passa nas outras nações.

Na França, cujos recursos são tão vastos que, apesar de todos os revezes que lhe trouxe a guerra do 1870, póde apresentar 110 orçamento do í 878 um saldo de 12 milhões de francos; a França os encargos da divida publica representem tambem cerca do metade da receita total.

Na America, cujas condições economicas o' financeiras são tão prosperas; onde a iniciativa individual é extremamente rasgada, e onde, por conseguinte, a intervenção do governo menos tem de se fazer sentir; na America, cujas contas do exercicio do 1876-1877 offerecem um saldo positivo do 152 milhões do dollars; na America os juros da divida publica ascendem a cerca de um quarto da receita total.

Na Italia, cujas finanças, a avaliar pelas contas dos exercicios do 1874 a 1877, têem successivamente melhorado, a ponto do que, sendo avaliado o seu deficit era 1874, este baixou consideravelmente, até que a conta do exercicio de 1877 apresentou um saldo du 11 milhões de francos, que o orçamento de 1878 elevou a 13 milhões; na Italia 03 encargos da divida publica excedem um terço da receita total.

Na Inglaterra, cujo mercado monetario é o primeiro do todo o mundo; onde o self-government tem produzido os mais proficuos resultados na descentralização economica; o que, póde dizer-se que é a chave das finanças do lado; os estados da Europa; na Inglaterra os encargos da divida publica, no exercido de 1877-1878, representam cerca de um quarto da despeza total.

E se da Franca, da Italia, da America e da Inglaterra passámos A Hespanha, onde os encargos da divida publica absorvem mais de um terço das suas receitas, o -onde os compromissos tomados nem sempre são satisfeitos; se passámos:l Austria, onde só o deficit, só a differença entre a despeza total o a receita liquidada representa mais'.de um terço d'essa receita, ró teremos a admirar como Portugal, que é uma nação pequena nus com grandes encargos, onde, quando se dá uma crise de trabalho, não é á generosidade dos particulares que se recorre, mas sim ás subvenções do estado; (Apoiadas.) onde, quando se dá uma crise economica ou financeira, não é o auxilio dos capitalistas que se invoca, mas sim as moratorias e os adiantamentos do governo, (Apoiados.) só teremos a admirar, digo, como Portugal, através de todas as ruas vicissitudes, tem pedido guardar escrupulosamente os seus compromissos, (Apoiados.) manter com firmeza a sua dignidade de nação livre, (Apoiados.) e assegurar e melhorar as condições do seu credito. {Apoiados.)

E, já que falei de credito seja-me licito perguntar se

não é durante a gerencia do ministerio regenerador que o nosso credito maia se tem avigorado, e que as nossas condições economicas o financeiras têem assumido uma feição mais prospera e animadora. Que o digam as colações «dos nossos fundos. (Apoiados.)

Quando o sr. Fontes saíu em janeiro de 1868 da pasta, da fazenda, deixou os nossos fundos a 41. Logo n'esse; anuo baixaram a 37. Em 186'.) negociaram-se a 33. Em 1870 chegaram a negociar se a 29! (Apoiados.) Quando o sr. Fontes entrou novamente para a pasta da fazenda em

1871 encontrou-os a 36. Quando o sr. Serpa cedeu a pasta da fazenda, em 1877, ao sr. Carlos Bento, s. ex.ª veiu encontral-os a 52. E do então para cá entre 50 e 51 se têem conservado até ao presente. (Apoiados.)

Mas eu não «pioro avaliar o estado do nosso credito só pela cotação dos nossos fundos. Eu quero aprecial-o em face das operações de thesouraria, dos contratos celebrados por este governo, dos emprestimos por elle emittidos.

Para isso terei de me referir ao que se passou por occasião da crise do 1876, aos contratos celebrados para pagamento das classes inactivas; ao emprestimo dos seis milhões e meio de libras, aos emprestimos para a construcçâo dos caminhos do ferro do Minho o Douro, e a outros emprestimos, emfim.

