SESSÃO NOCTORNA N.º 74 DE 31 DE MAIO DE 1898 1315
Vejo que o projecto tem por fim legalisar, tornando permanente tres repetidores que, segundo sou informado, foram nomeados provisoriamente, sem concurso.
Póde ser que tenha havido rasão importante, rasão capital que levasse o governo a apresentar este projecto, mas não está presente o sr. ministro do reino e da instrucção publica para nos elucidar sobre quaes são as suas rasões e conveniencias; e não havendo representações do conselho escolar sobre este assumpto, acho perigoso irmos aggravar as despezas na actual situação, quando todas as economias, sem prejuizo dos serviços, são mais do que necessarias, são indispensaveis. (Apoiados.)
Se continuarmos n'este desmanchar de feira, chegaremos a uma situação tal, que nós, certamente, poderemos ser comparados, a meu ver, a outra nação, que não quero citar.
Sr. presidente, se rasões houve ponderosas e importantes que possam justificar este projecto, apesar da despeza que traz, emmudeceria a minha voz. Até poderia ser levado a votal-o, se a convicção entrasse no meu espirito de que elle era necessario, mas não se dando tal circumstancia, existindo já esses logares que se supprimiram no tempo das vaccas gordas por se julgarem desnecessarios, não vendo aqui representação alguma do conselho ponderando ao poder executivo sobre as urgencias do ensino, não estando presente o sr. ministro do reino para me poder explicar as rasões que o levaram a propor este augmento de despeza, proponho, por todas estas rasões, o seu adiamento, até que esteja presente o sr. ministro do reino.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Não está presente o sr. ministro do reino, mas está o governo representado, e estou prompto a responder a qualquer objecção que se levante sobre o projecto. Vou mesmo já responder às considerações que o illustre deputado apresentou.
Este projecto não tem por fim senão legalisar um facto existente.
Os logares de repetidores na escola polytechnica foram creados ha muitos annos e julgaram-se indispensaveis para ministrar o ensino pratico aos alumnos, porque é claro que o ensino pratico das mathematicas ministra-se muito mais efficazmente nas salas do estudo, por meio de repetidores, do que por meio de uma lição exposta pelo professor, que unicamente tem por fim expor a theoria, e não póde alongar-se na exposição pratica. Por conseguinte, estes logares existiram no tempo das vaccas gordas, e foram supprimidos no tempo do ministerio do sr. bispo de Vizeu.
A escola polytechnica tem reclamado contra esta suppressão, e tem exposto a necessidade da creação d'estes logares.
Ha dois annos foi effectivamente, por uma disposição parlamentar, incluida no orçamento a verbad estinada para o pagamento d'estes funccionarios, que foram nomeados e estão prestando serviço. Por consequencia o projecto não faz mais senão legalisar este facto e não augmenta a despeza.
Quanto á sua necessidade, já a demonstrei, e quem sabe o que é o ensino das mathematicas, deve reconhecer a necessidade dos repetidores.
Não vejo, pois, motivo para que a discussão do projecto seja adiada, nem tambem que seja necessaria a presença do sr. ministro do reino, quando, como digo, o projecto está justificado.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Avellar Machado: - As explicações que acaba de dar o sr. ministro das obras publicas ainda me deixaram uma impressão mais desagradavel do projecto.
Effectivamente, como s. exa. disse, já existiram este logares, e foram supprimidos, não no tempo das vacca gordas, mas no tempo das vaccas magras.
Ora se s. exa. concorda em que elles foram supprimidos no tempo das vaccas magras, mais uma rasão para serem supprimidos nas circumstancias actuaes em que noa encontrâmos. {Apoiados.)
S. exa. disse que os repetidores eram necessarios para ministrarem o ensino pratico das mathematicas applicadas; pois eu julguei que na escola polytechnica só se ensinavam mathematicas puras...
O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Não fallei em mathematicas applicadas.
O Orador: - Vejo que s. exa. corrobora a minha opinião, e que, portanto, eu não estava em erro.
S. exa. não demonstrou que seja necessario o projecto.
Na universidade de Coimbra não se ensina com menor proficiencia as sciencias mathematicas puras, e todavia ali não ha, nem houve repetidores, nem creio que o governo pense em crear esses logares. Só se for devido á pequena latitude entre as cidades de Lisboa e Coimbra que justifique a maneira por que ali se ministra esse ensino, ou porque os estudantes tenham em nivel intellectual superior, ou ainda porque os estudantes da escola polytechnica recebam menores habilitações que os da universidade de Coimbra. Não se dá isso.
Os preparatorios exigidos para se matricular n'um ou n'outro d'estes estabelecimentos de ensino são iguaes e nunca foi reconhecida essa necessidade para o ensino na universidade de Coimbra. Digo-o, não por mim, porque fui um dos mais modestos discipulos da universidade, na acuidade de mathematica, mas por muitas gerações de estudantes que d'ali têem saído.
Se na universidade de Coimbra, onde se professa com maximo rigor e zêlo o ensino das mathematicas puras, nunca foi reconhecida até hoje a necessidade de repetidores, e fallo diante de um antigo estudante d'aquelle estabelecimento, nem os conselhos da universidade solicitaram, requer, pelo ministerio do reino, a nomeação de repetidores para o ensino das mathematicas, não sei por que d'elles careça a escola polytechnica, onde o ensino não é mais desenvolvido que na universidade!
Deve suppor-se que a capacidade intellectual e as habilitações dos estudantes que frequentam esses institutos, é, pelo menos igual, e, quanto às habilitações exigidas, são iguaes.
Quanto á capacidade intellectual poderá um ou outro curso da universidade de Coimbra ser em media mais elevada do que em Lisboa, ou vice-versa. Mas isso é um caso fortuito, e mais prova o que eu acabo de dizer. Se não são necessarios na academia polytechnica do Porto, tambem não são necessarios na escola polytechnica. Se nós estivessemos n'outras condições, se as circumstancias do thesouro não fossem tão desgraçadas e apertadas, como todos os dias aqui temos visto confirmar officialmente com algarismos seguros e bem acceites, eu não teria duvida alguma em concordar que se d'esse mais para isso que se chama desenvolvimento do ensino.
Alem d'isso parece-me que é um mau serviço que se faz aos professores. V. exa. sabe que tendo-se votado uma gratificação de exercicio para os professores de um certo e determinado instituto, foi depois generalisada a todos os estabelecimentos de instrucção secundaria e superior. Se esses professores de instrucção secundaria podem ministrar esse ensino subsidiario aos alumnos do seu curso, porque não podem ministral-o os distinctissimos lentes da escola polytechnica? Ha alguma garantia especial para que o não façam? Essa instrucção seria a mais proveitosa não só pelas suas habilitações especialissimas, porque entraram todos para ali por concursos distinctos, mas porque alem d'isso elles melhor do que ninguem podem dirigir o ensino, fazendo os trabalhos necessarios para dar aos alumnos as explicações mais convenientes. Ora se se dão estas circumstancias n'um instituto superior, onde as sciencias mathematicas são professadas, reconheça-se a neces-