Sr. presidente, a lei do 22 de junho de 1867, inspirando-se nos principios do liberdade consignados na lei franceza do 23 de maio de 1864, que depois foram desenvolvidos na lei do 24 de julho do 1877, veiu permittir que a;; sociedades anonymas se constituissem independentemente de auctorisaçâo do governo, ou do previa approvação dos seus estatutos, >alvo quando tivessem por fim a acquisição de bens immoveis para os conservar no seu dominio o posso por mais do dez annos.

Esta lei de sociedades anonymas, remodelando as bases em que assentam as nossas principaes associações de commercio, e as nossas instituições bancarias, e cortando pela auctoritaria arbitrariedade que até ali presidira á fundação das antigas companhias, grangeou incontestavelmente o direito de. se inscrever, em caracteres para sempre memoraveis, nos fastos da nossa jurisprudencia.

Não serei eu quem o conteste.

Mas, sr. presidente, a transirão do systema das antiga: restricções para o da actual e amplíssima liberdade na. «•(instituição das sociedades anonymas, foi talvez demasiado rapida.

Antigamente, ao discricionario arbitrio do governo m deixava, o resolver sobre a opportunidade ou sobre a conveniencia da fundação de uma companhia.

Isso era um mal, porque isso ora uma arbitrariedade.

Mas, do repente, desataram se todas as peias; as sociedades anonymas libertaram-me de todas as restricções, e o resultado foi que no vasto campo da explorarão economica, muitas vezes ajusta, e prudente iniciativa dos capitães cedeu o pairo, por um lado á desmedida boa fé e á demasiada confiança, e por outro á nociva especulação o ao prejudicialíssimo abuso do credito.

Espalhou-se, pelo nosso mercado, a mais exagerada confiança na estabilidade o nos proveitos dos estabelecimento;; bancarios; affluiram em larga escala capitães disponiveis; exaltaram se. com enthusiasmo os lucros provenientes das transacções de credito, e, á sombra «Postas perniciosas illusões, lavrou e desenvolveu-se a especulação das acções, e até mesmo a especulação dos cargo.

Fundaram-se muitos bancos, fundaram-se mesmo bancos de mais.

Nem as forças productivas da nossa industria e do nosso commercio, nem as forças exploradoras dos nossos capitães, comportavam tão largo desenvolvimento de credito.

A consequencia foi que não bastando já as transacções que, a par de uma necessaria segurança, offereciam uma conveniente retribuição, muitos olvidaram os dictames da verdadeira prudencia, e levados pela cega ambição de em

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pouco tempo colher avultados lucros, febril e desordenadamente se lançaram na voragem das operações de bolsa e do jogo de fundos.

As vicissitudes politicas que atravessava o reino vizinho, trazendo comsigo a incerteza ácerca da sorte e do futuro dos fundos d'aquelle estado, deixaram entrever a esperança do que a uma baixa tão accentuada, como a que então se dava, succedesse uma proxima elevação, que breve compensaria todos os riscos da agiotagem.

Infelizmente, porem, da agiotagem a ruina a distancia não é grande, e a experiencia ainda uma vez o veiu confirmar.

Falliu a casa Roriz; depois suspenderam pagamentos o banco do Porto, o banco commercial do Vianna, a casa Carmo & Sobrinhos; e paralysaram-se muitas transacções; e abalou-se o credito dos nossos mercados; o o panico manifestou-se nas nossas praças; e á nimia boa fé succedeu uma exagerada desconfiança; e vem a corrida aos bancos; e o retrahimento dos capitães depositados; e do tudo isto nasceu uma crise, mais fictícia do que real, é verdade, mas que nem por isso se annunciava menos assustadora nas suas consequencias.

Ò banco de Portugal chegou a fechar as suas portas; o banco lusitano e o banco ultramarino profundamente se abalaram; o terriveis seriam os effeitos d'esta crise, senão fossem as energicas providencias que o governo tomou, promulgando os decretos da moratoria e acudindo directamente aos bancos, com adiantamentos por conta das dividas, em que para com elles se achava, por virtude dos contratos celebrados para pagamento ás classes inactivas.

Assim, o decreto de 18 de agosto do. 1876 concedeu a moratoria de sessenta dias para o vencimento e pagamento das letras, notas promissorias, depositos, titulos fiduciarios e commerciaes entre particulares, bancos, sociedades o companhias, e suspendeu durante esse praso os effeitos dos protestos o das prescripções.

Depois, o decreto de 26 de agosto, interpretando o primeiro, mostrou que elle só era applicavel ás obrigações anteriormente contrahidas, e cujo vencimento recaísse,_ no praso da moratoria, e que em nada restringia o lançamento e contagem dos juros commerciaes.

E a final, a lei de 12 do abril de 1877 veiu relevar o governo da responsabilidade em que incorrera, exercendo funcções legislativas, o promulgando dictatorialmente. áquelles decretos.

Esta lei foi votada sem reclamações, nem poderia havel-as; não era uma questão politica, nem o pedia ser. Em todos os partidos houvera commerciantes affectados com aquella crise; do todos os partidos vieram representantes solicitar a promulgação das providencias referentes á moratoria. (Apoiados.)

Mas o governo fez mais, o governo acudiu directamente aos bancos.

A lei de 1 de julho de 1867 auctorisára o governo a contratar com o banco de Portugal o pagamento das classes inactivas.

Calculava-se então o vencimento d'essas classes em réis 600:000$00. O governo compromettia-se a concorrer com 300:000$000 réis, em prestações, mensaes, devendo toda a differença, até á totalidade da somma, ser paga pelo banco de Portugal, mediante o juro de 7 por cento, dos quaes 4 por cento lho seriam pagos em liquidações mensaes, e 3 por cento se capitalizariam com a divida do governo.

Depois, a lei de 22 do março de 1872, facultara ao governo o contratar com o banco de Portugal o pagamento ás classes inactivas que recebessem por titulos de renda vitalícia, de tudo o que excedesse a metade do vencimento d'essas classes em 30 de junho de 1872, e bem assim o contratar com os bancos lusitano o ultramarino de Lisboa, o commercial, união, alliança, mercantil e nova companhia utilidade publica, do Porto, o pagamento ás classes inactivas que não recebessem por titulos de renda vitalícia,

do todo o excedente da metade do respectivo vencimento, na referida data do 30 do junho.

Quando chegou a crise de 1876, estes contratos estavam de pé, e não podia o governo ser compellido a rescindil-os. Mas sem embargo d'isso, contrahiu logo um avultado supprimento em Londres e acudiu áquelles bancos com réis 5.282:000$000.

E verdade que, apenas expirou o praso da moratoria, recebeu uma parte dos adiantamentos que tinha feito, mas ainda assim, a lei de 16 de março de 1877 veiu auctorisar o governo a rescindir os contratos feitos para pagamento das classes inactivas.

D'esta rescisão só se aproveitaram os bancos lusitano e ultramarino, que maior abalo haviam soffrido com a crise do 1870; e hoje, como se vê do relatorio apresentado n'esta sessão pelo sr. ministro da fazenda, só resta cobrar réis 215:300$000, garantidos, na sua quasi totalidade, por titulos de divida publica. *

E eis aqui como, n'uma crise gravo o séria, este governo, que tanto accusam, póde, sem prejuizo para o thesouro o sem sacrificios para a nação, salvar de uma ruina imminente o credito das nossas praças, (Apoiados) mostrando assim quão forte e alentado era o seu proprio credito.

Em 1869, um governo, que não era este, vendo o seu credito prescripto dos mercados estrangeiros, e tendo appellado em vão para os capitães portuguezes, veiu ao parlamento, como que em derradeiro esforço, appellar para os sentimentos patrioticos da nação, afim de que acudisse ao desgraçado estado da fazenda publica, cujos recursos se achavam exhaustos.

Em 1878, através de uma crise angustiosa, que poz em sobresalto os nossos capitalistas e as nossas instituições bancarias, este governo, cujo descredito annunciam, foi quem estendeu aos bancos do nosso paiz a mão valedora que lhes manteve abertas as portas, que aliasse fechariam para a bancarota. (Apoiados)

Mas, sr. presidente, a crise de 1876 veiu mostrar a urgente necessidade que ha de reformar a legislação reguladora das sociedades anonymas.

Eu acceito a liberdade na constituição das sociedades anonymas, mas quero que, a par d'essa liberdade, se consignem providencias que as resguardem da especulação o do abuso.

Por isso ou desejo que nas nossas leis se formulem preceitos que assegurem ás sociedades anonymas uma existencia regular e proveitosa;" determinando precisamente as condições da sua fundação e do seu regimen economico, regulando o justo e cabal desempenho dos deveres inherentes á sua, gerencia e administração, e prescrevendo para ellas uma fiscalisação séria e vigilante. (Apoiados)

E desejo tambem que o governo, ouvida a procuradoria geral da corôa, faça examinar se os estatutos das sociedades anonymas que se constituirem se acham inteiramente conformes com as prescripções da lei.

Assim fica salvo o principio da liberdade, porque não mais póde o governo, a seu arbitrio, conceder ou negar licença para uma sociedade se constituir, desde o momento em que o seu regimen em tudo se conforme com as prescripções tutelares da lei, ninguem póde contestar-lhe o direito de "encetar as suas operações; mas obtenha-se primeiro a certeza do que todas as precauções legaes foram devidamente attendidas e respeitadas.

Esta é a minha opinião..' E relevo-me a camara o breve parenthesis que abri nas considerações que estava expondo ácerca do estado do nosso credito.

Sr. presidente. A fórma mais cabal do progressivo desenvolvimento do nosso credito, está nas repelidas emissões das obrigações dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Como disse, foi a lei de 1 do julho de 1867 que auctorisou o governo a construir por sua conta esses caminhos do ferro, levantando para isso os fundos de que necessitasse,

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e á medida que os necessitasse, por meio de obrigações de 90,5000 réis nominaes.

O encargo annual d'estes emprestimos não deveria exceder 9 por cento para juro e amortisação. E de passagem direi que foi esta a primeira vez que na nossa legislação se consignou o principio da amortisação, cujas vantagens hoje todos reconhecemos, por isso que em determinado numero de annos se extingue a divida, sem ser necessario recorrer a novos compromissos ou a pesadas imposições.

Por virtude d'esta lei o até ao presente tem-se feito seis emissões de obrigações.

A primeira verificou-se por decreto de 31 de maio de 1873. Pediram-se 2.034:000$000 réis; abriu-se subscripção publica, e n'esta se excedeu o pedido em mais do dobro. A emissão effectuou-se por um preço inferior, é verdade, á cotação dos fundos internos, mas superior ao preço dos fundos externos

A segunda emissão fez-se por decreto de 15 do maio de 1874; o podido foi de 1.755:000$000 réis; abriu-se a subscripção publica, e a offerta excedeu quarenta e sete vozes o que se pedirá. A emissão realisou-se a 77$000 réis por obrigação, o foi em condições mais vantajosas do que a primeira.

A terceira emissão foi auctorisada pelo decreto de 15 de maio de 1875, sendo o pedido do 1.755:000$000 réis, subscripto sessenta e sete vezes, e obtendo-se a emissão das obrigações ao preço de 86$000 réis.

Por consequencia, ainda esta terceira emissão foi mais favoravel para o thesouro do que qualquer das antecedentes.

A quarta emissão effectuou-se por decreto de G de junho de 1876, no valor de 3.724:000$000 réis. Mas em vista da crise monetaria que já então se manifestava, o governo não querendo distrahir muitos capitães da circulação, entendeu não dever abrir subscripção publica em mais de metade d'aquella quantia.

Ainda assim, a offerta excedeu vinte vezes o pedido, o que mostra que o governo poderia ter collocado por esta forma-a totalidade do emprestimo, apesar das cireumstancias especiaes que então se davam.

O preço d'esta parte da emissão foi de 87,5000 réis por obrigação sem o coupon do semestre.

A outra parte do emprestimo foi contratada com o banco Lisboa & Açores ao preço de 86$750 réis. E assim, foi esta quarta emissão ainda mais vantajosa para a fazenda do que as anteriores.

A quinta emissão realisou-se já durante o ministerio do sr. duque d'Avila, em virtude da lei de 7 de abril de 1877, ao tempo em que geria a pasta da fazenda o sr. Carlos Bento.

O valor do emprestimo foi fixado em 3.271:000$000 réis, abriu-se subscripção publica, e esta excedeu setenta e sete vezes o pedido.

Mas, como o observa o sr. Mello Gouveia no seu relatorio do anno passado, o governo presentido com o successo do emprestimo Baring Brothers, abandonou a subscripção, e contratou directamente com o banco Lisboa & Açores, que tomou as obrigações ao preço do 87$000 réis.

E, pois, ainda aqui se póde notar uma differença a favor do thesouro.

Finalmente a sexta emissão teve logar por lei de 6 de maio de 1878, o seu valor foi do 1.706:000$000 réis, e o governo contratou-a com a casa Marcruard André & C.ª, de París, ao preço de 86$500 réis por obrigação, mas sem commissão nem corretagem, de fórma que, segundo o affirma o sr. Serpa, no relatorio d'este anno, de todas as emissões, foi esta a que menos encargos deixou á fazenda.

Temos portanto seis emprestimos, realisados em seis annos successivos o em condições mais vantajosas para o thesouro, o que leva á evidencia a progressiva elevação do nosso credito.

Apreciemos agora o emprestimo dos 6.500:000 £.

A lei de 7 de abril do 1877, referendada pelo sr. Carlos Bento, auctorisou o governo a contrahir um emprestimo do 6.500:000 £, destinado a satisfazer a divida fluctuante e ao debito em que o governo se achava para com os bancos, por virtude dos pagamentos feitos ás classes inactivas.

Este emprestimo devia realisar-se em titulos de divida externa do 3 por cento, não podendo o seu encargo annual exceder em mais do 3/4 Por cento o preço corrente do mercado, ao tempo em que elle se realisasse.

Do uso que o governo fez d'esta auctorisação veiu o sr. Mello Gouveia informar-nos no seu relatorio do anno passado.

Ahi diz s. ex.ª, que apesar dos esforços do governo, e da incontestavel respeitabilidade da casa Baring Brothers, não fóra possivel collocar no estrangeiro a totalidade do emprestimo; e que embora se podesse conseguir mais amplo resultado no nosso paiz, o governo se não resolvêra a lançar mão d'esse expediente, a fim de não immobilisar avultados capitães. Por isso se haviam emittido 4 milhões, dos quaes 1 fóra tomado pelo banco de Lisboa '& Açores, do accordo com os capitalistas inglezes.

O sr. Mello Gouveia, pretendendo justificar o governo do revez que soffrêra, invocava as incertezas da questão do Oriente.

Mas, sr. presidente a verdadeira rasão porque o emprestimo se não collocou na sua totalidade, foi porque o sr. Carlos Bento, estadista que eu muito respeito, e que por vezes tem gerido a pasta da fazenda com manifesto aproveitamento para o nosso paiz, deixou correr á revelia o tempo, o perdeu assim a occasião em que mais opportunamente podia emittir o emprestimo. (Apoiados.)

Quando se votou a lei de 7 de abril de 1877, já pesadas nuvens assombreavam os horisontes do Oriente, e todos sabiam que a Inglaterra tinha muitos dos seus interesses mais caros e estreitamente vinculados á questão que ali se debatia, e que, pois, as probabilidades de uma guerra futura forçosamente produziriam no mercado de Londres um retrahimento de capitães, que para logo se reflectiria nas outras praças estrangeiras.

Era isto o que o sr. Carlos Bento tinha obrigação do prever.

Mas s. ex.ª não o previu, e a consequencia foi que o emprestimo se mallogrou em grande parte.

Esta opinião, que hoje me parece ser de todo o ponto incontestavel, não foi, todavia, compartilhada pelo sr. Braamcamp.

S. ex.ª quando no anno passado se discutia o orçamento, referindo-se a este emprestimo disse que o governo do sr. duque d'Avila «tratando de emittir um emprestimo avultado... os mercados estrangeiros se recusaram a acceital-o, não sendo, portanto,.collocado senão uma parte d'elle».

E logo após acrescentou s. ex.ª:

«E ainda hoje, se o sr. ministro da fazenda quizer negociar o resto d'esse emprestimo, tenho como certo que s. ex.ª ha do encontrar a mesma repugnancia e as mesmas difficuldades.» - ¦

Pois s. ex.ª, apesar da sua larga experiencia dos' negocios publicos, inteiramente se illudiu nas suas previsões. O resto do emprestimo foi emittido em París, e com plenissimo exilo.

O governo contratou a sua emissão com a casa Stern Brothers de accordo com o banco de Lisboa e Açores. A negociação effectuou-se ao preço de 50 por cento, o os contratadores obrigaram-se a tomar firme milhão e meio e a adiantar ao governo portuguez as sommas de que elle necessitasse até á totalidade do emprestimo.

Isto fazia a casa Stern Brothers, em 1878, sendo ministro da fazenda o sr. Antonio de Serpa. O que fazia a casa Stern Brothers, em 1869, quando era ministro o sr. Braamcamp? O proprio sr. Braamcamp o declara, e declara lealmente, no seu relatorio de 1870.

Sessão de 19 do abril de 1879

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ahi diz s. ex.ª que em 1869, o governo, para fazer face aos pesados encargos do thesouro, tinha, por unico recurso, o emprestimo de 18.000:000,6000 réis, auctorisado por lei de 16 do julho de 1869.

Mas entabolaram-se as negociações com a casa Fruhling Goschen, e esta rescindiu-as, reataram-se com a casa Stern Brothers, mas, á ultima hora, vem esta impor a onerosíssima condição de se effeituar o emprestimo a 32 por cento, e pois por um preço ainda mais baixo do que o corrente no mercado; ameaçando ao mesmo tempo que não faria mais adiantamentos a Portugal.

E o governo curvou a cabeça e submetteu se ás imposições da casa Stern Brothers, e apesar d'isso o emprestimo annunciou-se o não se póde collocar.

Assim, pois, a casa Stern Brothers que, 1878, se compromettia a adiantar ao governo até á totalidade do emprestimo, que se pretendia emittir, declarava, em 1869, que não faria mais adiantamentos a Portugal.

A casa Stern Brothers que, em 1878, tratava desaffrontadamente com o governo, vinha á ultima hora, em 1860, impor-lhe duríssimas condições a que forçoso foi submetter.

A casa Stern Brothers que, em 1.878, se responsabilisava por mais da metade do emprestimo a realisar, repudiava de si, em 1869 toda a responsabilidade de uma negociação, que efectivamente se não póde levar a cabo.

E ao passo que em 1869,: o sr. Braamcamp considerava como sondo uma verdadeira felicidade, que os nossos encargos annuaes baixassem a 15, a 12 e até em parte a 10 por conto, em 1878, os encargos que temos assumido não excedem a 7 por cento para juros e amortisação.

Digam, pois, muito embora, que o ministerio economico e salvador é o do sr. Braamcamp — eu lembro-lhes 1869.

Digam, muito embora, que ministerio dissipador e perdulário é o do sr. Fontes, e eu lembro-lhes o alevantamento do nosso credito.

Mas temos mais.

Em 1873 fez-se um emprestimo para a consolidação da divida fluctuante.

Foi a primeira vez que se abriu subscripção publica em negociação de tamanha importancia.

O resultado excedeu toda a espectativa; os juros da divida fluctuante que já antes de contratado o emprestimo haviam descido a 6 por cento, depois do contratado baixaram a 51/2 por conto, e depois de emittido a 5 por cento.

. Mais tarde, em 1875, realisou-se o emprestimo para a compra de navios de guerra, auctorisado por lei de 10 de abril do 1874.

Não se abriu subscripção publica, a fim do se não fixar um valor arbitrario ás obrigações; se esse valor excedesse o que as forças do mercado comportavam, o exito seria nullo; se ficasse áquem perderia o thesouro.

Mas abriu-se o concurso, receberam-se dez propostas e de entre ellas preferiu o governo a do banco lusitano que offerecia 89$112 réis por obrigação de 90$000 réis nominaes, effectuando-se a amortisação em vinte e quatro annuidades..

Depois; em 1876, realisou se o emprestimo de réis 1.000:0006000, auctorisado por lei de 12 de abril de 1876, para obras publicas em Cabo Verde, S. Thomé, Angola e Moçambique..

Este emprestimo foi contratado com a Societé íinancière, de París, e pelas condições em que se realisou ficou sendo amortisavel em oitenta, e cinco annuidades de 7 por cento para juros e amortisação.

Estes são os nossos emprestimos. Qaaes foram os emprestimos do partido reformista?

O sr. conde do Samodães encarregou-se de o dizer no seu relatorio. (Apoiados.)

Em 1868 tornava-se indispensavel contrahir um grande emprestimo, a fim de recolher os saques que se haviam feito sobre a nossa agencia financial.

Receberam-se varios adiantamentos da Societé générale, de París, um de 500:000 £, dois de 200:000 £, e ainda um outro de £ 40:000. -

Estes adiantamentos deviam ser seguidos do um emprestimo definitivo.

Mas onde contrahil-os?

Em Londres? A imprensa ingleza, e os interessados no caminho de ferro do sul o sueste, moviam-nos alli desapiedada guerra.

Em París? Foi o que se tentou fazer. Mandou-se ali um emissário especial, foi o sr. Soveral.

Entabolaram-se as negociações com a Societé générale para um emprestimo do 125.000:000 francos, mas surgiram novas complicações; e para as resolver o proprio ministro da fazenda se dirigiu a París.

S. ex.ª, a muito custo, conseguiu que se lavrassem ali os dois contratos de 4 de dezembro; mas quando s. ex.ª voltou a Portugal e os apresentou em conselho do ministros, os seus collegas desapprovaram-os, s. ex.ª teve do saír do ministerio, e o emprestimo mallogrou-se.

Entrou para. a pasta da fazenda o sr. conde de Samodães, tentou ainda negociar o emprestimo, o desesperando de encontrar credito em París e Londres, recorreu ás outras praças estrangeiras, mas essas mesmas encontrou hermeticamente fechadas.

Recorreu aos capitães portuguezes e nada conseguiu. A final, exhaustos todos os recursos, veiu ao parlamento pedir que salvassem a fazenda publica, cuja situação se mostrava desesperadora.

Era quasi a bancarota que se annunciava!

E todavia eram esses os que se inculcavam nossos salvadores, eram esses os que desfraldavam, a todos os ventos, a bandeira das economias a todo o transe. (Apoiados.)

E succederam-se os ministerios uns após outros, duraram mezes e caíram, o foram vãs as promessas dos seus arautos, porque nem o nosso paiz progrediu, nem as nossas finanças se salvaram.

Nós temos alevantado emprestimos, é verdade, -mas vós vivíeis de adiantamentos, porque muitos dos vossos emprestimos se annunciavam, e muito poucos se chegaram a realisar. Então as praças estrangeiras batiam-vos em rosto com as suas portas e os capitães fugiam receiosos aos vossos reclamos.

E assim, dia a dia se exhauriam os nossos recursos, e mais o mais se desconceituava o nosso credito.

Os nossos emprestimos, activando os trabalhos da viação publica, e approximando e generalisando os productos das nossas industrias, vieram melhorar as condições economicas dos nossos mercados, o dar vida e alento ás forças productoras do nosso paiz.

Os vossos adiantamentos, sem embargo dos vossos melhores esforços, dos vossos melhores desejos, só serviam para obviar, de momento, ás difficuldades com que a vossa gerencia luctava, aggravando depois a situação da fazenda publica, que em terrivel dilemma se debatia entre a usura... e a ruina.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi, comprimentado pior muitos srs. deputados a pelo sr. ministro dei fazenda.)

O sr. Luiz de Lencastre: — Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Por parte da commissão de legislação civil requeiro que lhe. seja aggregado o sr. deputado Silveira da Mota. — Luiz de Lencastre.

Constatada a camara, foi approvada.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco e meia horas da tarde.

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